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sexta-feira, julho 11, 2025

A Monseigneur le cardinal de Richelieu - Pierre Corneille – trad. Eric Ponty

 

 Já que um d'Amboise e  com abissal sucesso
Fazem nossos povos se alegrarem também,
Permita-me comparar teus feitos inéditos
Os desse grande prelado, sem ti insigne.

Tal qual o senhor, usava a venerando púrpura
Cujo brilho sagrado deslumbra nossos olhos;
Tal qual o senhor, manteve uma vigilância incansável;
Tal qual o senhor, era o coração de um rei Luís.

Tal qual o senhor, cruzastes cerros com a mão armada;
Tal qual o senhor, sabia em decompor em fumaça
O orgulho dos inimigos e revidar teus golpes:

Há apenas uma diferença entre vós dois:
Ele já foi o legado do Papa na França.
E a França amaria de auferir um enviado por ti.
Pierre Corneille – trad. Eric Ponty
 

    ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

quinta-feira, julho 10, 2025

A VOZ DO POETA - CURADORIA – IVO BARROSO - ERIC PONTY

 


 
CURADORIA – IVO BARROSO INTEGRANTES – FERREIRA GULLAR – LEDO IVO – ADÉLIA PRADO - IVO BARROSO – MANUEL DE BARROS – BRUNO TOLENTINO – IVAN JUNQUEIRA- GILBERTO MENDONÇA TELLES – ERIC PONTY 
 
ERIC TIRADO VIEGAS, de nome literário ERIC PONTY, nasceu em São João delRei no dia 27 de abril de 1968, filho de Vicente Viegas, servidor municipal, e de Aline Viegas, professora de ballet. Fez seus primeiros estudos em sua terra natal, graduando-se pela UNIPAC daquela cidade. O Ponty é uma provável reminiscência do nome do filósofo francês Merleau-Ponty. Desde cedo conviveu com a poesia, tendo participado da Antologia Mineira do Século XX, organizada por Assis Brasil em 1998, e colaborado na revista Poesia Sempre, editada pela Fundação Biblioteca Nacional. Incluído na coleção de áudios A Voz do Poeta em 2010, editada pelos Drum Estúdios do Rio de Janeiro Publicou 50 Poemas Escolhidos pelo Autor, pela Editora Galo Branco (RJ), em 2009; Poesia Reunida pela Editora Oficina dos Editores (RJ) em 2015 e colaborou nas revistas Órion – Revista de Filosofia do Mundo de Língua Portuguesa (Brasil/Portugal), em Poesia Para Todos (RJ), Dimensão (MG), Babel, Ato Revista de Literatura (MG), DiVersos (Portugal) e em O Achamento de Portugal (Brasil/Portugal- Antologia). Membro da Utopoesía. Compôs a letra do lied de Alexandre Schubert (RJ) a “Salmico Betsaida” menção honrosa no Concurso Música Brasileira de Contrabaixo, que estreou no Congresso Universitário em Indianápolis nos USA, e ainda como libretista escreveu A Lenda do Irerê (infanto juvenil) e Francisca de Querência (óperacordel inspirada na Divina Comédia de Dante). Revelou uma tradução inédita de Fernando Pessoa (Folha/SP). Integrante das Terças Poéticas do Palácio das Artes (MG).Traduziu As Flores do Mal de Charles Baudelaire (Ipe das Letras -Portugal/Brasil) Integrante do Projeto Portinari com seu livro Menino retirante vai ao circo de Brodowski.

 Ivo Barroso
 
   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA
 
https://www.amazon.com.br/As-Flores-Mal-%C3%89ric-Ponty/dp/6552390882/ref=sr_1_1?crid=2OT7K4ITXMI3V&dib=eyJ2IjoiMSJ9.V29FLdX-Jsyhu9AsNXGXFEsCCWICkF9aI9FvCDs2MCGxBPmn8DLKH4hq9nK1NrzWi5XhgukRW2HTN9G5LC4Ksc3OHEJaeB_z-wi5JKljCF7ulVJnwhFHL_M0eMuk9GOx.xczcEGGFjilwPIrnV63lnOKoSi0L64UZRY6Hi7z7BNs&dib_tag=se&keywords=eric+ponty&qid=1752285318&sprefix=%2Caps%2C223&sr=8-1&ufe=app_do%3Aamzn1.fos.6d798eae-cadf-45de-946a-f477d47705b9
 

ODE AO Joao Candido Portinari - ERIC PONTY

Este poema representa todo meu viço;
Eu o escrevi sem pensar muito.
Parece que sim, eu confesso,
E eu poderia tê-lo corrigido.

Mas quando o homem está sempre mudando,
Por que mudar algo no passado?
Vá embora, pobre pássaro passageiro;
Que Deus o conduza ao seu destino!

Quem quer que seja que esteja me lendo,
Leia o máximo que puder,
E me condene apenas na soma.

Meus primeiros versos foram escritos,
O segundo por um adolescente,
O último, apenas de um homem.

  ERIC PONTY

 

  ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

quarta-feira, julho 09, 2025

FONCTION DU POÈTE- Victor Hugo - TRAD. ERIC PONTY

 I
Por que se exilar, ó poeta,
Na multidão onde o vemos?
O que são para sua alma inquieta
Os partidos, caos sem rumo?
Em sua atmosfera contaminada
Morre sua poesia desfolhada;
Seu sopro dispersa seu incenso.
Seu coração, em suas lutas servis,


É como a grama das cidades
Rastrada pelos pés dos transeuntes.
Nas capitais nebulosas
Não ouve com pavor
Como duas forças fatais
O povo e o rei se chocam?
Desses ódios que tudo desperta
Para que encher seus ouvidos,
Ó poeta, ó mestre, ó semeador?


Todo inteiro ao Deus que você nomeia,
Não se misture com esses homens
Que vivem em rumores!
Vá ressoar, alma purificada,
No concerto pacífico!
Vá florescer, flor sagrada,
Sob os amplos céus do deserto!
Ó sonhador, procure os retiros,
Os abrigos, as cavernas discretas,


E o esquecimento para encontrar o amor,
E o silêncio, para ouvir
A voz do alto, severa e terna,
E a sombra, para ver o dia!
Vá para os bosques! Vá para as praias!
Componha seus cantos inspirados
Com o canto das folhas
E o hino das ondas azuis!
Deus espera por você nas solidões;
Deus não está nas multidões;


O homem é pequeno, ingrato e vaidoso.
Nos campos tudo vibra e suspira.
A natureza é a grande lira,
O poeta é o arco divino!
Saia das nossas tempestades, ó sábio!
Que para você o império em trabalho,
Que faz sua perigosa travessia
Sem bússola e sem leme,
Seja como um navio que em dezembro


O pescador, do fundo de sua câmara
Onde pendem as redes secas,
Ouve a noite passar na sombra
Com um ruído sinistro e sombrio
De mastros trêmulos e inclinados!

