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domingo, janeiro 26, 2025

NÃO HÁ RELIGIÃO NATURAL: O ARGUMENTO - WILLIAM BLAKE - TRAD. ERIC PONTY

O homem não tem noção de aptidão moral
a não ser pela educação.Naturalmente,
ele é apenas um órgão natural sujeito ao senso

I
O homem não pode perceber naturalmente,
a não ser por meio de seus órgãos naturais ou corporais

II
O homem, por seu poder de raciocínio,
só pode comparar e julgar o que já percebeu.

III

 A partir de uma percepção de apenas 3
sentidos ou 3 elementos,
 ninguém poderia deduzir um quarto ou quinto.

IV
Ninguém poderia ter outros pensamentos
além dos naturais ou orgânicos se não
tivesse outras percepções além das orgânicas.

V

Os desejos do homem são limitados
por suas percepções. Ninguém pode
desejar o que não percebeu.

VI
Os desejos e as percepções
-do homem não ensinados por
qualquer coisa além dos órgãos dos
sentido, devem ser limitados
aos objetos dos sentidos.

WILLIAM BLAKE - TRAD. ERIC PONTY

ERIC PONTY - POETA - TRADUTOR - LIBRETTISTA

PARA AS MUSAS - WILLIAM BLAKE - TRAD. Eric Ponty 71659 ACESSO

P/ Débora Malucelli

SEJA na fronte sombria de Ida
Ou nos aposentos do Oriente,
Os aposentos do Sol, que hoje
Da antiga melodia cessaram; 

Se no céu vagais formosos
Ou nos cantos verdes da terra,
Ou nas regiões azuis do ar,
Onde os ventos melodiosos nasceram; 


Se nas rochas cristalinas vagais,
Sob o seio do mar com ondas de cristais
Vagando em muitos bosques de corais,
 Nove justos, cedendo a Poesia; 


Como deixastes o antigo amor
 Que os bardos de outrora desfrutavam em vós!
 As cordas lânguidas mal se movem,
O som é obrigado, as notas são poucas!


WILLIAM BLAKE - TRAD. Eric Ponty

ERIC PONTY - POETA - TRADUTOR - LIBRETTISTA 

sábado, janeiro 25, 2025

PARA WILLIAM BLAKE - ERIC PONTY

Adeus, é livre, Tudo - alastrar-se o mar!
Não mais jorrará mais perante mim, ó águas,
Torção infinito seus bicos azul escuras,
E deleita-te com sua beleza orgulho.
Quando uma voz triste de amigo que parte.
Sendo qual uma citação triste para dar adeus,
O seu murmúrio suave de região longínqua,
Eu ouço, mas não ouvirei mais. Ouço há mais,
Pois foste o limite ansiado d´alma em raios,
Quão mui vezes ao longo da costa de seixos,
Com passo lento e medido, vagueei,
E alegre perdido em adágios próprios meus.
Como tenho amado seus ecos tão místicos;
Monótonos sons, que uma voz do abismo;
Na hora da noite, a sua ondulação pacífica
Suas rajadas de raiva súbitos céus!
Em barco frágil o pescador navega
Que amas ao escudo de capricho das ondas,
E, salvo, escumalha os grandes em ascensão;
Mas com força não invadida, a murcha acresce,
E navio orgulhoso de se despedaçar.
Escravo disposto, mui tempo tenho servido,
Afastado de ti, um mundo que se fez sórdido;
Mui tempo olvidado com canção ao te saudar,
O meu verso sonoro e sincero tal verso,
"Espera, chamaste, mas de um feitiço
Minh ‘alma vaidosa batalhar contida;
Encantado por sua uma grande paixão,
Eu ainda permaneci arredio de ti.
Mas porquê queixar-me? Pra onde devo ir,
Os meus passos vãos e sem rumo diretos?
Seus reinos de desperdício, mas um pequeno ponto
Pode falar comigo ou mexer a Minh ‘alma:
Uma pedra minúscula, a campa gloriosa
E assombro dos sonhos de poder perdido,
Duma lembrança nua da grandeza decaída,
"Estava lá, morreu, tortura lenta a vítima,
E cá lamentamos desta perda tão grande:
Para sempre abafou a canção da tempestade,
Isso coroou-o senhor desta alma do homem.
Morreu encantado pelos filhos do alvedrio,
E derramando-lhes a sua coroa imortal.
Chora, mar, chora, derrama choros tormentosas!
As canções mais doces ele cantava para ti.
Pois na sua testa foi marcada a sua efígie,
Ele, por assim dizer, era filho de ti;
Como tu, sublime, de insondável, só;
Ó, não conquistado. não conquistado!
Sendo mundo está monótono e oco - e cá,
Para aonde, Mar, ó Mar me levarias?
Onde o homem voa, ao seu destino não mudar;
E se ele bebesse deste cálice da alegria,
A mão de algum tirano irá derrubá-la.
Mais uma vez, adeus! E eu a sua beleza,
E encantos sublimes não devem ser olvidar;
São longos, longos, trêmulos, ouvem à noite,
Desse eco do teu poderoso tal rugido.
Pra à sombra da floresta, ou pra a raso silencio,
Não preciso de pensar, salvo apenas o teu;
Vê as tuas falésias, teu brilho, teus abismos,
Onde-se ouve tuas conversas; tuas ondas por fim.

 ERIC PONTY

ERIC PONTY - POETA - TRADUTOR - LIBRETTISTA
 

quinta-feira, janeiro 23, 2025

E Aqueles Pés (1802-4; gravura de Milton c. 1808) - WILLIAM BLAKE - TRAD. Eric Ponty

 P/ Débora Malucelli E Atelier Virtual - Fernando Campos Maia

E esses pés, em tempos antigos,
caminharam sobre as verdes montanhas de Inglaterra?
E foi visto o santo Cordeiro de Deus
Nas agradáveis pastagens de Inglaterra?


E o semblante divino brilhou a tarde
sobre as nossas colinas nubladas?
 E Jerusalém foi construída aqui
Entre estes escuros moinhos satânicos?


Tragam-me o meu arco de ouro ardente!  
Tragam-me as minhas flechas de desejo!
Tragam-me a minha lança - oh nuvens que se desdobram!
Trazei-me o meu carro de fogo!


