O SUL
As antigas estrelas,
Desde banco de sombra haver olhado
Essas luzes dispersas,
Que minha ignorância não aprendeu notar
Nem ao ordenar constelações,
Haver sentido o círculo d´agua
No secreto aljire,
O odor de jasmim e madressilva,
O silêncio de pássaro dormido,
O arco do saguão, a humidade
–essas coisas, acaso, são o poema.
UM PÀTIO
Com à tarde Se cansaram os dois os três cores do pátio.
Esta noite, a lua, o claro círculo,
Não domina seu espaço.
Pátio, céu canalizado.
O pátio é o declive
Pelo qual se derrama o céu na casa.
Serena,
A eternidade espera na encruzilhada de estrelas.
Grato é viver na amizade escura
De um saguão, duma videira e duma cisterna.
Arte Poética
Admirar o rio feito de tempo e água E recordar que o tempo é um outro rio,
Saber que nos perdemos como o rio
E que os rostos passam como água.
Sentir que a vigília é outro sonho
Que sonha não sonhar e que a morte
Que teme nossa carne é essa morte
De cada noite, que se chama sonho.
Observar no dia e no ano um símbolo
Dos dias do homem e de seus anos,
Converter o ultraje dos anos
Em uma música, um rumor e um símbolo,
Ver na morte o sonho, no ocaso
Um triste ouro, tal é a poesia
Que é imortal e pobre. A poesia
Retornar como aurora e ocaso.
A vezes nas tardes uma cara
Nos observa desde fundo dum espelho;
A arte deve ser como esse espelho
Que nos revela nossa própria cara.
Contam que Ulisses, farto de prodígios,
Chorou de amor ao avistar sua Ítaca
Verde e humilde. A arte é essa Ítaca
De verde eternidade, não de prodígios.
Também é como o rio interminável
Que passa e fica e é cristal dum mesmo
Heráclito inconstante, que é o mesmo
E é outro, como o rio interminável.
TRAD.ERIC PONTY
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