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quarta-feira, fevereiro 07, 2018

Sóror Juana Inés de la Cruz - SONETOS - TRAD. ERIC PONTY

Estes versos leitor meu,
Que a teu deleite consagro
E só têm de bons
Conhecer já que são maus.
Nem os disputar quero
Nem quero recomendá-los
Porque isso fora querer
Haver deles muito caso.

Não agradecido te busco:
Pois não deves, bem olhado
Estimar o que já nunca
Julgue que fora a tuas mãos.

Em tua liberdade te ponho,
Se quereis censurá-los
Pois de que ao cabo te estás
Nela, estou muito ao cabo.
Não há coisa mais livre que
O entendimento humano
Pois o que Deus não violenta
Porque hei eu já de violenta-lo?

De quanto quereis deles,
Que quando mais inumano
Me mordeis então
Não ficas mais obrigado
Pois se deves a minha Musa
O mais amadurecido plantão
(que és o murmurar) segundo
Um adágio cortezão
E sempre te sirvo, pois
O te agrado, o não te agrado; Si
Se te agrado, ti divertes,
Murmuras, se não quadro.

Bem pudera já dizer-te
Por desculpa, que não hei dado
Lugar para corrigi-los
Á pressa dos transladados;
Que vão em diversas letras
E que algumas, dos homens
Matam a sorte do sentido
Que é cadáver do vocábulo
E que, quando hei feito
Há sido em curto espaço
Que feriram o ócio
Pressões do meu estado;
Que tenho pouca saúde
E contínuos embaraços,
Tais, que um dizendo isto,
Levo a pluma trotando.

Porém todo isso não serve
Pois pensarás que me jacto
De que serás foram bons
De havê-los feito despacho
E não quero que tais crias
Senão só que e ao dar-vos
Na luz, tão só por
Obedecer dum mandato.

Isto é, se gosta de crê-los,
Que sobre isso me mato,
Pois ao fim farás os cascos.
E adeus que isto não é mais de
Dar-te a mostra do pano:
Se não te agrada a peça
Não devolverás o fardo.

Em que satisfaz com receio à retorica do canto

Esta tarde, meu bem, quando te falava,
Como em teu rosto de tuas ações via,
Que com palavras não te persuadia,
Que o coração me vezes desejava;

E Amor, meus intentos ajudava,
Venceu o impossível parecia,
Pois entre o canto, que dor se vertia,
Do coração desfeito destilava.

Baste já de rigores, meu bem, baste,
Não te atormentem mais dos céus tiranos,
Nem vil receio tua calma contraste.

Com sombras néscias, com indícios vãos,
Pois já em líquido humor viste e tocaste
Meu coração defeito dentre tuas mãos.

Ao Teu retrato

Este que vês, engano colorido,
Que desta arte ostentando seus primores,
Com falsos silogismos destas cores,
És cauteloso engano do sentido.

Este, em que de lisonja há pretendido,
Excursar destes anos dos horrores,
E vencendo do tempo dos rigores
Triunfar desta velhice e deste olvido.

És um vão do artifício do cuidado,
És uma flor que ao vento delicada,
És um resguardo inútil para é dado.

És uma néscia diligência errada,
És um afã caduco, bem olhado,
És cadáver, és pó, é sombra, és nada.

Quem contém uma fantasia contenta com amor decente

Distinta, sombra do meu bem esquivo,
Imagem do feitiço que mais quero,
Bela ilusão por quem alegre morro,
Doce feição por quem penosa vivo.

Se ao ímã de tuas graças, atrativo,
Serviu meu peito obediente deste aço,
Para que me enamoras lisonjeiro,
Se hás de burlar-me já fugitivo?

Mas ostentar não podes, satisfeito,
De que triunfa de mim tua tirania;
Que ao que deixas iluso o laço estreito.

Que tua forma fantástica uniria,
Pouco importa burlar braços e peitos
Se te lavra prisão minha ilusão.

Prossegue o mesmo assunto e determina que prevaleça a razão contra o gosto

Ao ingrato que me deixa, busco amante;
Ao que amante me segue, deixo ingrata;
Constante adoro há quem meu amor maltrata;
Maltrato há quem meu amor busca constante.

Ao que trato de amor, falo diamante,
E sou diamante ao que do amor me trata;
Triunfante quero ver ao que me mata,
E mato ao que me quer ser tão triunfante.

Se há este pago, sofre meu desejo;
Se rogo aquele, meu decoro enojo:
De ambos modos infeliz eu me vejo.

Porém já, por o melhor partido escolho,
De quem não quero, ser violento emprego,
Que de quem não me quer, vil me despojo.

Ensina como um só emprego em amar é razão convivência

Fabio: Não ser de todos adoradas,
São todas as beldades ambiciosas,
Porque tem de se arar por ser ociosas
Se não as vem destas vítimas tão findas.

E assim, se de um só são seres amadas,
Que vivem da Fortuna querelante,
Porque pensam que mais que ser formosas
Constitui-se deidade ser rogadas.

Mas já sou em aquisição tão medida,
Vendo há muitos, meu zelo desvanecido
E só quero ser tão correspondida.

Daquele de meu amor atenção cobra;
Porque é o sal do gosto ao ser querida:
Que dana ao que se falta e ao se que sobra.

De amor, posto antes sujeito indigno, é emenda alardear arrependimento

Quando do meu erro e tua vileza veio,
Comtemplo, Silvio, de meu amor errado,
Qual grave és a malícia do pecado,
Qual violenta à força deste desejo.

À minha memória apenas eu creio
Que pudesse caber aqui meu cuidado
Á última linha do depreciado,
Ao término final de um mal emprego.

Já bem quisera, quando chego verte,
Vendo meu infame amor, poder negá-lo;
Mas logo a razão justa que me adverte.

Que só se remedia em me publicá-lo:
Porque do grande delito de querer-te
Só és bastante pena, confessá-lo.

Prossegue em seu pesar e diz que um não quisera aborrecer tão indigno sujeito, por não lhe ter assim acerca do coração

Silvio, já eu te aborreço, e um condeno
Ele que estes da sorte em meu sentido:
Que difama ao ferro ao escorpião ferido,
E há quem rastro, mancha imundo o barro.

És como do mortífero veneno,
Que dana há quem o verte inadvertido,
E no final, és tão mal e és tão pérfido
Que há um para aborrecido não és bom.

Teu aspecto vil é minha noção ofereço,
Ao que com susto me o contradiz
Por dar-me já da pena que mereço:

Pois quando considero o que me diz,
Não só a ti Carrera, que te aborreço,
Porém a mim pôr o tempo que te quis.

De uma reflexão dá pista com que mitiga a dor duma paixão

Com a angústia desta mortal ferida
Dum agravo de amor me lamentava
E por ver si na morte que me chegava,
Procurava que fosse mais crescida.

Toda no mal a da alma divertida
Pena por pena dor tua que somava
E em cada circunstância ponderava
Que sobravam mim mortes há uma vida.

E quando ao golpe de um e doutro tiro
Rendido o coração dava penoso,
Os Sinais de dar do último suspiro.

Não sei com destino prodigioso
Voltei em meu acordo e disse: Que me admiro?
Quem em amor há sido mais feliz?
TRAD. ERIC PONTY

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