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segunda-feira, fevereiro 05, 2018

JUAN BOSCÁN - SONETOS - TRAD. ERIC PONTY

Para Duquesa

Há quem darei amorosos versos meus,
Que pretendem amor, com virtude junto,
Desejam também mostrar-se formosos,
A ti senhora, há quem isto tudo cabe,
A ti deem, por quanto que se carecem
Destas coisas que digo que pretendem
Em ti falaram lhes cumprimentar-vos
Recolhe-los com branda suavidade
Se vires que são brandos, e si não,
Recolhe-los como eles mereciam,
Depois eles te importunarem muito
Com chorar, porque assim souber faze-lo
Não te pareçam mal os tristes choros,
Pois são suas lágrimas com causa,
Não só grande razão que se consentem
Mas hão de ser doridas e choradas
Por todos os que virem donde caem
Eles partem esvaindo de minhas mãos
Pensar podiam viver onde queiram 
Porém segundo hão se oferecidos
E pouco corrigidos em seus vícios,
O perigo andará si em ti não falam
À maneira de viver sua oferta
Amparo por valer-se em teus erros,
Se passarem com honra, dais vida
E si não, não os pague o remédio,
Que tempo lhes dará com tua justiça
Que morram e que os cubra de terra
E da terra sejam de eterno olvido.

XXI – Soneto

Nunca de amor esteve tão contento,
Que em teu elogio meus versos ocupar-se,
Nem nada aconselhe-os que se enganei,
Buscando ao amor contentamento.

Isto sempre julgou meu entendimento,
Que deste mal todo homem a guardar-se,
E assim, porque esta lei se conservasse,
Folgar ser todos d´escarnecimento.

Ô vós outros andais trazeis os escritos,
Gostando de ler tormentos tão tristes,
Segundo que por amor são infinitos!

Meus versos são ditos Ô benditos, 
Os que de Deus tão grande merece haveis,
Que do poder de amor fostes quitados!

XXX – Soneto

As chagas que de amor, que são invisíveis,
Quero como visíveis que se apresentem,
Porque aqueles que humanamente sentem
Se espantem de acidentes tão terríveis.

Casos desta justiça mais horríveis,
Em público hão de ser porque castigados
Com tua torpeza, e de que se amedrontem
Até os teus corações invencíveis.

Eu trago aqui a história de meus males,
Donde ilustre de amor hão ter concorrido,
Tão fortes, que não sei como contá-las.

Eu só em tantas guerras fui ferido,
E são minhas feridas, dos sinais,
Tão feias, que hei em vergonha mostrá-las.

XXXI – Soneto

Mas enquanto mais eu disso me fujo,
Mais convencer mostrar minhas desventuras,
Que assim serão apagadas minhas loucuras,
Com à triste vergonha vós sentirei.

E cada vez que bem me arrependerei,
Grão logro levarei de minhas tristezas,
Desta cura saem de outras mil curas,
À mim para quem ver-me quem quiser.

Pelo largo caminho por do que forem
Todos verão meu triste monumento,
E verão de minha morte um grão letreiro.

Temendo ficaram em um momento,
Quantos dali que olharam e me leram,
Um modo de morrer que tão lastimoso.


XXXII – Soneto

Quem possui em si tão duro sentimento,
Que em ver meu mal, a volta não dê logo?
Quem tão louco será, o será tão cego,
Que os olhos não cerrem ao meu tormento.

Diante vã das penas que em mim sento,
Dando novas de meu desassossego,
E destas mãos levando do vivo fogo,
De ardendo está meu triste pensamento.

Os que trazem me verão, se pedirem,
Não sei como podem ser desculpados,
Mostram conscientemente se morrerem.

Dignos serão de ser ao campo achados,
Pela mão destas gentes que os viram,
Tão proposital morrer desesperados.  

XXXIII - Soneto

Há um bem não fui saído desta cama,
Nem da ama de leite fui eu deixado
Quando o amor me teve condenado
Ao ser dos seguiram a tua fortuna.

Deu-me logo misérias, duma a uma,
Por fazer meu costume em teu cuidado,
Depois em mim dum golpe há descartada,
Quando mal há debaixo que duma lua.

Na dor fui eu criado e fui eu nascido
Dando dum triste passo em outro amargo,
Tanto que si, há passos, é desta morte.

Ô, coração que sempre há de padecido,
Dê-me tão forte mal, como é tão largo?
E mal tão largo, diz, como é tão forte?

XXXIV – Soneto

Ao alto céu, que em teus movimentos,
Por diversas figuras discorrendo,
Em nosso sentir fraco está influindo
Os Diversos de contrários sentimentos.

E uma vez moveu brandos pensamentos,
Outra vez asperezas vão incendiando,
E é teu uso ao trairmos revolvendo
Agora com pesa agora contento.

Fixo está em mim nunca haver mudança,
De planeta nem, porém em eu sentido,
Clavado em meus tormentos, todavia. 

De ver outro hemisfério não hei esperança,
Assim donde uma vez me há anoitecido,
Ali me estou sem esperar o dia.

XXXV – Soneto

Só e pensativo de infértil desertos,
Meus passos dou cuidados e cansados,
Estorvados olhos trago levantados,
Ao ver não vejam alguém desconcerto.

Meus tormentos ali vêm tão certos,
Vão meus sentimentos tão carregados,
Que um dos campos me soltem ser pesados,
Porque todos não estão secos e mortos.

Se ouço falar acaso algum dum rico,
E a voz do pastor dá aos meus ouvidos,
Ali se me resolveu do meu cuidado.

E ficam espantados meus sentidos,
Como é ter sido não haver desesperado
Depois de tantos cantos doloridos?

