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segunda-feira, fevereiro 05, 2018

Garcilaso de La Vega - SONETOS - TRAD. ERIC PONTY

Soneto I

Quando me paro comtemplar meu espaço,
E ao ver nesses passos pôr do que hão traído,
Falo, segundo pôr donde andar perdido,
Que o maior mal pudera haverá chegado.

Mas quando do caminho isto olvidado,
Há tanto mal que não sei por hei chegado,
Sei que me acabo e mais eu sentido,
Ver-me acabar comigo meu cuidado.

Eu me acabarei, que me entreguei sem arte,
Há quem saberá perdesse e acabar-se,
Se o quiseres há um saberás querê-lo.

Que, pois, minha vontade pode matar-me,
A tua, que não és tanto de minha parte,
Podendo, que farás, porém, fazê-lo.

Soneto II

Enfim das vossas mãos me hei chegado,
Do sei que hei de morrer já tão apertado
Que um aliviar com queixas do meu cuidado
Como remédio me és já defendido.

Minha vida não sei em que há sustentado,
Se não és em haver sido eu guardado,
Para que só que em mim fosse provado
Quando corta uma espada em um rendido.

Minhas lágrimas hão sido derramadas,
Donde houvera secura e da sua aspereza,
Deram meu fruto delas, e minha sorte.

Bastem as que por vós tenho choradas,
Não vingueis mais com minha fraqueza,
Ela os vingará, senhora, com minha morte.  

Soneto III

No mar em meio as terras hei desejado,
De quando bem, cuidado eu vós o tinha,
E indo me aleijando de cada dia das Gentes,
Dos costumes, Das línguas do passado.

Já de desandar estou desconfiado,
Pensar remédios em minha fantasia,
E que mais certo espero é aquele dia,
Que acabarás vida e deste cuidado.

De qualquer mal poderá socorrer-me,
Com veros eu, senhora, do esperá-lo-ei  
Se esperá-lo pudera sem percebê-lo.

Mas de não veros já para valer-me,
Se não é um morrer nenhum remédio falo,
Se, isto é, um tampouco poderei fazê-lo.

Soneto IV

Um instante se levanta de esperança,
Mas cansado de haver-se levantado,
Torna a cair, mas deixa ao mal meu agrado,
Livre desse lugar da desconfiança.

Quem sofrerá tão áspera mudança,
Do Bem do Mal? Ô coração cansado,
Esforça em sua miséria de teu estado,
Que traz fortuna, só em haver bonança!

Mesmo eu empreenderei força dos braços,
Romper vós monte que outro não rompera,
De mim inconveniente muito espesso.

Morte prisão não podem, nem embaraços,
Pagar-me de ir ao vero como queira,
Nu em espírito o homem de carne e osso. 

Soneto V

Escrito esteve minh´alma vosso gesto,
E quando eu escrever de vosso desejo,
Vós só o escreveis; que eu não o leio 
Tão somente um de vós me aguarda-vos nisto.

Nisto estarei e estarei sempre posto,
Que ao que não cabe em meu quanto em vós vejo,
De tanto bem o que não entendo creio,
Tomando já essa fé por pressuposto.

Não nascendo senão para querê-los,
Minha alma os há cortado a tua medida,
Por hábito, d´alma mesma vós quereis.

Quando tenho confesso que eu deveis
Por vós nasci, por vós tenho à vida,
Por vós hei de morrer, por vós morrei.

Soneto VI

Por ásperos caminhos me hei chegado,
À parte que do medo não me movo,
Em si mudar-me a dar um passo prova,
Ali pelos cabelos sou eu tornado.

Mas tal estou que com a morte ao teu lado,
Buscando meu viver dum conselho novo,
E conosco o melhor e o pior aprovo,
O por costume mal o por mim dado.

Por outra parte, o breve tempo meu,
E o errado processo de meus anos,
Em teu primo princípio e teu meio.

Minha inclinação com quem já não porfio,
A certa da morte no fim de meus danos,
Me fizeram descuidar de meu remédio.

Soneto VII

Não perdas mais quem há tanto perdido,
Bastante amor o que há por mim pesado,
Vaga-me ora jamais haver provado,
Ao defender-me de o que hás querido.

Teu templo e Tuas paredes hei vestido,
De minhas molhadas roupas e adornado
Como acontece há quem há já escapado,
Livre desta tormenta em que ei me visto.

Havendo jurado nunca mais meter-me,
Ao poder meu e ao meu consentimento
Em outro tal perigo como está vão.

Mas do que vem não poderei valer-me,
E nisto no vou contra o juramento,
Que nem é como outros nem minha mão.

Soneto VIII

Daquela vista pura e tão excelente,
Saem espíritos vivos incendiados,
E sendo meus olhos tão recebidos,
Que nos passam até onde o mal sente.

Entram-se no caminho facilmente,
Pelos meus, de tal calor tão movidos,
Saem fora de mim como perdidos,
Chamados daquele bem que está presente.