II

Infelizmente, infelizmente, diz o poeta,
Eu amo as águas e os bosques;
Meus melhores pensamentos são
Sobre o que sussurram suas vozes.
A criação não tem ódio.
Lá, não há obstáculos nem correntes.
Os prados e as montanhas são benéficos;
Os sóis me explicam as rosas;


Na serenidade das coisas
Minha alma irradia em todas as direções.
Eu te amo, ó natureza sagrada!
Eu gostaria de me absorver em você;
Mas, neste século de aventuras,
Todos, infelizmente, devem a todos.
Todo pensamento é uma força.
Deus criou a seiva para a casca,
Para os pássaros, os galhos floridos,
O riacho para a erva das planícies,
Para as bocas, os copos cheios,
E o pensador para os espíritos!


Deus assim o quer, nos tempos adversos,
Cada um trabalha e cada um serve.
Infeliz aquele que diz aos seus irmãos:
Volto para o deserto!
Infeliz aquele que calça sandálias
Quando o ódio e os escândalos
Atormentam o povo agitado;
Vergonha para o pensador que se mutila,
E vai embora, cantor inútil,
Pela porta da cidade!


O poeta em dias ímpios
Vem preparar dias melhores.
Ele é o homem das utopias;
Os pés aqui, os olhos em outro lugar.
É ele quem, sobre todas as cabeças,
Em todos os tempos, semelhante aos profetas,
Na mão, onde tudo cabe,
Deve, seja insultado ou elogiado,
Como uma tocha que agita,
Fazer brilhar o futuro!


Ele vê, quando os povos vegetam!
Seus sonhos, sempre cheios de amor,
São feitos das sombras que lhe lançam
As coisas que um dia serão.
Zombam dele. Que importa? Ele pensa.
Mais de uma alma inscreve em silêncio
O que a multidão não ouve.
Ele lamenta seus contemporâneos frívolos;
E muitos falsos sábios, às suas palavras
Riem em voz alta e pensam em voz baixa!

Multidão que espalha sobre nossos sonhos
A dúvida e a ironia em torrentes,
Como o oceano sobre as praias
Derrama seu gemido e seus soluços,
A ideia augusta que te alegra
Nesta hora ainda balbucia;
Mas ela tem o selo da vida!
Eva contém a raça humana,
Um ovo contém o filhote de águia, 
uma bolota contém o carvalho!

Uma utopia é um berço!
Desse berço, quando chegar a hora,
Verão sair, deslumbrados,
Uma sociedade melhor
Para corações mais felizes,
O dever que o direito gera,
A ordem sagrada, a fé triunfante,
E os costumes, esse grupo em movimento
Que sempre, alegre ou melancólico,
Em seus passos semeia algo
Que a lei colhe em sonhos!

Mas, para incubar esses poderosos germes,
São necessários todos os corações inspirados,
Todos os corações puros, todos os corações firmes,
Penetrados por raios divinos.
Sem marinheiros, o navio naufraga;
E, como nos dois flancos de um navio,
É preciso que Deus, compreendido por todos,
Para dividir a multidão insensata,
Em ambos os lados de seu pensamento
Faça remar grandes espíritos!

Longe de vós, santas teorias,
Códigos prometidos ao futuro,
Este retórico de lábios murchos,
Sem esperança e sem memória,
Que outrora seguia a vossa estrela,
Mas que, desde então, lançando o véu
Onde se abriga a ilusão,
Deixou violar a sua alma
Por tudo o que há de mais infame
A avareza e a ambição!

Gigante de orgulho com alma de anão,
Dissipador do verdadeiro tesouro,
Que, saciado de ciência humana,
Queria se banquetear com ouro,
E, levando aos servos ao mestre
Seu falso sorriso de antigo sacerdote
Que vendeu sua divindade,
Embriaga-se, na hora em que outros pensam,
Nesta orgia impura onde dançam
Os abusos com risos atrevidos!

 Longe esses escribas de coração sórdido,
Que na sombra disseram sem medo
À corrupção esplêndida:
Cortisana, acaricie-me!
E que às vezes, em sua embriaguez,
Do templo onde sonharam sua juventude
Ousam retomar os caminhos,
E, com os rostos ainda pintados,
Aproximam-se das ideias castas,
Com o cheiro da devassidão nas mãos!

Longe esses doutores de quem se desconfia
O sábio, severo com pesar!
Que fazem da filosofia
Uma loja para seus interesses!
Mercadores vis que uma igreja abriga!
Que se vê, negra raça hipócrita,
Encher seus mantos com sacos de ouro,
Perturbando o padre que contempla,
E nas colunas do templo
Pregando seus cartazes imundos!

Longe de vocês, jovens infames
Cujos dias, contados pela noite,
Passam-se a envergonhar mulheres
Que a fome leva às cavernas!
Covardes a quem, em seu delírio,
Uma voz secreta deve dizer:
Esta mulher que o ouro mancha,
Que a orgia em que você cai contamina,
Só teve que escolher entre dois túmulos:
O necrotério hediondo ou sua cama!

Longe de vocês, as raivas vãs
Que se agitam na encruzilhada!
Longe de vocês, esses gatos populares
Que um dia serão tigres!
Os bajuladores do povo ou do trono!
O egoísta que de sua zona
Faz o centro e o meio!
E todos aqueles que, brasas sem chama,
Não têm em seu peito uma alma,
E não têm em sua alma um Deus!

Se tivéssemos apenas homens assim,
Justo Deus! Como com dor
O poeta no século em que vivemos
Gritaria: Desgraça! Desgraça!

 Victor Hugo  - TRAD. ERIC PONTY

 

   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

Portraits de Peintres - Marcel Proust - - TRAD. ERIC PONTY

 Albert Cuyp

Cuyp, sol poente dissolvido no ar límpido
Que um bando de pombos cinzentos perturba água,
Umidade dourada, auréola na testa de um boi ou de uma bétula,
Incenso azul dos dias bonitos fumegando na encosta,

Ou pântano de claridade estancada no céu vazio.
Cavaleiros estão prontos, com plumas cor-de-rosa nos chapéus,
Palma da mão ao lado; o ar fresco que torna a pele rosada,
Incha levemente suas bocas finas e loiras,

E, atraídos pelos campos ardentes e pelas ondas frescas,
Sem perturbar com o seu trote os bois cujo rebanho
Sonha num nevoeiro dourado e repousante,
Partem para respirar esses momentos profundos.

Paulus Potter


Sombrio pesar dos céus uniformemente cinzentos,
Mais tristes por serem azuis nos raros clarões,
E que deixam então nas planícies geladas
Filtrar os choros mornos de um sol incompreendido;

Potter, melancólico humor das planícies sombrias
Que se estendem sem fim, sem alegria e sem cor,
As árvores, a aldeia não projetam sombras,
Os jardins escassos não têm flores.

Um lavrador puxando baldes volta para casa, e, frágil,
Sua égua estava resignada, preocupada e sonhando,
Ansiosa, treinando seu cérebro pensativo,
Homem com respiração curta o forte sopro do vento.

Antoine Watteau


O crepúsculo obscurece as árvores e os rostos,
Com seu manto azul, sob sua máscara incerta;
Pó de beijos em torno de bocas cansadas...
O vago torna-se terno, e o que está próximo, distante.

A mascarada, outra melancolia distante,
Faz o gesto de amar mais falso, triste e encantador.
Capricho de poeta — ou prudência de amante,
O amor precisa ser adornado com sabedoria
Eis barcas, lanches, silêncios e música.


Antoine Van Dyck


Doce orgulho dos corações, graça nobre das coisas
Que brilham nos olhos, nos veludos e nas madeiras,
Bela linguagem elevada da postura e das poses
— Orgulho hereditário das mulheres e dos reis!
Você triunfa, Van Dyck, príncipe dos gestos calmos,
Em todos os seres belos que em breve morrerão,
Em todas as mãos belas que ainda sabem se abrir;
Sem suspeitar — pouco importa — ela lhe oferece as palmas!
Calmo como eles - como eles, perto das lágrimas,

São crianças reais já magníficas e tâo sérias,
Vestimentas resignadas, valentes chapéus de penas,
E jóias chorando - ondas através das chamas
A amargura das lágrimas com que as almas estão cheias.

Altas demais para deixá-las subir aos olhos;
E você acima de todos, precioso passeante,
Em camisa azul-clara, uma mão na cintura,
Na outra, um fruto frondoso arrancado do galho,
Sonho sem compreender seu gesto e seus olhos;

De pé, mas descansado, neste obscuro asilo,
Duque de Richmond, jovem sábio! — ou encantador louco?
— Volto sempre a si: um safira, em seu pescoço,
tem um brilho tão suave quanto seu olhar tranquilo.

MARCEL PROUST – TRAD. ERIC PONTY

 

  ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

terça-feira, julho 08, 2025

Portraits de Musiciens - Marcel Proust - - TRAD. ERIC PONTY

 Chopin

Chopin, mar de suspiros, lágrimas, soluços
Que um voo de borboletas sem pousar atravessa 
Brincando com a tristeza ou dançando nas ondas.
Sonhe, ame, sofra, grite, acalme, encante ou embale, 

Sempre faz correr entre cada dor 
O esquecimento vertiginoso e doce de seu capricho 
Como as borboletas voam de flor em flor; 
De sua tristeza, então, sua alegria é cúmplice:

O ardor do turbilhão aumenta a sede de lágrimas.
Da lua e das águas, pálido e doce companheiro,
Príncipe do desespero ou grande senhor traído,
Você ainda se exalta, mais belo por estar pálido,

Do sol inundando seu quarto de doente
Que chora ao sorrir para ele e sofre ao vê-lo...
Sorriso do arrependimento e lágrimas da esperança!

 

Gluck

Templo ao amor, à amizade, templo à coragem
Que uma marquesa mandou construir em seu parque
Inglês, onde muitos amores Watteau, empunhando seu arco
Toma corações gloriosos como alvos de sua raiva.

Mas o artista alemão — que ela tivesse sonhado com Cnide!
Mais grave e mais profundo esculpiu sem afetação
Os amantes e os deuses que você vê na frisa:
Hércules tem sua pira nos jardins de Armida!

Os saltos ao dançar já não batem no corredor
Onde a cinza dos olhos e dos sorrisos apagados
Amortece os nossos passos lentos e azulam o horizonte;
A voz dos cravo se calou ou se quebrou.

Mas o seu grito mudo, Admète, Ifigênia,
Ainda nos aterroriza, proferido por um gesto
E, flexionado por Orfeu ou desafiado por Alceste,
O Estige, — sem mastros nem céu, — onde molhou o seu gênio

Gluck, assim como Alceste, venceu o amor inevitável 
aos caprichos da idade; ele está de pé, 
um augusto templo da coragem, 
sobre as ruínas do pequeno templo do amor.

 

Schumann

Do antigo jardim onde a amizade o acolheu,
Ouça os meninos e os ninhos que cantam nos arbustos,
Amor cansado de tantas etapas e feridas,
Schumann, soldado pensativo que a guerra desiludiu.

A brisa feliz impregna, onde passam as pombas,
O cheiro do jasmim na sombra da grande nogueira,
A criança lê o futuro nas chamas da lareira,
A nuvem ou o vento fala ao seu coração das sepulturas.

Outrora, suas lágrimas corriam ao som dos gritos do carnaval
Ou misturavam sua doçura à amarga vitória
Cujo ímpeto louco ainda vibra em sua memória;
Você pode chorar sem fim: ela é do seu rival.

Em direção a Colônia, o Reno rola suas águas sagradas.
Ah! Com que alegria os dias de festa em suas margens
Vocês cantavam! — Mas, quebrado pela dor, você adormece...
Chove lágrimas na escuridão iluminada.

Sonho onde a morta vive, onde a ingrata tem sua fé,
Suas esperanças estão em flor e seu crime está em pó...
Então, um clarão lancinante do despertar, onde o raio
Te atinge novamente pela primeira vez.

Corra, embalsame, desfile ao som dos tambores ou seja bela!
Schumann, confidente das almas e das flores,
Entre os teus alegres braços, rio sagrado das dores,
Jardim pensativo, afetuoso, fresco e fiel,
Onde os lírios, a lua e a andorinha se beijam,
Exército em marcha, criança sonhadora, mulher chorosa!

Mozart

Italiana nos braços de um príncipe da Baviera
Cujo olhar triste e gelado se encanta com sua languidez!
Em seus jardins frios, ele segura contra o peito
Seus seios maduros à sombra, onde mamam a luz.

Sua terna alma alemã — um suspiro tão profundo!
Por fim saboreia a preguiça ardente de ser amada,
Ele entrega às mãos fracas demais para segurá-lo
A radiante esperança de sua cabeça encantada.
Querubim, Don Juan! Longe do olvido que murcha.

Em meio à fragrância de tantas flores
Que o vento espalhou sem secar suas lágrimas
Dos jardins da Andaluzia aos túmulos da Toscana!
No parque alemão onde os problemas ardem,
A italiana ainda é a rainha da noite.

Sua respiração torna o ar doce e espiritual
E sua flauta encantada goteja de amor
Na sombra quente de um belo dia de despedida
Deste frescor de sorvetes, beijos e do Paradiso.

Marcel Proust - - TRAD. ERIC PONTY

 

