Pesquisar este blog

segunda-feira, março 19, 2018

MiLAGRES DE NOSSA SENHORA DE GONZALO DE BERCEO - TRAD. ERIC PONTY

Apresentamos à edição de Milagres de Nossa Senhora de Gonzalo de Berceo (Poema de Introdução), do Manuscrito 93 do Arquivo da Abadia de Santo Domingo de Silos, baseando-nos na edição de Michael Gerli (Berceo, Gonzalo - Os Milagres de Nossa Senhora, Madrid, Cátedra, 1988), cuja consulta recomendamos.

1 Os Amigos e vassalos de Deus omnipotent,
Se vós me escutásseis despor vosso consiment,
Queria-vos contarun bom aveniment:
Vou pegar em cabo por bom verament.

2 Eu Mestre Gonzalvo de Berceo nomeado,
Indo em romaria cai num prado,
Verde e bem intacto, de flores bem provado,
Lugar cobdiciaduro porém homem cansado.

3.Davam olor sovelas flores bem olientes,
Refrescavam em homens nelas caras e as mentes;
Manavam cada canto fontes claras correntes,
No verão bem frias, no inverno quentes.

4. Há bem e grande abondode bons arvoredos,
Os milagres e figueiras, pêros e maganearas,
E muitas outras frutas de diversas nomeadas,
Mas non haver nenhumas apodridas nem acesas.

5 A verdura do prado, o odor das flores,
As sombras das árvores de vários sabores,
Refrescaram-me todo e perdi os sudores:
Poderei viver o homem com aqueles olores.

6. Nunca trovei no século um lugar tão deleitoso,
Nem sombra tão tempradani olor tão saboroso;
Descarregue meu ropiella por haver mais vicioso,
Possui-me à sombra dum Arbor formoso.

7. Fazendo à sombra perdi todos cuidados,
Odí somos de aves, doces e modulados:
Nunca udieron homens órgãos mais deleitosos,
Nem que formar pudéssemos mais acordados.

8. Umas têm a quinta, e as outras dobravam;
Outras tem o ponto, errar não as deixavam;
Ali posar e ao mover, todas as esperavam,
Aves torpes nem roncasy non se acostavam.

9. Não serei organista nem serei violeiro,
Nem giga, nem saltério nem mão do roteiro,
Nen instrumento nen lenguanin tão claro vozeiro
De cujo canto valesse com este um dinheiro.

10. Porque vós désseis todas estas bondades,
Non contamos a dizimas, isto bem o criades:
Que hajam de nobrezas tantas diversidades
Que não as contarem priores nem abades.

11 O prado que vos digo havia outra bondat:
Por calor nem por frio non perdem sua beltat,
Sempre estava verde em sua entegredat,
Non perdeis a verdura por nulla tempestat.

12 Manama do que fui terra acostado,
De todo o lanceiro fui logo folgado;
Oblidé todo cuidado o lanceiro passado:
Que ali se morasse seria bem-aventurado!

13 Os homens e as aves, quantos acaecién,
Levavam das flores quantas levar queiram,
Mas mingua no prado nenhuma non facién:
Por uma que levantes e as quatro nascem.

14. Semelha este prado igual de Paraíso,
Em que Deus tão Grande graça, tão grande bendição miso;
Ele que criou tal coisa mestre foi anviso:
Homem que morra se nunca perder o aviso.

15 O fruto da árvore será doce e sábio;
Se Adão houvesse de tal fruto comido,
De tão mal maneira non seria dividido,
Nem tomariam tal dano Eva nem seu Marido.

16 Senhores e Amigos, o que digo havermos
Palavra é escura, espora-la queremos;
Folgamos a corteza, ao miolo entremos,
Prendamos o de dentro, o de fora descemos.

17 Todos quantos vivemos, que em pés andamos,
Sequer no preso no leito vagamos,
Todos somos romeiros que caminho andamos,
São Pedro o diz isto, por ele vós o provamos.

18. Quanto aqui vivemos e alheio moramos;
A fiança dura abençoando a esperamos;
A nossa romaria estão a acabamos,
Quando ao Paraíso nas almas enviarmos.

19. Nesta romaria fazemos um bom prado
Em que trova repaire todo romeiro cansado:
A Virgem Gloriosa, mãe do bem-Criado,
Do qual outro nenhum igual non foi trovado.

20. Este prado foi sempre verde em honestat,
Ca nunca hobo mácula a sua virginidat,
Post partum et in partu foi virgem de verdat,
Ilesa, incorruptaen sua entegredat.

21. As quatro fontes claras que do prado manavam
Os quatro evangelhos, isso significavam,
Ca os evangelistas Quatro que os ditavam,
Quando os escrevem, com ela se falavam.

22. Quanto escrevem eles, ela o emendava,
Isso era bem firme o que ela laudava;
Parece que o Rego todo d'ella manava
Quando ao menos d'ella nada non se guiava.

23 A sombra das árvores, boa, doce e sã,
Em que ave repaire toda a romaria,
Se são as orações que faz Santa Maria,
Que pôr os pecadores rogam noite e dia.

24. Quantos que são no mundo, justos e pecadores,
Coroados e leigos, Reis e Imperadores,
Ali corremos todos, vassalos e senhores,
Todos à sua sombra íamos recolher as flores.

25. As árvores que fazem sombra doce e donosa
São os santos Milagres que lhe fazem à Gloriosa,
Ca são muito mais doces que açúcar saboroso,
A que dão ao enfermo no cuidado raivosa.

26. As aves organicamente estas frutais,
Que hão nas doces vozes, dizem cantos leais,
Estes que São Agostinho, Gregório, outros tais,
Quanto escreveram os seus feitos reais.

27.Estes fazem com ela amor e atinência,
Em laudarem os seus feitos metem toda veemência;
Todos falavam d'ela, ajuntar-se sua sentença,
Porém têm por tudo todo é uma crença.

28. Pássaro negro que canta por fim maestria,
Sequer a calandra que faz grande melodia,
Muito canto mejorel barão Isaías
E os outros profetas, honrada companhia.

29. Cantaram os apóstolos modo mui natural,
Confessores e mártires fazem bem outro tal;
As virgens seguem em grande Mãe caudal,
Cantam diante d'ella um canto bem festival.

30. Por todas as igrejas, isto é cada dia,
Cantam laudes ante dela toda a clerezia:
Todos li fazem a corte a Virgem Maria;
Estes são rosários de grande laceração.

31. Tornemos nestas flores que compõem o prado,
Que do fazem formoso, aposto e temporário;
As flores são os nomes que li dão o ditado
A Virgo Maria, mãe do bom Criado.

32. A Benedita Virgens estrela clamada,
Estrela dos mares, guia desejada,
Sendo dos marinheiros sem aos cuidados guardada,
Ca quando essa vede-nos em sua nave é guiada.

33. É clamada, e és locutora dos céus, reina,
Templo de Jesus Cristo, estrela matutina,
Ô Senhora natural, piedosa vizinha,
Dos corpos e de almas saúde e medicina.

35. Ela é dita fonte de que todos bebemos,
Ela nós darmos o sebo de que todos comemos;
Ela é dita porto aqui que todos corremos,
E nossa porta pôr a qual entrada atendemos.

36. Ela é dita porta em si bem encerrada,
Porém nos é aberta por darmos a entrada;
Ela é a pomba de fiel bem esmerada,
Em que non cai em ira, sempre está pagada.

37. Ela com grande direito é clamada Sião,
Ca é nossa talentosa, nossa defensora:
Ela é dita trono do Rei Salomão,
Rei Grande Justiça, sábio por admiração.

38. Non é nome nenhum o que bem direito avenha
Que em alguma guisa a ela non avenha;
Non há tal que rezem ela não a tenha,
Nem Sancho nem Domingo, nem Sancha nem Dominga.

39. É dita vida, é uva, amêndoa, mal romã,
Que de grãos da vossa graça está toda calcada,
Oliva, cedro, bálsamo, palma bem ajustada,
Piértega na que sovola serpente alçada.

40 O fust que Moisés nela sua mão portava,
Que confundiu os sábios que Faraó apreciava,
Ela que abriu os mare se depois os fechava,
Se non a gloriosa ao non significava.

41. Se meteremos em mente sem o outro bastão
Que partiu a contêm da que foi por Aarão,
Ao non significava, como diz à eleição,
Se non a gloriosa, esta é bem com razão.

42. Senhores e amigos, em vão contendemos,
Entrarmos no grande poço, fundo no'l trovaremos;
Mais seriam os seus nomes que nos d'ela lemos
Que das flores do campo, na grandeza que sabemos.

43 Desuso o dissemos que eram os frutais
Em que fazem haverem os cantos gerais
Os seus santos Milagres, grandes e principais,
Dos quais organizamos cenas festas caudais.

44. Quero deixar com tantolas aves cantadoras,
As sombras e as águas, se desvão ditas flores;
Quero d'estes frutais tão plenos de doçuras
Fer uns poucos ventos, amigos e senhores.

45. Quero nestas árvores um instante subir
E dos seus milagres alguns escrever;
Que Gloriosa me guie que o possa cumprir,
Ca eu non me atreveria nela a vir.

46. Tê-la-ei pôr milagrosa que o faz gloriosa
Se guiar-me quisera minha nesta coisa;
Mãe, plena de graça, reina poderosa,
Tu que me guias nela, ca sendo piedosa.
 GONZALO DE BERCEO
TRAD. ERIC PONTY

Nenhum comentário: