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sexta-feira, março 23, 2018

CANTO XXXIV - DANTE Alighieri - TRAD. ERIC PONTY

«Vexilla regis prodeunt do Abismo
Havendo nós, mais adiante olhar,
Disse-lhe o mestre— e os verás ti mesmo. »

Como — se espessa treva se respira,
Ou se em nosso hemisfério já anoitece—
Distante se vê um mulino então girava,

Ver distantes uma torre me parece;
O vento me encha atrás, e abrigo peço
Ao meu guia, porque outro não oferece.

Já estávamos — com medo canto e medo—
Onde surgem as sombras abnegadas
Qual canudo que no vidro se há metido.

Umas fazem e estão doutras paradas;
Possuem a testa o bem os pés adiante,
Os pés em os rostos, estão arqueados.

De quando tanto nós passamos adiante
Que meu mestre teve bem mostrar-me
Ao que teve uma vez belo semblante,

Se deteve ante mim, me fez parar-me,
E disse: «Olha e me Dite; é o momento,
De que tua alma tem de valor se arme».

Qual me fica de friagem sem alento,
Não perguntes, leitor, nem eu o escrevo
Nem o pode expressar nenhum acento.

No que me morria nem sequer vivia:
Ao pensar por ti, si é que é engenhoso,
Qual fui para ambas coisas negativo.

O César do Império era doloroso
Deste médio corpo acima se mostrava;
E mais me comparava eu há colosso,

Que um gigante seus braços comparavam:
Calcula como o todo ser deveria,
Que com tamanha parte concordava.

Se foi belo qual feio se observava,
E contra seu fazedor alçou o seja,
Sem dúvida é quem todo luto cria.

E ali minha mente ficou perplexa,
Se, pois, tinha três caras nesta testa.
Uma adiante, e esta era vermelha;

Aos outros dois unirem-se com esta
E por cima de uma e outra paleta,
E se juntaram-se na mesma cresta:

A destra era entre branca e amarela;
O sinistro, da tinta que declara
O que do Nilo se tostou da orelha.

As Duas asas grandes abaixo caras,
Que ao pássaro tamanho convinham,
De tais velas jamais dum barco içara —

Do morcego eram; e se careciam,
De plumas, que dá vez se ateavam
De modo que três ventos produziam

Que da água do Cócito congelavam;
De seis olhos suas lágrimas brotando,
Com sua sangrenta baba se mesclavam.

Com cada boca estava triturando
Há um pecador, como uma agrimavam,
Aos três de igual forma castigando.

Mas só para o de diante nada era
O morder, com a espalda comparado,
Que estava desgarrada toda inteira.

A este a maior pena lhe há tocado:
É Judas Iscariotes, cuja testa,
Está na boca, e se panteia airado;

Haver abaixo estes dois que tem postos,
— Disse-lhe guia—; do rosto denegridor
É o Bruto, que dor não se manifesta;

Casio do terceiro é, alto e fornido,
Mas já à noite chega, e deste instante,
Ao marcharmos, que todo visto há sido.

Eu me abracei ao colo e, vigilante,
O momento escolheu que lhe convinha
E, quando se abriu as asas o bastante,

Ao flanco hirsuto se agarrou meu guia:
De velho em velho descendendo fomos
E dentre destas cerdas da costa já fria.

Quando ao lado da coxa ao fim nos vimos,
Onde se inchava e forma da cadeira,
Cansados e angustiados nos sentimos:

Volver a testa vazia da garra fera
Ao mestre, que lhe vendo se safava
Igual que se ao Inferno se volvera.

Agarre bem —me disse, e ladeava—;
Pela escala abandonar-me espero
Tanto mal», e cansado se mostrava.

Alcançou duma rocha o aguaceiro
Com o cuidado me sentou na ribeira;
Logo levou ao meu lado o pé ligeiro.
 DANTE ALIGHIERI
TRAD. ERIC PONTY

JULIO CORTAZAR - TRAD. ERIC PONTY

A Notícia aos viajantes

Se tudo é coração e renda solta
E nas caras houve à luz do meio dia,
Se numa selva de armas jogam os meninos
E a cada rua se ganhou, esta vida.

Não estás em Assunção nem em Buenos Aires,
Não te equivocou de aeroporto,
Não se chama Santiago o fim de etapa,
Seu nome é outro que Montevideo.

O Vento da liberdade foi teu piloto
E bússola do povo te deu o Norte,
Quantas mãos tendidas esperando-te,
Quantas mulheres, quantos meninos e homens.

Ao fim alçando-se juntos o futuro,
Aos fins transfigurados em se mesmos,
Então na larga noite da infâmia
Se perdeu no desprezo do olvido.

A viste desde o ar, esta é Managua
De pé entre ruinas, bela em seus baldios,
Pobre como as armas dos combatentes,
Rica como o sangue de seus filhos.

Já vês, viajante, esta sua porta aberta,
Todo o país é duma imensa casa.
Não, não te equivocaste de aeroporto:
Entrais não mais, estás na Nicarágua.
Managua, fevereiro de 1980

Discurso do Idiota

Uma noite, creio que em Turim, cunha de Copérnico, o pintor Matta me olha chegar e me saúda, dizendo-me: Ah, aqui está, o idiota!

Me fiquei um tanto acabrunhado, porém a explicação veio em seguida: «Te chamo idiota como o chamavam o príncipe Mishkin, porque a ti te ocorreu como a ele, meter o dedo na chaga com a maior inocência, e está sempre alarmando a gente porque diz as coisas mais inapropriadas em qualquer circunstância, e só alguma sé dão conta de que não eram de nenhuma maneira inapropriadas. Tu, entretanto; não entendes nada do que passa, igual que príncipe de Dostoievski. Talvez aqui tampouco entendo nada, querido Matta.
 JULIO CORTAZAR
TRAD. ERIC PONTY 

quinta-feira, março 22, 2018

VILLANCICO I - ASSUNÇÃO, 1676 - PRIMEIRO NOTURNO - Sor Juana Inés de la Cruz - TRAD. ERIC PONTY


Villancicos que se cantaram na Santa Igreja Metropolitana do México, em Honra de Maria Santíssima Mãe de Deus, em Sua Assunção triunfante, ano de 1676, em que se imprimiram.

PRIMEIRO NOTURNO

VILLANCICO I

VENHAM A VER UMA APOSTA,
Venham, Venham, Venham,
Que fazem por Cristo e Maria
O Céu e a Terra.
Venham, Venham, Venham!

Coplas

O Céu e Terra neste dia
Competem entre os dois:
Ela, porque abaixo de Deus,
E ele, porque subir por Maria.
Cada qual em sua porfia,
Não há maneira de que se acheguem.
Venham, Venham, Venham!

Diz o Céu: —Eu hei de dar
Posada de mais prazer:
Pois Deus veio a padecer,
Maria subiu ao triunfar;
E assim é bom, que teu pesar
Meus foram se me mantenham.
Venham, Venham, Venham!

A Terra me disse: —Receio
Que foi mais bela minha,
Pois o Ventre de Maria,
Sendo muito melhor que o Céu;
E assim é bem que no Céu e só
Por mais ventura me tenham.
Venham, Venham, Venham!

Injustas são as suas querelas,
Pois a coroar te inclinas
Coroar a Cristo com teus Espinhos,
Eu e Maria com Estrelas
(Diz o Céu); e das mais belas
Diz, suas sobrancelhas obtenham.
Venham, Venham, Venham!

A nos terra disser: —Pois mais
O mesmo Cristo estimou,
A Carne que em mim tomou,
Que à Glória que tu me dás;
E assim não esperes jamais
Que meus triunfos se retenham.
Venham, Venham, Venham!