Não deixarei de lutar, nem a minha espada
Dormirá solitária na minha mão,
Até que tenhamos edificado Jerusalém,
na terra verde e agradável de Inglaterra.


WILLIAM BLAKE - TRAD. ERIC PONTY

ERIC PONTY - POETA - TRADUTOR - LIBRETTSTA

Lucy Poems (winter 1798–9; publ. Lyrical Ballads 1800) (i) Lucy Gray (c. Nov.) - Trad. ERIC PONTY

 Muitas vezes ouvi falar de Lucy Gray,
E quando atravessei a selva,
vi ao romper do dia a criança solitária.

Não conhecia companheiro, nem camarada:
Vivia numa charneca selvagem,
A coisa mais doce que alguma vez cresceu
Junto a uma porta humana!

Mas podeis espiar o cervo a brincar,
 A lebre no campo, Mas o doce rosto
de Lucy Gray Nunca mais será visto.

Hoje vai ser uma noite de tempestade,
Tens de ir à cidade,  E leva uma lanterna,
filha, para iluminar a tua mãe pelo meio da neve.

“Isso, pai, farei de bom grado,
pois ainda não é tarde! O relógio da catedral
acaba de bater duas horas,  e lá está a lua.

O pai ergueu o anzol e partiu
numa corda de paneleiros;
fez o seu trabalho, e Lúcia tomou
a lanterna na mão.

Não é a caganeira que é a montanha:
Os seus pés dispersam a neve pulverulenta
Que se levanta como fumo.

A tempestade chegou antes do tempo;
 Ela andou para cima e para baixo,
e muitas colinas Lucy subiu,
 mas nunca chegou à cidade.

Os pais infelizes, durante toda essa noite,
gritaram por toda a parte,
 Mas não havia som nem
 visão que lhes servisse de guia.

Ao amanhecer estavam num monte
que dava para a charneca,
e dali viam a ponte de madeira
a 40 metros da sua porta.

E agora voltaram para casa e gritaram:
“No Céu todos nos descobriremos” –
Quando na neve a mãe viu
a marca dos pés de Lucy.

Depois, descendo da íngreme colina,
seguiram as pegadas pequenas,
e por meio do espinheiro quebrado,
e pelo longo muro de pedra.

E depois atravessaram um campo aberto –
 As marcas eram ainda as mesmas –
Seguiram-nas, sem nunca se perderem,
E à ponte chegaram.

Seguiram do banco de neve As marcas dos pés,
uma a uma,  Até ao meio da tábua,
E mais longe não havia.

No entanto, há quem afirme que, até hoje,
ela é uma criança viva,
 Para que possais ver a doce Lucy Gray
 Na solidão selvagem.

Por entre o agreste e o liso ela caminha
E nunca olha para trás,
E canta uma canção solitária
 Que assobia ao vento.

Estranhos esta de paixão conheci,
E atrevo-me a contar Mas só ao ouvido
do amante O que uma vez me aconteceu.

Quando ela, que eu amava, era forte e alegre
E, como uma rosa em junho, eu me dirigia
à sua casa de campo Sob a lua do entardecer.

A lua, que eu tinha no olhar,
 Por todo o largo leito; o meu cavalo ia a passo,
e aproximávamo-nos Dos caminhos
 que me eram tão caros.

E agora chegámos ao terreno do pomar,
E enquanto subíamos a colina  
Em direção ao telhado do berço
de Lucy A lua descia ainda

Num desses doces sonhos eu dormia,
A mais gentil dádiva da Natureza,
E todo o tempo meus olhos mantinham
Na lua que descia.

O meu cavalo avançava –
casco após casco Levantava-se e nunca parava –
Quando por detrás do telhado da cabana
O planeta caiu de repente.

Que pensamentos carinhosos e desgarrados
deslizarão na cabeça de um amante:
“Oh, misericórdia”, gritei para mim mesmo,
“Se Lucy estivesse morta!

Vivia nos caminhos desconhecidos
Junto às fontes da Pomba,
Uma donzela que ninguém louvava
E muito poucos amavam

Uma violeta junto a uma pedra de musgo
Meio escondida do olhar,
Bela como uma estrela
quando só uma brilha no céu.

Viveu desconhecida, e poucos poderiam
saber  Quando Lucy deixou de ser;
Mas ela está no seu túmulo,
e oh, a diferença para mim!

WILLIAM WORDSWORTH – trad,Eric Ponty

ERIC PONTY - POETA TRADUTOR LIBRETTISTA

terça-feira, janeiro 21, 2025

SONETO A NARCISA - PAUL VALÉRY - TRAD. ERIC PONTY

Segurado pelas tuas mãos, com a frescura das flores,
a minha fronte já não sonha em ter outra coroa;
toda essa lucidez que envolve o Amor
se turva em terna sombra na fonte das lágrimas.

Respirando o calor profundo do teu seio,
tanta alegria flui para o coração rendido que,
perante o doce fado que o teu olhar me marca,
 a glória se torna uma rara desdita.

Deixo que as minhas sábias vontades se apaguem;
o meu correto tesouro brilha para mim no relâmpago sedoso
do teu olhar rico de luzes vivas!

O que tu sentes por mim eu adoro nos teus olhos;
Oh, beija entre as tuas mãos, cerrando o meu diadema
com o rubi de um beijo, a fronte que te ama! 



 PAUL VALÉRY - TRAD. ERIC PONTY

ERIC PONTY - POETA - TRADUTOR-LIBRETTISTA


domingo, janeiro 19, 2025

A Musa Venal - Charles Baudelaire – Tradução Eric Ponty

P/ Débora Malucellie Alípio Correia

Ó musa do meu coração, amante dos palácios,
Terás tu, quando janeiro soltar as tuas Boreas,
Durante os problemas sombrios das noites de neve,
Um fogo para aquecer os teus dois pés violetas? 

Reavivarás então os teus ombros de mármore
Para os raios noturnos que perfuram as persianas?
Sentindo a bolsa tão seca quanto o teu paladar,
Que colherás então doiro dos cofres azuis?