Ausente da memória eu o imagino,
Meus espíritos pensando que há viam
Se movem e se incendem sem medida.

Mas não falando fácil ao caminho,
Que dos teus entrando derretiam
Reinventam por sair do não há saída.

Soneto IX

Senhora minha, si eu de vós ausente,
Nesta vida dura em que não me morro,
Parece-me que ofendo ao que os quero
E ao bem de que gozava em ser presente.

Trazendo logo sento outro acidente,
Que és ver que si de vida desespero,
Eu perco quando bem de vós espero,
Assim ando no que sinto diferente.

Nesta diferença de meus sentidos,
Estão em vossa ausência em porfia,
Não sabendo falar-me do em mal tamanho.


Nunca entre sem vê-los senão contrária,
De tal arte lutam noite e do dia
Que só se concertam neste meu dano.

Soneto X

Ô doces prendas por mim mal faladas,
Doces e alegres quando Deus querias,
Juntas estais em memória minha
E com ela em minha morte conjuradas!

Quem me dissera quando das passadas,
Horas que tanto bem por vós me via
Que me haveis de ser de algum dia,
Com tão grande dor representadas?

Pois em uma hora junto me levantais,
Tudo bem que por términos me dizes,
Levar-me junto ao mal que me desejais.

Se não suspeitarei de que me pões,
Em tanto bens porque desejais,
Ver-me morrer entre memórias tristes.

Soneto XI

Formosas ninfas, que ao rio metidas,
Contentas hábeis de suas moradas,
Das reluzentes pedras fabricadas,
Em colunas de vidro suspendidas.

Agora estais lavrando embebecidas,
Tecendo de tuas telas delicadas,
Agora umas com outras apartadas,
Contando-nos os amores e vidas.

Deixas dum momento labor alçando,
Vossas rubras cabeças ao mirar-me,
E não desteteis muito segundo ando.

Que não podeis de lástima escutar-me,
Que convertido em água aqui chorando
Podeis até despacho consolar-me.

Soneto XII

Se para refreares este desejo,
Louco impossível vão temeroso,
E guarecer dum mal tão perigoso,
Que és dar-me entender eu que não creio.

Não me aproveitas verme qual me vejo,
O muito aventurado o muito medroso,
Em tanta confusão que nunca ouço,
Fiar ao mal de mim que lhe possuo.

Que me há aproveitar ver a pintura,
Daquele que com às asas derretidas,
Caindo fama do nome ao mar hás dado.

E a de que teu fogo e tua loucura,
Chora entre aquelas plantas conhecidas
E apenas em que n´água há resfriado.   

Soneto XIII

A Dafne já aos braços lhes cresciam,
Em longos ramos volto demostravam
Em verdes folhas vi que se tornavam
Os cabelos que douro escureciam.

De áspera casca eles que se cobriam,
Os ternos membros que um bulindo estavam,
Os brancos pés na terra se fincavam
E em torcidas das raízes se volviam.

Aquele sendo a causa de tal dano,
A força de chorar crescer havia,
Este cedro com lágrimas regava.

Ô miserável estado, Ô mal tamanho,
Que com chorá-la cresças cada dia,
A causa e a razão por que choravas.

Soneto XIV

Como duma terna mãe, que é dolente,
Filho que está com lágrimas pedindo,
Alguma coisa qual está comendo
Sabendo há dobrar-se ao mal se sente.

E aquele piedoso amor não lhe consente,
Que se considere ao dano que havendo
O que pedem houve vá já correndo
E aplaca o plano e dobrar acidente.

Assim mim enfermo e louco pensamento,
Que em seu dano os me pede eu queria,
Pagar-te este mortal suscentamento.

Mas pede-me e chorando cada dia,
Tanto que quanto querer consentimento
Olvidando sua morte há uma minha.


Soneto XV

Se queixas e lamentos podem tanto,
Que se enfrentaram o curso dos rios,
Em diversos montes e já tão sombrios,
As árvores moveram com teu canto.

Se converteram escutar teu canto,
Os feros tigres e penhascos frios,
Se enfim com menos casos que dos meus
Se baixaram aos reinos deste espanto.

Por quê dirás minha trabalhosa,
Vida em miséria e lágrimas passadas,
Um coração comigo endurecido?

Com mais pena devia ser escutada,
A voz do que se chora por perdido
Que haver perdido e chorando outra coisa.

Soneto XVII

Pensando que teu caminho ia direito,
Vim a parar em tanta desventura,
Que imaginar-me não posso há loucura
Algo que deste instante satisfeito.

Larga campina que me parece estreito,
A noite clara para mim é escura,
A doce companhia amarga e dura,
E duro campo de batalha ao leito.

Deste sonho se há alguma aquela parte,
Só que és ser efígie desta morte
Se avém com desta alma fatigada.

Enfim o que, qual queria estou de arte,
Que julgar já por hora menos forte
Ao que nela me vi, está é pesada.

TRAD.ERIC PONTY

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