— Ao fim venham nos completar,
Porque entre tanta alegria,
Põe, ao subir, na Paz Maria,
Como seu Filho ao abaixar;
Que na glória tão singular,
É bem todo se convenham.
Venham, Venham, Venham!

VILLANCICO II

ILLA QUAE DOMINUM CAELI
gestasse in utero, digna,
et Verbum divinum est
mirabiliter enixa:
cuius Ubera Puello
lac dedere benedicta,
et vox conciliavit somnum
Davidica dulcior lyra:
Quae subiectum habuit Illum
materna sub disciplina,
Caeli quem trementes horrent
dum fulmina iratus vibrat:
Cui virgineum pedem gaudet
Luna osculari submissa,
quaeque Stellis coronatur
fulgore Solis amicta,
magna stipante caterva
ex Angelorum militia,
victrix in Caelum ascendit,
20 ubi per saecula vivat.
Custodes portarum timent,
ut ingrediatur Maria,
ne cardinibus evulsis,
totum Caelum porta fiat.
Ascendit Caelos, et Caelos
luce vestit peregrina,
atque deliciarum loco
ignotas infert delicias.
Innixa super dilectum
Caelestem Thalamum intrat,
ubi summam potestatem
habet a Deitate Trina.
Ad dexteram Filii sedet,
et ut Caelorum Regina
tota coronatur Gloria,
et Gloriam coronat Ipsa.
Vident Superi ascendentem,
et admirantium ad instar,
ad instar concelebrantium,
alterna quaerunt laetitia:

Estribilho
—¿Quae est Ista? ¿Quae est Ista,
quae de deserto ascendit sicut virga,
Stellis, Sole, Luna pulchior? —Maria!

VILLANCICO III

A SOBERANA DOUTORA


Das Escolas divinas,
De que os anjos todos
Depreendem sabedoria,
Por ser quem a inteligência
Melhor de Deus participa,
Ao ler a suprema subida
Da Cátedra da Teologia.

Por Primaria das ciências
É justo está seja aplaudida,
Quem de todas às criaturas
Se levou à primazia.

Nenhum de Charitate
Estudou com mais fatiga,
E na matéria de gratia
Supôs há um antes de nascida.

Despois da Incarnatione
Pode estudar em si mesma,
Com que nesta Trinitate.
Alcançou maior notícia.
Os soberanos Cursantes
Que as letras exercitam
E da Sagrada Ciência
Os secretos investigam,
Com os Espíritus puros
Que no eterno Solo habitam
(E Inteligências sutis,
Ciência de Deus se apelidam),
Todos se votam iguais.

E com amantes das carícias,
Lhes celebram à vitória
E no triunfo lhes solenizam.

Estribilho
E com alegres vozes de aclamação festiva,
Enchem das raridades do ar de alegrias,
E só se percebem na confusa gritaria:
— Vitória, vitória, vitória, vitória Maria,
Apesar do Inferno e da sua inveja!
— Vitória, vitória, vitória, vitória Maria!
Sor Juana Inés de la Cruz.
TRAD. ERIC PONTY

quarta-feira, março 21, 2018

Linguæ Vasconum Primitiæ - Bernat Etxepare (Fragmentos) - TRAD. ERIC PONTY


É o primeiro livro impresso em euskera que conhecemos. Foi escrito por Bernat Etxepare e publicado no ano 1545. Etxepare era consciente de ser o primeiro escritor nesta língua, dele se sente orgulhoso ao demostrar ao largo da obra, começando por mesmo título.

O texto está composto por uma introdução e quinze poemas/canções. O escreveu em dialeto bajonavarro, tal e como se utilizava entre o povo. Esses quinze poemas se podem classificar em quatro grupos, em função da temática: dos religiosos, dez de amor, um autobiográfico na que exalta a liberdade, e os dos últimos nos exaltando ele euskera. No poema autobiográfico que exalta a liberdade, Bernat Etxepare conta que foi aprisionado em Bearn, por haver sido falsamente acusado de haver traído ao Rei de Navarra.

O Livro não teve uma grande distribuição, e só se conservou um exemplar, este guardado na Biblioteca Nacional de Paris.
Pelo Senhor Bernard de Etxepare
O Reitor de São Miguel, O Velho.

I.- DOUTRINA CRISTÃ

Todo homem neste mundo deveria pensar
Que Deus há formou a cada um de nós,
Há criado em nossa alma a tua própria imagem
E há sido dotado de memória, entendimento e vontade.

Nenhum amo deseja ter um malcriado
Nem lhe retribuir sem que este lhe sirva.
Deus procede de igual modo com conosco;
Não nos dará a glória, se não praticamos o bem.

Os criados passam a vida servir-nos
E por um módico salário suportam mil moléstias
Deus deveria receber outro tálamo de nós;
Temos servir-lhe há que nos dê Vossa Glória.

Não se que se consegue trigo sem haver semeado,
E comum cada qual aconselha segundo o que distribuiu;
As boas obras obtemperam um esplêndido sucesso,
Porém de seguro que também de agradar teu castigo.

Posto que Deus nos regala ao diário,
Também nós devemos recordar-lhe com gratidão
E pensar que Ele é Nosso Princípio e Fim
E exaltar atentamente Seu Nome dia e noite.
Pela Noite

Recomenda-te a Deus pela noite ao acostar-te
E o careça que te preserve de todo mal;
Quando te despertes, acorda-te ao ponto
De receitar-lhe com devoção algumas preces.

Pela Manhã

Protege-te vá de manhã à igreja, se puderes,
E encomende a Deus na sua santa morada;
Ao entrar medita ante quem estás
E com quem conversas, então estarás ali.

No Cemitério

Ao entrar lembre-se com afeto aos defuntos;
Pensas que então viviam e eram como tu;
Tens que morrer como eles e não sabendo quando.
Peças a Deus lhes outorgue teu Perdão.

Na pia batismal

Quando ires à igreja olha o batistério.
Pensa que é ali onde recebeste a fé,
A Graça de Deus e o Caminho da Salvação.
Teu primeiro reconhecimento seja a ele.

O Sacrário

Admira logo a onde está o Santíssimo
E pensa que Ele é teu Salvador;
Venerai com devoção e peça-lhe a Graça
De receber-lhe dignamente ao final de tua vida.


O Crucifixo

Admira o Crucifixo e lembra-te ao ponto
Que há sido redimido com teu precioso sangue.
Ele assumiu à morte para dar-lhe à vida.
Faça de modo corresponder lhe.

A Santa Maria

Alcança tua vista onde se fala a Boa Senhora.
Nem o mundo inteiro te pode ajudar-lhe o que Ela.
Ela é a mais próxima a Deus na Glória
E possui a mão todas às graças, quando quer.

Ô gloriosa Senhora e doce Mãe!
Em ti se junta toda esperança do pecador.
Também eu, grande pecador, acudo a ti,
A que me ajudes à salvar minha alma.

Os Santos

Renda-lhe também presteza aos santos,
Em especial a aquele a quem professas devoção.
Lembra-te de quem é a festividade naquele dia.
E há quem está dedicada aquela igreja.
Peça-lhe atentamente que te ajudem.

Armas contra Morte

A Morte irrompe quando menos se pensa,
Por ventura, sem dar tempo a confessasse.
O que pratique de verdade estas três rosas
Se salvará, como queira que padeça.

A Primeira Verdade

Bom Salvador! Confesso ser pecador
E tenho muita culpa em haver obrado mal.
Já que te hei ofendido de forma indevida,
Me pesa e me duele de haver obrado contra ti.

Segunda Verdade

Bom Salvador! Proponho-lhe ao presente
Abstende-me da fé pecado toda a vida.
Senhor! Dei-me força e graça, por favor,
A perseverar pela vida neste propósito.