   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

1822 - Héléna - Alfred de Vigny - TRAD. ERIC PONTY

A teorba e o alaúde, descendentes da antiga lira,
Não fazem mais vibrar o arquipélago em delírio;
Sua onda, triste e sonhadora, é a única que agita os ares,
E a branca Ciclada encerrou seus concertos.
À noite, não se ouve mais as virgens da Moreia,
No frágil caïque de popa dourada,
Unir em coro duplo sons melodiosos.
Elas sabiam cantar, não os deuses profanos,
Apolo, ou Latona em Delos encerrada,
Minerva de olhos azuis, Flora ou Vênus armada,
Aliados da Grécia e da Liberdade;
Mas a Virgem e seu filho nos braços,
Que acalmam a tempestade e dão coragem
Àqueles que os malvados mantêm em escravidão:
Assim, o hino noturno à estrela dos mares
Coroava de descanso a noite dos dias amargos.
Assim que de Zea, de Corinto e de Alcime,
A lua grande e branca tocava o cume,
E suave aos olhos mortais, daquele céu tépido e puro
Como uma lâmpada pálida iluminava o azul,
Frequentemente se levantava uma brisa perfumada,
Que, como um suspiro da onda reanimada,
Às margens de cada ilha trazia ao mesmo tempo
O incenso de suas irmãs e suas vozes distantes.
Tudo então despertava: parecia que a Grécia
Tivesse reencontrado sua antiga alegria,
Mas que a bela escrava, inquieta com o barulho,
Não ousava mais confiar suas festas a ninguém além da noite.
Os barcos atracavam em enseadas secretas,
Depois, escolhendo refúgios nos vales floridos,
Os dançarinos, agitando o triângulo de bronze,
Esquecem o sono ao som do tamborim,
Esqueciam a escravidão ao lado de suas amantes
Que com seus longos cabelos loiros faziam tranças
Com rosas-laranjas, e com fios macios,
E medalhas de ouro, e rosários sagrados.
Via-se, em seus jogos, Ariane enganada,
Conduzir em desvios algum jovem Teseu,
Um grego, assim como o outro, naquele momento alegre,
Terno e talvez em breve também amante pérfido.
Assim sorria a escravidão do Arquipélago;
Tal como sob uma testa pálida devastada pela febre,
O amor vem reanimar
Os lábios de uma virgem moribunda, que em breve a morte fechará.
Mas há poucos dias, longe das festas noturnas,
Viu-se afastar-se, sérios e taciturnos,
Sob os verdes oliveiros que cercam os vales,
Gregos cujas conversas eram secretas e longas.
Eles lamentavam, dizem, a liberdade querida,
Pois muitas vezes se ouvia a única palavra pátria
Sair com estrondo do seio de suas conversas,
Como um belo som das noites encanta o repouso.
Dizem que, sobretudo, um desses jovens,
Viajando de ilha em ilha, indo ver sob os colmos,
Nas cavernas das montanhas, sob o abrigo dos bosques antigos,
Que gregos ele encontraria para colocar sob suas leis.
Ele lhes dava a vislumbrar uma nova vida
Livre e orgulhosa; 
falava de Atenas escravizada,
de Atenas, seu berço que ele queria salvar,
que lá estava noivo, que lá queria morrer,
que era preciso levar tudo para lá, a fraqueza e a idade,
armar seus braços cristãos com a espada de Pelágio,
e, fazendo um feixe com o ódio de seus corações,
Aos olhos das nações ressuscitarem vitoriosos.
Ouçam, ouçam este sino isolado,
Ele toca no topo da desolada Scio;
Ao seu zumbido, cheio de um transporte sombrio,
Montanheses armados descem para o porto,
Pois os ventos finalmente se levantaram para a vingança,
E a noite, com eles, sobe com inteligência.
O escarlate dos gregos em suas testas se arredonda:
Assim, quando a santa missa é celebrada em nossos altares,
Todas as crianças do coro, com uma púrpura inocente,
Costumam adornar suas cabeças adolescentes.
Mas em testas guerreiras esse sinal está preso.
Quem ousará fugir ou permanecer escondido?
Uma cera inflamada brilha e fuma em suas mãos;
Como um incêndio ao longe, o ar se ilumina;
A areia do mar mostra seu flanco dourado,
E no alto das montanhas o cedro é iluminado,
A própria onda se avermelha, e suas ondas escorregadias
Repetiam da ilha e balançavam as chamas.
A multidão está nas margens, sua esperança curiosa
Na onda agitada em vão lançava os olhos,
Quando, sob um sopro amigo, continuando seu voo sombrio
Um navio insurgido de repente sai da sombra.
Uma bandeira de sangue bate em seus mastros leves.
Um brilhante amontoado de armas e guerreiros
sobrecarrega suas três pontes; o bronze cheio de pólvora
pelas vigias abertas faz ressoar seu trovão.
Gritos o receberam, gritos responderam;
De Riga, massacrada, ouviu-se o hino,
E o toque de alarme, de uma corda rebelde,
Toca a liberdade do alto da capela;
Reúnem-se, agitam-se, armam-se, estão armados,
E das rochas, com esse barulho, a águia parte alarmada.
“Mas antes de deixar suas antigas muralhas,
“É preciso rezar ao árbitro das batalhas”,
Diziam os Caloyers. “Deus, que tem em suas mãos
“Os povos, só Ele poderá iluminar nossos caminhos
E se, neste grande dia, sua graça nos perdoar,
De Moisés, reacender a coluna em nossos passos.”
Eles falavam, e suas vozes, com palavras sábias,
Naquela multidão emocionada, trouxeram a calma.
Um se arranca dos braços de sua esposa em lágrimas,
Outro deixou os preparativos da partida e as armas,
Os gritos retumbantes, o barulho surdo das despedidas,
Se extinguem e dão lugar ao silêncio piedoso;
Aquele cujos pés já fugiram da margem,
Retornou lentamente e chegou perto do altar;
O ágil marinheiro suspenso nas velas
Pára e seu olhar está voltado para a ilha.
Todos têm ouvidos atentos à oração,
E para alguns anciãos era uma tarefa fácil.
Assim, quando após nove anos de ataques inúteis,
Impacientes por Argos, corriam para os seus navios
Os gregos, temendo o castigo de um deus,
Viu-se o velho Nestor e o prudente Ulisses,
Unindo o poder do cetro e da palavra,
Submetiam-nos ao santo jugo do dever.
Era sobre os destroços de um velho altar de Homero
Onde há três mil anos se quebra a onda amarga,
Que um monge, expulso dos turcos do santo convento,
Oferecia, em nome dos gregos, a hóstia ao Deus vivo.
Desertando dos picos profanados do Athos,
E curvado sob o peso de seus anos brancos,
Revoltando a ilha, no dia marcado por seus desígnios
Ele reapareceu como um século evocado.
Os povos o ouviam como um antigo oráculo,
Admirando o milagre de seu centésimo inverno,
Eles o consideravam abençoado entre todos os humanos,
Dois sacerdotes inclinados sustentavam suas duas mãos,
E sua barba caía como um longo rio de marfim
De sua túnica, ao falar, batia na veste negra.
“Aqui está ele, o seu Deus, Deus que os salvou”,
Gritava chorando e com os braços erguidos
O santo Patriarca: “Ele desce, tudo se apaga:
Seus inimigos perturbados fugirão diante de sua face,
Vocês os expulsarão todos, como o sopro do vento
Expulsa a palha frágil e a areia movediça,
Seus ossos, lançados aos mares, deixarão nossas campinas,
E a sombra do Senhor cobrirá nossas montanhas.
O sangue grego derramado, o suor de nossas testas,
Os suspiros que quatro séculos de afronta exalaram,
Formaram a nuvem da santa vingança;
E o sopro de Deus conduzirá essa tempestade.
Que ele não desvie seus olhos santos e poderosos
Quando nossos pés irritados caminharem no sangue;
“Ai de nós! Se ele tivesse permitido que um príncipe ou uma rainha
“Reacendesse Constantino ou nossa grande Irene,
“De um reinado legítimo tivesse reposto os direitos
“Sob os braços protetores da cruz eterna,
“Nunca da Moreia e de nossas belas ilhas
“O toque de alarme teria perturbado as tranquilas margens.
“Livres dos janízaros, desconhecidos no bazar,
“Nossas mãos teriam levado seu tributo a César.
“Mas que filho caído de uma raça heroica
“Não saberia quebrar seu jugo asiático?
“Quem, sem morrer de vergonha, teria sofrido por mais tempo
“Ao ver seus dias trêmulos medidos pelo ferro;
“Entre juízes carrascos, negociar sua cabeça pelo ouro
“Pelo teto paterno, a chama sempre pronta,
“De assassinatos e sangue, seu ar envenenado;
“Ao gesto desdenhoso de um soldado coroado,
“Os filhos afogados no sangue das mães massacradas,
“E, sobre os irmãos mortos, as irmãs desonradas?
“Esquecerás, Senhor, que todos eles profanaram
“A tua herança pura, como uma relva murcha?
“Que empunharam a espada contra a tua imagem sagrada?
“Que profanaram os recintos dos templos abençoados,
“Colocaram os seus sacerdotes endurecidos sobre os teus filhos,
“E que os seus deuses se sentaram no teu altar?
Disseram em seus corações despóticos e servis:
Exterminemos todos e destruamos suas cidades.
Seus dias nos foram vendidos, nós decidiremos seu tempo
Como o dos turcos cessa ao bel-prazer dos sultões;
Nas terras de Cristo, nações passageiras,
O que nos importa o futuro das cidades estrangeiras?
“Vamos embora, mas que nossos braços, molhados com suas lágrimas,
“Não deixem nada nas margens onde acampamos.
“E vocês abandonariam nossas ilhas alarmadas?
“Não, partam conosco. Deus forte. Deus dos exércitos;
“Avancem com esse passo que perturba os tiranos;
“Busquem em seus tesouros a força de nossas fileiras;
“Dupliquem em nossos navios o esplendor das estrelas,
“E que seus querubins venham inflar nossas velas!”
Ele dizia, e os gregos, ao ouvir essas palavras vitoriosas,
Acreditaram sentir um deus inflamar-se em seus corações;
Todos, com os braços estendidos em direção à antiga pátria,
Amaldiçoaram três vezes a horda asiática;
Três vezes o vasto mar respondeu às suas vozes;
A Alcyone suspirou longamente, e dizem
Que acima de suas cabeças uma tempestade fugaz
Roncando, por três vezes, rolou sua nuvem negra,
Onde, entre os fogos brancos dos relâmpagos rápidos,
A Cruz de Constantino reapareceu nos ares.

 Alfred de Vigny - TRAD. ERIC PONTY

 

  ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA  

segunda-feira, julho 07, 2025

UMA VISÃO - Thomas Mann - TRAD. ERIC PONTY

Enquanto enrolo mecanicamente um novo cigarro e as partículas marrons caem, com um leve formigamento, sobre o papel branco amarelado da pasta, parece-me improvável que eu ainda esteja acordado. 