Para ganhar o pão de cada noite, como um acólito,
tens de tocar o incensário, cantar Te Deums
 em que mal acreditas, ou, como um acrobata.

em exibir as tuas aparições então dos jejuns,
teu riso encharcado de lágrimas que ninguém
vê-se, para fazer florescer o baço do homem comum.


Charles Baudelaire – Tradução Eric Ponty

ERIC PONTY - POETA=TRADUTOR-LIBRETTISTA 

quinta-feira, janeiro 16, 2025

CANÇÃO DO SUICÍDIO - Rainer Maria Rilke, 7.-12.6.1906, Paris - TRAD. ERIC PONTY

Eles não me perdem. Eles me aceitaram ir.
Eles dizem que nada pode advir.
Que adequado.
Nada pode advir. Tudo vem e conduza
sempre em torno do Espírito Santo,
em torno do Espírito certo (sabes) -
que capaz.
Não, você real não carece pensar que há
algum risco nisso.
Claro, há o sangue.
O sangue é a coisa mais azarada. O sangue está azarado.
Às vezes acho que não escoro mais -.
(Que capaz.)

Ah, que bola
linda é rubra e esfera quão uma em todos os recintos.
É uma coisa capaz que o criaste.
Ele virá quando me apodar?

Como tudo se suporta de caráter intrigar-se,
se colide, nada apartado:
amigável, um escasso incerto.
Que apropriado.


Rainer Maria Rilke, 7.-12.6.1906, Paris - TRAD. ERIC PONTY

ERIC PONTY - POETA - TRADUTOR - LIBRETTISTA

 

domingo, janeiro 12, 2025

Não devemos pintá-lo arbitrariamente - ERIC PONTY

 Não devemos pintá-lo arbitrariamente

P/ JOÃO BOSCO BARBOSA


Não devemos pintá-lo arbitrariamente,
de quem a manhã nasceu.
Tiramos das velhas tigelas
dos mesmos traços e os mesmos raios
com que o santo o escondeu no vapor
da fumaça da Oeste de Minas.

Construímos imagens como paredes;
dSomos obreiros: escudeiros, alunos, conselheiros,
e construímos você, sua locomotiva central alta.
E às vezes um viajante sério vem até à Oeste de Minas
peregrina como um esplendor por nossos cem peitos,

treme e nos mostra uma nova alça da paisagem

Subimos no andaime oscilante pela passagem.

a bitola pende azarada em nossas mãos,
até que uma hora beija nossas cabeceiras,
que vem de você radiante e como se soubesse
tudo, como o vento do luar.

Depois, há um vagão de todas as caminhadas
e por meio das serras vai solavanco após golpe.
Somente quando enevoa é que deixamos você ir:
E seus arrabaldes póstumos amanhecem.
e modo que já existem mil paredes ao seu redor.
Pois nossas mãos piedosas de fumaça
cobrem sempre que nossos corações o veem aberto
do velho vapor Oeste de Minas.

II

 Adoro as horas nuviosas do meu ser,
nas quais meus magoados se penetram;
neles, quais  cartas antigas, trazidas pela locomotiva
que minha vida diária já vivia e, ao apito da Oeste de Minas.


Deles vem o aviso de que tenho espaço
para uma segunda vida temporalmente
ao apito da Oeste de Minas.

E às vezes sou como a árvore nos trilhos ao apito da Oeste de Minas.
que, madura e farfalhar, sobre uma campa
realiza o sonho que o menino ao apito da Oeste de Minas.
do passado (em torno de quem os apitos quentes se reúnem)
perdeu em tristezas e canções ao apito da Oeste de Minas.

III

E ele era quase um maquinista, e saiu
dessa única beleza do soar o apito,
e ecoou visivelmente por meio de seus véus buganvília,
e fez para si o alarde em meu ouvido.

E dentro de mim refletiu. E tudo era buganvília
As acajus-catinga que sempre admirei, essa
abscissa sensível, o prado junto a serra
e todo assombro que me atentava.

A Oeste de Minas no comando. Cantando paisagens, me apurou
para que ele não desejasse estar na estação
primeiro? Veja, ele apertou o apito e a paisagem surgiu.

IV


Você, vizinho se eu te perturbo às vezes
na longa noite com apitos fortes, é sua paisagem
porque raramente o ouço respirar nos vagões
e sei: está sozinho no corredor da locomotiva
E se você precisar de algo,
não há ninguém lá para dar uma poção dessa passagem:
estou sempre ouvindo. Dê um pequeno sinal.
Estou muito perto de pular entre os vagões

Há apenas uma parede do trem estreita entre nós,
por acaso; pois pode ser um grito de sua boca ou minha,

e irrompe
sem nenhum ruído ou som.

É construído a partir da Oeste de Minas.

V

Somos obreiros: escudeiros, alunos, conselheiros,
e construímos você, sua locomotiva central alta.
E às vezes um viajante sério vem até à Oeste de Minas

peregrina como um esplendor por nossos cem peitos,

treme e nos mostra uma nova alça da paisagem

Subimos no andaime oscilante pela passagem.

a bitola pende azarada em nossas mãos,
até que uma hora beija nossas cabeceiras,
que vem de você radiante e como se soubesse
tudo, como o vento do luar.

Depois, há um vagão de todas as caminhadas
e por meio das serras vai solavanco após golpe.
Somente quando enevoa é que deixamos você ir:
E seus arrabaldes póstumos amanhecem.

VI

 Foi assim que pintaram; adiante de tudo,
alguém que transportou sua aspiração para fora do sol.
Para que, amadurece mais castiça de todas dificuldades,
mas na agonia cada vez mais geral do apito da Oeste de Minas:
durante toda a sua vida foi como um homem ligado locomotiva
que chorava e batia palmas com choro na sua passagem
Assim lembrando os seus passados entes.

Ele é o mais belo véu de suas dores das fuligem,
que se aninha contra seus assentos doloridos,
inclina-se sobre eles quase para sorrir –
apito da Oeste de Minas:
e seu mistério
não é derrotado pela luz das sete velas do Lenheiro.

VII

Havia uma Oeste de Minas. Oh, pura ressonância!
Locomotiva canta! Ó lembrança alta na orelha!
E toda paisagem em silêncio. Mas mesmo no silêncio
houve um novo começo, um apito e uma mudança.