Terceira Verdade

Bom Salvador! Proponho para a Quaresma
Fazer uma boa confissão
E cumprir a penitência imposta pelo confessor.
Senhor! Confirmai. Tua minha vontade.

Se algum não cumprir de Verdade estas coisas,
Sabendo que não pode salvar-se de nenhum modo,
Há quando haja confessado os teus pecados.

Persuada-se dele quem não queira enganar-se.
Nem sacerdote nem o Bispo, nem sequer um Papa
Tem a faculdade de absolver este tal.
Deus admira sempre o coração,
Conhecendo nossa vontade melhor que nós mesmos
E, sem vontade, ante Ele às palavras é oco.

Adenta bem tua casa todos os dias,
Si diligente em todos teus negócios e,
Para que teu trabalho seja tua penitência,
Agradeça à Deus ao findo de cada ação.

Teu trato sejas sempre com gente honesta;
Dos malvados não tirarás nenhum proveito.
Não faças aos demais o que a ti não queiras,
Nem omitas com eles o que para ti quiser.
Àquele que deseje salvar-se que observe este Princípio.


O juízo Universal

Como não pensam-se no Juízo universal,
Vivendo sempre ao prazer do pecado.
Tomemos já precauções a logo não perdemos,
Pois então Nada disporá de Tempo.
Significa grande prudência pensar nele há sério.

Haja! Haja! Todo o Mundo ao Grande juízo!
O Supremo Criador do Céu e da Terra
Virá a julgar com rigor o Mundo.

 Bernat Etxepare
TRAD. ERIC PONTY

O Livro da Misericórdia - SALMOS - LEONARD COHEN - TRAD. ERIC PONTY

I

Deixei-me de dar e deixei-me de me concentrar, e me consenti ser subjugado pela minha ignorância. 

Me detive a ouvir-lhes, contudo não está avizinhou-se. Tentei outra vez com uma impressão confusa. A medida que esta sensação se fazia mais profunda lhe escutei outra vez. Está foi sendo uma estratégia, que não obrou. Durante muito tempo, se passaram anos que foram mal-empregados neste tom menor.

Agora resgate-o. Lhes oferto brotos pelo amor. Suplico-te misericórdia. Sem pressa o acetei em mim.

Embaraçado arremeti até trono. De mal fé os anjos só outorgam um ao outro autorização para ao Cântico.

Em uma passagem meiga que não pode ser contemplada, a corte estava posta sobre raios da simetria dourada, e uma vez mais sou um cantor nos coros mais ignóbeis nado faz cinquenta anos a erguer minha voz assim tão altiva, e não sendo mais erguida.


LEONARD COHEN
TRAD. ERIC PONTY

terça-feira, março 20, 2018

O CÂNTICO ESPIRITUAL - San Juan de la Cruz - TRAD. ERIC PONTY

Canções entre à alma e o Esposo


Esposa

Onde te escondeste,
Amado, e me deixaste com gemido?
Como o cervo foste,
Fazendo-me ferido;
Saí atrás ti clamando, e tu tinhas partido.

Pastores, os que fostes
Ali pelas marejadas ao outeiro:
Se por ventura vistes
Daquele que eu mais quero,
Decidi que adoeço, peno e morro.

Buscando meus amores
Irei por esses montes e ribeiras;
Nem colherei às flores,
Nem temerei as feras,
E passarei os fortes e fronteiras.


Pergunta as Criaturas

Ô bosques e espessuras,
Plantadas pela mão do Amado!
Ô prado de verduras,
De flores esmaltadas!

Decidi se por vós hei passado.

Resposta das Criaturas

Mil graças derramadas
Passou nestas arvoradas com presteza,
E, vendo-os olhando,
Com só sua figura
Vestidos os deixou de formosura.

Esposa

Aí, quem poderá sanar-me!
Acabei de entregar-te já de verdade;
Não queiras enviar-me
De hoje mais já mensageiro,
Que não sabem dizer-me o que quero.

E todos cantos vagam
De ti me vão mil graças referindo,
E todos mais me chagam,
E deixa-me morrendo
Um não sei do que que ficam balbuciando.

Mas como perseveras,
Ô vida! Não vivendo onde vives,
E fazendo porque morras
As flechas que recebes
Do que do Amado em ti concebes?
Por que, pois, há chagado
Aquente coração, não lhe sanaste?

E, pois, me lhe há roubado,
Por que assim lhe deixaste,
E não o tomas o roubo que roubaste?

Apaguem minhas raivas,
Pois que nenhum basta a desfaze-los,
E olhando-a meus olhos,
Pois és lume deles,
E só a ti quero tê-los.

Ô cristalina fonte,
Se nestes teus semblantes prateados
Formastes de repente
Os olhos desejados
Que tenho em minhas entranhas desenhados!

Aparta-os, Amado,
Que vou vê-lo.

O Esposo

Retorne, pomba,
Que o cervo vulnerado
Pôr o outeiro assoma
O ar de tu velo, e fresco toma.

A Esposa

Meu Amado, as montanhas,
Os vales solitários numerosos,
As ínsulas entranhas,
Os rios sonorosos,
O silvo dos ares amorosos,
Á noite sossegada
No par dos levantes da aurora,
A música calada,
A solidão sonora,
A cena que recreia e enamora.

Nosso leito florido,
De covas de leões enlaçado,
Em púrpura tendido,
De paz edificado,
De mil escudos douro coroado.

À zaga de tua marca
As jovens discorrem ao caminho,
Ao toque de centelha,
Ao adobado vinho,
Emissão do bálsamo divino.

No interior da bodega
De meu Amado bebi, e quando saí
Por todo aquele terreno fértil,
Já é coisa não sabia,
E o ganhei perdi que antes seguia.

Ali me deu seu peito,
Ali me ensinou ciência mui saborosa;
E eu lhe digo do feito
À mim, sem deixar a coisa:
Ali lhe prometi ser sua Esposa.

Minha alma se há empregado,
E todo meu caudal em seu serviço;
Já não guardo hei ganhado,
Nem já tenho outro oficio,
Que já só em amar é meu exercício.

San Juan de la Cruz
TRAD. ERIC PONTY

segunda-feira, março 19, 2018

MiLAGRES DE NOSSA SENHORA DE GONZALO DE BERCEO - TRAD. ERIC PONTY

Apresentamos à edição de Milagres de Nossa Senhora de Gonzalo de Berceo (Poema de Introdução), do Manuscrito 93 do Arquivo da Abadia de Santo Domingo de Silos, baseando-nos na edição de Michael Gerli (Berceo, Gonzalo - Os Milagres de Nossa Senhora, Madrid, Cátedra, 1988), cuja consulta recomendamos.

1 Os Amigos e vassalos de Deus omnipotent,
Se vós me escutásseis despor vosso consiment,
Queria-vos contarun bom aveniment:
Vou pegar em cabo por bom verament.

2 Eu Mestre Gonzalvo de Berceo nomeado,
Indo em romaria cai num prado,
Verde e bem intacto, de flores bem provado,
Lugar cobdiciaduro porém homem cansado.

3.Davam olor sovelas flores bem olientes,
Refrescavam em homens nelas caras e as mentes;
Manavam cada canto fontes claras correntes,
No verão bem frias, no inverno quentes.

4. Há bem e grande abondode bons arvoredos,
Os milagres e figueiras, pêros e maganearas,
E muitas outras frutas de diversas nomeadas,
Mas non haver nenhumas apodridas nem acesas.

5 A verdura do prado, o odor das flores,
As sombras das árvores de vários sabores,
Refrescaram-me todo e perdi os sudores:
Poderei viver o homem com aqueles olores.

