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terça-feira, fevereiro 06, 2018

Julio Herrera y Reissig - SONETOS - TRAD. ERIC PONTY

As aranhas do augúrio

Eu sei em suas pupilas surgiram mistérios,
Dum bosque alucinado por uma lua exótica,
Eu sei entre suas sedas late uma fuga erótica,
Que sonhei em irreais e láteos hemisférios.

As minhas penas foram divina magia hipnótica,
Seus lábios incensários místicos saltérios,
E eu desejara sempre ter por cativeiros,
Seus braços, cabelos, sua nostalgia gótica.

Ô se pudesse falar! Sonhava neste dia,
Iludiu o palácio de minha melancolia,
Suas finas mãos ébrias de delirar harmônicas.

Doçuras dos seus parques, vagavam no piano,
Sonambulando e eram as brancas filarmônicas
Aranhas augurais dum mundo sobre humanos.

O Despertar

Alísia e Cloris abrem de par em par a porta,
E torpes com o dorso desta mão preguiçosa,
Restringindo-se aos húmidos olhos luz incerta
Por onde fogem os últimos sonhos da manhã.

A inocência do dia se é lavada na fonte,
Ao arado em sulco vagaroso desperta,
E em torno desta casa reitoral o sótão
Do cura se passeia gravemente na horta....

Tudo respira e ri. A placidez remota,
Da montanha sonha celestiais rotina,
Á sineta repete sempre a mesma nota.

De grilo das cândidas églogas matutinas,
Para na aurora obliquar agudas andorinhas,
Como fechas perdidas noturnas da derrota.

O Regresso

A terra ofereceu ósculo de cortesia paterna...
Pasta da besta erva miséria do caminho,
E montanha reluz ao tordo sol de inverno,
Como uma velha aldeã, seu veneno de linho.

Um céu bondoso e dum zéfiro que faz terno...
Pajem descansa cotovelo abaixo do pinho,
E densas as colmeias com passo paulatino,
Acodem nesta música sacerdotal corno.

Trazendo sobre ombro lenha para esta cena,
Ao pastor cuja ausência não dura mais que um dia
Caminha lentamente calmo rumo do casario.

Ao ver-lhe a família lhe dando boas vindas...
Enquanto cão em ímpeto de lentidão amena,
Descreveu fazendo círculos de alegria.

Almoço

Choveu... Trinca ao longe um sol convalescente,
Fazendo entre as pedras brotar um ser desprezível,
E ao som dos compactos silencia da torrente,
Com áspero sorriso palpitou a companhia.

Rugiu no precipício uma cabra pendente,
Um bezerro loiro baila entre os pedregulhos,
E ao céu campesino contempla ingenuamente
A Ruga pensativa que tem na montanha.

Sobre tronco hasteado dum abeto de neve,
Um instante que se amam Damócaris e Hebe,
Um com seu cajado reanima os fogos fátuos.

Outro distrai o ócio com plástica humildade...
E na mesma horta comem figos e morangos,
Manjares que dita sazonas em tuas rodilhas.

A Sesta

Não bateu mais que um único relógio: Campainhas,
Que contam sobre os ditosos tédios da aldeia,
E quais ao sol Janeiro acidamente chispe-a,
Com seu aspecto remoto de velho refratário...

A porta, sentado se dorme o boticário....
Na praça jacente a galinha faz cloc cloc,
Num tronco da oliveira arde em uma lareira
Junto ao qual o padre medita o breviário.

Tudo é paz nesta casa. Um céu feito sem rigores,
Bendisse trabalho que se repartiu os suores....
Mães, irmãs, tias, cantam lavando nas bicas.

As roupas que do Domingo sofreram campesinos....
E asno vagabundo que há entrado na vereda,
Fugindo, saltando coices cães vizinhos.

Velhice prematura

Esta noite, dum salto astro se põe,
Baixo do ódio, punço deste abrupto,
Fiz dum astro fugaz, em um rascunho
Daquele pseud. parêntesis evacuar.

As almas emolientes do arbusto verdes,
Dormidas ao largo deste terreno,
Amavam nas neves deste teu punho
O sangue deste histérico morder.

Houveram, com intimo prelúdio,
De Diana dos pulsos do repudio 
Ao oferecer-te com sua luz caduca.

Do minguante meu beijo te perdoas,
Ao fumo destas mortas ilusões
E fio a fio, subia por tua nuca.

O desamparo

Deste plumo da altura com o sujo,
Andrajo duma noite em malicias,
Não se presumiu do respeito afago
Deste eterno joguete senhoril.

Desdobrar virtualmente sobre lúcido,
“foulard” dos leites, que de tua infância,
Deparo-me com naufraga imperícia,
Do quadril, ao pé ao seu occipúcio.

E quando concretizar tuas energias,
No minuto audaz que destas porfias 
Assinaladas ao céu donde sobem.

A fé deste teu olhar tão nazareno,
O céu se assomou por uma nuvem
Com tanta ingenuidade dava-nos pena.

Alba Triste

Tudo foi assim. Preocupações lilás
Turbaram para ilusão da manhã,
E uma garça pueril sua absurda plana
Bate-paus nas ondas intranquilas.

Um estremecimento de sibilas,
Epilepsia dos instantes da janela,
Quando pronto um mito desajuizado
Rodeou na obscuridade minhas pupilas.

“Adeus, adeus” gritei-me até aos céus,
Ao gris sarcasmo de suas finas luvas,
Ascendeu com o roxo de meus zelos.

Wagner bradar ao ar duma corneta,
E da selva sentiu naquele instante,
Uma infinita colisão que fez completa.

Neurastenia

Urano ao bosque muge num rabugento,
E os ecos levando alguma recriminação,
Fazem rodar seu duro frágil coche,
E falam língua dum estranho Congo. 

Com sua expressão estúpida dum cedro
Cravado na ignorância desta noite,
Morreu a lua. O fumo faz um fantoche,
Dos pés do sátiro e chapéu do oblongo.

Ficar-te! Vou celebrar ti nesta missa
Abaixo azul genuflexão de Urano,
Adoçarei qual hóstia tua camisa.

Ô tuas botas as luvas, o vestido,
Tu, se expressarás sobre minha mão
A metempsicose deste astro menino.
TRAD.ERIC PONTY

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