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domingo, janeiro 28, 2018

TRÊS POEMAS de JORGE LUIZ BORGES - TRAD. ERIC PONTY

O SUL

Desde um de teus pátios hei havido olhado
As antigas estrelas,
Desde banco de sombra haver olhado
Essas luzes dispersas,
Que minha ignorância não aprendeu notar
Nem ao ordenar constelações,
Haver sentido o círculo d´agua
No secreto aljire,
O odor de jasmim e madressilva,
O silêncio de pássaro dormido,
O arco do saguão, a humidade
–essas coisas, acaso, são o poema.

UM PÀTIO
Com à tarde
Se cansaram os dois os três cores do pátio.
Esta noite, a lua, o claro círculo,
Não domina seu espaço.
Pátio, céu canalizado.
O pátio é o declive
Pelo qual se derrama o céu na casa.
Serena,
A eternidade espera na encruzilhada de estrelas.
Grato é viver na amizade escura
De um saguão, duma videira e duma cisterna.


Arte Poética
Admirar o rio feito de tempo e água
E recordar que o tempo é um outro rio,
Saber que nos perdemos como o rio
E que os rostos passam como água.
Sentir que a vigília é outro sonho
Que sonha não sonhar e que a morte
Que teme nossa carne é essa morte
De cada noite, que se chama sonho.
Observar no dia e no ano um símbolo
Dos dias do homem e de seus anos,
Converter o ultraje dos anos
Em uma música, um rumor e um símbolo,
Ver na morte o sonho, no ocaso
Um triste ouro, tal é a poesia
Que é imortal e pobre. A poesia
Retornar como aurora e ocaso.
A vezes nas tardes uma cara
Nos observa desde fundo dum espelho;
A arte deve ser como esse espelho
Que nos revela nossa própria cara.
Contam que Ulisses, farto de prodígios,
Chorou de amor ao avistar sua Ítaca
Verde e humilde. A arte é essa Ítaca
De verde eternidade, não de prodígios.
Também é como o rio interminável
Que passa e fica e é cristal dum mesmo
Heráclito inconstante, que é o mesmo
E é outro, como o rio interminável.

TRAD.ERIC PONTY

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