6. Nunca trovei no século um lugar tão deleitoso,
Nem sombra tão tempradani olor tão saboroso;
Descarregue meu ropiella por haver mais vicioso,
Possui-me à sombra dum Arbor formoso.

7. Fazendo à sombra perdi todos cuidados,
Odí somos de aves, doces e modulados:
Nunca udieron homens órgãos mais deleitosos,
Nem que formar pudéssemos mais acordados.

8. Umas têm a quinta, e as outras dobravam;
Outras tem o ponto, errar não as deixavam;
Ali posar e ao mover, todas as esperavam,
Aves torpes nem roncasy non se acostavam.

9. Não serei organista nem serei violeiro,
Nem giga, nem saltério nem mão do roteiro,
Nen instrumento nen lenguanin tão claro vozeiro
De cujo canto valesse com este um dinheiro.

10. Porque vós désseis todas estas bondades,
Non contamos a dizimas, isto bem o criades:
Que hajam de nobrezas tantas diversidades
Que não as contarem priores nem abades.

11 O prado que vos digo havia outra bondat:
Por calor nem por frio non perdem sua beltat,
Sempre estava verde em sua entegredat,
Non perdeis a verdura por nulla tempestat.

12 Manama do que fui terra acostado,
De todo o lanceiro fui logo folgado;
Oblidé todo cuidado o lanceiro passado:
Que ali se morasse seria bem-aventurado!

13 Os homens e as aves, quantos acaecién,
Levavam das flores quantas levar queiram,
Mas mingua no prado nenhuma non facién:
Por uma que levantes e as quatro nascem.

14. Semelha este prado igual de Paraíso,
Em que Deus tão Grande graça, tão grande bendição miso;
Ele que criou tal coisa mestre foi anviso:
Homem que morra se nunca perder o aviso.

15 O fruto da árvore será doce e sábio;
Se Adão houvesse de tal fruto comido,
De tão mal maneira non seria dividido,
Nem tomariam tal dano Eva nem seu Marido.

16 Senhores e Amigos, o que digo havermos
Palavra é escura, espora-la queremos;
Folgamos a corteza, ao miolo entremos,
Prendamos o de dentro, o de fora descemos.

17 Todos quantos vivemos, que em pés andamos,
Sequer no preso no leito vagamos,
Todos somos romeiros que caminho andamos,
São Pedro o diz isto, por ele vós o provamos.

18. Quanto aqui vivemos e alheio moramos;
A fiança dura abençoando a esperamos;
A nossa romaria estão a acabamos,
Quando ao Paraíso nas almas enviarmos.

19. Nesta romaria fazemos um bom prado
Em que trova repaire todo romeiro cansado:
A Virgem Gloriosa, mãe do bem-Criado,
Do qual outro nenhum igual non foi trovado.

20. Este prado foi sempre verde em honestat,
Ca nunca hobo mácula a sua virginidat,
Post partum et in partu foi virgem de verdat,
Ilesa, incorruptaen sua entegredat.

21. As quatro fontes claras que do prado manavam
Os quatro evangelhos, isso significavam,
Ca os evangelistas Quatro que os ditavam,
Quando os escrevem, com ela se falavam.

22. Quanto escrevem eles, ela o emendava,
Isso era bem firme o que ela laudava;
Parece que o Rego todo d'ella manava
Quando ao menos d'ella nada non se guiava.

23 A sombra das árvores, boa, doce e sã,
Em que ave repaire toda a romaria,
Se são as orações que faz Santa Maria,
Que pôr os pecadores rogam noite e dia.

24. Quantos que são no mundo, justos e pecadores,
Coroados e leigos, Reis e Imperadores,
Ali corremos todos, vassalos e senhores,
Todos à sua sombra íamos recolher as flores.

25. As árvores que fazem sombra doce e donosa
São os santos Milagres que lhe fazem à Gloriosa,
Ca são muito mais doces que açúcar saboroso,
A que dão ao enfermo no cuidado raivosa.

26. As aves organicamente estas frutais,
Que hão nas doces vozes, dizem cantos leais,
Estes que São Agostinho, Gregório, outros tais,
Quanto escreveram os seus feitos reais.

27.Estes fazem com ela amor e atinência,
Em laudarem os seus feitos metem toda veemência;
Todos falavam d'ela, ajuntar-se sua sentença,
Porém têm por tudo todo é uma crença.

28. Pássaro negro que canta por fim maestria,
Sequer a calandra que faz grande melodia,
Muito canto mejorel barão Isaías
E os outros profetas, honrada companhia.

29. Cantaram os apóstolos modo mui natural,
Confessores e mártires fazem bem outro tal;
As virgens seguem em grande Mãe caudal,
Cantam diante d'ella um canto bem festival.

30. Por todas as igrejas, isto é cada dia,
Cantam laudes ante dela toda a clerezia:
Todos li fazem a corte a Virgem Maria;
Estes são rosários de grande laceração.

31. Tornemos nestas flores que compõem o prado,
Que do fazem formoso, aposto e temporário;
As flores são os nomes que li dão o ditado
A Virgo Maria, mãe do bom Criado.

32. A Benedita Virgens estrela clamada,
Estrela dos mares, guia desejada,
Sendo dos marinheiros sem aos cuidados guardada,
Ca quando essa vede-nos em sua nave é guiada.

33. É clamada, e és locutora dos céus, reina,
Templo de Jesus Cristo, estrela matutina,
Ô Senhora natural, piedosa vizinha,
Dos corpos e de almas saúde e medicina.

35. Ela é dita fonte de que todos bebemos,
Ela nós darmos o sebo de que todos comemos;
Ela é dita porto aqui que todos corremos,
E nossa porta pôr a qual entrada atendemos.

36. Ela é dita porta em si bem encerrada,
Porém nos é aberta por darmos a entrada;
Ela é a pomba de fiel bem esmerada,
Em que non cai em ira, sempre está pagada.

37. Ela com grande direito é clamada Sião,
Ca é nossa talentosa, nossa defensora:
Ela é dita trono do Rei Salomão,
Rei Grande Justiça, sábio por admiração.

38. Non é nome nenhum o que bem direito avenha
Que em alguma guisa a ela non avenha;
Non há tal que rezem ela não a tenha,
Nem Sancho nem Domingo, nem Sancha nem Dominga.

39. É dita vida, é uva, amêndoa, mal romã,
Que de grãos da vossa graça está toda calcada,
Oliva, cedro, bálsamo, palma bem ajustada,
Piértega na que sovola serpente alçada.

40 O fust que Moisés nela sua mão portava,
Que confundiu os sábios que Faraó apreciava,
Ela que abriu os mare se depois os fechava,
Se non a gloriosa ao non significava.

41. Se meteremos em mente sem o outro bastão
Que partiu a contêm da que foi por Aarão,
Ao non significava, como diz à eleição,
Se non a gloriosa, esta é bem com razão.

42. Senhores e amigos, em vão contendemos,
Entrarmos no grande poço, fundo no'l trovaremos;
Mais seriam os seus nomes que nos d'ela lemos
Que das flores do campo, na grandeza que sabemos.

43 Desuso o dissemos que eram os frutais
Em que fazem haverem os cantos gerais
Os seus santos Milagres, grandes e principais,
Dos quais organizamos cenas festas caudais.

44. Quero deixar com tantolas aves cantadoras,
As sombras e as águas, se desvão ditas flores;
Quero d'estes frutais tão plenos de doçuras
Fer uns poucos ventos, amigos e senhores.

45. Quero nestas árvores um instante subir
E dos seus milagres alguns escrever;
Que Gloriosa me guie que o possa cumprir,
Ca eu non me atreveria nela a vir.

