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quarta-feira, fevereiro 07, 2018

MIGUEL DE UNAMUNO - SONETOS - TRAD. ERIC PONTY

AO TOQUE DA ORAÇÃO

Campainhas do passado que não passam,
Lhe dais língua de bronze, peregrino,
Que uma vida descanso aqui, em minha casa,
Os ouço me chamais; de meu caminho.

Volto a vista ao céu onde incendeia,
Destas nuvens sol ali adivinha,
Antes de ser fui, quando minha massa
Era parte deste ígneo torvelino.

Findar-se oração nada fez sombra,
Ao seu irmão de aliado, dos receios,
Com à luz morrem, morre o cego brio.

Desta cega batalha e na verdura,
De Deus se abrem as flores dos céus,
De que caiu à esperança qual relva.

TODA À VIDA

A manhã deste florido de maio,
Abriu-se as asas úmidas de sonho,
E do nascente sol ao tíbio raio
Ao ar se entregou. E sobre o risonho.

Faz do natal arroio filho o ensaio,
Primeiro de suas asas. Do empenho
Toma já, retorno. Breve desmaio
Apoiando filho pétala tranças.

Dum afunilar. Se empenhou à derrota,
Desta efêmera vida em louco brilho,
Desses voos faltos de intenção alguma.

Para morrer, sem conhecer à noite,
Abatida por pedra dum menino,
Das nativas d´agua em uma cama.

NIHIL NOVUM SUB SOLE

Coloca tua mão, há que disse, sobre meu ombro,
E avança atrás de minha pois fenda se estreita;
Por entre ruinas caminhamos, o escombro,
E pisando do qual foi castelo cuja flecha.

Penetrava nas pardas nuvens eram assombro,
Dos caminhantes. Que avigora nos observa
Desta rubra torre aquela nem alguém chama
Por medo de atrair nossa. De ti que se desenha.

As das vãs ilusões; dum futuro marchamos,
Que foi usado já pelos outros; não me atrevo,
Com engano a guiar tua vida; tropeçamos.

Com passado ao avançar, tudo se renova;
Os brotos e dos secos são os mesmos ramos,
Hão de havido já, nada havendo de novo.
TRAD. ERIC PONTY

Sóror Juana Inés de la Cruz - SONETOS - TRAD. ERIC PONTY

Estes versos leitor meu,
Que a teu deleite consagro
E só têm de bons
Conhecer já que são maus.
Nem os disputar quero
Nem quero recomendá-los
Porque isso fora querer
Haver deles muito caso.

Não agradecido te busco:
Pois não deves, bem olhado
Estimar o que já nunca
Julgue que fora a tuas mãos.

Em tua liberdade te ponho,
Se quereis censurá-los
Pois de que ao cabo te estás
Nela, estou muito ao cabo.
Não há coisa mais livre que
O entendimento humano
Pois o que Deus não violenta
Porque hei eu já de violenta-lo?

De quanto quereis deles,
Que quando mais inumano
Me mordeis então
Não ficas mais obrigado
Pois se deves a minha Musa
O mais amadurecido plantão
(que és o murmurar) segundo
Um adágio cortezão
E sempre te sirvo, pois
O te agrado, o não te agrado; Si
Se te agrado, ti divertes,
Murmuras, se não quadro.

Bem pudera já dizer-te
Por desculpa, que não hei dado
Lugar para corrigi-los
Á pressa dos transladados;
Que vão em diversas letras
E que algumas, dos homens
Matam a sorte do sentido
Que é cadáver do vocábulo
E que, quando hei feito
Há sido em curto espaço
Que feriram o ócio
Pressões do meu estado;
Que tenho pouca saúde
E contínuos embaraços,
Tais, que um dizendo isto,
Levo a pluma trotando.

Porém todo isso não serve
Pois pensarás que me jacto
De que serás foram bons
De havê-los feito despacho
E não quero que tais crias
Senão só que e ao dar-vos
Na luz, tão só por
Obedecer dum mandato.

Isto é, se gosta de crê-los,
Que sobre isso me mato,
Pois ao fim farás os cascos.
E adeus que isto não é mais de
Dar-te a mostra do pano:
Se não te agrada a peça
Não devolverás o fardo.

Em que satisfaz com receio à retorica do canto

Esta tarde, meu bem, quando te falava,
Como em teu rosto de tuas ações via,
Que com palavras não te persuadia,
Que o coração me vezes desejava;

E Amor, meus intentos ajudava,
Venceu o impossível parecia,
Pois entre o canto, que dor se vertia,
Do coração desfeito destilava.

Baste já de rigores, meu bem, baste,
Não te atormentem mais dos céus tiranos,
Nem vil receio tua calma contraste.

Com sombras néscias, com indícios vãos,
Pois já em líquido humor viste e tocaste
Meu coração defeito dentre tuas mãos.

Ao Teu retrato

Este que vês, engano colorido,
Que desta arte ostentando seus primores,
Com falsos silogismos destas cores,
És cauteloso engano do sentido.

Este, em que de lisonja há pretendido,
Excursar destes anos dos horrores,
E vencendo do tempo dos rigores
Triunfar desta velhice e deste olvido.

És um vão do artifício do cuidado,
És uma flor que ao vento delicada,
És um resguardo inútil para é dado.

És uma néscia diligência errada,
És um afã caduco, bem olhado,
És cadáver, és pó, é sombra, és nada.

Quem contém uma fantasia contenta com amor decente

Distinta, sombra do meu bem esquivo,
Imagem do feitiço que mais quero,
Bela ilusão por quem alegre morro,
Doce feição por quem penosa vivo.

Se ao ímã de tuas graças, atrativo,
Serviu meu peito obediente deste aço,
Para que me enamoras lisonjeiro,
Se hás de burlar-me já fugitivo?

Mas ostentar não podes, satisfeito,
De que triunfa de mim tua tirania;
Que ao que deixas iluso o laço estreito.

Que tua forma fantástica uniria,
Pouco importa burlar braços e peitos
Se te lavra prisão minha ilusão.

Prossegue o mesmo assunto e determina que prevaleça a razão contra o gosto

Ao ingrato que me deixa, busco amante;
Ao que amante me segue, deixo ingrata;
Constante adoro há quem meu amor maltrata;
Maltrato há quem meu amor busca constante.

Ao que trato de amor, falo diamante,
E sou diamante ao que do amor me trata;
Triunfante quero ver ao que me mata,
E mato ao que me quer ser tão triunfante.

Se há este pago, sofre meu desejo;
Se rogo aquele, meu decoro enojo:
De ambos modos infeliz eu me vejo.

Porém já, por o melhor partido escolho,
De quem não quero, ser violento emprego,
Que de quem não me quer, vil me despojo.

Ensina como um só emprego em amar é razão convivência

Fabio: Não ser de todos adoradas,
São todas as beldades ambiciosas,
Porque tem de se arar por ser ociosas
Se não as vem destas vítimas tão findas.

E assim, se de um só são seres amadas,
Que vivem da Fortuna querelante,
Porque pensam que mais que ser formosas
Constitui-se deidade ser rogadas.

Mas já sou em aquisição tão medida,
Vendo há muitos, meu zelo desvanecido
E só quero ser tão correspondida.

Daquele de meu amor atenção cobra;
Porque é o sal do gosto ao ser querida:
Que dana ao que se falta e ao se que sobra.

De amor, posto antes sujeito indigno, é emenda alardear arrependimento

Quando do meu erro e tua vileza veio,
Comtemplo, Silvio, de meu amor errado,
Qual grave és a malícia do pecado,
Qual violenta à força deste desejo.

À minha memória apenas eu creio
Que pudesse caber aqui meu cuidado
Á última linha do depreciado,
Ao término final de um mal emprego.

Já bem quisera, quando chego verte,
Vendo meu infame amor, poder negá-lo;
Mas logo a razão justa que me adverte.

Que só se remedia em me publicá-lo:
Porque do grande delito de querer-te
Só és bastante pena, confessá-lo.

Prossegue em seu pesar e diz que um não quisera aborrecer tão indigno sujeito, por não lhe ter assim acerca do coração

Silvio, já eu te aborreço, e um condeno
Ele que estes da sorte em meu sentido:
Que difama ao ferro ao escorpião ferido,
E há quem rastro, mancha imundo o barro.

És como do mortífero veneno,
Que dana há quem o verte inadvertido,
E no final, és tão mal e és tão pérfido
Que há um para aborrecido não és bom.

Teu aspecto vil é minha noção ofereço,
Ao que com susto me o contradiz
Por dar-me já da pena que mereço:

Pois quando considero o que me diz,
Não só a ti Carrera, que te aborreço,
Porém a mim pôr o tempo que te quis.

De uma reflexão dá pista com que mitiga a dor duma paixão

Com a angústia desta mortal ferida
Dum agravo de amor me lamentava
E por ver si na morte que me chegava,
Procurava que fosse mais crescida.

Toda no mal a da alma divertida
Pena por pena dor tua que somava
E em cada circunstância ponderava
Que sobravam mim mortes há uma vida.

E quando ao golpe de um e doutro tiro
Rendido o coração dava penoso,
Os Sinais de dar do último suspiro.

Não sei com destino prodigioso
Voltei em meu acordo e disse: Que me admiro?
Quem em amor há sido mais feliz?
TRAD. ERIC PONTY

MISSAS HEREGES - Pela alma de Don Quijote – 1908 - Evaristo Carriego – TRAD. ERIC PONTY


Com o mais repousado e humilde continente,
De contrição mui sincera, suave, discretamente,
Por não incorrer em enganos de engenhosos normais,
Sem deboches enjoados nem atitudes teatrais
De cómico rebelde, que, encenando na comparsa,
Ensaiando o canto trágico que chorará na farsa,
Dedico estes sermões, porque assim, porque quero,
Ao único, ao Supremo Famoso Cavaleiro,
Há quem eu peço que sempre me tenha de sua mão,
Ao santo dos Santos Don Alonso Quijano
Que agora está na Gloria, e na destra do Bom:
Seu dulcíssimo irmão Jesus O Nazareno,
Com as desilusões de suas cavaleiras
Renegando de todas nossas picardias.
Porém estou há temer que venha algum mentiroso
Com suas sátiras amáveis de enganador maldoso,
Ou com mordacidades de socorram daninho,
E se descubram, tão grave como ironicamente,
Da sandice de Sancho se chama ironia,
Que meu amor ao Mestre se converta em mania.
Porque assim vão as coisas, as mais simples crenças
Requerendo o visto bom e o favor da Ciência:
Se a ela não se acolhe não se prospera e, acaso,
Seu próprio nome se perde para tornar-se caso.
E não vale a pena (Não sendo um pretexto fútil
Com o qual se pretenda rechaçar algo útil)
De que se tome há sério o vago, o ilusório,
Os credos que não tenham odor ao sanatório.
As frases de anfiteatro, são estigmas e motes
São propícias às raças de Cristos e Quixotes
Não sendo mui os dignos de sofrer o desprezo,
Do aplauso tonante do abdômen do neceio
Nestes bravos tempos em que os hospitais
Da higiénica moda que dão soros doutorais
Sapientes catedráticos, até os dentistas práticos
Consagram infalíveis cenáculos e escolas
De graves professores, em cujos dicionários
Não hão de ler seus sonhos os pobres visionários
Dos dois grandes loucos se hei cansado a gente:
Assim, santo Mestre, eu hei visto ao reluzente
Pardo de teu escudeiro passar irrisoriamente,
Levando os despojos que houveste conquistado,
Em tanto que na bola, e que é nada reluzente,
Andando há um sem cavalo em teu triste Rocinante!
TRAD.ERIC PONTY

terça-feira, fevereiro 06, 2018

Gaspara Stampa - SONETOS - TRAD. ERIC PONTY

I

E Vós que escutais daquela triste rima
Daquele triste, aquele bruno acento
Flanco algum amoroso meu lamento
Ser minhas penas entre as outras primas.

Onde se fiam valentes e apreço, glória
Não que perdões, de meu lamento espero
Encontre-os dentre os foram bem-nascidos,
Depois que o reaprender é pois sublime.

E espero sejas a dizer umas delas.
– Felicíssima lei, qual se sustenta
É clara te causar danos sendo claro!

Abraço de tant'amor, de tanta dita
Vosso nobil. Senhor a mim não sendo;
Que eu não andei com tanta mulher lado?

II

Estava acerca ao dizer que Criador, 
d´aguas tuas poderia sobreviver,
Em forma humana foi a se demostrar,
Desde do ventre Virginal saindo antes.

Quando digno importante, minhas senhoras, 
Ao que após tantos lamentos dispersos, 
Podendo em lugar mais alto fincar,
Ao fazer-se ninho e abrigo de meu centro.

De rara alta ventura favor de cúmplice; 
Escorar sol que tarde meu credo digna 
Deste vosso, e, de todo o teu cuidado.

Desde aqui pensamentos e esperanças 
Olhar define a todos, cabem medida
Claro e filho, sol retorna se admira.

III

Caso do vulgar pastor gado e apático, 
O garfo férreo da fé eis que és poeta,
Ele, então, virtude é louvado meado,
De quase todos outros fama tolhe.

Que maravilha fia se alça e fracassa,
Basta vida escrever tanta piedade
Pode ser mais estudo, nosso planeta,
Meu verde, valioso e do outeiro alto?

De Cuja sagrada, honra e sombra fatal
Da minha dor, quase sofreu tempestade,
Cada estupidez, pouca altura clara.

Lugar baixo é que elevado, questão
Renova do silêncio, da veia ofusca,
Tanta virtude n´ alma imporá eu viva!

IV

Quando senhor entrou meu conceito todo,
Os Planetas em céu, todas às estrelas
Lhes der à graça, talentos daqueles
Pois que foi entre nós apenas perfeito.

De Saturno dessa altura do intelecto.
Júpiter a buscar coisas dignas e belas.
Marte fez certo ele aceso outro homem
Febos de ímpio estilo e astúcia que peito.

Vem e diz que beleza é legendária,
Eloquência Mercúrio; mas que a lua
A fé mais gelada que eu não veria.

Desta muita rara à graça toda a mim,
Á chama de apagar este meu fogo,   
E para relaxar-lhe meu descanso.

V

Eu assimilo, que meu senhor Céu,
Assimilando, Muitas vezes. O teu belo
Rosto e o sol. olhos e as estrelas,
E do som dos versos e a harmonia.

Dilúvios, chuvas, trovões, gelos sou eu,
Teu ser irritado, quando irar só,
Bondade e do sereno e, quando quiser.

A Primavera germinar florindo,
Quando ela florir na minha esperança
E pretendendo terminar este estado.

A ravina inverno e, então, quando mudar,
Ameaça novos pensamentos e quarto,
Despindo-me dessas mais ricas honras.

VI

Dum intelecto angélico divino,
Real natureza, real valor,
Um desejo tão vago de fama e honra
Dum falar sábio, grave e peregrino.

Um sangue ilustre, do alto rei perto,
Uma dita poucas guimbas, fase menor,
Justiçosa de verdadeira flor,
Dum ato honesto, sendo gentil e curvo.

Um rosto mais brilhante sol intenso,
Da Beleza e graça Amor reaplicado,
Nunca mais vistas ou ouvida humor.

Para correntes legaram a mim,
Os fãs dos honrados e doces  guerra,
Do mesmo como d´Amor tender sempre!

VII

Quem quer saber, mulheres, meu senhor,
O Senhor de jovem aspecto poucos anos,
que é tão antiquado deste intelecto,
Efígie desta glória e deste valor.

De cabelos loiros, e de vivas cores,
Duma Pessoa alta de espaçoso peito,
É finalmente dum homem perfeito,
Fora um pouco (não és tu!) Ímpios no amor.

Quem quer que, então, me conhecer,
Admirável, Senhora efeito semblante,
Imagem desta morte e deste martírio.

Um albergue de fé salda e constante,
Um, que, se eu chorasse, arda e suspiros.
Não se faz tão piedoso cruel amante.

VIII

São como coisas desprezeis e covardes,
Mulher, não posso tirar erguido foco,
Por isso não ti incluo, pelo menos, pouco,
Resgatá-lo do mundo e da veia estilo?

Se só Amor com novo, incomum, arqueiro
Ao tolo não me alçou este local, porque
Não podem nem com jogos já tão usados
Pena de morte e a pena em mim como esta?

Não for crível por força da natura,
Para um milagre, que de muitas vezes,
Vence penetra e quebra cada medida.

Como este é não posso dizer expresso,
Sinto-me tão bem minha grande ventura,
Sinto-me desta cor novo estilo impresso.
TRAD.ERIC PONTY

MIGUEL DE CERVANTES SAAVEDRA - Soneto e Poema - Trad. Eric Ponty

SONETO

Pois vens que não me hão dado algum soneto
Que se ilustre este livro de abertura,
Vim há vós, pluma, minha mal podada,
E fazer-lhe, algo careça de discreto.

Haveis se escuse o temerário aperto,
De andar convosco de outra encruzilhada,
Mendigando alambazas, desculpada,
Fatiga e impertinente, eu os prometo.

Todo soneto e rima ali se achega,
E adorna-os de umbrais sejam dos bons,
Ao que adulação sejam ruim casta.

E dai-me há vós que essa viagem tenha
Do sal com um pãozinho pelo menos,
Lhes marcando por vendível, e basta.

I
Sereníssima Rainha, em quem se fala
O que Deus pode dar-nos a um ser humano;
O Amparo universal do ser cristão,
De quem a santa fama nunca cala;
Arma feliz, de cuja fina rede
Se viste o grão Felipe soberano,
Ínclito rei do grande solo hispânico,
Há quem fortuna e mundo se avassala.
Qual engenho podia aventurar-se
Apregoar do bem que estás me mostrando,
Se já no divino visse converter-se?
Que, em ser mortal, farás acovardar-se,
E assim lhe vai melhor sentir calando
Daquilo que és difícil de lhe dizer-se.

II

Aqui do valor da espanhola terra;
Aqui da flor dessa francesa gente;
Aqui quem concordou o diferente,
De oliva foi coroado aquela guerra,
Aqui, pequeno espaço, vem se encerra,
Desta nossa clara luz de ocidente,
Aqui parte enterrada da excelente
Causa que nosso bem todo desterra.
Olhe-me quem é mundo e sua pujança,
E de como, da mais alegre vida,
A morte leva sempre da vitória!
Também olha a bem-aventurança
Que goza nossa rainha esclarecida
Que neste eterno reino desta glória.

TRAD.ERIC PONTY




Julio Herrera y Reissig - SONETOS - TRAD. ERIC PONTY

As aranhas do augúrio

Eu sei em suas pupilas surgiram mistérios,
Dum bosque alucinado por uma lua exótica,
Eu sei entre suas sedas late uma fuga erótica,
Que sonhei em irreais e láteos hemisférios.