Animais do Lenheiro penetraram na fuligem da serra
e solta do arraial e do ninho do pontilhão;
e então descobriu-se que eles não estavam
tão pacatos em si mesmos por  argúcia
e não por credos, mas por ouvir. Rugir, gritar, apitar

parecia pequena passagem. E onde arduamente havia
uma paisagem para receber isso,
um abrigo das lembranças  mais sombrio com uma entrada, -
lá criastes em tua pura ressonância Oeste de Minas!

ERIC PONTY

POETA ERIC PONTY -TRADUTOR-LIBRETTISTA 
 
Parabéns pela postagem maravilhosa. Obrigada por estar aqui. Abraços Poéticos da Eunice Storch Baumann Administradora

segunda-feira, janeiro 06, 2025

Archaischer Torso Apollos - RAINER MARIA RILKE - TRAD. ERIC PONTY


Não conhecíamos a sua cabeça inaudita,
na qual os globos oculares amadureciam. Mas
o seu tronco ainda brilha como um candelabro,
no qual o seu olhar, apenas reduzido,

se mantém e brilha. Caso contrário, a proa
do peito poderia deslumbrá-lo, e na viragem tranquila
dos lombos um sorriso não poderia ir
para o centro que trazia a conceção.

Se assim não fosse, esta pedra ficaria deformada e curta
Sob o pórtico transparente dos ombros
e não tremeluziria como as peles das feras de rapina;

e não irromperia de todas as suas arestas
como uma estrela: porque não há lugar
que não o veja. Tem de mudar a sua vida.



                        RAINER MARIA RILKE - TRAD. ERIC PONTY

POETA ERIC PONTY TRADUTOR LIBRETTISTA

 

Apolo Primitivo - RAINER MARIA RILKE - TRAD. Eric Ponty

RAINER MARIA RILKE - TRAD. Eric Ponty

POETA  ERIC PONTY- TRADUTOR - LIBRETTISTA

terça-feira, dezembro 24, 2024

O Cemitério marinho Paul Valéry – tradução Eric Ponty


Se possível está feito, Basta fazer o impossível
Pindare, Pythiques


Este telhado quieto, onde andam pombas,
Pinheiros palpitantes, entre as tumbas;
Ao meio-dia o justo compõe lá fogos,
O mar, o mar, sempre renova Deus!
A recompensa após um pensar logos,
Dum longo olhar sobre a calma deuses!


Consumida cruz puro raio fino,
Mantém diamante espuma inaudível,
E que paz parece ser concebida!
Quando sobre o abismo alivia um sol,
Obras puras de uma causa eterna,
Tempo reluz e o Sonho é ciência.


Erário firme, templo simples Pallas,
Massa de calma, e reserva visível,
Água de espuma, Olho mantém de si,
Tanto sono sob um véu de chamas,
Ó meu silêncio!... Edifício na alma,
Mas teto douro mil telhas, Telhado!


Templo do Tempo, só anseio resume,
Até este alvo puro ascender afeiçoo,
Tudo rodeado no meu olhar marinho;
Quanto aos deuses, minha oferta suprema,
A cintilação serena das fêmeas,
Sobre altitude um desdém soberano.


Como a fruta se derrete em prazer,
Como em deleite, muda a sua ausência,
Numa boca onde a sua forma morrer,
Inalo aqui o meu fumo futuro,
E o céu canta pra a alma consumida,
A mudança das costas pra rumores.


Gentil céu, vero, olha pra mim mudar!
Após de tanto orgulho, após tanto estranho,
Ociosidade, mas cheia poder,
Abandono-me a este espaço brilhante,
Sobre mansão mortos passa a minha sombra,
O que me domina ao seu abalo frágil.


A alma exposta às tochas do solstício,
Apoio-vos, admirável justiça,
Da luz com armas sem misericórdia!
Devolvo-o puro pra o seu primo sítio:
Olha pra ti!... Mas pra restaurar luz,
Supõe um meio enfadonha de sombra.


O só pra mim, só pra mim, em mim mesmo,
Por um coração, na origem do poema,
Entre o vazio e o evento puríssimo,
Confio pelo eco meu brio interior,
Cisterna amarga, da escura e sonora,
Soar na alma um futuro sempre oco!


Sabe, falsa cativa da folhagem,
Ouro destas míseras vedações,
Sobre olhos unidos, chaves fascinam,
Corpo me arrasta até ao seu fim inerte,
Que fronte o atrai para esta terra óssea?
Uma faísca pensa meus ausentes.


Firme, sacra, o germe fogo sem tema,
Fragmento terrestre oferecido à luz,
Lugar agrada-me, contido tochas,
Misto douro, pedra e árvores nubladas,
Onde mármore está a tremer tantas sombras;
O mar fiel dorme nas minhas tumbas.


Soberba cabra, ponha ao lado o idólatra!
Quando solitário, com riso paterno,
Tenho pais idosos, ovelhas místicas,
Rebanho branco minhas tumbas calmas,
Desvirtuem essas pombas tão prudentes,
Os sonhos vãos, os anjos curiosos!


Aí vem o futuro é a preguiça.
O inseto da rede risca a seca;
Tudo é torrado, desfeito, atraído ao ar,
Para não saber que essência severa...
Vida é vasta, estar ébrio com a ausência,
E Tamertume é doce, alma é clara.


Mortos ocultos estão bem na terra,
Isso aquece-os e seca o seu mistério.
Meio lá em cima, Meio sem abalo,
Por si só pensa e serve-se a si próprio...
Cabeça acaba e diadema perfeito,
Eu estou em vós a mudança oculta.


Sou o único tem de conter seus medos!
contrições, minhas dúvidas, restrições,
São a falha nesse seu grande diamante...
Mas na sua noite toda densa mármores,
Um povo vago nas raízes das árvores,
Já tomaram vosso lado devagar.


Derreteram numa ausência espessa,
Barro rubro bebeu as espécies brancas,
O dom da vida passou pra as flores!
Onde estão frases familiares mortos,
A arte pessoal, as almas singulares?
Fios larvas onde cultivou as lágrimas.


Gritos agudos das moças com cócegas,
Olhos, os dentes, pálpebras molhadas,
Peito encantador brinca com o fogo,
Sangue brilhar nos lábios que se rendem,
Últimos presentes, dedos defendem,
Tudo vai para o subsolo e pra o jogo!


E tu, grande alma, que esperas um sonho,
Deixará de ter cores de mentira,
Olhos da carne a onda e douro faz aqui?
Vai cantar quando estiver vaporoso?
Vá em frente, vá em frente! Tudo está a vazar!
Presença é porosa, santa ira finda ainda!


Imortal fino, negro é dourado,
Consolador doloroso da morte,
Quem, partir morte, faz peito da mãe,
A bela mentira e o ardil piedoso!
Quem não sabe, e quem não os recusa,
Este crânio vazio este riso eterno!


Pais profundos, cabeças solitárias,
Que sob o peso dessas tantas pás,
São a terra e confundem os nossos passos,
adequado roedor, verme liquidante,
Não é pra si dorme abaixo da mesa,
Ele continua a viver, não me deixa!


Amor, talvez, ou ódio a si próprio?
Dente oculto está tão perto de mim,
Que todos esses os nomes lhe sirvam!
Que é isso zela! Ele vê, quer, pensa, toca!
minha carne agrada, e até minha cama,
A este ser vivo eu vivo pra caber!


Zenão ! Cruel Zenão ! Zenão d'Eleia!
Furaste-me daquela seta alada,
Que está vibrar, voa, e não está voa!
O som dá-me à luz e da seta mata-me,
Ah! o sol... O que é sombra do cágado,
Pra alma, Aquiles, imóvel com bons passos!


Não, não!... Alçarem! Nessa era sucessiva!
Quebra, o meu corpo, esta forma tensiva!
Bebe, o meu peito, ato de nascer do vento,
Uma frescura, do mar exalado,
Devolve-me minha alma... Poder salso!
Vamos correr ondas recuemos vivos!


Sim! bom negador delírios dotados,
Pele pantera e clamide dos douros,
De mil e dum ídolos desse sol,
Hidra total, ébria corante carne,
Que tem remorsos tua cauda brilhante,
Num alvoroço com mesmo silêncio.


Vento está a alçar! Temos tentar viver!
O ar imenso abre e fecha o meu livro,
Onda em pó atreve-se a rebentar rochas!
Voe pra longe, páginas deslumbradas!
Revogar, ondas! Fim águas ditosas,
Teto quieto onde bujardas bicavam!


Paul Valéry – tradução Eric Ponty

segunda-feira, dezembro 23, 2024

A VIAGEM - CHARLES BAUDELAIRE - TRAD. ERIC PONTY


Para Maxime du Camp


I
A uma criança que gosta de mapas e gravuras
O universo é o tamanho de seu imenso apetite.
Ah! Como vasto é o mundo à luz de uma lâmpada!
Nos olhos da memória, como o mundo é pequeno!


Numa manhã, partimos, nossas mentes acesas,
Nossas almas cheias de rancor gostos amargos,
E nós vamos seguindo o ritmo desta onda,
Acalmar nosso infinito sobre o finito dos mares:


Alguns, alegres fugir de uma pátria avara;
Outros, horror do local de nascer; dum pouco,
Astrólogos se afogaram olhos de uma mulher,
Algumas tirânicas Circe com cheiros graves.


Não ser transtornado em bestas, ficam ébrias
Com espaço, com luz e com céus ardentes;
O gelo que os mordeu, os sóis que os bronzeiam,
Devagar, apagando a mágoa dos beijos.


Mas certos viajantes são apenas aqueles que saem
Apenas a sair; corações claros, como balões,
Eles nunca se afastam de sua fatalidade
E sem saber por que eles sempre dizem: “Vamos!”


Aqueles cujos desejos têm um feitio das nuvens,
Quem, como novo novato, sonhar com canhão,
Sonhar com grande lasciva, mudança e estranha,
De quem nome que a mente humana nunca ajuizou.


II
Horror! Nós imitamos o topo e a bola,
Seu limite e sua valsa; mesmo em nosso sono
A curiosidade nos atormenta, nos rola,
Como dum anjo cruel que atingir os sóis.


Destino singular onde o escopo se move,
Não pode ser nenhum lugar em qualquer sítio!
Ao qual o homem, cuja espera nunca se cansa,
Está obrando como um louco a achar o resto!


Nossa alma é um mestre de três que busca a Icaria;
Uma voz ressoa sobre a ponte: “Tenha um olho atendo!”
De uma voz alta, ardente e selvagem, chorar:
“Amor ... glória ... sorte!” -Censura! É um bando!


Toda pequena ilha distinta pelo homem de guarda
O Eldorado que prometeu pelo Destino;
Imaginação prepara-se a sua orgia
Acha, mas um recife à luz do amanhecer.


O pobre amante de terras imaginárias!
Ele deve ser posto em ferros, jogado no mar,
Esse alcatrão ébrio, inventor das Américas,
De quem a miragem torna abismo mais amargo?


Assim, vagabundo velho vago pela lama
Sonhos com o nariz no ar de Édens intensos;
Seu olho encantado descobre uma Cápua
Onde quer que uma vela ilumine uma cabana.


III


Viajantes magníficos! Que histórias esplêndidas
Nós lemos nos seus olhos tão profundos quanto os mares!
Mostre-nos sua arca de suas ricas lembranças,
Essas joias admiráveis, feitas de éter e estrelas.


Desejamos viajar sem vapor e sem velas!
A alegrar de nosso tédio de nossas prisões,
Faça suas noções, condita em horizontes,
Passe por nossas mentes tesas como telas.
Diga-nos o que você viu.


IV
“Nós vimos estrelas
E ondas; também vimos resíduos areentos;
E, apesar de muitos choques e imprevistos
Desastres, muitas vezes nos afligimos, como estamos aqui.


A glória da luz solar sobre o mar tão púrpura,
A glória das cidades contra o pôr-do-sol,
Acama em nossos cernes um gosto preocupante
Mergulhar em um céu de cores sedutoras.