46. Tê-la-ei pôr milagrosa que o faz gloriosa
Se guiar-me quisera minha nesta coisa;
Mãe, plena de graça, reina poderosa,
Tu que me guias nela, ca sendo piedosa.
 GONZALO DE BERCEO
TRAD. ERIC PONTY

domingo, março 18, 2018

O SONHO DA MORTE - FRANCISCO DE QUEVEDO - TRAD. ERIC PONTY


Farto é que me haja ficado algum discurso depois que veio a V. M., e creio que me deixou este por ser da morte. Não sei se dedico porque me o ampare; levando-se eu, porque o maior desígnio desinteressado é o meu, à emenda do que pode estar escrito com algum desalinho ou imaginado com pouca felicidade. Não me atrevo eu encarecer da invenção por não me acreditar de inventor.

Procurado lhe polir o estilo e sazonar à pluma com a curiosidade. Nem entre a riso me hei olvidado da Doutrina. Se me hão aproveitado o estilo e a diligência hei remitido a censura que V. M. me fizera de se chega a merecer que lhe observe, e poderei eu dizer então que sou infeliz por sonhos. Guarde-me Deus a V. M., que o mesmo fizera eu. Na prisão e na Torre, 6 de abril 1622.

Há Quem O Predizer

Hei querido que a morte acabe meus discursos como as demais coisas; quererá Deus que tenha está boa sorte. Este é o quinto tratado «Sonho do Juízo», al «Alguacil indemonizado», ao «Inferno» e ao «Mundo por de dentro»; não me fica já que sonhar, e sim na visita da morte não desperto, não há que aguardar-me. Se te parecer que já é mui o sonho, perdoa algo a modorra que padeço, e si não, guarda-me o sonho, que eu serei sete dormir das postrimerías. Vale.

 Estão sempre cautelosos e prevenidos as ruinas pensamentos, a desesperação covarde e a tristeza, esperando a colher a só há um desgraçado para mostrasse alentados com ele, própria condição de covardes em que juntamente fazem ostentação de sua malicia e de sua vileza. Por bem que o tenho considerado em outros, me sucedo em minha prisão, pois havendo, o por cariciar meu sentimento o por fazer lisonja a minha melancolia, lido aqueles versos que Lucrécio escreveu com tão animosas palavras, me venci da imaginação, e debaixo do peso de tão ponderadas palavras e rações me deixei cair tão prostrado com a dor do desengano que li, que nem sei si me desmaie advertido o escandalizado. Para que a confissão de minha fraqueza se possa desculpar, escrevo, pela introdução ao meu discurso, a voz do poeta divino, que sonha assim rigorosa com ameaças tão elegantes:

Denique si vocem rerum natura repente
mittat et hoc alicui nostrum sic increpet ipsa:
quid tibi tanto operest, mortalis, quod nimis aegris
luctibus indulges? quid mortem congemis ac fles?
Nam si grata fuit tibi vita anteacta priorque
Et non omnia pertusum congesta quasi in vas
commoda perfluxere atque ingrata interiere:
cur non ut plenus vitae conviva recedis?
Aequo animoque capis securam, stulte, quietem?

Lembrei logo pela memória de dar aviso à Job dando-nos vozes e dizendo: «Homo natus de muliere», etc.:

Ao fim homem nascido
Da mulher fraca, de misérias longínquas,
A breve vida quando flor traída,
De todo bem do descanso alheio,
Que é como sombra vã
Houvesse tarde e nasça à manhã.

Com este conhecimento próprio acompanhava logo o dá que vivemos, dizendo: «Militia est vita hominis super terram», etc.:

A Guerra é a vida do homem
Então vive neste solo,
E suas horas e seus dias
Como às dum jornaleiro.

Eu, que, arrebatado na estima, me vi aos pés dos desenganos rendido, com lastimoso sentimento e com zelo enojado, lhe tomei a Job daquelas palavras da boca com que empeza sua dor ao descobrir-se: «Pereat dies in qua natus sum», etc.:

Perecendo o primeiro dia,
Em que eu nasci na terra,
E à noite em que o varão
Foi-me concebido pereça.

Regressarei daquele dia triste
Em miseráveis trevas,
Não lhe alumbre mais à luz
Nem tenha Deus com ele conta.
Tenebroso torvelinho
Daquela noite ao possuir,
Não este dentre os dias do ano
Nem entre meses há tenham.

Indignos sejam os louvores,
Solitária sempre seja,
Maldiga os que ao dia
Maldizem com voz soberba,
Os que a içarem
Ao Leviatã se brotem,
E com negrumes se escureçam nas estrelas.

Esperavam à luz formosa
E nunca clareza luz vejam,
Nem o nascimento rosado.
Da aurora retornem em perolas,
Porque não se fechou o ventre
Que minha luxuria às portas,
E porque minha sepultura
Não foi meu berço primeiro.

Entre destas demandas e respostas, fatigado e arguido (suspeito que foi cortesia do sonho piedoso mais que natural) me encontrei adormido. Logo que, desembaraçada, à alma se vê ociosa sem à trava dos sentidos exteriores, me embestaram desta maneira na comédia seguinte, e assim se recitaram minhas potências nas escuras sendo eu e as minhas fantasias auditório e teatro.

FRANCISCO DE QUEVEDO
TRAD. ERIC PONTY

sexta-feira, março 16, 2018

VISÔES DE SANTO ANTÔNIO - ERiC PONTY

I

Em matagais, confusos, cortei galho bruma,
No traçado, sedentos, ergui-me em murmúrio:
Era quiçá à voz dilúvio chorou à ramagem,
Uma úvula rubra ou uma essência rasgada.

Sendo algo desde tão distante me carece,
Asilado de grave dor, coberta de hera,
Um grito ensurdecido de imensos sois,
Pelo entreaberto e úmido trovejar sinais.

E, porém, ali, acordar-me das ilusões brenha,
Dum galho de avelã atraiu embaixo meu logro,
Em sua errabunda cor pintar por meu critério.

Como se me buscassem momento às estirpes,
Que me abdiquei, fonte confusas das sombras,
Me segurei lesado pelo bálsamo errante.

II

Pensei uma era feliz Mirtos das coisas,
E ternos acalantos febris ardores,
Doces beiços, expressões enganos,
São cantos qual notas tenebrosas.

Preenchidas macambúzia emoção,
Dissiparam — Senhor! — Daqueles sonhos,
E a efígie triunfal, olhares risonhos,
Que neles sempre, como regi, olha:

Só estiveram —recordações distantes! —
Das minhas visões encerrei e fundi.
Vós ô minhas órfãs já tão antigas!

Quais daquelas sonhadas ilusões,
Dissipando também, Sombras vontade;
E dás que tanto amei, meigas visões.
ERIC PONTY

Minha voz - Vicente Aleixandre – TRAD. ERIC PONTY

Hei nascido numa noite de verão
Entre duas pausas. Fala-me: te ouço.
Hei nascido. Se admitira que na agonia
Representa-me à lua sem esforço.
Hei nascido. Teu nome era destino;
Embaixo um fulgor uma esperança, uma ave.
Aproximar-se, chegar. O mar era um ladrido,
O eco duma mão uma medalha tíbia.
Então são possíveis já às luzes, as caricias, ao pé, o horizonte,
Esse dizer palavras sem sentido
Rodam-nos como escutados, caracóis,
Como lóbulo hiante amanhece
(Ouve, escuta) entre à luz pisada.
Vicente Aleixandre
TRAD. ERIC PONTY

Sonho do Marinheiro - Rafael Alberti - TRAD. ERIC PONTY

Eu, o marinheiro no meu ribeiro,
Posado sobre um cano e doce dum rio
Que de seu braço houve um mar Andaluzia,

Sonho em ser almirante de navio,
A partir do lombo dos mares
Ao sol ardente e da lua fria.