As minhas penas foram divina magia hipnótica,
Seus lábios incensários místicos saltérios,
E eu desejara sempre ter por cativeiros,
Seus braços, cabelos, sua nostalgia gótica.

Ô se pudesse falar! Sonhava neste dia,
Iludiu o palácio de minha melancolia,
Suas finas mãos ébrias de delirar harmônicas.

Doçuras dos seus parques, vagavam no piano,
Sonambulando e eram as brancas filarmônicas
Aranhas augurais dum mundo sobre humanos.

O Despertar

Alísia e Cloris abrem de par em par a porta,
E torpes com o dorso desta mão preguiçosa,
Restringindo-se aos húmidos olhos luz incerta
Por onde fogem os últimos sonhos da manhã.

A inocência do dia se é lavada na fonte,
Ao arado em sulco vagaroso desperta,
E em torno desta casa reitoral o sótão
Do cura se passeia gravemente na horta....

Tudo respira e ri. A placidez remota,
Da montanha sonha celestiais rotina,
Á sineta repete sempre a mesma nota.

De grilo das cândidas églogas matutinas,
Para na aurora obliquar agudas andorinhas,
Como fechas perdidas noturnas da derrota.

O Regresso

A terra ofereceu ósculo de cortesia paterna...
Pasta da besta erva miséria do caminho,
E montanha reluz ao tordo sol de inverno,
Como uma velha aldeã, seu veneno de linho.

Um céu bondoso e dum zéfiro que faz terno...
Pajem descansa cotovelo abaixo do pinho,
E densas as colmeias com passo paulatino,
Acodem nesta música sacerdotal corno.

Trazendo sobre ombro lenha para esta cena,
Ao pastor cuja ausência não dura mais que um dia
Caminha lentamente calmo rumo do casario.

Ao ver-lhe a família lhe dando boas vindas...
Enquanto cão em ímpeto de lentidão amena,
Descreveu fazendo círculos de alegria.

Almoço

Choveu... Trinca ao longe um sol convalescente,
Fazendo entre as pedras brotar um ser desprezível,
E ao som dos compactos silencia da torrente,
Com áspero sorriso palpitou a companhia.

Rugiu no precipício uma cabra pendente,
Um bezerro loiro baila entre os pedregulhos,
E ao céu campesino contempla ingenuamente
A Ruga pensativa que tem na montanha.

Sobre tronco hasteado dum abeto de neve,
Um instante que se amam Damócaris e Hebe,
Um com seu cajado reanima os fogos fátuos.

Outro distrai o ócio com plástica humildade...
E na mesma horta comem figos e morangos,
Manjares que dita sazonas em tuas rodilhas.

A Sesta

Não bateu mais que um único relógio: Campainhas,
Que contam sobre os ditosos tédios da aldeia,
E quais ao sol Janeiro acidamente chispe-a,
Com seu aspecto remoto de velho refratário...

A porta, sentado se dorme o boticário....
Na praça jacente a galinha faz cloc cloc,
Num tronco da oliveira arde em uma lareira
Junto ao qual o padre medita o breviário.

Tudo é paz nesta casa. Um céu feito sem rigores,
Bendisse trabalho que se repartiu os suores....
Mães, irmãs, tias, cantam lavando nas bicas.

As roupas que do Domingo sofreram campesinos....
E asno vagabundo que há entrado na vereda,
Fugindo, saltando coices cães vizinhos.

Velhice prematura

Esta noite, dum salto astro se põe,
Baixo do ódio, punço deste abrupto,
Fiz dum astro fugaz, em um rascunho
Daquele pseud. parêntesis evacuar.

As almas emolientes do arbusto verdes,
Dormidas ao largo deste terreno,
Amavam nas neves deste teu punho
O sangue deste histérico morder.

Houveram, com intimo prelúdio,
De Diana dos pulsos do repudio 
Ao oferecer-te com sua luz caduca.

Do minguante meu beijo te perdoas,
Ao fumo destas mortas ilusões
E fio a fio, subia por tua nuca.

O desamparo

Deste plumo da altura com o sujo,
Andrajo duma noite em malicias,
Não se presumiu do respeito afago
Deste eterno joguete senhoril.

Desdobrar virtualmente sobre lúcido,
“foulard” dos leites, que de tua infância,
Deparo-me com naufraga imperícia,
Do quadril, ao pé ao seu occipúcio.

E quando concretizar tuas energias,
No minuto audaz que destas porfias 
Assinaladas ao céu donde sobem.

A fé deste teu olhar tão nazareno,
O céu se assomou por uma nuvem
Com tanta ingenuidade dava-nos pena.

Alba Triste

Tudo foi assim. Preocupações lilás
Turbaram para ilusão da manhã,
E uma garça pueril sua absurda plana
Bate-paus nas ondas intranquilas.

Um estremecimento de sibilas,
Epilepsia dos instantes da janela,
Quando pronto um mito desajuizado
Rodeou na obscuridade minhas pupilas.

“Adeus, adeus” gritei-me até aos céus,
Ao gris sarcasmo de suas finas luvas,
Ascendeu com o roxo de meus zelos.

Wagner bradar ao ar duma corneta,
E da selva sentiu naquele instante,
Uma infinita colisão que fez completa.

Neurastenia

Urano ao bosque muge num rabugento,
E os ecos levando alguma recriminação,
Fazem rodar seu duro frágil coche,
E falam língua dum estranho Congo. 

Com sua expressão estúpida dum cedro
Cravado na ignorância desta noite,
Morreu a lua. O fumo faz um fantoche,
Dos pés do sátiro e chapéu do oblongo.

Ficar-te! Vou celebrar ti nesta missa
Abaixo azul genuflexão de Urano,
Adoçarei qual hóstia tua camisa.

Ô tuas botas as luvas, o vestido,
Tu, se expressarás sobre minha mão
A metempsicose deste astro menino.
TRAD.ERIC PONTY

PEDRO CALDERÓN DE LA BARCA - SONETOS - TRAD. ERIC PONTY

Para às flores

Estas já que foram pompa e alegria
Despertando ao albor da manhã,
Á tarde serão uma lástima vã
Dormindo aos braços da noite fria.

Este matiz que ao céu desafia,
Iris listada de ouro, neve e grama
Será escarmento da vida humana:
Tanto se empreende ao terminar dum dia!

Eflorescer as rosas madrugaram,
Para envelhecer floresceram:
Cunho e sepulcro em botão falaram. 

Tais foram homens fortunas vieram:
Em um dia nasceram e aspiraram;
Que passados séculos as horas foram.

Há um altar em Santa Teresa

Há que vês em piedade, chama e voo,
Ara o solo, sol à queima, ao vento ave,
Argos de estrelas, imitada nave,
Nuvens vence, ar rompe toca ao céu.

Esta pois se cumpre nesse Carmelo
Mira fiel, mansa ocupa e ara grave,
Com admiração mostra suave,
Casto amor, justa fé, piedoso céu.

Ô militante igreja mais segura,
Pisar a terra, ar ardente, mar navega,
E há mais pilotos que seu governo fia.

Triunfa eterna, está firme, vive pura;
Que há no seu golfo que te vê te nega
Culpa infiel, torpe erro, cega heresia.

Crisântemo

Quem em humana sorte terás tido
Juntos tantos afetos desiguais?
Males pois não bastou haver sido males,
Senão males opostos haver sido?

Ao céu por se saber-se do pedido,
Dum trio Deus mistérios celestiais,
Morte ao pedido ao mirar-se, em tais
Penas, da beldade favorecido.

Pois como vida e morte meu desvelo
É possível céu de alguma vez peça,
Se é pedir juntos perdida e consolo?

Mais certo ao pedir-lhes não me impeça
Vida o morte, suposto que é do céu
Árbitro desta morte e desta vida.

Para o Mirto

Sem cuidado o cabelo, e tão incerta
Ao coração ao sangue redimida,
Tão desmaiada com ar de dormida,
Dormida e com ar de despertada.

Pouco certo ao viver, beldade certa,
Na alma sem obrar em si de escolhida,
Para poder matar como com vida,
E para senti-lo, como se morta.

Ao ver, ao ir se falar, disse advertindo:
Se formoso de ingrato é argumento,
Desmaiada, e esquiva terás se ouvido.

Logo em vão é dizê-lo que eu sinto,
Mal poderá senti-lo sem sentido,
Se algum com ele não tem sentimento.

Aurélio

Lício? Esta obstinação te porfia?
Mariposa solicita do dano
Morrer quer à luz do desengano?
Teus sóis culpa, obediência minha.

Que muito se confia de quem se fia,
Sabes que Lisis com o traidor engano
Memórias há de um ano outro ano
Nos olvidos nos sepultou em dum dia? 

Ô quando do avaro está dor contigo
Pois algum da queixa não se atreve dá-la,
De a mim, de Lisis, nem ti tampouco?

Que teu zeloso, ela mulher, eu amigo
Nos fala desculpados, pois nos fala
Ao meu fiel, a ela fácil, e a ti louco.

Do Pecador ferido

Se este sangue, por Deus, ser poderia
Que dá ferida aos olhos passara,
Antes de que a verteria que a chorara,
Fora eleição e não violência se fora.

Nem o interesse ao céu me moveria,
Nem do inferno o dano me obrigaria;
Só por ser quem é a derramara
Quando nem prêmio nem castigo houvera.

E se aqui Inferno e céu que me agonia,
Abertos viera, cuja pena ou cuja
Glória estivera em mim, se prevenia.

Ser vontade de Deus que me destruía,
O inferno me fora por ser da minha
Não se entrara-lá no céu sem ser tua.

del Rei

Ver estou meus impérios dilatados,
Minha majestade e, glória, e grandeza,
Em cuja variedade natureza
Perfeiçoou de espaços teus cuidados.

Fortalezas possam ser levantadas,
Minha valia há nascido da beleza,
A humildade de uns, de outros há riqueza,
O triunfo são arbítrios destas estrelas.

Para reger tão desigual, tão forte
Monstro de muitos colos, me concedam
Os céus de atenções das mais felizes.

Ciência me deem com que reger acerte,
Que é impossível que domar-se possam,
Com uma carga não mais tantas cervizes.

Formosura

Vendo minha beldade linda e pura;
Nem ao rei invejo, nem seus triunfos quero,
Pois mais império ilustre considero
Que é ele que minha beleza assegura.

Porque se ao rei subjugar-se procura
As vidas eu, as almas, logo infiro
Com causa que meu império é primeiro,
Pois reina na almas desta formosura.

O pequeno mundo a filosofia
Chamo ao homem; sem nele meu império fundo,
Como o céu lhe tem, como o solo.

Bem pode presumir a deusa minha
Ao que homem chamou de pequeno mundo,
Chamará tua mulher de pequeno céu.

A Noite

Estes rasgos de luz, estas centelhas,
Que cobram com âmagos superiores
Alimentos do Sol em resplendores
Àquilo vivem que se duelam delas.

Flores noturnas são: ao que tão belas,
Efêmeras padecem teus ardores,
Pois se um dia é século das flores,
Uma noite é a idade destas estrelas.

Desta, pois, primavera fugitiva,
E nosso mal, e nosso bem se infere;
Registro nosso, que morra sol o viva.

Que duração haverá que homem espere,
Que mudança haverá que não o receba
Do astro que à cada dia nasce e que morre?

Centauro

Apenas o inverno gelado e branco
Este monte com neves desvanece,
Quando desta primavera floresce,
Gelado que se viu, se olhou d´ufano.

Passa a primavera, passa o verão
Menosprezos do sol sofre e padece;
Chegou alegre o outono se enriquece
O monte de verdor, de fruta ao plano.   

Tudo vive está sujeito tua mudança:
Dum dia para outro dia dos enganos
Cumpre dum ano, este outro alcança.

Com esperança sofre desenganos
Um monte, que faltar-te a esperança
Ia se rendera ao peso destes anos.

Laura

Os campos de Madri, Isidoro santo,
Emulação divina são do céu,
Pois humildes os anjos são seu solo
Tanto celebraram e veneram tanto.

Os celestes labradores, enquanto 
são amorosa voz, com santo celso
Vos enviais angélico consolo
A Doce oração, fertilizou o canto.

Ditoso agricultor, em que se encerra
Na colheita de tão férteis despojos,
Que divino humano os deu de tributo.

Não recebeis o fruto desta terra,
Pois cozeis dos céus vossos olhos,
Semeando aqui tuas lágrimas, fruto.
TRAD. ERIC PONTY

segunda-feira, fevereiro 05, 2018

JUAN BOSCÁN - SONETOS - TRAD. ERIC PONTY

Para Duquesa

Há quem darei amorosos versos meus,
Que pretendem amor, com virtude junto,
Desejam também mostrar-se formosos,
A ti senhora, há quem isto tudo cabe,
A ti deem, por quanto que se carecem
Destas coisas que digo que pretendem
Em ti falaram lhes cumprimentar-vos
Recolhe-los com branda suavidade
Se vires que são brandos, e si não,
Recolhe-los como eles mereciam,
Depois eles te importunarem muito
Com chorar, porque assim souber faze-lo
Não te pareçam mal os tristes choros,
Pois são suas lágrimas com causa,
Não só grande razão que se consentem
Mas hão de ser doridas e choradas
Por todos os que virem donde caem
Eles partem esvaindo de minhas mãos
Pensar podiam viver onde queiram 
Porém segundo hão se oferecidos
E pouco corrigidos em seus vícios,
O perigo andará si em ti não falam
À maneira de viver sua oferta
Amparo por valer-se em teus erros,
Se passarem com honra, dais vida
E si não, não os pague o remédio,
Que tempo lhes dará com tua justiça
Que morram e que os cubra de terra
E da terra sejam de eterno olvido.

XXI – Soneto

Nunca de amor esteve tão contento,
Que em teu elogio meus versos ocupar-se,
Nem nada aconselhe-os que se enganei,
Buscando ao amor contentamento.

Isto sempre julgou meu entendimento,
Que deste mal todo homem a guardar-se,
E assim, porque esta lei se conservasse,
Folgar ser todos d´escarnecimento.

Ô vós outros andais trazeis os escritos,
Gostando de ler tormentos tão tristes,
Segundo que por amor são infinitos!

Meus versos são ditos Ô benditos, 
Os que de Deus tão grande merece haveis,
Que do poder de amor fostes quitados!

XXX – Soneto

As chagas que de amor, que são invisíveis,
Quero como visíveis que se apresentem,
Porque aqueles que humanamente sentem
Se espantem de acidentes tão terríveis.

Casos desta justiça mais horríveis,
Em público hão de ser porque castigados
Com tua torpeza, e de que se amedrontem
Até os teus corações invencíveis.

Eu trago aqui a história de meus males,
Donde ilustre de amor hão ter concorrido,
Tão fortes, que não sei como contá-las.

Eu só em tantas guerras fui ferido,
E são minhas feridas, dos sinais,
Tão feias, que hei em vergonha mostrá-las.

XXXI – Soneto

Mas enquanto mais eu disso me fujo,
Mais convencer mostrar minhas desventuras,
Que assim serão apagadas minhas loucuras,
Com à triste vergonha vós sentirei.

E cada vez que bem me arrependerei,
Grão logro levarei de minhas tristezas,
Desta cura saem de outras mil curas,
À mim para quem ver-me quem quiser.

Pelo largo caminho por do que forem
Todos verão meu triste monumento,
E verão de minha morte um grão letreiro.

Temendo ficaram em um momento,
Quantos dali que olharam e me leram,
Um modo de morrer que tão lastimoso.


XXXII – Soneto

Quem possui em si tão duro sentimento,
Que em ver meu mal, a volta não dê logo?
Quem tão louco será, o será tão cego,
Que os olhos não cerrem ao meu tormento.

Diante vã das penas que em mim sento,
Dando novas de meu desassossego,
E destas mãos levando do vivo fogo,
De ardendo está meu triste pensamento.

Os que trazem me verão, se pedirem,
Não sei como podem ser desculpados,
Mostram conscientemente se morrerem.

Dignos serão de ser ao campo achados,
Pela mão destas gentes que os viram,
Tão proposital morrer desesperados.  

XXXIII - Soneto

Há um bem não fui saído desta cama,
Nem da ama de leite fui eu deixado
Quando o amor me teve condenado
Ao ser dos seguiram a tua fortuna.

Deu-me logo misérias, duma a uma,
Por fazer meu costume em teu cuidado,
Depois em mim dum golpe há descartada,
Quando mal há debaixo que duma lua.

Na dor fui eu criado e fui eu nascido
Dando dum triste passo em outro amargo,
Tanto que si, há passos, é desta morte.

Ô, coração que sempre há de padecido,
Dê-me tão forte mal, como é tão largo?
E mal tão largo, diz, como é tão forte?

XXXIV – Soneto

Ao alto céu, que em teus movimentos,
Por diversas figuras discorrendo,
Em nosso sentir fraco está influindo
Os Diversos de contrários sentimentos.

E uma vez moveu brandos pensamentos,
Outra vez asperezas vão incendiando,
E é teu uso ao trairmos revolvendo
Agora com pesa agora contento.

Fixo está em mim nunca haver mudança,
De planeta nem, porém em eu sentido,
Clavado em meus tormentos, todavia. 

De ver outro hemisfério não hei esperança,
Assim donde uma vez me há anoitecido,
Ali me estou sem esperar o dia.

XXXV – Soneto

Só e pensativo de infértil desertos,
Meus passos dou cuidados e cansados,
Estorvados olhos trago levantados,
Ao ver não vejam alguém desconcerto.

Meus tormentos ali vêm tão certos,
Vão meus sentimentos tão carregados,
Que um dos campos me soltem ser pesados,
Porque todos não estão secos e mortos.

Se ouço falar acaso algum dum rico,
E a voz do pastor dá aos meus ouvidos,
Ali se me resolveu do meu cuidado.

E ficam espantados meus sentidos,
Como é ter sido não haver desesperado
Depois de tantos cantos doloridos?

XXXVI – Soneto

Quis amá-los senhora, de meu grado,
Com brancos sentimentos brandamente
E então eu me senti tão de acidente 
Com do qual não ficarei melhorado.

Deste amor não haveis vós contentado,
Porque sair os vistes mansamente,
Senão que, por mostrá-los mais valente,
Minha branda vontade haveis forçado.

Aborreço-me na mansa vassalagem,
E quiseste de usar de tua tirania,
Vosso reino estragado com ultraje.

Danais maldosamente a fé que é minha,
Assim os quis quebrar em homenagem,
E si agora pudesse o que eu o faria.