As urbes mais ricas, as melhores paisagens,
Nunca continham a misteriosa atração
Daqueles que modem a chance das nuvens
E o desejo sempre nos tornou dos mais ávidos!


– O prazer fortalecer de nosso desejo.
Desejo, árvore velha estercada por prazer,
Enquanto sua casca cresceu e endurece,
Seus ramos se esforçam a se aproximar do sol!


Tu Sempre crescerás, a árvore alta mais resistente
Do que o cipreste? – No entanto, temos cuidado
Reuniu alguns esboços a o seu álbum ganancioso,
Irmãos que acham amável tudo surge de longe!


Nós fomos tortos a os divos elefantinos;
Com Tronos repletos de joias que são luminosas;
Palácios opostos tanto esplendor igual
Fariam seus banqueiros sonharem com ruína;


E fantasias que intoxicam os olhos;
Mulheres cujos dentes e unhas são tingidos
E argutos bufos quem serpente acaricia “.


V


E então, e então que mais?


VI


“Ó mentes infantis!
Para não olvidar o mais importante,
Vimos em todos os lugares, sem buscá-lo,
Do pé ao topo duma escada fatal,


O espetáculo árduo do pecado imortal:
Mulher, escrava base, altiva e estúpida,
Adorando-se sem risos ou sem desgosto;
Homem, um tirano ganancioso, amargo, 


Um escravo do escravo, uma calha no esgoto;
O carrasco que sente alegria e o mártir que solta,
O festival que sabores e perfumes de sangue;
O veneno do poder que torna o déspota fraco,


E as pessoas que amam o seu chicote brutal;
De várias religiões iguais às nossas quais,
Todos subindo ao céu; na tua Santidade
Como um diletante se lavra em uma cama de pena,


Caçando carnal nas crinas e nas unhas;
Prantando a humanidade, ébria com o teu gênio,
E louco agora como era nos tempos antigos,
Chorando a Deus em sua luta de morte furiosa:


“Ó meu amigo, ó, meu senhor, que sejas condenado!”
Os amantes menos tolos e bons da Loucura,
Fugindo do grão rebanho que Destino dobrou,
Refugiados nessa imensidão que desse ópio!
– Esse é o aviso imutável de todo o mundo “.


VII


Amarga é a notícia que ganha de viajar!
O mundo, monótono e pequeno, de hoje,
Ontem, amanhã, sempre, nos mostra a nossa efígie:
Um oásis de horror num deserto deste tédio!


Deve um sair? Jazer? Se tu podes ficares, jaza;
Deixe, se tu deves. Um corre, outro se esconde
Para escapar do hostil um cauto e um fatal,
Tempo! Há, hélas! Aqueles vagam sem descanso,


Como dum judeu errante e como dos apóstolos,
A quem nada é regular, nem instrutor nem navio,
Para fugir desta reforma infame; e outros
Quem sabe como matá-lo sem deixar seus berços.


Quando afinal está com o pé na espinha
Podemos esperar e gritar: Nos Guiar!
Assim como em outras vezes ir-se à China,
Olhos fixos no mar aberto, velos ao vento,


Devemos embarcar no mar destas trevas
Com cerne contente de um jovem viajante.
Tu ouves aquelas palavras atraentes e tristes
Cantando: “Venha assim! Tu que desejas comer


O Lotus perfumado! É aqui que tu reúnes
Os frutos divinos aos quais seu cerne tem fome;
Venha ficar ébrio com a estranha doçura
Nesta tarde eterna? “


Pelo sotaque familiar, julgamos o espectro;
Nossos Piliades estendem os braços a nós.
“A renovar teu peito, mergulhe no tua Electra!”
Gritar cujos joelhos nos beijamos outros dias.


VIII


Morte, velho capitão, é hora! Aportar vamos!
Este país nos cansa, ó Morte! Vamos nos arrumar!
Embora o mar e o céu sejam negros como tinta,
Nossos cernes que tu julgas estão cheios de luz!


Vazar teu veneno a que possas nos refrescar!
Fogo arder cabeças feroz, ânsia afundar
Funduras do abismo, Céu ou Averno, isso importa?
Para os imos do Ignoto a achar algo novo! “

CHARLES BAUDELAIRE - TRAD. Eric Ponty

sábado, dezembro 14, 2024

I. DO PÔR DE UM SOL ROMÂNTICO - CHARLES BAUDELAIRE - TRAD. ERIC PONTY

 


 

Os Faroés - Charles Baudelaire - Trad. Eric Ponty

 

Do vício materno arrastando a mendelismo
E toda a hediondez da fertilidade!
Temos, é verdade, nações corruptas,
Belezas desconhecidas dos povos antigos:

Rostos roídos pelas aftas do coração,
e, por assim dizer, belezas lânguidas;
Mas estas invenções das nossas musas tardias
Nunca evitarão as raças doentes

Prestar uma profunda homenagem à juventude,
- À santa juventude, de ar simples e fronte gentil,
Com olhos claros e límpidos como água corrente,
E que, despreocupada, espalha por tudo

Como o azul do céu, pássaros e flores,
perfumes, as suas canções e o seu doce calor!
Rubens, riacho alheio e jardim ocioso,
Coxim fresca de carne onde o amor não pode estar,

Mas onde a corrente da vida se agita incessante,
como o vento e a água no céu e no mar;
Leonardo sombrio, espelho das profundezas,
O refúgio dos anjos cujo doce sorriso sustenta

O fardo de um mistério na sombra
De pinheiros e glaciares que selam o seu domínio;
Rembrandt, triste hospício de queixas meio ouvidas,
Paredes nuas onde um grande crucifixo pende sozinho,

Onde orações chorosas surgem, exaladas pela sujidade,
perfuradas por um fugaz raio de sol invernal;
E Michelangelo, um desperdício onde figuras
De Cristo e de Hércules se misturam; ali, de pé

Estão poderosos fantasmas que estendem os dedos
E rasgam as suas roupas de sepultura na luz que se desvanece;
A fúria de um boxeador, impudente como um fauno,
“que procura a beleza até na escória humana,

Um coração forte e orgulhoso, preso numa estrutura débil,
Puget, o imperador sombrio de velhos atrasos;
Watteau, este carnaval onde corações famosos
Vagueiam como borboletas num transe brilhante