À medida que o ar quente e úmido da noite entra pela janela aberta ao meu lado, formando nuvens de fumaça com formas estranhas e levando-as da área da lâmpada com abajur verde para o escuro fosco, tenho certeza de que já estou sonhando. É claro que isso é muito preocupante, pois essa opinião dá rédea solta à imaginação. O encosto da cadeira, atrás de mim, range secretamente, de forma provocadora, fazendo-me sentir um arrepio repentino percorrer todos os meus nervos. Isso me incomoda profundamente em meu estudo dos bizarros sinais de fumaça que vagam ao meu redor, sobre os quais eu já estava quase decidido a escrever um guia. 

Mas agora a tranquilidade foi para o diabo. Movimento intenso em todos os sentidos. Febril, nervoso, insano. Cada som é estridente. Com toda essa confusão, coisas esquecidas vêm à tona. Recordações que outrora ficaram gravadas na visão, e que se repetem de forma estranha, acompanhadas das sensações do passado. Percebo, com interesse, que meu olhar se amplia avidamente ao abranger o local na escuridão. Aquele lugar do qual a luz plástica se destaca cada vez mais claramente. Como ele o absorve! Na verdade, ele apenas o imagina, mas ainda assim está feliz. E ele recebe cada vez mais. Isso significa que ele se entrega cada vez mais, se torna cada vez mais, se transforma cada vez mais... sempre... Mais. Agora, está lá, bem claro, exatamente como naquela época: a imagem, a obra de arte do acaso. Ela surgiu do esquecimento, recriada, moldada e pintada pela imaginação da artista fabulosamente talentosa. 

Não é grande, é pequena. Na verdade, não é um todo, mas está completa, assim como naquela época. No entanto, é infinita e difusa na escuridão, em todas as direções. Um todo. Um mundo. A luz treme nela, e há um clima profundo. Mas nenhum som. Nada penetra o barulho alegre ao redor. 

Provavelmente não agora, mas naquela época. No centro, o damasco resplandece, com suas folhas e flores entrelaçadas, pontiagudas, arredondadas e sinuosas. Sobre elas, transparente e esguio, um cálice de cristal, meio cheio de ouro pálido. Diante dele, uma mão sonhadora estendida. Os dedos repousam frouxamente ao redor da base do cálice. Em um deles, há um aro prateado. Sangrando sobre ele, um rubi. Onde, após a delicada articulação, ele quer se tornar um braço, se confunde com o todo. Um doce enigma. Sonhadora e imóvel, repousa a mão da menina. Apenas onde uma veia azul clara serpenteia suavemente sobre seu branco opaco, pulsa a vida, bate a paixão, lenta e intensamente. E, como se sentisse meu olhar, ela se torna mais rápida, mais selvagem, até se transformar em um espasmo suplicante: "Deixe-me..." Mas pesado e com um prazer cruel, meu olhar se fixa, como naquela época. Fixa-se na mão, na qual pulsa a luta com o amor, a vitória do amor... como naquela época... como naquela época... Lentamente, uma pérola se solta do fundo da taça e flutua para cima. Ao entrar na área iluminada da pedra preciosa, ela brilha em vermelho sangue e desaparece subitamente na superfície. 

Tudo parece desaparecer, por mais que o olhar se esforce para refrescar os contornos suaves. Agora se foi, dissipou-se na escuridão. Respiro fundo, pois percebo que havia esquecido disso. Como naquela época. Quando me recosto, cansado, a dor surge. Mas tenho tanta certeza agora quanto naquela época: você me amava... E é por isso que agora posso chorar.

 Thomas Mann - TRAD. ERIC PONTY

 

  ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA  

domingo, julho 06, 2025

LIRICA SANJOANENSE E VARIAÇÕES DO TEMA - (ALEXANDRINOS) - ERIC PONTY

 

 À Memória do Poeta e tradutor Onestaldo de Pennafort
Pelo conjunto de sua obra.
 
Quem me quer, quem me quer felicidade atroz,
Fazia tarde toar no ar flanado de pena
Já um sol com o raio, a tombar nuvem trono
Mal aclarava a diva em frígido abandono.

Fomos sós os dois, conjunto – o pensamento
E os cavalos ao céu pisando ao sabor do vento
E eis que ela a me olhar num enternecimento,
Falou: - “qual foi terrestre o teu melhor instante.

Com a tez angelical de entonações tão plenas
Por única reposta eu lhe disse apenas
E curvei suas mãos palmas, devotamente.

Os primeiros sinais... Como já são aclamados,
E que encantada luz, que sussurro atraente,
Tem a primeira chama aos lábios bem formados!
 
E que me quer ó rainha em saudade? O Outono,
Fazia reis voar no ar príncipe deste sono,
Já que um sol com raio a tombar do áureo trono,
Mal aclarava a manhã em rígido abandono.

Íamos sós os dois, conspira – o pensamento,
E os cabelos de rei, voando ao sabor do vento
E eis que ele, a me lembrar num enaltecimento,
Disse: - Qual foi, na terra, o teu real instante.

Com a voz professoral de discursos amenos,
E por única mágoa eu lhe sorri apenas,
E beijei fundo a tez branca devotamente.

Os primeiros florões... são tão majestosos,
E que encantado luz que lampejo já atraente
Tem meu primeiro sim lábios bem adornados.

  Que me quer o querer esta idade? O outono,
Fazia tarde voar, já lá estado de sono,
Já uma dor sem pavor, a tombar do áureo estado
Mal aclarava a manhã em frígido abandono.

Íamos sós os dois planando – o pensamento,
E os cavalos ao léu, andando ao sabor tempo
E eis que ela a me ignorar num enternecimento,
Disse: - Qual foi terrestre o teu melhor instante.

Com a foz angelical de entonações apenas.
Por única reposta eu lhe disse amenas,
E beijei suas mãos febris, compulsivo de penas.

Privemos por senões... E como são amistados,
E que de furtado tom, que murmuro atraente
Tem o primeiro sim das faces bem amadas!
 
 Que me quer a cidade ufania languidez,
Fazia manhã nascer no ar as nuvens de chumbo,
Já um Sol sem a nota a tombar da áurea pauta,
Mal aclarava o toque em rígido do emprego.

Íamos sós os dois, nadando – o esvaecimento,
E os cabelos ao céu, flutuando ao labor do tempo
E eis que ela a me olvidar num enternecimento,
Disse: - qual foi no poente o melhor do nascimento.

Com a tez angelical entonações de plumas,
Por única reposta eu lhe pedi apenas,
E beijei mãos alvas devotamente.

Os primevos botões... confeitos perfumados,
E que de amaldiçoado tom sussurro atraente,
Tem o primevo sim lábios bem contornados.
 
 Que me quer, quem me quer esta salvação? O outono,
Fazia o pardal voar, no ar complexo de sono.
Já um sol sem vapor, a tombar no chafariz,
Mal aclarava o dia em régio abandono.

Íamos só os dois, pensando – o pensamento,
E os cabelos ao céu, voando ao sabor do tempo,
E eis que ela a me olhar já num distanciamento,
Disse:- Qual foi na fonte o teu melhor instante?-

Com a voz patriarcal de vibrações apenas,
Por única sibila eu lhe disse poemas
E beijei suas mãos de abril devotamente.

Os primeiros florões... Como já são adornados,
E que encantado tom, que murmúrio ameno,
Tem primeiro livor dos lábios porcelana.
ERIC PONTY

 
  ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

sábado, julho 05, 2025

O CEMITÉRIO MARINHO - Paul Valéry - TRAD. ERIC PONTY

 Minha alma não aspire à vida imortal,
Todavia a exaustão do possível.

PÍNDARO, PÍTICASIII, EP.

Tranquilo teto donde marcham pombas,
pinhos palpitam, dentre destas tumbas,
justo do meio funde dos ardores!
Pélago deste sempre início mar!
Oh recompensa após de um pensar,
visão resguarda alívio desses deuses!

 Puro trabalho fim que se consuma
imperceptível brio diamante escuma,
qual paz parece para conservar!
E sobre abismo quando sol repousa
obras de casta eterna desta causa,
Cintila tempo é Saber sonhar!

Firme ouro, templo simples de Minerva,
massa de calma, visto que reserva,
soberbo céu que vê guardado alto!
Tanto repouso véu embaixo flama,
Ó meu silêncio! Prédio sóbrio d´alma,
coberto douro mil das telhas, teto!

 Tempo do templo, sol suspira sumo,
é deste ponto alcanço me acostumo,
tudo resguarda olhar meu do oceano
do Criador de doação tão soberana,
cintilação semear-nos já serena,
deste desdém que me alço soberano.

 Como fundida fruta desta essência
desta delícia altera sua existência,
qual duma boca morre na feição.
Sou fumo vero deste eu meu assuma,
que canta do céu da alma que consuma,
das rumorosas docas cicio dão.

 Belo céu, vero guarda céu alterável,
após de tanto orgulho do estranhável,
ócio total do pleno do poder.
Eu me abandono brio deste espaço,
mansões dos mortos, sombra minha ao passo,
que domestica frágil do mover.

 Exposta d´almas sol solstício abraça,
domina-a da admirável das justiças,
das quais das luzes armam da piedade!
Eu me só rendo prima da pureza:
Que me resguarda!...Junto à luz beleza
suposta sombra triste da metade.

Ó para meu eu, mim, para mim mesmo,
da fonte poema, do imo de tão próximo,
dentre da vida mais me envolve puro;
Eu espero do eco do amplo minha interna,
sombra de amargo, som estar cisterna,
tocar-me d´alma d´oco do futuro!

 Cativo sábio falso da folhagem,
comedor golfos magros da linhagem,
são meus cerrados olhos fascinados,
quais dos corpos prendem fins ociosos,
fronte arremete a terra destes ósseos?
Uma centelha pensa se ausentados.

 Ferido sacro, pleno fel conduz,
fragmento do terrestre oferta à luz,
que léu me deu, domínio tochas jaz,
Composto douro, pedras, cedros sombras,
tanto do marmo são que temblam abras;
Mar fiel sobre dor jazigos faz.

 Cã arreda deste crente do esplendor!
Qual solitário riso do pastor,
perpétuos dos carneiros misteriosos
branco rebanho calmas destas tumbas,
distantes das prudentes alvas pombas,
sonhos altivos, anjos tão curiosos.

Aqui futuro a terra mais que pura,
que deste inseto arranha-se secura,
é tudo bruto lhe arde aceita aragem,
que não sei da severa da existência...
A vida vasta livre desta ausência,
desse amargor doce alma da celagem!

 Mortos ocultos são bem terras quem,
é lhes aquecem secos lhes renascem,
meio do alto, meio mutações,
pensam de si, que acena de si mesma...
Fronte completa destro do diadema,
Eu sou de sua secreta alteração.

 Não faz contenham vagos meus temores!
Remorso dúvida, entre dos horrores,
defeitos são de extensos do diamante…
Noite doridas doídas são dos mármores,
vagam o povo tronco destas árvores,
extraídos outra vez partir errante.

Fundirem duma espessa desta falta
argila rubra bebe a branca casta;
O dom da vida passou para flores!
São destes mortos frases familiares,
Arte pessoal das almas singulares?
Larva mudada fia lamentações!

 Os gritos tão de agudos, moça irada,
olhos dos dentes, pálpebra mirada
seio encantado face deste fogo,
do sangue brilhou lábios se renderam,
últimos dons, dos dedos que acorreram,
De tudo que há na terra esvai vai jogo!

 Você grande alma espera sonhos danos,
das cores aura são dos sempre enganos,
douro olhos vivos, fonte onda daqui?
Cantaram quando for tão vaporosa?
Vá! Tudo foge! Minha está porosa,
impaciência santa morre aqui!

 Magra imortal sombria deste doirado
consolador do medo do laureado,
da morte seio fez tão maternal,
bela mentira dó que desta acusa!
Que nem conhece, quem que lhe recusa,
crânio vazio de riso de eternal.

 Profundos pais, de testa inabitada,
embaixo pesos tantas já pazadas,
terra confunde passam do jamais.
Roedor do vero verme irrefutável,
do ponto desta tábua do dormível,
viver da vida não se ata jamais!

Amor, por mim, eu mesmo será cisma?
dente secreto está que me aproxima,
dos quais dos nomes ele convencer!
Importa! Vê! Sonhando quer pegada!
Manta de carne agrada até camada
vivente eu deste volto pertencer!

 Zenão! Cruel Zenão! Zenão d’Eleia!
Mas furo deste dardo se volteia
vibrar nem voa, mais voeja do jamais!
Som me infantil me mata dardo fuga!
Ah! Sol... Qual sombra desta tartaruga
Aquiles d´alma grande passo mais!