Ô elos do Sul! Ô às polares
Ilhas Nortenhas! Brancas primaveras,
Na nua e hirta sobre os glaciais,

O Corpo de roca e alma de videira!
Do estio tropical, roxo, abrasado,
Embaixo plumeiro azul Palmeira!

Meu sonho, pelo mar condecorado,
Já sobre seu batel, firme, seguro,
De uma verde sereia enamorada.

Concha d’água ali em seu seno escuro.
Arroja-me as ondas, marinheiro:
— Sereiazinha do mar, eu te conjuro!

O Sal da tua gruta, que adorar-te quero,
O Sal de tua gruta, virgem campesina,
Ao plantar-me no peito do teu luzeiro.

Já está flutuando corpo da aurora
Na bandeja azul do oceano
E a cara do céu se coloriu.

De carmim. Deixa o vidro de tua mão
Desolo na alba urna de minha frente,
A Alga de nácar, cantadora em vão.

Embaixo o Vergel azul da corrente.
Gélidos depositários submarinos,
Com o anjo barqueiro de relente.

E da lua d´ agua por padrinhos!
O mar, a terra, o ar, minha sereia,
Enrolado atado aos teus cabelos finos.

E são verdes de tua álgida melena.
Minhas galhardetes brancas atingem bico,
Ô marinheiro! Ante à aurora cheia!

E na rudeza pelo o mar teu caracol!
 Rafael Alberti
TRAD. ERIC PONTY

O PRÍNCIPE DAS TEVRAS - José Maria Alvarez - Museu de Cera - TRAD. ERIC PONTY

Maldição! Estamos alambrados! »
DE UM LIVRO
O limpo céu
Do Sul no calor duma taça
Então escutando Mozart
As telas de Velásquez ou Rousseau
Estas praias na minha calma contemplam
Naquelas que em Homero
Ou com Virgílio hei descoberto tantas vezes
Quem me amarram e eu desejei
Na lealdade que minha alma
Guardou-se em determinadas
Paisagens nos rostos livros
Á luz da cabeceira de minha cama
E nela Stevenson Montaigne
Cervantes Tácito Stendhal
Shakespeare Borges
Meu corpo e meu destino
Que acolhi
Isso que é o tudo

José Maria Alvarez
TRAD.ERIC PONTY

Poesia Vertical - Roberto Juarroz - TRAD. ERIC PONTY

1

Uma rede de observação
Mantêm unido mundo
Não o deixa cair-se.
E ao que eu não separo o que passa com os cegos,
Meus olhos vão a apoiar-se em uma espalda
Que pode ser de deus.

Sem, contudo,
Eles buscam em outra rede, outro fio,
Que anda fechando olhos com um traje emprestado
E pegamos uma chuva já sem só nem um céu.

Meus olhos buscam isso
Que nos faz retirarmos os sapatos
Ao vermos se há algo mais que nos segura debaixo
De inventar um pássaro
Ao averiguar se existe o ar
Ou criar um mundo
Para saber si há deus
Colocamos o guarda chuva
Comprovarmos que existimos.
Roberto Juarroz
TRAD. ERIC PONTY


quinta-feira, março 15, 2018

ARRANHANDO. À MINHA PLUMA - Friedrich Nietzsche - TRAD. ERIC PONTY


Arranhando à minha pluma: Ao demónio!
Estarei eterno condenado a raspagem?
Acontece me que ao lançar num tinteiro
E escrever com os maciços rios de tinta.

Que fluidez, que perfeição, que modo traço!
Daquilo que bem me escrevo, que bem lhe banco!
Talvez sendo à minha escritura lhe falte um fulgor —
E do que? Quem lê o que eu registro?


 Friedrich Nietzsche
TRAD. ERIC PONTY

A Mistura – Oliverio Girondo - TRAD.ERIC PONTY

Não só
A fofa profundidade
Dos ébrios leitos chegamos telúricos entre fanais sérios
Em seus líquenes
Não só o solicito
Nas prófugas
O impar ido
O aonde
O tacto incauto só
Dos acordes abismos dos órgãos sacros do orgasmo
O gosto ao perigo em se brote
Ao rito negro da alba com seu desespero pleno de palhaços
Nem tampouco incensar
Os suspiremos só
Nem o fortuito dia sem
Os autorregular-se em pleno plexo trópico
Nem as exedras menos nem o endédalo
Senão à viva mistura
No total mescla plena
A pura impura mistura que me merma
Os machimbres o almamasa tensa nas obstinações masculinas turcas
A mescla
Se
Misturam-se com que aderi nas minhas pontes.
OLIVERIO GIRONDO
TRAD.ERIC PONTY

quarta-feira, março 07, 2018

DO AMOR - PEDRO SALINAS - TRAD. ERIC PONTY

Quanto no instante te hei olhado
Sem observa- lê, na imagem
Tão exata e tão inacessível
Que te refletiste ao espelho!

«Beija-me», dizes. Te beijei,
E então te beijando penso
Nos frios que serão
Teus lábios no espelho.

«Toda à alma é a ti»,
Murmuras, porém ao peito
Sinto-me qual vazio só
Me legará desta alma
Que não me ofereces.

Esta alma que se vela
Desfazendo das claridades
Em tua forma do espelho.

A Difícil


Nos extremos se acham
De ti, por eles te buscam.
Amar-te: que partir e vir
Em ti mesma de ti mesma!

Ao dares contigo, acerca
Que distante farás de ir!
Amor: distâncias, vaivém
Sem parar.

No meio do caminho, nada.
Não, tua voz não, teu silêncio.
Redondo, terso, sem partisse,
Como ar, são perguntas
Apenas lhe rizam,
Como pedras, perguntas
No fundo se as guardara.
São superfície em silêncio
E eu olhando-me nela.
Nada, teu silêncio, sim.

O todo é teu grito, sim.
Afiado num silêncio,
Acero, raio, seta,
Rasgador, desgarrador,
Que exatidão repentina.

Rompe ao mundo a entranha,
Ao fundo deste mundo acima,
Onde ele chegou, fugacíssimo!
Todo, sim, teu grito, sim.
Porém tua voz não quero.
PEDRO SALINAS
TRAD. ERIC PONTY

A POESIA DOS SÉCULOS DE OURO - TRAD. ERIC PONTY

As poesias dos Séculos de Ouro possuem como atributo mais destacado a convivência dos distintos modelos, tendências e correntes que podemos sintetizar num seguinte quadro:

- Poesia em Metros castelões (octossílabos, hexassílabos e tetrassílabos)

1. De raiz e sabor popular:
2. Villancicos
3. Canções Paralelísticas
4. Romances

– De carácter culto: poesia do Cancioneiro (redondilhas, glosas, canções trovadorescas…)

A Poesia em Metros italianos

– Lírica Petrarquista: Sonetos e canções
– Lírica de inspiração clássica:
Virgiliana: églogas
Horaciana: odes, epístolas

Estas variedades, e outras que nos incumbem neste esquema, se perpetuaram ao largo dos séculos áureos e foram cultivadas pela maior parte de nossos poetas. Quase todos utilizaram indistintamente hendecassílabos e octossílabos, como formas tradicionais castelhanas e moldes italianos, ao que em alguns casos os resultados estéticos em uma ou duma outra corrente foram desiguais.

GIL VICENTE
(Lisboa? Guimaraes? Barcelos? h. 1465 - Lisboa, 1536)

Auto da sibila Cassandra

4
Cantam as lavandeiras

LAVANDEIRAS.

Falcão que se atreve
Com garça guerreira,
Os Perigos espera.
Falcão que se voa
Com garça a porfia,
Caçar a queria
E não a receba.
Mas quem não se vela
Da garça guerreira,
Os perigos espera. […]

CLITA.
A caça de amor
É de altaneira,
Trabalhos de dia,
De noite faz dor.
Falcão caçador
Com garça tão fera,
Os perigos espera.
5
Canta Cassandra.
Dizem que me casei só:
Não quero marido, não.
Mais quero viver segura
Nesta serra minha soltura,
Que não estar ventura
Se casarei bem ou não.
Dizem que me casei só:
Não quero marido, não.
Mãe, não serei casada
Por não ver vida cansada,
O quiçá mal-empregada
A graça que Deus me deu.
Dizem que me casei só:
Não quero marido, não.
Não será nem é nascido
Tal para ser meu marido;
E, pois, que tenho sabido
Que a flor eu me a só.
Dizem que me casei só:
Não quero marido, não.

6
Acabada assim a adoração, cantam a seguinte cantiga que fez o autor e a qual ele mesmo compôs a música
Mui graciosa é a donzela,
Como é bela e formosa!
Diz ao teu, marinheiro
Que nos templos vivias,
Se o templo a vela
A estrela é tão bela.
Diz teu, o cavaleiro
Que as armas vestias,
Se o cavalo as armas
A guerra é tão bela.

Fray Luis de León
Nasceu Belmonte de Tajo (Cuenca), em 1527 o 1528

I
A Vida Retirada

Que descansada vida
A de que ouve o mundanal ruído,
E segue a escondida
Senda, por onde hão ido
Os poucos sábios que no mundo hão sido!
Que não lhe enturva o peito
Dos soberbos grandes estado,
Nem do doirado coberto
Se admira, fabricado
Do sábio Mouro, em roupa sustentado.
Não cura sem a Fama
Canta com voz seu nome pregoeira,
Nem cura si adultera
Na língua lisonjeira
Do que condena a verdade sincera.
Que presta ao meu contento
Se sou do vão dedo assinalado;
Sem na busca d’este vento
Ando desalentado
Com ânsias vivas, com mortal cuidado?
Ô monte, ô fonte, ô rio,
Ô secreto seguro, deleitoso!
Roto quase ao navio,
Ao vosso alimento repousa
Esquivo deste mar tempestuoso.
Um não rompido sonho,
Um dia puro, alegre, livre quero;
Não quero ver o aceno
Vagamente severo
De quem ao sangue ensalma, o dinheiro.
Desperta-me as aves
Com seu cantar saboroso não aprendido,
Não os cuidados graves
De que é sempre seguido
Ele que ao aceno arbítrio está atendido.
Viver quero comigo;
Gozar quero do bem que devo ao céu,
A consolar, sem testemunha,
O Livre de amor, do zelo,
Do ódio, de esperanças, de receio.
Del monte na ladeira
Por minha mão plantado tenho um horto,
Que com a primavera,
De bela flor coberto,
Já demostra na esperança o fruto certo.
E como codiciosa
Por ver e acrescentar sua formosura,
Desde a cobre airosa
Uma fonte pura
Há chegar correndo se apressura.
E logo, sossegada,
Ao passo entre árvores torcendo,
No chão da caminhada,
De verdura vestindo
E com diversas flores já espargendo.
O ar ao horto orea
E oferece mil odores ao sentido;
Ás árvores meneiam
Com um manso ruído,
Que douro e do cetro pôs olvido
Tenha-se seu tesouro
Os que dum falso ramo se confiam:
Não é meu ver o choro
Dos que desconfiam
Quando o cirzo e o vento Sudeste porfiam.
A combatida antena
Cruze, na cega noite ao claro dia
Se torna; ao céu sonha
Confusa vozeria,
E ao mar enriquecem a porfia.
A minha uma pobrezinha
Mesa, de amável paz bem abastada,
Me baste; e a vasilha
De fino ouro lavrada
Sendo de quem ao mar não teme airada.
E então miserável
Mente se estão os outros abrasando
Com sede insaciável
Do perigoso mando,
Tendo eu a sombra este cantando.
Á sombra alargar-se,
De Hidra e Lauro eterno coronado
Posto ao atento ouvido
Ao som doce, acordado,
Do plectro sabiamente meneado.

Garcilaso de la Vega, 1574


COPLA II

A CANÇÃO, FAZENDO-SE CASADO SUA DAMA

A Culpa deve ser quereis,
Segundo que em mim haveis;
Mais adiante o pagareis
De não saberem conhece-los,
Por mal que me conheceis
Por querer, ser perdido
Pensava, que não há culpado;
Mais que todos haveis sido,
Assim me haveis mostrado
Do que o tenho bem sabido.
Quem pudesse não os quereis
Tanto como vós sabeis,
Por folgar-me que pagueis
O que não hão de conhece-los
Com do que não conheceis!

Jorge Manrique

A época de maior atividade dos Manrique se situa entre o final do reinado de Juan II de Castelã e o começo dos dois Reis Católicos, centrando-se nos tempos turbulentos de Enrique IV.

DE DON JORGE MANRIQUE QUEIXANDO-SE DO DEUS DO AMOR

Ô mui alto Deus do Amor,
Por quem minha vida se guia!
Como sofres teu, senhor,
Sendo justo julgador,
Em tua lei tal erigia?
Que se perda o que serviu,
Que se olvide o servido,
Que viva quem enganou,
Que morra quem bem amou,
Que valga no amor fingido?

Pois que tais sem rações
Conscientes passar assim,
Suplico-te em perdões
Minha língua, se com paixões
Difiro-lhe maus de ti.
Que não sou eu que vós dizeis,
Senão tu, que me fizestes
As obras como inimigo:
Tendo-me por teu amigo,
Me trocaste e me vendeste.
Se fores Deus de verdade.

Por que consentes mentiras?
Se tens em ti bondade,
Por que sofres tal maldade?
O que aproveitam tuas iras,
Tuas sanhas tão espantosas
Com que castigas e feres?
Tuas forças tão poderosas
—Pois comportas tais coisas—
De para quando as queiras?

FRANCISCO DE QUEVEDO
POEMAS METAFÍSICOS, MORAIS, RELIGIOSOS E HERÒICOS


Representa-se na brevidade do que se vive e do qual nada parece do que se viveu.

Ah da vida! … Nada me responde?
Aqui do antanho que hei vivido!
Fortuna mui tempos há mordido,
Horas minhas loucuras as esconde.
Que sem poder saber como nem onde
A saúde e a idade se hão ruído!

A falta à vida, assistir do vivido,
E não há calamidade não me ronde.
Haver fui; amanhã não hei chegado;
Hoje se está indo sem parar um ponto:
Sou um foi e um será e um é cansado.

Em do hoje e amanhã haverá, junto
Panos e mortalha, e hei quedado
Presentes sucessões de defunto.

LUIS DE GÓNGORA

Córdoba, à pátria de Séneca e Lucano, vê nascer em 1561 a Luis de Góngora, filho dum prestigioso jurista de família nobre ao que não gozasse duma posição económica desafogada.

Na técnica do soneto supera aos seus contemporâneos. Desde os mais remotos, de 1582, se observa, junto à influência petrarquista (imita aos italianos Tasso, Ariosto e Sannazaro), sua fixação ao original no léxico, as imagens utilizadas e colorido, sobre todo quando expressa o sentimento amoroso, bem, ou seja, a celebrar seu gozo como a cantar o fracasso, seu medo, suas dúvidas ou na sua decepção como amante.