Cenários frios e vaporosos sob candelabros
Que chovem loucuras brilhantes sobre a dança rodopiante;
Goya, um pesadelo de coisas inauditas -
Um feto cozinhado para as festas de Sabbath das bruxas,

Velhas bruxas nos espelhos, meninas nuas
Puxando as meias apertadas para tentar os demónios;
Delacroix, lago de sangue onde os anjos caídos
Assombram os abetos escuros sob céus sombrios;

Estranhas fanfarras ecoam no bosque sempre verde
E se desvanecem como os suspiros abafados de Weber;
Estas blasfêmias e maldições, estes lamentos
Arrebatamentos e lágrimas, este canto de Te Deum,

São um eco repetido por mil labirintos;
É um ópio divino para os corações mortais!
É um grito repetido por mil sentinelas,
Uma ordem enviada por mil megafones;

É um farol aceso em mil cidadelas,
Um chamado de caçadores perdidos na grande floresta!
Porque é verdadeiramente, Senhor, o melhor testemunho
Que podemos dar da nossa dignidade
Do que esse soluço ardente que rola de idade em idade
E vem morrer no limiar da vossa eternidade!

Charles Baudelaire - Trad. Eric Ponty



quarta-feira, dezembro 11, 2024

Análise da obra “As Flores do Mal”, de Charles Baudelaire - Oliver Harden


Análise da obra “As Flores do Mal”, de Charles Baudelaire


1. Introdução: A Obra que Redefiniu a Poesia Moderna

Publicada pela primeira vez em 1857, As Flores do Mal (Les Fleurs du Mal) é a obra-prima de Charles Baudelaire, uma das figuras centrais do simbolismo e precursor da poesia moderna. Composta por 100 poemas na versão original (posteriormente expandida para 126), a coletânea é um marco literário por sua capacidade de combinar o sublime e o grotesco, o espiritual e o mundano, em uma busca incessante por beleza na decadência.

Baudelaire desafiou os limites morais, estéticos e linguísticos de seu tempo, explorando temas como o tédio existencial (spleen), o pecado, a beleza, a morte e a transcendência. A obra, que causou polêmica em seu lançamento e levou à censura de alguns poemas, continua a ser reverenciada por sua profundidade filosófica, seu lirismo e sua inovação estética.

2. Contexto Histórico e Literário

As Flores do Mal surge no contexto da França do século XIX, uma época marcada pelo avanço do capitalismo, pela industrialização e pelas mudanças sociais e culturais. Baudelaire, vivendo em Paris, foi profundamente influenciado pela transformação urbana liderada pelo barão Haussmann e pelo isolamento emocional resultante do ambiente moderno.

Do ponto de vista literário, a obra marca uma ruptura com o romantismo, que ainda dominava a poesia na época. Enquanto os românticos celebravam a natureza e a pureza emocional, Baudelaire mergulhou na experiência urbana, na dualidade humana e na decadência. Sua poesia também antecipou o simbolismo, influenciando autores como Paul Verlaine, Arthur Rimbaud e Stéphane Mallarmé.

3. Estrutura e Organização da Obra

As Flores do Mal é dividida em seções que organizam o percurso espiritual, emocional e moral do eu lírico:
1. Spleen e Ideal
Esta seção explora o dualismo central da obra: o spleen, um estado de tédio, melancolia e desespero, e o ideal, uma aspiração por transcendência e beleza. O eu lírico oscila entre esses dois polos, representando a luta incessante entre o desejo de elevação e a queda na banalidade.
2. Quadros Parisienses
Aqui, Baudelaire celebra e critica a vida urbana. Ele observa Paris como um lugar simultaneamente belo e corrupto, explorando a alienação do homem moderno.
3. O Vinho
O vinho é visto como uma fuga da realidade e uma tentativa de transcender o sofrimento, mas sua promessa é ilusória e passageira.
4. Flores do Mal
Esta seção aborda temas tabus, como a sexualidade, a morte e o pecado, expondo a beleza inerente até mesmo no que é considerado repulsivo ou proibido.
5. Revolta
Baudelaire confronta a ideia de Deus e a ordem moral, explorando o niilismo e a recusa em aceitar uma visão convencional da divindade.
6. A Morte
A última seção apresenta a morte como a única possibilidade de escape do spleen e a chance de transcendência, mesmo que incerta.

4. Temas Centrais

4.1. O Spleen e o Ideal
O spleen, termo cunhado por Baudelaire, é um estado de apatia, tédio e angústia existencial. Ele representa a condição moderna de desconexão, exacerbada pela vida urbana e pela alienação do homem. O ideal, por outro lado, é o desejo de atingir o sublime e transcender a banalidade da existência. A tensão entre esses dois polos permeia toda a obra, refletindo a dualidade da experiência humana.

4.2. Beleza na Decadência
Baudelaire desafia as concepções tradicionais de beleza, encontrando-a em lugares inesperados: na corrupção, na degradação e no pecado. Ele argumenta que a beleza não é pura, mas nasce da mistura de elementos contraditórios. O poema “Hino à Beleza” encapsula essa visão ao questionar se a beleza é divina ou demoníaca, celebrando sua capacidade de elevar e destruir.

4.3. A Sexualidade e o Pecado
A sexualidade é apresentada como um meio de prazer e destruição. Baudelaire examina o desejo como uma força ambivalente, que simultaneamente une e degrada. O pecado, por sua vez, é visto não como algo a ser evitado, mas como parte intrínseca da condição humana, um tema central em poemas como “O Albatroz” e “Sed Non Satiata.”

4.4. O Conflito entre o Divino e o Profano
A obra é profundamente marcada pela tensão entre o espiritual e o mundano. Baudelaire frequentemente questiona Deus e expressa sua revolta contra as limitações impostas pela religião. No entanto, ele também busca uma conexão transcendente, seja por meio da arte, do amor ou da morte.

4.5. A Morte e a Transcendência
A morte, em As Flores do Mal, é ao mesmo tempo aterrorizante e libertadora. Ela é a única promessa de escape do sofrimento terreno e do spleen, mas sua transcendência é incerta. Baudelaire a aborda como uma inevitabilidade que encerra todas as buscas humanas.

