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sexta-feira, março 23, 2018

CANTO XXXIV - DANTE Alighieri - TRAD. ERIC PONTY

«Vexilla regis prodeunt do Abismo
Havendo nós, mais adiante olhar,
Disse-lhe o mestre— e os verás ti mesmo. »

Como — se espessa treva se respira,
Ou se em nosso hemisfério já anoitece—
Distante se vê um mulino então girava,

Ver distantes uma torre me parece;
O vento me encha atrás, e abrigo peço
Ao meu guia, porque outro não oferece.

Já estávamos — com medo canto e medo—
Onde surgem as sombras abnegadas
Qual canudo que no vidro se há metido.

Umas fazem e estão doutras paradas;
Possuem a testa o bem os pés adiante,
Os pés em os rostos, estão arqueados.

De quando tanto nós passamos adiante
Que meu mestre teve bem mostrar-me
Ao que teve uma vez belo semblante,

Se deteve ante mim, me fez parar-me,
E disse: «Olha e me Dite; é o momento,
De que tua alma tem de valor se arme».

Qual me fica de friagem sem alento,
Não perguntes, leitor, nem eu o escrevo
Nem o pode expressar nenhum acento.

No que me morria nem sequer vivia:
Ao pensar por ti, si é que é engenhoso,
Qual fui para ambas coisas negativo.

O César do Império era doloroso
Deste médio corpo acima se mostrava;
E mais me comparava eu há colosso,

Que um gigante seus braços comparavam:
Calcula como o todo ser deveria,
Que com tamanha parte concordava.

Se foi belo qual feio se observava,
E contra seu fazedor alçou o seja,
Sem dúvida é quem todo luto cria.

E ali minha mente ficou perplexa,
Se, pois, tinha três caras nesta testa.
Uma adiante, e esta era vermelha;

Aos outros dois unirem-se com esta
E por cima de uma e outra paleta,
E se juntaram-se na mesma cresta:

A destra era entre branca e amarela;
O sinistro, da tinta que declara
O que do Nilo se tostou da orelha.

As Duas asas grandes abaixo caras,
Que ao pássaro tamanho convinham,
De tais velas jamais dum barco içara —

Do morcego eram; e se careciam,
De plumas, que dá vez se ateavam
De modo que três ventos produziam

Que da água do Cócito congelavam;
De seis olhos suas lágrimas brotando,
Com sua sangrenta baba se mesclavam.

Com cada boca estava triturando
Há um pecador, como uma agrimavam,
Aos três de igual forma castigando.

Mas só para o de diante nada era
O morder, com a espalda comparado,
Que estava desgarrada toda inteira.

A este a maior pena lhe há tocado:
É Judas Iscariotes, cuja testa,
Está na boca, e se panteia airado;

Haver abaixo estes dois que tem postos,
— Disse-lhe guia—; do rosto denegridor
É o Bruto, que dor não se manifesta;

Casio do terceiro é, alto e fornido,
Mas já à noite chega, e deste instante,
Ao marcharmos, que todo visto há sido.

Eu me abracei ao colo e, vigilante,
O momento escolheu que lhe convinha
E, quando se abriu as asas o bastante,

Ao flanco hirsuto se agarrou meu guia:
De velho em velho descendendo fomos
E dentre destas cerdas da costa já fria.

Quando ao lado da coxa ao fim nos vimos,
Onde se inchava e forma da cadeira,
Cansados e angustiados nos sentimos:

Volver a testa vazia da garra fera
Ao mestre, que lhe vendo se safava
Igual que se ao Inferno se volvera.

Agarre bem —me disse, e ladeava—;
Pela escala abandonar-me espero
Tanto mal», e cansado se mostrava.

Alcançou duma rocha o aguaceiro
Com o cuidado me sentou na ribeira;
Logo levou ao meu lado o pé ligeiro.
 DANTE ALIGHIERI
TRAD. ERIC PONTY

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