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terça-feira, fevereiro 06, 2018

PEDRO CALDERÓN DE LA BARCA - SONETOS - TRAD. ERIC PONTY

Para às flores

Estas já que foram pompa e alegria
Despertando ao albor da manhã,
Á tarde serão uma lástima vã
Dormindo aos braços da noite fria.

Este matiz que ao céu desafia,
Iris listada de ouro, neve e grama
Será escarmento da vida humana:
Tanto se empreende ao terminar dum dia!

Eflorescer as rosas madrugaram,
Para envelhecer floresceram:
Cunho e sepulcro em botão falaram. 

Tais foram homens fortunas vieram:
Em um dia nasceram e aspiraram;
Que passados séculos as horas foram.

Há um altar em Santa Teresa

Há que vês em piedade, chama e voo,
Ara o solo, sol à queima, ao vento ave,
Argos de estrelas, imitada nave,
Nuvens vence, ar rompe toca ao céu.

Esta pois se cumpre nesse Carmelo
Mira fiel, mansa ocupa e ara grave,
Com admiração mostra suave,
Casto amor, justa fé, piedoso céu.

Ô militante igreja mais segura,
Pisar a terra, ar ardente, mar navega,
E há mais pilotos que seu governo fia.

Triunfa eterna, está firme, vive pura;
Que há no seu golfo que te vê te nega
Culpa infiel, torpe erro, cega heresia.

Crisântemo

Quem em humana sorte terás tido
Juntos tantos afetos desiguais?
Males pois não bastou haver sido males,
Senão males opostos haver sido?

Ao céu por se saber-se do pedido,
Dum trio Deus mistérios celestiais,
Morte ao pedido ao mirar-se, em tais
Penas, da beldade favorecido.

Pois como vida e morte meu desvelo
É possível céu de alguma vez peça,
Se é pedir juntos perdida e consolo?

Mais certo ao pedir-lhes não me impeça
Vida o morte, suposto que é do céu
Árbitro desta morte e desta vida.

Para o Mirto

Sem cuidado o cabelo, e tão incerta
Ao coração ao sangue redimida,
Tão desmaiada com ar de dormida,
Dormida e com ar de despertada.

Pouco certo ao viver, beldade certa,
Na alma sem obrar em si de escolhida,
Para poder matar como com vida,
E para senti-lo, como se morta.

Ao ver, ao ir se falar, disse advertindo:
Se formoso de ingrato é argumento,
Desmaiada, e esquiva terás se ouvido.

Logo em vão é dizê-lo que eu sinto,
Mal poderá senti-lo sem sentido,
Se algum com ele não tem sentimento.

Aurélio

Lício? Esta obstinação te porfia?
Mariposa solicita do dano
Morrer quer à luz do desengano?
Teus sóis culpa, obediência minha.

Que muito se confia de quem se fia,
Sabes que Lisis com o traidor engano
Memórias há de um ano outro ano
Nos olvidos nos sepultou em dum dia? 

Ô quando do avaro está dor contigo
Pois algum da queixa não se atreve dá-la,
De a mim, de Lisis, nem ti tampouco?

Que teu zeloso, ela mulher, eu amigo
Nos fala desculpados, pois nos fala
Ao meu fiel, a ela fácil, e a ti louco.

Do Pecador ferido

Se este sangue, por Deus, ser poderia
Que dá ferida aos olhos passara,
Antes de que a verteria que a chorara,
Fora eleição e não violência se fora.

Nem o interesse ao céu me moveria,
Nem do inferno o dano me obrigaria;
Só por ser quem é a derramara
Quando nem prêmio nem castigo houvera.

E se aqui Inferno e céu que me agonia,
Abertos viera, cuja pena ou cuja
Glória estivera em mim, se prevenia.

Ser vontade de Deus que me destruía,
O inferno me fora por ser da minha
Não se entrara-lá no céu sem ser tua.

del Rei

Ver estou meus impérios dilatados,
Minha majestade e, glória, e grandeza,
Em cuja variedade natureza
Perfeiçoou de espaços teus cuidados.

Fortalezas possam ser levantadas,
Minha valia há nascido da beleza,
A humildade de uns, de outros há riqueza,
O triunfo são arbítrios destas estrelas.

Para reger tão desigual, tão forte
Monstro de muitos colos, me concedam
Os céus de atenções das mais felizes.

Ciência me deem com que reger acerte,
Que é impossível que domar-se possam,
Com uma carga não mais tantas cervizes.

Formosura

Vendo minha beldade linda e pura;
Nem ao rei invejo, nem seus triunfos quero,
Pois mais império ilustre considero
Que é ele que minha beleza assegura.

Porque se ao rei subjugar-se procura
As vidas eu, as almas, logo infiro
Com causa que meu império é primeiro,
Pois reina na almas desta formosura.

O pequeno mundo a filosofia
Chamo ao homem; sem nele meu império fundo,
Como o céu lhe tem, como o solo.

Bem pode presumir a deusa minha
Ao que homem chamou de pequeno mundo,
Chamará tua mulher de pequeno céu.

A Noite

Estes rasgos de luz, estas centelhas,
Que cobram com âmagos superiores
Alimentos do Sol em resplendores
Àquilo vivem que se duelam delas.

Flores noturnas são: ao que tão belas,
Efêmeras padecem teus ardores,
Pois se um dia é século das flores,
Uma noite é a idade destas estrelas.

Desta, pois, primavera fugitiva,
E nosso mal, e nosso bem se infere;
Registro nosso, que morra sol o viva.

Que duração haverá que homem espere,
Que mudança haverá que não o receba
Do astro que à cada dia nasce e que morre?

Centauro

Apenas o inverno gelado e branco
Este monte com neves desvanece,
Quando desta primavera floresce,
Gelado que se viu, se olhou d´ufano.

Passa a primavera, passa o verão
Menosprezos do sol sofre e padece;
Chegou alegre o outono se enriquece
O monte de verdor, de fruta ao plano.   

Tudo vive está sujeito tua mudança:
Dum dia para outro dia dos enganos
Cumpre dum ano, este outro alcança.

Com esperança sofre desenganos
Um monte, que faltar-te a esperança
Ia se rendera ao peso destes anos.

Laura

Os campos de Madri, Isidoro santo,
Emulação divina são do céu,
Pois humildes os anjos são seu solo
Tanto celebraram e veneram tanto.

Os celestes labradores, enquanto 
são amorosa voz, com santo celso
Vos enviais angélico consolo
A Doce oração, fertilizou o canto.

Ditoso agricultor, em que se encerra
Na colheita de tão férteis despojos,
Que divino humano os deu de tributo.

Não recebeis o fruto desta terra,
Pois cozeis dos céus vossos olhos,
Semeando aqui tuas lágrimas, fruto.
TRAD. ERIC PONTY

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