XXXVI – Soneto

Quis amá-los senhora, de meu grado,
Com brancos sentimentos brandamente
E então eu me senti tão de acidente 
Com do qual não ficarei melhorado.

Deste amor não haveis vós contentado,
Porque sair os vistes mansamente,
Senão que, por mostrá-los mais valente,
Minha branda vontade haveis forçado.

Aborreço-me na mansa vassalagem,
E quiseste de usar de tua tirania,
Vosso reino estragado com ultraje.

Danais maldosamente a fé que é minha,
Assim os quis quebrar em homenagem,
E si agora pudesse o que eu o faria.

XXXVII – Soneto

Como sozinho do ar este cometa,
Ou algum outro sinal novo espantarmos,
E tanto seu temor faz ao avisarmos,
Que então cada um é grande profeta.

Assim mostra nosso bem clara e oculta,
Se a mim meus sentimentos quereis dar-nos
Não podemos, porém, muito alteramos,
Tão novo estás no bem nosso planeta.

Não sofrem minha dor nenhum estado,
De nenhum bem si não é mui pouco a pouco,
De outra arte penso ser sempre enganado.

Nunca creio ao prazer, ao que lhe toco,
E sim a vez tão mal, hei me assegurado,
Temo que tenham todos por um louco.

XXXVIII – Soneto

Quereis-me de vós, senhora, quando,
De vossas artes fui um ser tão ignorante
Que me cambava em ver vosso semelhante
Vosso ser pelo gesto imaginado.

Ficaste depois de desenganado
E viste que de vós me viste diante,
Que vosso uso e natura és culpada
Que vós já sobre vós não tenhais mando.

Assim que agora não há de que queixar-me,
Meu direito e minhas queixas hão parado,
Pois vós não tendes que já de pagar-me.

Não ei de ser eu de prudência tão minguado,
Que deste fogo, no qual fui queixar-me
Fiquei queixoso em vê-lo que há queimado.

XXXIX – Soneto

Não é tempo já de não ter temperança,
Se minha dor quisesse consenti-la,
Perdoou minha fatiga e ao senti-la,
Ao desgosto que do sofrer me alcança.

Mas ao amor me põe com tanta tua lança,
Que oxalá já pudesse não de sofre-la;  
Hajam de mim os homens já manchados,
Sequer porque sou eu em tua semelhança.

Caiu e levanto, espero e desconfio,
Não tenho de viver senão que sinto,
Já quando sou pareço desvario.

Se um pouco mais em meu penar porfio,
Em mim presto se acabarás o tormento,
Teu poder acabando com o meu.

XL – Soneto

Vi-me através em fortes penas dado,
Quase sem vida, e os demais perdido,
E então fui de prudência de tão caído
Que em tanto mal me vi estar descuidado.

Hei entendido depois tão mal estado,
Quando as gentes dele me hão advertido,
E si agora, aqui estou arrependido,
Não me contento, pois, tanto hei demorado.

Não demores entender logo do engano,
Porém, o miserável, não lhes queria,
Acabar de crer de tão forte dano.

Venceste ao fim verdade minha porfia,
E ficou confirmado o desengano,
Tomando nova volta n´ alma minha. 

XLI – Soneto

Deixa-me em paz, Ô duros pensamentos,
Basta-os do dano e a vergonha feita,
Se todo é passado de que se aprova,
Inventar sobre meus novos tormentos?

Natura em mim perdeu teus movimentos,
N´alma já dos pés da dor si enchida,
Tem por bem, nesta regra tão estreita,
A tantos casos, há tantos sofrimentos.

Amor, fortuna e morte que é presente,
Me levaram ao fim por tuas jornadas,
E minha conta devias ter me chegado.

Já quando acaso arrochar acidente,
Se volto ao rosto e olho minhas pisadas,
Temo em ver me por onde me hei passado.

XLII – Soneto

Eu vos conto já passos que vou dando,
Vendo bem as terras que eu me trespasso,
Se o peço em me dar um só do passo,
Quero sempre parar sempre que eu ando.

Trago este corpo que por força mando,
E com carga dele vou me tão ao passo,
E em pouca terra tanta da dor passo,
Que é quando ando a andar-me reparando.

Eu que farei que me parti com cuidado?
Mal volverá quem tanto mal me há feito,
Assim se é agora mal quando eu faz.

Ando comigo em tudo já tão penado,
Que em mim de nada fico satisfeito,
Porém de ver-me não me satisfaço.

XLIII – Soneto

Põe-me na vida mais brava importuna,
De pedir mim vezes a Deus mortalha,
Põe-me idade madurês, mas que trabalha,
Nos braços da ama ou em nesta cama.

Põe-me embaixo em próspera da fortuna,
Põe-me do sol ao trato humano encontra,
Ô à do por frio ao alto mar se imóvel,
No abismo de que encima desta lua. 

Põe-me dos nossos pés vivem as gentes,
O na terra ou em céu ou em que vento,
Põe-me dentre feras, posta entre dentes.

Da morte e do sangue é tudo o fundamento,
Onde queiras conservar sempre presente,
Os olhos por quem morro tão contento.

XLIV – Soneto

Quando será retorno a ver os olhos,
De donde amor me fez tanta da guerra
E possa estar olhando aquela terra,
Que me deixei com todos meus despojos?

Não posso, triste, mais com meus nojos,
Á cada passo o coração me cerra,
Ver tanto canto em meio e tanta serra,
Vivendo me arrancam desta abundância.

Ando mil vezes por tomar o meu voo,
E volver mal, sem esperar razão,
Haver por mais prudência esta loucura.

Porém logo levanto-me um tremor,
Conosco que me engana ao coração,
Estando estou por não estragar da cura.

TRAD.ERIC PONTY

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