5. Estilo e Inovação Estética

5.1. O Simbolismo e o Subtexto
Baudelaire foi um dos primeiros a usar símbolos complexos para expressar emoções e ideias abstratas. Suas metáforas e imagens vão além do que é explícito, convidando o leitor a explorar camadas mais profundas de significado.

5.2. Musicalidade e Ritmo
A poesia de Baudelaire é marcada por uma musicalidade única, que combina a métrica clássica com um lirismo inovador. Ele cria um ritmo que reflete o estado emocional de seus poemas, ora calmo, ora frenético.

5.3. A Universalidade do Cotidiano
Baudelaire introduz temas do cotidiano na poesia elevada, como a vida urbana, a modernidade e a experiência sensorial, desafiando os limites da alta literatura.

6. Recepção e Impacto

No momento de sua publicação, As Flores do Mal causou escândalo. Seis poemas foram censurados por sua suposta obscenidade, e Baudelaire foi multado pelas autoridades francesas. Contudo, o impacto da obra foi imenso, influenciando gerações de escritores e artistas.

Baudelaire é amplamente reconhecido como o precursor do simbolismo e um dos fundadores da poesia moderna. Sua influência pode ser vista em autores como T. S. Eliot, Marcel Proust e Paul Verlaine, e suas ideias sobre a arte e a modernidade continuam a moldar o pensamento literário e filosófico.

7. Conclusão: A Beleza que Floresce no Mal

As Flores do Mal não é apenas uma coletânea de poemas; é um manifesto da condição humana na modernidade. Baudelaire confronta as contradições de seu tempo – e da própria existência – com uma honestidade brutal e uma sensibilidade estética inigualável.

A obra transcende as fronteiras do bem e do mal, do belo e do feio, para afirmar que a verdadeira arte encontra sua força na tensão entre os opostos. Ao fazê-lo, Baudelaire não apenas redefine a poesia, mas também oferece uma visão profundamente original e atemporal da experiência humana.

Ler As Flores do Mal é um convite para contemplar o sublime na decadência, encontrar luz nas sombras e abraçar a dualidade essencial da vida.

 Oliver Harden Estudou na instituição de ensino UNICAMP seguidores 13 mil no Facebook


 

segunda-feira, novembro 25, 2024

BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. Tradução Éric Ponty.

 

Resenha
BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. Tradução Éric Ponty. São Paulo> Break Media Brasil, 2024.
A partir da primeira edição, de 1857, As flores do mal têm sido objeto de uma série de traduções por inúmeras línguas, dentre elas o Português. Optamos, aqui, pela mera citação da existência delas, em vez da apresentação de um panorama histórico, ainda que sintético, dessas traduções (versões) para a língua portuguesa. Todavia cada tradução evoca as edições anteriores, menos no sentido de tê-las como influência ou juízo de valor, antes pela referência ao exercício da nova tradução. Sem negligenciar o aspecto do mito ou fantasma que rondaria sempre toda tradução – “a traição do tradutor”. Ressaltando, assim, a criação, sobretudo quando se refere à poesia, em que se recorre à criatividade (criação) exigida do tradutor.
Éric Ponty é um poeta, com reconhecimento nacional de sua produção poética, bem como de suas traduções, com extensa publicação em ambas as atividades literárias. Constam de seu currículo traduções de Paul Verlaine, Jorge Luís Borges, Rimbaud, Virgínia Woolf, inclusive outro poema de Baudelaire. O que lhe credencia a essa tradução de As flores do mal, numa edição cuidadosa da Editora Ipê das Letras (Portugal/Brasil), corroborando o prazer e o exercício da leitura, especificamente dessa poética de Baudelaire em língua portuguesa.
Ao contrário de outras traduções, nesta se abre mão de uma reiteração do sistema de rima que imporia ao exercício da tradução a semelhança rítmica do sistema original, elegendo-se a fidelidade ao texto original, em vez da mera literalidade, sem comprometer a fluidez da linguagem, proporcionando ao leitor uma experimentação do texto de Baudelaire ao rigor de sua originalidade, porém, na fluidez peculiar da língua portuguesa. Essa opção garante, pois, ao leitor, mais do que um contato, o estado poético de As flores do mal, sobretudo quanto à abordagem poético-filosófica de temas recorrentes, como a morte, a beleza, a emoção mística e o ardor sensual que distinguem esse texto no âmbito das poéticas modernas. Não há um abandono, uma exclusão do rigor rítmico de Baudelaire, há uma ênfase preferencial pelo estado poético na língua portuguesa.
Entretanto, essa opção leva a nível arriscado a compreensão de algumas passagens, deixando o verso, o poema, por vezes, ilegíveis, podendo ter sido resolvido por uma aplicação mais rigorosa, da própria fluidez da língua portuguesa, que a tradução procura privilegiar, por meio, por exemplo, de maior coesão de certos versos, frases, sentenças, da flexão de alguns verbos à linguagem portuguesa, o que não prejudica a opção da tradução, minimizando as dificuldades de compreensão do potencialmente leitor.
A tradução de Éric Ponty, portanto, tem o mérito de procurar um equilíbrio entre a poética original e sua correspondência na língua portuguesa, numa demonstração de que a tradução de poesia pode ser realizada, até porque a propagada intraduzibilidade poética não se constitui numa inviabilidade das traduções que ocorrem em todas as línguas. E, ao mesmo tempo, sofre os efeitos dos riscos dessa persistência pelo equilíbrio, na medida em que esse rigor preferido põe em risco a compreensão por causa da fluidez na língua portuguesa.
Aliás, ressalta Ivan Junqueira que guardados os riscos, o tradutor, ao se contaminar pela linguagem original, contamina a língua para onde traduz, e da literalidade, que comprometeria o estado poético, é possível traduzir, uma vez que toda tradução implica exatamente nessa persistência pelo regate e equivalência (equilíbrio) criado pelo tradutor entre a língua original e a língua para onde se traduz, preservando-se o estado poético do texto original e a sua equivalência na língua traduzida. Ou seja, a tradição é um exercício que se pode entender , a partir de Silviano Santiago, que se faz entre a flexibilidade e o rigor.

Nilo Silva Lima