XXXVII – Soneto

Como sozinho do ar este cometa,
Ou algum outro sinal novo espantarmos,
E tanto seu temor faz ao avisarmos,
Que então cada um é grande profeta.

Assim mostra nosso bem clara e oculta,
Se a mim meus sentimentos quereis dar-nos
Não podemos, porém, muito alteramos,
Tão novo estás no bem nosso planeta.

Não sofrem minha dor nenhum estado,
De nenhum bem si não é mui pouco a pouco,
De outra arte penso ser sempre enganado.

Nunca creio ao prazer, ao que lhe toco,
E sim a vez tão mal, hei me assegurado,
Temo que tenham todos por um louco.

XXXVIII – Soneto

Quereis-me de vós, senhora, quando,
De vossas artes fui um ser tão ignorante
Que me cambava em ver vosso semelhante
Vosso ser pelo gesto imaginado.

Ficaste depois de desenganado
E viste que de vós me viste diante,
Que vosso uso e natura és culpada
Que vós já sobre vós não tenhais mando.

Assim que agora não há de que queixar-me,
Meu direito e minhas queixas hão parado,
Pois vós não tendes que já de pagar-me.

Não ei de ser eu de prudência tão minguado,
Que deste fogo, no qual fui queixar-me
Fiquei queixoso em vê-lo que há queimado.

XXXIX – Soneto

Não é tempo já de não ter temperança,
Se minha dor quisesse consenti-la,
Perdoou minha fatiga e ao senti-la,
Ao desgosto que do sofrer me alcança.

Mas ao amor me põe com tanta tua lança,
Que oxalá já pudesse não de sofre-la;  
Hajam de mim os homens já manchados,
Sequer porque sou eu em tua semelhança.

Caiu e levanto, espero e desconfio,
Não tenho de viver senão que sinto,
Já quando sou pareço desvario.

Se um pouco mais em meu penar porfio,
Em mim presto se acabarás o tormento,
Teu poder acabando com o meu.

XL – Soneto

Vi-me através em fortes penas dado,
Quase sem vida, e os demais perdido,
E então fui de prudência de tão caído
Que em tanto mal me vi estar descuidado.

Hei entendido depois tão mal estado,
Quando as gentes dele me hão advertido,
E si agora, aqui estou arrependido,
Não me contento, pois, tanto hei demorado.

Não demores entender logo do engano,
Porém, o miserável, não lhes queria,
Acabar de crer de tão forte dano.

Venceste ao fim verdade minha porfia,
E ficou confirmado o desengano,
Tomando nova volta n´ alma minha. 

XLI – Soneto

Deixa-me em paz, Ô duros pensamentos,
Basta-os do dano e a vergonha feita,
Se todo é passado de que se aprova,
Inventar sobre meus novos tormentos?

Natura em mim perdeu teus movimentos,
N´alma já dos pés da dor si enchida,
Tem por bem, nesta regra tão estreita,
A tantos casos, há tantos sofrimentos.

Amor, fortuna e morte que é presente,
Me levaram ao fim por tuas jornadas,
E minha conta devias ter me chegado.

Já quando acaso arrochar acidente,
Se volto ao rosto e olho minhas pisadas,
Temo em ver me por onde me hei passado.

XLII – Soneto

Eu vos conto já passos que vou dando,
Vendo bem as terras que eu me trespasso,
Se o peço em me dar um só do passo,
Quero sempre parar sempre que eu ando.

Trago este corpo que por força mando,
E com carga dele vou me tão ao passo,
E em pouca terra tanta da dor passo,
Que é quando ando a andar-me reparando.

Eu que farei que me parti com cuidado?
Mal volverá quem tanto mal me há feito,
Assim se é agora mal quando eu faz.

Ando comigo em tudo já tão penado,
Que em mim de nada fico satisfeito,
Porém de ver-me não me satisfaço.

XLIII – Soneto

Põe-me na vida mais brava importuna,
De pedir mim vezes a Deus mortalha,
Põe-me idade madurês, mas que trabalha,
Nos braços da ama ou em nesta cama.

Põe-me embaixo em próspera da fortuna,
Põe-me do sol ao trato humano encontra,
Ô à do por frio ao alto mar se imóvel,
No abismo de que encima desta lua. 

Põe-me dos nossos pés vivem as gentes,
O na terra ou em céu ou em que vento,
Põe-me dentre feras, posta entre dentes.

Da morte e do sangue é tudo o fundamento,
Onde queiras conservar sempre presente,
Os olhos por quem morro tão contento.

XLIV – Soneto

Quando será retorno a ver os olhos,
De donde amor me fez tanta da guerra
E possa estar olhando aquela terra,
Que me deixei com todos meus despojos?

Não posso, triste, mais com meus nojos,
Á cada passo o coração me cerra,
Ver tanto canto em meio e tanta serra,
Vivendo me arrancam desta abundância.

Ando mil vezes por tomar o meu voo,
E volver mal, sem esperar razão,
Haver por mais prudência esta loucura.

Porém logo levanto-me um tremor,
Conosco que me engana ao coração,
Estando estou por não estragar da cura.

TRAD.ERIC PONTY

Garcilaso de La Vega - SONETOS - TRAD. ERIC PONTY

Soneto I

Quando me paro comtemplar meu espaço,
E ao ver nesses passos pôr do que hão traído,
Falo, segundo pôr donde andar perdido,
Que o maior mal pudera haverá chegado.

Mas quando do caminho isto olvidado,
Há tanto mal que não sei por hei chegado,
Sei que me acabo e mais eu sentido,
Ver-me acabar comigo meu cuidado.

Eu me acabarei, que me entreguei sem arte,
Há quem saberá perdesse e acabar-se,
Se o quiseres há um saberás querê-lo.

Que, pois, minha vontade pode matar-me,
A tua, que não és tanto de minha parte,
Podendo, que farás, porém, fazê-lo.

Soneto II

Enfim das vossas mãos me hei chegado,
Do sei que hei de morrer já tão apertado
Que um aliviar com queixas do meu cuidado
Como remédio me és já defendido.

Minha vida não sei em que há sustentado,
Se não és em haver sido eu guardado,
Para que só que em mim fosse provado
Quando corta uma espada em um rendido.

Minhas lágrimas hão sido derramadas,
Donde houvera secura e da sua aspereza,
Deram meu fruto delas, e minha sorte.

Bastem as que por vós tenho choradas,
Não vingueis mais com minha fraqueza,
Ela os vingará, senhora, com minha morte.  

Soneto III

No mar em meio as terras hei desejado,
De quando bem, cuidado eu vós o tinha,
E indo me aleijando de cada dia das Gentes,
Dos costumes, Das línguas do passado.

Já de desandar estou desconfiado,
Pensar remédios em minha fantasia,
E que mais certo espero é aquele dia,
Que acabarás vida e deste cuidado.

De qualquer mal poderá socorrer-me,
Com veros eu, senhora, do esperá-lo-ei  
Se esperá-lo pudera sem percebê-lo.

Mas de não veros já para valer-me,
Se não é um morrer nenhum remédio falo,
Se, isto é, um tampouco poderei fazê-lo.

Soneto IV

Um instante se levanta de esperança,
Mas cansado de haver-se levantado,
Torna a cair, mas deixa ao mal meu agrado,
Livre desse lugar da desconfiança.

Quem sofrerá tão áspera mudança,
Do Bem do Mal? Ô coração cansado,
Esforça em sua miséria de teu estado,
Que traz fortuna, só em haver bonança!

Mesmo eu empreenderei força dos braços,
Romper vós monte que outro não rompera,
De mim inconveniente muito espesso.

Morte prisão não podem, nem embaraços,
Pagar-me de ir ao vero como queira,
Nu em espírito o homem de carne e osso. 

Soneto V

Escrito esteve minh´alma vosso gesto,
E quando eu escrever de vosso desejo,
Vós só o escreveis; que eu não o leio 
Tão somente um de vós me aguarda-vos nisto.

Nisto estarei e estarei sempre posto,
Que ao que não cabe em meu quanto em vós vejo,
De tanto bem o que não entendo creio,
Tomando já essa fé por pressuposto.

Não nascendo senão para querê-los,
Minha alma os há cortado a tua medida,
Por hábito, d´alma mesma vós quereis.

Quando tenho confesso que eu deveis
Por vós nasci, por vós tenho à vida,
Por vós hei de morrer, por vós morrei.

Soneto VI

Por ásperos caminhos me hei chegado,
À parte que do medo não me movo,
Em si mudar-me a dar um passo prova,
Ali pelos cabelos sou eu tornado.

Mas tal estou que com a morte ao teu lado,
Buscando meu viver dum conselho novo,
E conosco o melhor e o pior aprovo,
O por costume mal o por mim dado.

Por outra parte, o breve tempo meu,
E o errado processo de meus anos,
Em teu primo princípio e teu meio.

Minha inclinação com quem já não porfio,
A certa da morte no fim de meus danos,
Me fizeram descuidar de meu remédio.

Soneto VII

Não perdas mais quem há tanto perdido,
Bastante amor o que há por mim pesado,
Vaga-me ora jamais haver provado,
Ao defender-me de o que hás querido.

Teu templo e Tuas paredes hei vestido,
De minhas molhadas roupas e adornado
Como acontece há quem há já escapado,
Livre desta tormenta em que ei me visto.

Havendo jurado nunca mais meter-me,
Ao poder meu e ao meu consentimento
Em outro tal perigo como está vão.

Mas do que vem não poderei valer-me,
E nisto no vou contra o juramento,
Que nem é como outros nem minha mão.