Não! Não!… Levante! Tempo de exaustivo!
Parta meu corpo, forma, pensativo!
Bebam meu seio nasce deste vento!
Oh frescor, deste mar tão de exaltado,
Torna minha alma! Fonte do salgado!
Corram voltando d´onda avivamento!

 Oh! Grande mar delírios de doirados,
Pele pantera, Clâmide em tornados,
ídolos desses mil do sol da qual
da livre carne azul, de Hidra absoluta,
remorso da brilhante cauda solta
tumulto paz idêntica tão igual!

 Desvia se vento!… Qual viver tentar!
Imenso abrir reforma meu livro ar,
O pó saltou da pedra dos mais roços!
O vácuo desta folha de extasiada!
Dissolvam vagas! Quebrem d’água alçada!
Tranquilo teto do pipocar focos!

Paul Valéry
 Esta tradução usou como base da edição
 da Collection A. Lagarde & L. Michard de 1965

  ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA 

Amerika - Arthur Schnitzler - TRAD. ERIC PONTY

O navio atraca; os meus pés colocados em um novo continente... A manhã cinzenta de outono obscurece o mar e a terra; tudo ainda balança sob meus pés; ainda sinto o movimento inquieto das ondas... A cidade emerge da névoa... Ao meu lado, com os olhos abertos, animada, a multidão se apressa. Eles não se sentem em um lugar desconhecido, apenas em um lugar novo. Escuto alguém dizer baixinho "América", como se buscasse gravar em sua memória que agora está realmente aqui, tão longe. Encontro-me solitário na margem. Não me concentro na América que conheço, de onde espero uma felicidade que minha terra natal não me proporcionou. Em vez disso, penso em outro tipo de América. Aquele pequeno quarto se apresenta em minha mente com clareza, como se eu o tivesse deixado ontem, e não há tantos anos. Sobre a mesa, encontra-se uma lâmpada com um abajur verde e uma poltrona bordada no canto. Na penumbra, as imagens das gravuras penduradas na parede se confundem. Anna está comigo. Ela está deitada aos meus pés, com a cabeça ruiva encostada no meu joelho; tenho que me inclinar para olhar nos seus olhos. Nós interrompemos a conversa e a noite avança, deixando o quarto em silêncio. Lá fora, a chuva começa a cair, e ouvimos as gotas batendo na janela, devagar e com mais força. Ela sorri, e eu me inclino para a sua boca. Beijo seus lábios, sua testa, seus olhos, que ela fechou. Seus finos cabelos dourados, que se enrolam atrás de suas orelhas, são acariciados pelos meus dedos. Com gentileza, eu os empurro para trás e beijo suavemente a pele branca atrás da orelha. Ela olha para cima novamente e ri, demonstrando contentamento. "Algo novo", ela sussurra, como se estivesse surpresa. Eu mantenho meus lábios firmemente pressionados atrás da orelha. Então, respondo com um sorriso: "Sim, tive uma descoberta interessante." Ela ri e, como uma criança, exclama alegremente: "América!". Naquela época, havia um certo charme. É uma situação peculiar e intrigante. Tenho a impressão de que consigo visualizar seu rosto diante de mim, e como se estivesse olhando para mim, com seus olhos travessos, e como o grito ecoava de seus lábios vermelhos: "América!". Lembro-me de como, naquela época, nos divertíamos e de como o perfume que emanava de seus cachos nos encantava. E assim surgiu esse nome grandioso. Tão incrível e bobo! Vejo seu rosto diante de mim, olhando para mim com seus olhos travessos, e como o grito ecoava de seus lábios vermelhos: “América!” Como ríamos naquela época, e como me embriagava o perfume que emanava de seus cachos sobre nossa América... E assim ficou esse nome grandioso. No início, sempre gritávamos quando um dos inúmeros beijos se perdia atrás da orelha; depois, sussurrávamos – depois, apenas pensávamos; mas sempre vinha à consciência. Uma profusão de lembranças surge em mim. Como uma vez vimos a imagem de um grande navio em um poste e, aproximando-nos, lemos: “Partida de Liverpool – Chegada em Nova York – Partida de Bremen – Chegada em Nova York”… Nós rimos no meio da rua, e ela afirmou em voz alta, enquanto as pessoas estavam ao redor: “Nós vamos viajar para a América ainda hoje!” As pessoas olhavam para ela com espanto; especialmente um jovem de bigode loiro, que ainda sorria. Isso me irritou muito, e pensei: Sim, ele provavelmente gostaria de viajar... Então, uma vez estávamos no teatro, não me lembro mais qual peça, quando alguém no palco mencionou Colombo. Era uma peça em jambos, e lembro-me do verso: “– e quando Colombo subiu na ponte...” Anna tocou meu braço levemente; olhei para ela e entendi seu olhar de desprezo. Pobre Colombo... como se ele tivesse descoberto a verdadeira América! Quando estávamos sentados em uma vinaria depois do teatro, conversamos muito sobre aquele bom homem que se gabava tanto de sua pobre América. Na verdade, sentíamos pena dele. Por muito tempo, não consegui imaginá-lo de outra forma senão com um olhar triste, parado na costa de seu novo mundo, estranhamente com um cartola e um sobretudo muito moderno, balançando a cabeça em desapontamento. Certa vez, desenhamos ele juntos na mesa de mármore de um café e sempre encontrávamos novos detalhes. Ela insistia que ele tinha que fumar um charuto; além disso, o grande descobridor em nosso desenho carregava uma guarda-chuva e seu cartola estava amassada – naturalmente – por causa dos amotinados. Assim, Colombo se tornou para nós a figura mais engraçada de toda a história mundial. Que incrível! Que tolice! E agora estou no meio desta cidade grande e fria. Estou na América errada e sonho com a minha doce e perfumada América lá longe... E há quanto tempo isso já aconteceu! Muitos, muitos anos. Uma dor, uma loucura toma conta de mim por saber que algo assim está irremediavelmente perdido. Que eu nem sei onde ela poderia receber notícias minhas, onde uma carta poderia chegar até ela – que eu não sei mais nada, absolutamente nada sobre ela... Meu caminho me leva mais para dentro da cidade, e meu carregador me segue. Paro por um momento, fecho os olhos e, por um estranho jogo enganador dos sentidos, sou envolvido pelo mesmo perfume que exalava dos cachos de Anna naquela noite em que descobrimos a América...

Arthur Schnitzler -  TRAD. ERIC PONTY

 ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA