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sexta-feira, março 23, 2018

JULIO CORTAZAR - TRAD. ERIC PONTY

A Notícia aos viajantes

Se tudo é coração e renda solta
E nas caras houve à luz do meio dia,
Se numa selva de armas jogam os meninos
E a cada rua se ganhou, esta vida.

Não estás em Assunção nem em Buenos Aires,
Não te equivocou de aeroporto,
Não se chama Santiago o fim de etapa,
Seu nome é outro que Montevideo.

O Vento da liberdade foi teu piloto
E bússola do povo te deu o Norte,
Quantas mãos tendidas esperando-te,
Quantas mulheres, quantos meninos e homens.

Ao fim alçando-se juntos o futuro,
Aos fins transfigurados em se mesmos,
Então na larga noite da infâmia
Se perdeu no desprezo do olvido.

A viste desde o ar, esta é Managua
De pé entre ruinas, bela em seus baldios,
Pobre como as armas dos combatentes,
Rica como o sangue de seus filhos.

Já vês, viajante, esta sua porta aberta,
Todo o país é duma imensa casa.
Não, não te equivocaste de aeroporto:
Entrais não mais, estás na Nicarágua.
Managua, fevereiro de 1980

Discurso do Idiota

Uma noite, creio que em Turim, cunha de Copérnico, o pintor Matta me olha chegar e me saúda, dizendo-me: Ah, aqui está, o idiota!

Me fiquei um tanto acabrunhado, porém a explicação veio em seguida: «Te chamo idiota como o chamavam o príncipe Mishkin, porque a ti te ocorreu como a ele, meter o dedo na chaga com a maior inocência, e está sempre alarmando a gente porque diz as coisas mais inapropriadas em qualquer circunstância, e só alguma sé dão conta de que não eram de nenhuma maneira inapropriadas. Tu, entretanto; não entendes nada do que passa, igual que príncipe de Dostoievski. Talvez aqui tampouco entendo nada, querido Matta.
 JULIO CORTAZAR
TRAD. ERIC PONTY 

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