Soneto VIII

Daquela vista pura e tão excelente,
Saem espíritos vivos incendiados,
E sendo meus olhos tão recebidos,
Que nos passam até onde o mal sente.

Entram-se no caminho facilmente,
Pelos meus, de tal calor tão movidos,
Saem fora de mim como perdidos,
Chamados daquele bem que está presente.

Ausente da memória eu o imagino,
Meus espíritos pensando que há viam
Se movem e se incendem sem medida.

Mas não falando fácil ao caminho,
Que dos teus entrando derretiam
Reinventam por sair do não há saída.

Soneto IX

Senhora minha, si eu de vós ausente,
Nesta vida dura em que não me morro,
Parece-me que ofendo ao que os quero
E ao bem de que gozava em ser presente.

Trazendo logo sento outro acidente,
Que és ver que si de vida desespero,
Eu perco quando bem de vós espero,
Assim ando no que sinto diferente.

Nesta diferença de meus sentidos,
Estão em vossa ausência em porfia,
Não sabendo falar-me do em mal tamanho.


Nunca entre sem vê-los senão contrária,
De tal arte lutam noite e do dia
Que só se concertam neste meu dano.

Soneto X

Ô doces prendas por mim mal faladas,
Doces e alegres quando Deus querias,
Juntas estais em memória minha
E com ela em minha morte conjuradas!

Quem me dissera quando das passadas,
Horas que tanto bem por vós me via
Que me haveis de ser de algum dia,
Com tão grande dor representadas?

Pois em uma hora junto me levantais,
Tudo bem que por términos me dizes,
Levar-me junto ao mal que me desejais.

Se não suspeitarei de que me pões,
Em tanto bens porque desejais,
Ver-me morrer entre memórias tristes.

Soneto XI

Formosas ninfas, que ao rio metidas,
Contentas hábeis de suas moradas,
Das reluzentes pedras fabricadas,
Em colunas de vidro suspendidas.

Agora estais lavrando embebecidas,
Tecendo de tuas telas delicadas,
Agora umas com outras apartadas,
Contando-nos os amores e vidas.

Deixas dum momento labor alçando,
Vossas rubras cabeças ao mirar-me,
E não desteteis muito segundo ando.

Que não podeis de lástima escutar-me,
Que convertido em água aqui chorando
Podeis até despacho consolar-me.

Soneto XII

Se para refreares este desejo,
Louco impossível vão temeroso,
E guarecer dum mal tão perigoso,
Que és dar-me entender eu que não creio.

Não me aproveitas verme qual me vejo,
O muito aventurado o muito medroso,
Em tanta confusão que nunca ouço,
Fiar ao mal de mim que lhe possuo.

Que me há aproveitar ver a pintura,
Daquele que com às asas derretidas,
Caindo fama do nome ao mar hás dado.

E a de que teu fogo e tua loucura,
Chora entre aquelas plantas conhecidas
E apenas em que n´água há resfriado.   

Soneto XIII

A Dafne já aos braços lhes cresciam,
Em longos ramos volto demostravam
Em verdes folhas vi que se tornavam
Os cabelos que douro escureciam.

De áspera casca eles que se cobriam,
Os ternos membros que um bulindo estavam,
Os brancos pés na terra se fincavam
E em torcidas das raízes se volviam.

Aquele sendo a causa de tal dano,
A força de chorar crescer havia,
Este cedro com lágrimas regava.

Ô miserável estado, Ô mal tamanho,
Que com chorá-la cresças cada dia,
A causa e a razão por que choravas.

Soneto XIV

Como duma terna mãe, que é dolente,
Filho que está com lágrimas pedindo,
Alguma coisa qual está comendo
Sabendo há dobrar-se ao mal se sente.

E aquele piedoso amor não lhe consente,
Que se considere ao dano que havendo
O que pedem houve vá já correndo
E aplaca o plano e dobrar acidente.

Assim mim enfermo e louco pensamento,
Que em seu dano os me pede eu queria,
Pagar-te este mortal suscentamento.

Mas pede-me e chorando cada dia,
Tanto que quanto querer consentimento
Olvidando sua morte há uma minha.


Soneto XV

Se queixas e lamentos podem tanto,
Que se enfrentaram o curso dos rios,
Em diversos montes e já tão sombrios,
As árvores moveram com teu canto.

Se converteram escutar teu canto,
Os feros tigres e penhascos frios,
Se enfim com menos casos que dos meus
Se baixaram aos reinos deste espanto.

Por quê dirás minha trabalhosa,
Vida em miséria e lágrimas passadas,
Um coração comigo endurecido?

Com mais pena devia ser escutada,
A voz do que se chora por perdido
Que haver perdido e chorando outra coisa.

Soneto XVII

Pensando que teu caminho ia direito,
Vim a parar em tanta desventura,
Que imaginar-me não posso há loucura
Algo que deste instante satisfeito.

Larga campina que me parece estreito,
A noite clara para mim é escura,
A doce companhia amarga e dura,
E duro campo de batalha ao leito.

Deste sonho se há alguma aquela parte,
Só que és ser efígie desta morte
Se avém com desta alma fatigada.

Enfim o que, qual queria estou de arte,
Que julgar já por hora menos forte
Ao que nela me vi, está é pesada.

TRAD.ERIC PONTY

A PAISAGEM DE BRETÓN - OLIVERIO GIRONDO - TRAD. ERIC PONTY

Douarnenez,
Num golpe de balde,
Pântano
Entre suas casas correram os dados,
Dum pedaço do oceano,
Com um odor de sexo que desmaia.
Embarcações feridas, no seco, com as asas pregadas!

Tabernas que cantam com uma voz de orangotango
Sobre as nascentes,
Mercurizado pela pesca,
Marinheiros que se agarram aos braços
Para aprender a caminhar,
 E partiram a estrear-se
 Com um envio que seja
 Nas paredes;
 Mulheres salobres,
 Entoadas,
 Dos olhares aquáticos, de cabeleiras de alga,
Que se repassam nas redes penduradas dos tetos
Como os véus nupciais.

O campanário da igreja,
São refúgio de prestidigitação,
Atirados de sua campainha
Num rebanho de pombas.
Enquanto os vice-versa,
Com suas gorras de dormir,
Entram na embarcação
Para se espatifarem de orações,
E para que do silêncio
Deixem de roer por um instante
Os Narizes de pedra dos santos.
  Douarnenez, julho, 1920.

TRAD. ERIC PONTY

sábado, fevereiro 03, 2018

8 Lust Songs: I Sonetti Lussuriosi - Michael Nyman - Pietro Aretino - TRAD. Eric Ponty

            «Os Modi» são dezesseis desenhos que arquitetam múltiplas posturas amorosas que Giulio Romano (artista próximo de Rafael) fez em Roma até 1524.

              Quase logo foram pintados na gravação em metal por Marco Antônio Raimondi, e o intrépido escritor Pietro Aretino escreveu uns sonetos erótico-burlescos para seguir essas efígies.

A Edição Original extinta Ordem Papal só nos chegou o exemplar mutilado duma tosca edição do século XVI e das cópias que se fizeram em XIX para Conde de Waldeck.

       8 Lust Songs: I Sonetti Lussuriosi é uma paisagem de Michael Nyman, compositor inglês que determinou o movimento Musical de Minimalismo com 8 peças duma coleção de poesia erótica de I Sonetti Lussuriosi de Pietro Aretino.

       As músicas retratam desejos sexuais dum homem e duma mulher em distintos contextos. Marie Angel estreou a peça, espalhando personagens varões e mulheris, incluindo uma velhista, com a Orquestra de Santa Cecilia, conduzida pelo compositor, em 4 de outubro de 2007 no Arsenale, em Veneza, Itália, em uma comissão da Bienal de Veneza.

       A gravação estúdio com Michael Nyman Band foi lançada no disco compacto 29 de julho de 2008. Na música erudita essa composição é considerada uma raridade.

1- Questo cazzo vogl'io, non un tesoro!

No caralho vou eu querer, não um tesouro!
Nisso que já me podeis fazer feliz!
Esta é caralho para Imperatriz!
Amparar mais gema montão doiro:
Ai, me auxilie, pica minha, pois sofro,

Dai-me bem do prazer desta matriz:
Que da bunda pequena se decide
Se minha xota quer cursar na prudência.
Senhora minha, fato é quanto diz;

Quem tem pica anã e fodeu na xoxota
Mereceu-me d´agua fria laxativa.
Quem pouco fodeu no cu noite e dia:
Mas quem do qual eu tinha cruel fera
Sempre xoxota desafoga suja.

Por ser verdade, porém somos da pica
Glutões, retrocedamos pica tão ledos
Que até detrás queremos torre inteira!


2 - —Fottiamci, anima mia, fottiamoci presto,

Fodamos, minh´alma, mas fodamos já,
Todos nós os fodidos termos surgidos;
No caralho tu adoras e amas manar
Mundo sem isso nem figa vale algo.

E assim post mortem foder fosse mui honesto,
Nos narrariam: —Foder nós morreríamos;
Ainda mais Adão e Eva até foderam,
Nos falaram dentre si morrer injusto.

— É vero nos falaram, entre si os patifes
Há não comerem fruto tão traiçoeiro
Ardentia desses amantes não teriam.

Mas falseiem palavreado, até no peito,
Cravar caralho, feixe há alma se exalta,
Me parto, pica morrer clama estar viva!


3- Io 'l voglio in cul. —Tu mi perdonerai,

Eu no cu vou querer —Me perdoarás,
Dona, mas ater-me não amar tal culpa,
Pois é qual há comida do Prelado,
E com gosto arruinado estará sempre.

—Mete-la aqui! —Não fareis—. Farás, sim.
— Por que? Não se vivias já do outro lado,
Na xota id est? —Sim, porém mui mais grato
Meter pica não frente, senão detrás.
— Vós quereis deixar-me aconselhar;
Tua a pica és, e se lhes gostar tanto,
Qual a serva, assim deveis ordenar.

—Aceitar, carinho; empurrá-la ao canto
Acima abaixo, e sem corrente agir.
Ô pica corré, santíssima piroca!

—Remou-vela tanto se é tua vontade.
—Dentro movo com um prazer tão grão
Sobre ela um ano me sentaria ao ponto.


4- Tu pur a gambe in collo in cul me l'hai

Tuas puras minhas pernas junto ao cu, fazem,
Me hei estado bem: No embate, dum fanfarrão!
Nesta armação qual me apoio nessa cama,
Ai, me esvaneço prazer é deste teu me dás!

evolver-me nesta cama, da qual me arranjas
Rompendo pendente aqui cabeça abaixada,
Na Dor de filhos, merda que gratifica passa.
Da crueza Amor, é onde me fizesses estar!

Pensas tu faras? Que te dera tensão.
Tua língua dar-me um pouco, sulco d´ alma minha:
Assaz pensa quem sirva bem de quem se silencia.

A xoxota dum pouco de prazer me queria,
E, pois, do cu senão não teria dado à paz.
Atropela, padrinho, que se já partiu a pica!



5- Dammi la lingua,appunta i piedi al muro

Dai-me língua, me aponte sola pés parede;
Espremei coxas é apertada, me estreitai;
Vai-te virar um pouco a pouco na cama,
Só haverá ter gozado ganhar haver me dado.

Ai, pérfido! Que caralho tão duro tens!
E Ô, Como! Que gostosa xoxota dás!
Um dia no cu tu metas eu ti prometas
E me asseia ao tirar-lhe o que ti asseguro.

Agradeço vós, ô querida Lorenzina,
Encorajar servir-te, porém isso me impele,
Empuxando qual saber fazer Ciabattina.

Terminarei já quando tu haver terminado?
—Agora! Dei-me dessa toda tua linguinha.
Que ao padecer! —E eu sou dessa tua razão;

Assim que já tu findas e assim tu terminares?
 —Já, depressa haveria d´alguma, aí senhoril meu.
—Já o disse a mim. —E sendo aí Senhor e meu Deus!

6 - E saria pur una coglioneria

A Burrada seria de agora uma estupidez,
O de temer haver ganhado foder-te agora,
Ter nessa xoxota dum caralho foi metido,
E cu vago ficarás algo tão desconsolado.

E terminasse em mim essa minha descendência!
Pois eu vou foder-te atrás dum jeito muito baixo,
Iras diferenciarás o olho da greta igual,
Deste vinho de aguado dá o que do maldizer.

—Foda-me está a fazer comigo o que queiras,
Na xoxota no cu não me importando com nada
E donde faças que tu deverias fazer devas.

Que eu na xoxota o fogo cu que eu tenho em mim,
Quantas picas houvera duma vaca há mula
Não me diminuiu sendo grande meu desejo.


8 - Apri le coscie, acciò ch'io vegga bene il tuo bel culo

Abre teus lábios, afim eu olhar bem
Do teu formoso cu e xota de frente;
Cu altera de opinião trocar de pica!
A Xoxota o coração destilar veias!

Enquanto galanteio, elogios me chegam
Lhe beijando tudo isto num só improviso,
Pareço-me ser ainda Belo Narciso
Num cristal está minha pica fogosa.

Aí farsante, velho; Da cama do chão!
Se bem te observo, puta, ao se preparar-te
De tua costela te irrompa eu teu peito.

Em ti me achego, afrancesada velha,
É, pois, pelo prazer mais que perfeito
E sem cântaro em um poço me poria.

PIETRO ARETINO 
             (Arezzo, 20 de abril de 1492 - Veneza, 21 de outubro de 1556) sendo um poeta, escritor e dramaturgo italiano.
             Versado principalmente por seus escritos devassos (sobre todo por seus Sonetos luxuriosos), também assegurou com obras moralizantes que lhe congraçaram com o ambiente cardinalício do qual este convivia.
           É um dos intelectuais mais representativos do espírito renascentista italiano e uma das figuras que melhor demostram a superação da visão teológica e ética medievais. Seus escritos sobre arte e sobre Tizianismo especialmente, ao propiciarem múltiplos empregos e o incentivarem no prestigio internacional deste pintor.


TRAD.ERIC PONTY

domingo, janeiro 28, 2018

TRÊS POEMAS de JORGE LUIZ BORGES - TRAD. ERIC PONTY

O SUL

Desde um de teus pátios hei havido olhado
As antigas estrelas,
Desde banco de sombra haver olhado
Essas luzes dispersas,
Que minha ignorância não aprendeu notar
Nem ao ordenar constelações,
Haver sentido o círculo d´agua
No secreto aljire,
O odor de jasmim e madressilva,
O silêncio de pássaro dormido,
O arco do saguão, a humidade
–essas coisas, acaso, são o poema.

UM PÀTIO
Com à tarde
Se cansaram os dois os três cores do pátio.
Esta noite, a lua, o claro círculo,
Não domina seu espaço.
Pátio, céu canalizado.
O pátio é o declive
Pelo qual se derrama o céu na casa.
Serena,
A eternidade espera na encruzilhada de estrelas.
Grato é viver na amizade escura
De um saguão, duma videira e duma cisterna.


Arte Poética
Admirar o rio feito de tempo e água
E recordar que o tempo é um outro rio,
Saber que nos perdemos como o rio
E que os rostos passam como água.
Sentir que a vigília é outro sonho
Que sonha não sonhar e que a morte
Que teme nossa carne é essa morte
De cada noite, que se chama sonho.
Observar no dia e no ano um símbolo
Dos dias do homem e de seus anos,
Converter o ultraje dos anos
Em uma música, um rumor e um símbolo,
Ver na morte o sonho, no ocaso
Um triste ouro, tal é a poesia
Que é imortal e pobre. A poesia
Retornar como aurora e ocaso.
A vezes nas tardes uma cara
Nos observa desde fundo dum espelho;
A arte deve ser como esse espelho
Que nos revela nossa própria cara.
Contam que Ulisses, farto de prodígios,
Chorou de amor ao avistar sua Ítaca
Verde e humilde. A arte é essa Ítaca
De verde eternidade, não de prodígios.
Também é como o rio interminável
Que passa e fica e é cristal dum mesmo
Heráclito inconstante, que é o mesmo
E é outro, como o rio interminável.

TRAD.ERIC PONTY

TRÊS POEMAS DE César Vallejo - TRAD. ERIC PONTY

AUSENTE
Ausente! Na manhã em que me vai
Mais distante que longínquo ao Mistério
Como seguindo inevitável limite
Teus pés resvalaram o cemitério.

Ausente! A manhã em que na praia
Do mar da sombra do silenciado império
Como um lúgubre pássaro que me vai 
Será o branco panteão teu cativeiro.

Se terás feito noite em seus olhares
E sofreras e tomarás então
Penitentes brancuras laceradas.

Ausente! E em teus próprios sofrimentos
Há de chorar entre um tremor de bronzes
Uma matilha de remorsos.

Meia luz
Hei sonhado com uma fuga. E hei sonhado
Teus encaixes dispersos na alcova.
Ao largo de um delicado alguma mãe.
E seus quinze anos dando um senso de hora.

Hei sonhado com uma fuga. Uma “para sempre”
Suspirado na escala duma proa
Hei sonhado com uma mãe
Uns frescos arbustos de verdura
Enxoval constelado de uma aurora.

Ao largo de um delicado....
E ao largo de um colo que se afoga.

Bordas do céu  
Venho verte passar todos os dias,
Fumaça encantada sempre longínquos
Teus olhos são vermelhos capitais
Teu lábio é um brevíssimo pano
Zinho Vermelho que ondeia em adeus de sangue!

Venho verte passar, até que um dia,
Embriagado pelo tempo e de crueldade
Fumaça encantada sempre longínquos
A estrela da tarde partirá!

Equipamento vento que tracionam ventos
De mulher que passou!
Teus frios capitães lhe darão ordem
E que se farás perdido serei eu...!  

TRAD.ERIC PONTY

Emissários Negros - César Vallejo - Trad. Eric Ponty

Há golpes na vida tão fortes.... Eu é que sei!
Golpes como o ódio de Deus; como se ante eles
Ressaca do todo sofrido
Se imporá na alma.... Eu é que sei!

São poucos, porém são.... Abrem vagas obscuras
No rosto mais feroz e no lombo mais forte.
Serão talvez os potros de bárbaros. Atilas,
Os emissários negros que nos manda a morte.

São ruinas fundas dos Cristos d´alma,
De alguma fé adorável que traz o destino
São esses rudes golpes de explosões súbitas
De alguma almofada douro fundiu sol maligno.

E o homem, pobre homem…pobre! Volta seus olhos como
Quando sobre o ombro nos chama numa palmada;
Volta os olhares loucos e todo vivido
Se empoçam como um charco de culpa no olhar.
Há golpes na vida tão forte! ... Eu é que sei!

TRAD.ERIC PONTY


A SINFONIA DO BERÇO - NICANOR PARRA - Trad. Eric Ponty

Uma vez andando
Por um parque inglês
Com um angelorum
Sem querer me falei.

Bons dias, digo lhe,
Eu lhe contestei,
Não falou em castelhano,
Mas em francês.

Dites moi, don ángel,
Comment va monsieur.

Ele me deu a mão,
Eu lhe tomei o pé
Há que ver, senhores,
Como um anjo é!

Fátuo como o cisne,
Frio como um riel,
Gordo como um pavo,
Feio como você.

Assustou-me deu um pouco
Porém não me afastei.
No bosque das plumas,
As Plumas localizei,
Duras como o duro
Casca de ostra dum pez.

Bom com que houvera
Sido Lúcifer!

Se enojou comigo,
Me tirou um revés
Com sua espada de oro,
Eu que me acocorei.

Anjo mais absurdo
Não regressarei a ver.

Morto dando risada
Diz good bye sir,
Siga seu caminho,
Que lhe leve bem,
Que ao pisar asfalto,
Que o mate o trem.

Já se acabou o conto,
Um, dois e três.


TRAD.ERIC PONTY









A Defesa da Árvore - NiCANOR PARRA - Trad. Eric Ponty

Por que te entregas a essa pedra
Menino de olhos ameloados
Com um impuro pensamento
De derramara-la contra à árvore.

Quem não faz nunca dano a nada.
Não se merece tão maltrato.
Já seja salgueiro pensativo
Já melancólica laranjeira.

Deve ser sempre pôr o homem
Bem apontado e respeitado:
O Menino perverso que o fira
Fere a seu pai e ao seu irmão.

Não lhe compreendo, lealmente,
Como é possível que um menino
Tenha este gesto tão indigno
Sendo tão loiro e delicado.
Seguramente que tua mãe
Não sabe corvo que haver criado.

Te acedei um homem correto,
Penso todo o contrário agora:
Creio que não há em todo Chile
Um Menino tão mal-intencionado.

Por que te confias a essa pedra
Como a um punhal envenenado,
Tu que o compreendes claramente
A grande pessoa que é uma árvore!

Ela é a fruta deleitosa
Más que o leite, mais que o nardo;
Cheia de ouro no inverno,
Sombra de planta em que verão
E, o que é mais que todo junto,
Cremos os ventos e os pássaros.

Pensando bem e quem a reconhece
Que não há amigo como árvore,
Onde tu quer que te volvas
Sempre a encontras a teu lado.

Sigas pisando a terra firme
O móvel mar alborotado,
Estes medir em um berço
O bem dum dia agonizando,
Mais fiel que o vidro do espelho.

É mais submissa que um escravo.
Meditando um pouco o que fazes
Veja que Deus está ti olhando,
Rogai ao Senhor que te perdoe
De tão gravíssimo pecado
Nunca mais a pedra ingrata
seja atirada de sua mão.



TRAD.ERIC PONTY

sábado, janeiro 27, 2018

Júlio Cortázar & John Keats - TRAD. Eric Ponty

(Silencioso, em uma cimeira de Darién).

  («Ao ler por primeira vez Homero de Chapman», v. 14)

Porém, ademais, Keats se já decidiu a se escalar como pessoa as cimeiras que seus versos coroam antes que ele seja. Seus forçados estudos médicos não respondiam a vocação alguma; os arrastram consigo largo tempo (dos anos são longos quando ficam sete de vida) e um dia —estando seguro do que fez— crava sua lanceta em um tronco de árvore, e vai a dizer-lhe a seu tutor que prefere a poesia a farmácia. Nem falar do escândalo que se arma.

Tem vinte uns anos, é 1816. Aprecia a Leigh Hunt, conhece a Shelley, devora livros e caminhos. Celebra, verte as libações, é feliz. Tempo de irmandade, presencia incessante de Tom, de George, de Fanny, dos amigos: Cowden Clarke, Haydon, Hunt, Reynolds. Para ele Hampstead (um Adrogué de Londres) contêm toda a mitologia grega, e em seu céu emprega a alçar-se a sombra dos deuses que John elegerá para sofrimento e resgate: Shakespeare. E assim lhe seguimos agora no teu caminhar. Eh, John, sigamos juntos, Quer?

Júlio Cortázar
Muito tempo hei viajado pôr os mundos do ouro,
e hei visto muitos reinos e impérios admiráveis,
E hei estado em torno de mui ocidentais ilhas
que os bardos protegem como feudos dum Apolo.

Hei ouvido falar às vezes dum vasto território
Regeu na propriedade o taciturno Homero,
mas nunca hei respirado seu ar sereno e tão puro.
Até que hei ouvido a Chapman pensar com mui ardor:

Então me hei sentido como que observa o céu
E vê um novo planeta nascer ante tua vista,
O como amplo Cortés quando com olhos de águia.

Contemplara Pacífico então todos teus homens
Se ansiavam qual atónitos e com incerteza—
Silencioso, na cimeira dum monte de Darién.





 John Keats
TRAD. ERIC PONTY





JUAN DEL ENCINA - Mais vale trocar/Prazer por dores - Trad. Eric Ponty

(Salamanca?, 1468 - León, 1529)
Mais vale trocar
Prazer por dores
Que estar sem amores.
Onde é agradecido
5eus doces ao morrer;
Viver no olvido,
Daquele não é viver;
Melhor é sofrer
Paixão e dores
Que estar sem amores.
É vida perdida.

Viver sem amar
É mais é que vida
Saberia empregar;
Melhor é penar
Sofrendo dores
Que estar sem amores.

A morte é a vitória
Do que vive pretensão,
Que espera haver glória
Quem sofre paixão;
Mais vale pressão
De tais dores
Que estar sem amores.

O que é mais pesado
Mais goza de amor,
Que o muito cuidado
Lhe paga ao temor;
Assim que é melhor
Amar com dores
Que estar sem amores.

Não temendo tormento
Quem ama com fé,
Se seu pensamento
Sem causa não foi;
Havendo por que,
Mais valem dores
Que estar sem amores.

FIM

Amor que não sofre
Não pede prazer,
Pois já lhe condena
Seu pouco querer;
Melhor é perder
Prazer por dores
Que estar sem amores.

TRAD. ERIC PONTY







Cogita-me sem prevenção - Sor Juana Ines De la Cruz - Trad. Eric Ponty

Cogita-me sem prevenção
Amor, astuto e já tirano:
com capa desse cortesão
se me penetrou no coração.

Descuidada da razão
e sem armas destes sentidos,
deram à porta inadvertidos;
E por lograr seus enojos,
enquanto suspendia seus olhos
me atravessei entre aos ouvidos.

Desfraldado entrou tão manhoso;
mas já que adentrou se observou
desse Paládio,  já saiu
daquele disfarce enganoso;
E, com ânimo já tão furioso,
tomando as armas em fogo,
se descobriu sendo astuto Grego
que, as iras brotando e com furores,
matando todos defensores,
passou a toda Sua Alma em fogo.

E procurando suas violências
nela ao preamos ainda mais forte,
deu ao Entendimento de sua morte,
que era Rei dessas potências;
E sem fazer diferencias
deste real a plebeia grei,
fazendo-se de geral lei
aglomeram aos punhais
os seus discursos racionais
porque eram filhos desse Rei.

A Cassandra sua o fizera
buscou, e com modos tiranos,
atou à Razão com as suas mãos,
que era da Alma de princesa.
Nos cárceres sua beleza
dos soldados já atrevidos,
lamentava eram não crentes
desastres que adivinhou,
pois por mais vozes que deu
Não ouvirão os seus sentidos.

Todo o palácio abrasado
se notou, todo destruído;
Deifobo ali malferido,
aqui Paris foi maltratado.
Prende também seu cuidado
Dessa modéstia em Polixena;
No meio de tanta aflição,
De tanta morte e confusão,
Dessa ilícita aflição
só reservada em Elena.

Já a Cidade, que vencia
Indo ao Céu, de tanto arder,
só guardava deste seu ser
os vestígios, em sua ruina.
Todo o amor que extermina;
E com o ardente furor,
só se ouve, dentre o rumor
com que sua crueldade se apoia:
"Aqui faz-se uma Alma já Troia
Sendo Vitoria por Ao Amor!"

TRAD.ERIC PONTY

ANTI AUSÊNCIA - Sor Juana Ines De la Cruz - Trad.Eric Ponty

Divino dono meu,
se no tempo de partir-me
tem-me meu amante peito
alentos de queijar-se,
ouça minhas penas, olha meus maus.

Atentasse essa dor,
se pode lamentar-se,
E a vista de perder-te
meu coração exale
canto a terra, queixas ao ar.

Apenas teus favores
quiseram coroar-me,
desdenhoso mais que todos,
felizes como nada,
quando os gostos foram os pesares.

Sem dúvida o ser feliz
é da culpa mais grave,
pois minha fortuna adversa
disponha que me pague
com que aos meus olhos em tuas luzes faltem.

Aí, dura lei de ausência!
Quem poderá derrotar-te,
si onde eu não quero
me levas, sem levar-me,
com alma morta, vivo cadáver?

Será de teus favores
só o coração encarcerado
por ser mais um silencio
se quero que os guarde,
custodio indigno, sigilo frágil?

E aposto que me ausento,
por último vale
te prometo rendido
meu amor e fé constante,
sempre querer-te, nunca te esquecer.

TRAD.ERIC PONTY