II
DE SAN LORENZO EL REAL DEL ESCORIAL (1589)

Sacros, altos, dourados capitães,
Que as nuvens borrais seus arrebóis,
Febo os temeu por mais luzentes sois,
E deste céu por gigantes mais cruéis.

Depois teus raios, Júpiter; não zeles
E teus, Sol; dum templo são faróis,
Que ao maior mártir dos espanhóis
Ergueu lhes o maior Rei um dos fiéis,

Religiosa grandeza do Monarca
Em cuja destra real ao Novo Mundo
Abrevia, e ao Oriente se lhe humilha.

Perdoe-lhe o tempo, lisonjeei à Parca,
A beldade de esta Oitava Maravilha,
Os anos de este Salomão fez Segundo.

III
A LA GRANDEZA Y DILATACIÓN DE MADRID (1610)

Nilo não sofras margens, nem muros
Madrid, ô peregrino, tu que passas,
Que dás menor inundação das casas
Nem há um os campos Tejo estão seguros.

Émula ao virem, séculos futuros,
De Menfis não, que ao término le tasas;
Do tempo sim, que profundas destas crenças,
Não são em vão pedernales duros.

Ô Dossel destes reis, de filhos estirpe
Há sido e sendo zodíaco do luzente
Da beldade, do teatro de Fortuna.

Á inveja daqui veneno dente
Alimenta só, privanças importunas.
Caminhe em tua paz, referir tua gente.

TRAD. ERIC PONTY

A IMITAÇÃO DA NOSSA SENHORA LUA - JULES LAFORGUE - TRAD. ERIC PONTY

UMA PALAVRINHA AO PÔR DO SOL

Ô Sol! É Militar coberto de medalhas e pontas,
O fizeste sem à classe, saberás que Vestais,
Há quem há Lua, de falaz dum olhar de felina,
Sendo dum roseiral divinal duma Única Catedral.

Saberás que dos Pierrôs, falenas lhe dominaram,
Ninfeias brancas, donde Gomorra jaze adormecida,
E dos Bem-aventurados que pascidos neste Éden
São renúncias, sempre. Primaverais, te execram!

E que te hão retirado os teus peculiares desprezos,
Segunda, Perdulário, Mascarra, Rastaqueras
Sendo esta cascavel doirada, que ti pôs tão reles
Sóis feita desta pobre Terra e tua ufana lunar.

Andas perseguindo dando crepúsculos inúteis
Nos dias desta ressaca das Festas Nacionais,
Adelgaçando estação ao soltares teus dramas,
Nessas grandes Apoteoses ao fins Umbilicais.

Achegas já, Febo! Deverias, deus do mal Despertar,
Observe-nos este Port-Royal que dos divinos estetas,
Que em teu Decamerão inventaram à luz da Lua
Diziam postar qualquer preço, sem mais, à tua cabeceira.

Ti ficaras muitos dias por durar, só eu percebi;
Porém cresceste na tribo das antigas tradições,
Do «Absoluto, ao que? », sonhando-se Amor e Arte,
Neste aglomerado Inorgânico que foste existir.

Ampara por hoje, vegete, ausente-se conformamos
Com o refregaste nas colinas de Teu Papanatismo,
Isto que o Homem já te avisaste na frente do Poente,
Aposto há quem o jamais lhes tiveras desconfiado.

— Enterraste que lhe diziam ser duma frase estupenda,
Deste osso vistoso, porém, sem essência nenhuma,
Muita conversa vã, porém, tudo não sejais teatro!
A Pureza Febo, sem mais! Os comentários sobejam.

Ô Fantasma do Tempo, onde. Ser, foste castigado,
Com  «Febo, percorrei já! » Contestarás teu retorno
És deste antigo cresceste et multiplicamini,
Para ir-se inocular-se na tua frescura Lunar!

AS LITANIAS DAS QUARTOS LUAS

Ô Lua tão santificada
Quais destas Insônias,

Á branquidão do medalhão
Dos endêmicos,

Ah Estrela fóssil,
Que tudo nos exila,

Esmeralda Sepultura
De Salambó,

És sóis só Una guardiã
Dos Profundos Mistérios,

Ô Madonna e Ô Miss
Sóis Diana-Artemisa,

Sóis Vigilante Santificada
Destas nossas Orgias,

Esta tua má avantesma
Ti amargurarás, só.

Ah, Vós, ô Prestados Sóis Dama
Que botaste em nossas terras,

Sendo o Filtro nos açodar
Destas nossas alucinações,

É Sóis Bovina e Roseiral,
Destes Salmos Derradeiros,

Na formosura teu olhar de felina
Sendo quais das Nossas redenções.

Se constituíres no Uno socorro
Destas nossas unas crenças,

Sóis qual brancura do edredom
Deste nosso Grande Perdão!
JULES LAFORGUE
TRAD. ERIC PONTY

terça-feira, março 06, 2018

PAUL VERLAINE - Poemas - TRAD. ERIC PONTY

NA CLAREZA DA LUA

Vossa alma é qual uma vista esquisita,
Qual querem subjugar disfarces e das danças,
Tocam teus alaúdes, giram, quase tristes,
Debaixo logram fantásticos disfarces.

E, entretanto, vão cantando, em tom menor,
Do amor vitorioso e vida desta cumprida,
Não tem o aspecto crer em toda tua desgraça,

Tua canção se perdeu no clarão da Lua,
E num claro da lua formoso fez tal paz,
Onde, dentre ramagens, sonham todos pássaros.

E soluçaram em êxtases em todas fontes,
Com frescos jogos d’águas destes mármores.

O AMOR POR SONHOS

No vento noturno derrubou daquele Amor
Nos sorriam mais misteriosos do parque,
Então iam traçando malignamente teu arco,
E cujo aspecto tanto nos intrigara um dia.

O vento, doutra noite, derrubou. E o vento
Dum dia aglomerar pó do mármore. Triste
Resultou o pedestal, donde um nome de artista,
Apenas se decifra à sombra desta tua árvore.

É tristeza ver-te erguida e só do pedestal,
Chegam e vão sombrios em teus pensamentos
E dentre meus sonhos, há um pesar profundo,

Anunciava-se um prevenir ermo dum fatal.
É triste, sim. E tu mesma resultas comovida,
Ante tal quadro, ao do qual teus olhos frívolos
Sigam a mariposa que, ouro e púrpura, voa
E por entre dos resíduos conservam passeio.

EM SORDINA

Tranquilas à penumbra
Proporcionam os ramos,
Encharcam nosso amor
Dum profundo silêncio.

Fundam-se almas, latidos
Sentidos exaltados
Na vaga languidez
Dos arbustos e pinheiros.

Entornam, pois, teu olhar,
Dos braços põem num peito,
Coração fez dormido.

Lançam vagos anéis,
Deixem persuadir,
Sopro avassalador,
Teus pés vêm rezar
Vaivém roxo céspede.

Quando, pompa, à tarde
Baixo negros robes,
Voz em desalento,
Entoam ao teu cantar.

COLÓQUIO SENTIMENTAL

Por daquele velho parque, ermo glacial,
Das sombras vão cruzar faz-se do momento.
Daquele velho parque tão ermo e glacial,
Os Fantasmas lhe evocam este teu passado.

— Recordas, todavia, os êxtases de antes?
— Há vem, agora, careceria recordá-los?
— Bate teu coração só ouvir meu nome?
É minha alma, teu sonho, que vês? — Não.

— Ah, gentil dia indizível alegria,
Nos dois uníamos bocas! —Poderia ser.
— Quando era céu azul, esperança infinita!
— Espera partiu, rumo aos céus nublados.

De Ombro com ombro se iam, da Avena insana,
E tão só noite ouviam entre tuas palavras.

PAUL VERLAINE
TRAD. ERIC PONTY