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segunda-feira, novembro 17, 2025

Ó velha lâmpada - EDMOND ROSTAND – TRAD. ERIC PONTY

 Ó velha lâmpada, ó velha amiga, à tua luz
Quantos livros li, quantos versos escrevi!
Sob o teu humilde abajur, quantas vezes me viste
Vigiar, quando o sono corava minhas pálpebras!

Lâmpada barriguda e baixa, em cobre amassado,
Como ainda se vês em aparadores antigos,
Você recebeu muitas vezes confidências sérias:
Eu lhe falei das minhas esperanças mais secretas.

Lâmpada, por muito tempo foi minha única amiga;
E, quando eu morava lá em cima, sob o telhado,
Somente as noites caídas ao teu redor eram doces para mim...
E das charretes circulavam pela rua dormida.

Quantas vezes, abordoado na minha mesa de lenho alvo,
Construí existências com o teu pó dourado,
E quantas vezes rimava, para quem sabes, estrofes,
Dobrando minha face pálida em teu círculo trêmulo!

E quando o amanhecer rosado despontava,
Quando o céu azul esverdeado já se matizava,
A aurora brilhava sobre Paris, o transeunte
Ainda te via cintilar tão nesta minha janela.

A idade às vezes te fazias divagar ao léu.
Teu mecanismo era inexplicável frágil.
Era conciso montá-lo, remontá-lo incessante,
E girar tua chave incessantemente entre os dedos.

Mas se abaixava, malvada! E sem que eu atingisse o porquê.
Parecias querer se divertir.
O pavio teimava em carbonizar.
E eu ficava furioso, achando que era um aferro.

Muitas vezes amaldiçoei tua perturbação,
E teu humor, então, parecia-me um enigma.
De repente, fazias um barulho de borborigmo,
Depois se apagava sem motivo, abruptamente.

No dia seguinte, eu precisava entregar a tarefa... 
E, cobrindo de insultos e desprezo, eu fui dormir! 
Perdoe-me! Agora eu entendi: 
Se importava com teu pobre professor.

Não querendo vê-la por tanto tempo oblíquo
Para escrever ou ler, com um dedo na têmpora,
Paravas de queimar... E era assim, boa lâmpada,
Tua maneira de me mandar então dormir.

EDMOND ROSTAND – TRAD. ERIC PONTY

  

     ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA 

TRÊS SONETOS - GÉRARD DE NERVAL - TRAD. ERIC PONTY

 EL DESDICHADO


Eu sou o sombrio, - o viúvo, do inconsolável,
O príncipe da Aquitânia na torre abolida:
Meu único fado morreu, - e alaúde constelado
Carrega o sol negro desta Melancolia.

Na noite do túmulo, tu que me consolaste,
Devolva-me o Pausilippo e o mar da Itália,
A flor que tanto afagava ao meu peito desolado,
E a parreira onde a videira se une à rosa.

Sou Amor ou Febo, Lusignan ou Biron?
Minha fronte ainda está rubra pelo beijo da rainha;
Sonhei na caverna onde a sereia nada...

E eu, duas vezes vencedor, atravessei o Aqueronte:
Modulando alternativo na lira de Orfeu
Os suspiros da santa e os gritos da fada.

Myltho

    
Penso em ti, Myltho, encantadora divina,
No altivo Pausilippo, brilhando com mil luzes,
Na tua face inundada pelas claridades do Oriente,
Nas uvas pretas misturadas com o ouro da tua trança.

Foi também em tua taça que bebi a embriaguez,
E no lampejo furtivo de teu olhar sorridente,
Quando aos pés de Láco me viam rezando,
Pois a Musa fez de mim um dos filhos da Grécia.

Eu sei por que lá o vulcão se reabriu...
É que ontem o tocaste com um pé ágil,
E de cinzas, de repente, o horizonte se cobriu.

Desde que duque normando extinguiu teus deuses de barro,
Sempre, sob os ramos do louro de Virgílio,
A pálida hortênsia se une à murta verde!

HORUS


O deus Kneph, tremendo, abalava o universo:
Ísis, a mãe, levantou-se então de teu leito,
Fez um gesto de ódio ao teu marido feroz,
E o ardor de outrora brilhou em teus olhos verdes.

“Vês”, diz ela, “Está morrendo, velho perverso,
Todo o frio do mundo passou por tua boca,
Prendam teu pé torto, apaguem teu olho vesgo,
Ele é o deus dos vulcões e o rei dos invernos!

A águia já passou, o novo espírito me chama,
Vesti para ele o manto de Cibele...
É o filho amado de Hermes e Osíris!”

A deusa fugiu em tua concha dourada,
O mar nos devolvia tua imagem adorada,
E os céus brilhavam sob o manto de Íris.

GÉRARD DE NERVAL - TRAD. ERIC PONTY

 

    ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA 

SIMBOLISMO E SEUS ISMOS EM ENSAIOS - ERIC PONTY


     ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA 
 

sábado, novembro 15, 2025

TRÊS POEMAS - MAURICE MAETERLINCK - TRAD. ERIC PONTY

 Oração


Os medos de uma mulher controlam meu coração:
O que fiz com estes, minha parte,
Minhas mãos, os lírios da minha alma,
Meus olhos, os céus do meu coração?

Ó Senhor, tenha piedade da minha dor:
Perdi a palma e o anel, ai de mim!
Tenha piedade das minhas orações, meu pobre alívio,
Flores cortadas e frágeis em um vaso.

Tenha piedade da transgressão da minha boca,
E das coisas não feitas, e das palavras não ditas;
Derrame lírios sobre a seca da minha febre,
E rosas sobre os pântanos!

Ó Deus! As pombas cujos voos são dourados
Nos céus lembrados! Tenha piedade também
Destas vestes que envolvem os meus lombos,
Que sussurram à minha volta, vagamente azuis!

HORAS ESTAGNANTES


Aqui estão os velhos desejos que passam,
Os sonhos de homens cansados, que morrem,
Os sonhos que desmaiam e falham, ai de mim!
E lá estão os dias de esperança que se foram!

Para onde voaremos, onde encontraremos um lugar?
Nunca uma estrela brilha tarde ou cedo:
Apenas cansaço com rosto congelado,
E lençóis azuis na lua gelada.

Contemplem os doentes sem fogo, e vejam!
As vítimas soluçantes da armadilha!
Cordeiros cujo pasto é apenas neve!
Tenha piedade de todos eles, ó Senhor, minha oração!

Quanto a mim, espero o chamado do despertar:
Rezo para que o sono me deixe em breve.
Espero até que a luz do sol caia
Sobre as mãos ainda congeladas pela lua.

DESEJOS DE INVERNO


Eu choro pelos lábios de ontem,
Lábios cujos beijos ainda não nasceram,
E os velhos desejos desgastados,
Escondidos sob tristezas.

Sempre chove no horizonte distante;
Sempre neva nas praias brilhantes,
Enquanto, junto ao portão trancado dos sonhos,
Lobos agachados na grama uivam.

Olho para minha alma apática:
Com olhos nublados, procuro o passado,
Com horror, todo o sangue derramado há muito tempo
De cordeiros que morreram em invernos rigorosos.

Apenas a lua acende suas chamas tristes,
E uma luz desolada
Cai onde as geadas do outono são brancas
Sobre meus desejos famintos.

MAURICE MAETERLINCK - TRAD. ERIC PONTY

 

     ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA 

A Queda das Folhas - CHARLES MILLEVOYE - TRAD. ERIC PONTY

Millevoye nasceu em Abbeville, na Picardia, filho de pais pobres que morreram jovens. Após uma infância doentia e estudiosa, trabalhou num escritório de advocacia e numa livraria. Recebeu honras da Academia ainda jovem, e um poema sobre a passagem das tropas francesas pelo Monte São Bernardo foi generosamente recompensado; mas foram os seus versos elegíacos que conquistaram os aplausos da sociedade. Um amor frustrado e um estilo de vida bastante brilhante e frenético, financiado pela generosidade imperial, contribuíram para arruinar a sua constituição frágil. Ele foi para Itália, mas sentiu-se inferior à tarefa de escrever um poema épico sobre as campanhas vitoriosas de Napoleão naquele país; regressou e casou-se, perdeu a visão e viveu por mais algum tempo em completo retiro. Os outros poetas do Primeiro Império (Andrieux, autor de «Le Meunier Sans-Souci», pertence mais ao período anterior) foram completamente esquecidos: Millevoye mantém um certo interesse histórico, se nada mais, como o representante mais completo e talentoso dos sentimentalistas, que são um verdadeiro elo entre a decadência clássica e o alvorecer romântico. Pela sua elegância (que é genuína), pela timidez do seu vocabulário e pelos seus ritmos um tanto invertebrados, ele pertence inteiramente ao primeiro; mas, no fim das contas, uma melancolia vaga e linfática que aspira encontrar um cúmplice na «natureza» é, pelo menos, parte da escória de Lamartine — e tudo o que nos interessa em Millevoye. Não que ele não tenha tentado muitos estilos — até mesmo o heroico e o exótico; mas nunca conseguiu nada tão característico ou, em um sentido mais perfeito, do que a seguinte peça, da qual, com a irresolução de um poeta em transição, ele fez várias versões melhoradas e que foi cruelmente descrita como «la Marseillaise des mélancoliques».

Dos restos de nossas florestas 
O outono cobriu a terra; 
O bosque estava sem mistério, 
O rouxinol estava sem voz. 
Triste e moribundo, ao amanhecer, 
Um jovem doente, com passos lentos, 
Percorria mais uma vez 
A floresta querida de sua infância. 
Bosque que amo, adeus! Eu sucumbo. 
Seu luto previu meu destino,
E em cada folha que cai
Eu leio um presságio de morte. 
Fatal oráculo de Epicuro, 
Tu me disseste: "As folhas dos bosques 
Aos teus olhos ainda amarelecerão,
E será pela última vez. 
A noite da morte o envolve; 
Mais pálido que o pálido outono, 
Tu se inclinas para o túmulo.
Tua juventude murchará 
Antes da erva do prado, 
Antes da videira da colina.
" E eu morro! Com teu hálito frio 
Um vento funesto me tocou, 
E meu inverno se aproximou
Quando minha pataquinha mal começou.
Arbusto destruído em um único dia, 
Algumas flores eram meu adorno; 
Mas minha vegetação murcha 
Não abandona nenhum fruto. 
Cai, cai, folha efêmera! 
Vele aos olhos este triste caminho, 
Abrigue do desespero de minha mãe 
O lugar onde estarei amanhã,
Mas na solitária alameda 
Se minha amante desolada 
Viesse chorar quando o dia se fosse, 
Despertada por um leve ruído 
Minha sombra por um instante consolada,

Ele diz, afasta-se... e sem retorno.  
A última folha que cai 
Assinalou o seu último dia. 
Sob o carvalho cavaram-lhe a sepultura. 
Mas aquilo que ele amava 
Não veio visitar a pedra avulsa;
E o pastor do vale perturbou sozinho, 
com o barulho dos teus passos, 
No silêncio do mausoléu.

CHARLES MILLEVOYE - TRAD. ERIC PONTY

 

     ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA 

sexta-feira, novembro 14, 2025

COURONNE OFFERTE A LA MUSE ROMAINE - VIELÉ-GRIFFIN - TRAD. ERIC PONTY

I

Que aroma ardente e puro
Embriaga tuas florestas e teus prados,
Filha, ainda altiva, de Roma,
De pé, contra seus ciprestes?

Eu, que passo, como uma sombra,
Em teu caminho aberto entre 
A fileira onde cada túmulo
Ergue a tocha de Meio dia...

Que te importa a trégua ardente
Em que teu coração se une ao verão?
No entanto, não foi assim que Dante
Imobilizou a Beleza?

II

Que descemos, bárbaros,
Das brechas do Norte,
Em direção ao mar límpido que te bloqueia,
Em vão, o acesso aos histriões,

Não te irites, Solene,
Tu, tão viva ao sabor dos teus deuses:
A tua grave Beleza imortal
Só é real nos teus olhos.

Outros passam, como o rio,
Mudando de amores e de reflexos;
A tua imagem jaze nova
Para quem a busca nestas páginas.

III

Não tenho pressa em obrigar,
Teus lábios, a um sorriso banal;
Seja tal que nos faça temê-la,
Que seu amor seja marcial.

Eu não vim, Romana,
Como peregrino predestinado
Cruzei o limiar de Domínio
Sem me preocupar em ser perdoado;

Mas, agora que olhas
Para mim, sei que é proibido;
Que é justo e bom que tu demores
Para sorrir para o pueril atordoado.

IV

O vento nos precede e nos empurra,
A poeira dos nossos passos
Os antecede, querida,
Que ri bem, mas não sorri;

Eu sou de lá, onde tilinta
Um sino de prata durante o dia,
Onde o espaço é sombreado
Pelos choupos e pelos campos arados;

Tudo te pareceria triste e pálido,
O rio, a planície e os céus:
Eu conheço lá uma coisa sem igual:
O Sorriso silencioso.

V

Devo contar-lhe toda a minha viagem,
E o caminho que me trouxe até aqui?
Quer saber sobre a minha vida, a minha idade
E as minhas alegrias e preocupações?

Quer que eu sonhe um poema,
Que eu cante tua canção?
Que eu declare que te amo,
Ou que eu te fale com razão?

Qual será a nossa língua,
A tua, a minha ou a deles?
Ou nos amaremos um ao outro
Por um perfume, um sabor!

VI

Agora que a paz nos reúne,
Só sabemos rir juntos;
A guerra é mais propícia, ao que parece,
Aos belos discursos prestigiosos.

O amor não é conhecer-se,
O ódio, sábio, sabe disso!
O amor só é alegre ao nascer,
Como o dia, e tão cedo se cansa;

A bela ciência, minha bela,
Que a do meu coração sem fé!
A ciência vã que aquela
Que me abriria a tua alma, a ti.

 VIELÉ-GRIFFIN - TRAD. ERIC PONTY

 

    ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA 

DOIS SONETOS - HENRI DE RÉGNIER – TRADUÇÃO ERIC PONTY

DEDICATÓRIA

Contínuas cantando, na argila e no barro,
Para lhe devolver para sempre a forma em que tu o vês,
Que ronda teus pensamentos e foge da tua voz,
Um fantasma furtivo que foge do teu dedo ágil.

A figura se esboça indecisa e frágil
Na terra fértil onde teus dedos a procuram,
Pois, ainda secreta e às vezes visível,
O sorriso já está na matéria vil.

Às vezes, uma deusa brota de tuas mãos frescas...
Então escavas o solo com a ponta da tua pá
Até que o bronze descubra então o bronze,

E a terra, muitas vezes, que o teu trabalho corta,
Entrega-lhe, intacto na medalha de bronze ou rústica,
Algum deus sempre jovem e há muito subterrâneo.

PUELLA

Perdoe-me, pois não tive nada a oferecer ao Amor,
Nem flores do meu Verão, nem frutos do meu Outono,
E a terra onde nasceu meu destino sem coroa
Não produziu para mim a rosa ou a espiga pesada.

As fiandeiras que faz nossas horas e nossos dias
Também não teceram, para que eu lhe desse,
A túnica fértil onde, ingênua Pomona,
A virgem sente, contudo, teus seios amadurecerem.

Não pude sequer oferecer à tua divindade
A pomba da minha nudez insignificante,
Pois minha carne sem penugem não teria aquecido tua mão.

Amor! Estenda-a pelo menos à frágil moeda
E pegue esta medalha onde, com perfil infantil,
Meu rosto ansioso sorri na superfície da argila.

 HENRI DE RÉGNIER – TRADUÇÃO ERIC PONTY

 

    ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

quinta-feira, novembro 13, 2025

BUCÓLICAS - PAUL VALÉRY - CLUBE DOS AUTORES - TRAD. ERIC PONTY

  https://clubedeautores.com.br//livro/bucolicas

MELIBEO
Titiro, aí deitado à sombra da faia,
Meditando sobre música para a Musa,
Enquanto nós temos que deixar nosso lugar natal, nossas casas,
Os campos que amamos, e ir para outro lugar; enquanto isso,
Ensina a floresta a ecoar “Amarilis”.

TITIRO
Ó, MELIBEO um deus me concedeu esta paz.
Ele sempre será um deus para mim, e frequente    
O sangue de um cordeiro recém-nascido lhe será oferecido.
Por causa dele, como pode ver, meu gado
Pode pastar nos campos como bem entender, 
E como eu bem entender,
Eu toco preguiçosa minha flauta delgada.
 

MELIBEO
Não é que eu esteja com inveja, mas cheio de admiração.
Há tantos problemas por toda parte hoje em dia.
Eu estava tentando conduzir minhas cabras pela passagem
E uma delas eu mal conseguia fazer seguir;
Agora mesmo, entre as aveleiras, 
Ela entrou em trabalho de parto
E então, ali mesmo, no chão duro e pedregoso,
Deu à luz gêmeos que seriam nossa esperança,
De volta à nossa fazenda. Eu deveria ter percebido
Que algo assim iria acontecer conosco,
Quando o raio atingiu nosso carvalho outro dia.

Mas Titiro, de que deus está falando?

TITIRO
Eu soia ser tolo o suficiente para pensar que a grande
cidade de Roma era comparável à cidade
para a qual levamos nossos cordeiros tenros para o mercado,
assim como os cães adultos são conferíveis aos filhotes,
ou as cabras adultas são conferíveis aos cabritos,
mas Roma é tão mais alta do que as outras cidades
quanto ciprestes são mais altos dos pequenos viburnos.

MELIBEO
Como foi que foi para Roma?

TITIRO
Bem, a liberdade levou seu tempo para chegar
E aguardou até que meus primeiros cabelos grisalhos nascessem
Nos cortes de cabelo, mas, por mais tarde que fosse,
Ela enfim chegou e me favoreceu. 

PAUL VALÉRY - TRAD. ERIC PONTY
  
   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

quarta-feira, novembro 12, 2025

OS PEQUENOS JUSTOS - PAUL ÉLUARD - TRAD. ERIC PONTY

 
VI 

O senhor da fuga cheira até as penas 
Desse pássaro queimado pelo fogo da espingarda. 
Sua lamentação vibra ao longo de uma parede de lágrimas 
E as tesouras dos olhos cortam a melodia 
Que já brotava no coração do caçador. 

VI 

A natureza ficou presa nas redes da sua vida. 
A árvore, sua sombra, mostra sua carne nua: o céu. 
Da voz da areia e dos gestos do vento 
E tudo o que diz se move atrás de você.

VII 

Ela sempre se recusa a compreender, a ouvir, 
Ela ri para esconder o seu próprio terror. 
Ela sempre caminhou sob os arcos das noites 
E por onde quer que tenha passado 
Ela deixou 
A marca das coisas quebradas.

IX

No céu decadente, nessas janelas de água doce, 
Que rosto virá, concha sonora, 
Anunciar que a noite do amor está terminando, 
Boca aberta ligada à boca fechada.

XI

Desconhecida, ela era minha forma preferida, 
Aquela que me livrava da apreensão de ser homem, 
E eu a vejo e a perco e sofro 
Minha dor, como um pouco de sol na água fria?

PAUL ÉLUARD - TRAD. ERIC PONTY

  

  ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

terça-feira, novembro 11, 2025

CANTO IV - Traduction en vers des Bucoliques de Virgile: précédé de Variations sur les Bucoliques - Paul Valéry - Trad. Eric Ponty

 

Musas sicilianas, cantem uma música mais nobre,
Pois as árvores dos pomares e os humildes tamargueiros,
Não agradam a todos; que a vossa canção,
Seja digna de uma floresta digna de um cônsul.
A última grande era anunciada pela Sibila chegou;
A nova ordem dos séculos então nasceu;
A Virgem agora retorna, e o reinado de Saturno;
A nova geração que agora desce do céu.
Lucina, olhe com afeição para esta criança,
—Lucina, deusa, pura—esta criança por quem
A Era do Ferro dá lugar à Era de Ouro.

Agora é o momento do reinado de Apolo;
E, Pólio, em teu consulado, ele então começa
A grande procissão dos meses poderosos,
O início da glória, a libertação da Escravidão 
da Terra ao teu próprio medo perpétuo.
Nossos crimes serão por fim extintos.
Esta criança compartilhará a vida dos deuses 
E ele verá e será visto na companhia dos heróis,
E ele será o governante de um mundo
Tornado pacífico pelos méritos de teu pai.
Querida criança, haverá novos presentinhos para ti,
Valeriana da primavera e hera trepadeira,
Feijões egípcios e acantos sorridentes, tudo
Derramado profuso desta terra não cultivada.
As cabras regressarão para casa por conta própria,
sem serem chamadas, com os úberes cheios de leite;
os rebanhos que pastam não terão medo dos leões;
Teu berço será de uma cornucópia de fina flor sorridentes 
desabrochando ao teu redor um prado de flores;
não haverá mais serpentes em lugar algum,
nem plantas que escondam a seiva do teu veneno;
e em todos os lugares florescerá a especiaria assíria.

Assim que tiver idade suficiente para ler
Os elogios aos heróis e os feitos de teu pai
E, portanto, saber em que consiste a excelência,
O grão amarelará e amadurecerá nos campos,
As uvas roxas se agruparão em videiras selvagens,
E o mel escorrerá qual orvalho da árvore de carvalho dura.
Mas ainda haverá vestígios do pecado,
E, portanto, os homens ainda serão forçados a enfrentar
O mar em navios, construir muros ao redor de tuas urbes,
E para trabalhar em teus campos para arar a terra.
Haverá necessidade de mais uma Argo
Para transportar teus heróis seletos em tua missão;
Haverá outra guerra, e mais uma vez
Outro Aquiles será chamado para Tróia.
Mas quando os anos trouxerem tua força à madureza,
Os navios mercantes não mais partirão
Carregados com mercadorias para vender em terras ádvenas;
Cada terra produzirá o que precisa para si mesma;
A terra não mais sofrerá com os dentes do arado,
Nem as videiras sofrerão com as garras da podadora;
Os tecidos não mais precisarão imitar as cores;
Nos prados, a lã dos carneiros mudará, 
por si mesma, de roxo para amarelo açafrão;
Nos prados, cordeiros pastarão em pelagens rubras intensas.
“Que todas as eras sejam assim”, dizem as Parcas,
Expressando o decreto imutável dos deuses,
Gritando em uníssono para teus fusos volventes.
Ó, querido filho dos deuses, descendente de Júpiter,
Chegou enfim a hora de assumir as grandes honras 
que lhe foram prometidas. Veja qual o universo 
abaulado treme de admiração — a Terra, o mar 
e os cernes do céu — glorificando a nova era que se beira.
Oh, se eu tiver vida longa e, no final, 
tiver fôlego e ânimo regulares para ser o contador da história 
de teus feitos, então nem Lino nem Orfeu da Trácia 
poderão te superar nesta minha alegria.
Oh, se eu tiver uma vida longa e, no final,
Tiver fôlego e ânimo suficientes para ser
O narrador da história de teus feitos,
Então nem Lino nem Orfeu da Trácia poderiam
Derrote-me no festival de canto, embora a mãe de Orfeu, 
Calíope, estivesse lá, e o pai de Lino, Apolo, o belo, 
E Pã, Arcádia, o juiz, julgados por Arcádia, acolheriam a derrota.
Então, pequeno bebê, que primeiro sorriso seja 
quando tu reconheceres tua mãe com novos olhares,
cujo longo trabalho de nove meses o trouxe ao mundo.
Aquela criança que não sorriu assim para teus pais
Nenhum deus a receberá em tua mesa festiva
Nem qualquer deusa em teu aposento amoroso.
Aquela criança que não sorriu assim para teus pais,
Nenhum deus receberá em tua mesa festiva,
Nem qualquer deusa em teu caramanchão amoroso.

Paul Valéry - Trad. Eric Ponty

 

   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

segunda-feira, novembro 10, 2025

Fiandeira - Paul Valéry - Trad. Eric Ponty

 Sentada, a fiandeira em azul na janela
Onde o jardim melodioso balança;
A antiga roda de fiar que zumbe a rói.

Cansada, tendo ébrio o azul, de fiar a cabeleira, 
Com os dedos tão fracos e evasivos, 
Ela pensa, e tua cabecinha se inclina.

Um arbusto e o ar puro formam uma fonte viva 
Que, suspensa ao dia, rega aprazível
Com tuas gotas de flores o jardim do ócio.

Um galho, onde o vento vagabundo repousa, 
Curva a saudação vã de tua graça estrelada, 
Consagrando com admiração, ao velho tear, tua rosa.

Mas a dormente fia uma lã isolada; 
Mística, a sombra frágil se entrelaça 
Ao longo de teus dedos longos e dormidos, fiados.

O sonho desenrola-se com preguiça angelical, 
E incessante, ao teu doce fuso crédulo, 
Nestes cabelos ondulam ao sabor da carícia...

Por trás de tantas flores, o azul se esconde, 
Fiandeira de folhagem e com a luz grávida: 
Todo o céu verde morre. A última árvore arde.

Tua irmã, a grande rosa onde sorri uma santa, 
Perfuma tua face vaga com o sopro de teu hálito 
Inocente, e acreditas estar definhando... Tu estás extinta.

No azul dessa janela onde fiavas a lã.

Paul Valéry - Trad. Eric Ponty

  

 ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

domingo, novembro 09, 2025

Traduction en vers des Bucoliques de Virgile: précédé de Variations sur les Bucoliques - Paul Valéry - Trad. Eric Ponty

 

Não obstante terem sido traduzidas para muitas línguas (entre as quais o português), as Bucólicas de Vergílio são, na realidade, os mais intraduzíveis de todos os textos poéticos. A beleza sortílega do verso vergiliano (que, em latim, é música ao nível de Mozart) evapora-se por completo noutra língua. O melhor a que uma tradução pode aspirar é a ser uma pálida imagem, mais deslavada do que uma fotografia a preto-e--branco da Primavera de Botticelli. Perguntar-se-á: então, para quê mais uma tentativa de traduzir para português estes sublimes poemas? O que se propõe aqui é uma tradução projetada para esse efeito específico, mas também pensada para dialogar com um comentário pormenorizado, que se afigura utensílio de primeira necessidade na abordagem a esta poesia (pois as Bucólicas são poemas cuja capa de simplicidade esconde uma urdidura enigmática e complexa). A par da discussão de questões literárias, o comentário procura ajudar a resolver as dificuldades linguísticas presentes no texto latino, sem esquecer o intuito de mostrar, a quem saiba pouco ou nenhum latim, o porquê da beleza inefável desta poesia na língua original.
 FREDERICO LOURENÇO

Melibeu:
Ó Títiro enquanto achegada sob a faia,
Busca na tua flauta uma pequena melodia campestre,
Nós abandonamos a doce terra natal,
Fugimos da pátria, e tu, tranquilo à sombra,
Faz o bosque cantar o nome de Amarilis.

Títiro:
Foi um deus que me acomodou esses prazeres, Melibeu!
Sim, meu deus para sempre! Um deus cujo altar
Crebro beberá o sangue dos meus ternos cordeiros.
Veja meus bois, graças a ele, pastando livres, e eu
Brincando à vontade com essa palha rústica.

Melibeu:
Surpreendo-me ainda mais por não ter inveja de ti:
A desordem está por toda parte em nossos campos, 
E muito triste, tenho que conduzir minhas cabras, 
E levo    até mesmo aquela que acabou de ter gêmeos,
Com dificuldade, em um arbusto, sobre uma pedra:
Desgraça frequente prevista, se minha memória não me falha,
Pelo céu fulminando os carvalhos proféticos.
Mas tu, revele-me quem é esse deus, Títiro?

Títiro:
Inocentemente, eu cria, Melibeu,
Que a urbe chamada Roma era igual àquela
Para onde nós, pastores, amiudado levamos nossos cordeiros:
Eu via os cabritos se parecerem com suas mães,
Assim, a partir do menor, eu concluía sobre o maior.
Mas essa urbe se monta, entre todas as outras,
Em tua frente qual um cipreste acima das viornas.

Melibeu:
Mas que assunto tão importante te atraiu a Roma?

Títiro:
A liberdade, que, tardia, apesar do meu descuido,
Me chegou, final dignando-se a zelar por mim.
A minha barba tinha ficado alva. Descuidado por Galateia,
Amarilis já me tinha tomado como amante.
Na época de Galateia, confesso que não tinha
Nenhuma esperança de ser livre 
E nenhuma apreensão com dinheiro.
Embora a urbe mesquinha enviasse vítimas
Em grande número, e que cá se fizesse bom queijo,
O que eu trazia nunca era muito pesado.

Melibeu:
Ó triste, Amarilis, por que tantas orações,
Eu me perguntei, e para quem essas oferendas de frutas?
É que Títiro havia partido! Títiro contigo,
Que as fontes, os pinheiros, as plantas rezingavam.
O que fazer? Não podendo sair da servidão
Nem deparar em outro lugar deuses tão propícios. 
Mas lá, Melibeu, tendo visto aquele jovem
Por quem doze vezes por ano 
todos os nossos altares fumegam,
Mal implorei, obtive esta resposta:
“Rapazes, como antes, pastem o teu gado.”

Títiro:
O velho feliz, tu manténs teus bens!
Se contenta com tuas rochas à flor da terra
E pântanos lamacentos invadidos por juncos.
Tuas cabras não terão que mudar de pasto
Nem rebanhos vizinhos a temer o contato.
Sim, feliz ancião, tu desfrutarás do frescor
Nas margens familiares de nossas fontes sagradas.
Aqui, como sempre, sobre ti virão vibrar,
Para induzir-te ao sono com seu leve murmúrio,
As abelhas de Hibla, o enxame nutrido de flores.
O canto do podador se elevará no ar,
E com voz rouca suas queridas pombas
Não cessarão de se lamentar por ti no olmo.

Melibeu:
Veremos no éter o veado ágil pastar
E a onda abdicar dos peixes em suas margens,
Ou o parto no Arare ou o germânico no Tigre
Vir beber, cada um saindo de suas fronteiras,
Antes que meu coração se desprenda deste deus.

Títiro:
Mas nós, iremos sofrer de sede na África,
Iremos para o Cítia e o calcário Oxus,
Ou então para os bretões, isolados do mundo.
Ah! Se eu revisitasse, após um longo exílio,
Minha terra e minha cabana com telhado coberto de musgo,
Ainda teria motivos para admirar minhas plantações?
Por um soldado ímpio, teria me esforçado tanto,
Semeado para um bárbaro? Infeliz! Nossas discórdias
São o fruto de nossas desgraças! Nossos afazeres são para outros!
Ah! Posso muito bem enxertar minhas pereiras e videiras!
Vão! Rebanho outrora feliz, cabras, minhas cabras. 
Não vos verei mais, deitadas na sombra verde,
Ao longe, agarradas a alguma rocha espinhosa.
Não me ouvirão mais, pastarão sem mim
As sarças em flor e os salgueiros amargos.

Melibeu:
Fica ainda esta noite. Durma aqui perto de mim
Sobre esta folhagem fresca. Teremos bons frutos. 
Queijo em abundância e castanhas tenras.
Veja: ao longe, os telhados das estâncias já fumegam
E as sombras das montanhas crescem até nós.

Paul Valéry - Trad. Eric Ponty

  

  ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

SUR LE TASSE EN PRISON D'EUGÈNE DELACROIX - CHARLES BAUDELAIRE - TRAD. ERIC PONTY

O poeta na masmorra, desalinhado, doente, 
Jorrando um manuscrito sob teu pé convulsivo, 
Mede com um olhar inflamado pelo terror 
Na escada vertiginosa onde tua alma se abala.

As risadas inebriantes que enchem a prisão  
Para o estranho e o absurdo convidam de teu rim; 
A Dúvida o cerca, e deste Medo ridículo, 
Horrível e multiforme, cinge ao teu redor.

Esse gênio confinado em um cortiço insalubre, 
Essas caretas, gritos, essas águas com gás cujo enxame 
Rodopia, estremecido atrás desta tua orelha,

Esse sonhador que o horror de tua morada desperta, 
Eis aí o teu emblema, desta alma de sonhos obscuros, 
Que a Realidade sufoca entre tuas quatro paredes!

  CHARLES BAUDELAIRE - TRAD. ERIC PONTY

 

 ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA  

sábado, novembro 08, 2025

SONHO PARISINO - CHARLES BAUDELAIRE - TRAD. ERIC PONTY

 À M. CONSTANTIN GUYS.

I

 
Dessa paisagem, qual mortal jamais viu!
Da mesma forma, esta manhã, a efígie,
Tão vaga e distante, que me encantou. 

O sono é cheio de milagres! 
Por um capricho singular, 
eu havia abolido dessas contemplações 
Deste vegetal irregular,

O Pintor ébrio pelo meu gênio, 
eu saboreava em meu quadro 
a monotonia entorpecente 
do metal, do mármore e d´água.

Uma Babel de escadas e arcadas, 
Era um palácio infinito, 
Cheio de bacias e cascatas 
Cascateando em douro mate ou polido;

E destas pesadas cataratas
Quais cortinas de cristal 
Se suspendiam, deslumbrantes, 
Em paredes de metal.

Não de árvores, mas de colunatas de milho 
Os lagos adormecidos se cercavam, 
Onde náiades colossais, e, imensas, 
Das quais mulheres, se espelhavam.

Náves de água se espalham, azuis, 
Entre margens rosas e verdes, 
Por milhões destas léguas, 
Até os confins do Universo;

Eram pedras inéditas 
E ondas mágicas! Eram 
Imensos espelhos deslumbrantes 
Por tudo o que refletiam!

Despreocupados e levianos, 
Do Ganges, no firmamento, 
Derramavam o tesouro de tuas urnas 
Em abismos de diamante.

Arquiteto das minhas fantasias, 
Eu fazia, à minha vontade, 
Sob um túnel de pedras preciosas, 
Passar um oceano domado; 

Tudo, até mesmo a cor preta, 
Parecia polido, claro, iridescente; 
O líquido encerrava tua glória 
Tal qual raio cristalino. 

Nenhum ar, nenhum reflexo do sol, 
E nem mesmo no fundo do céu, 
para iluminar esses prodígios, 
que brilhavam com fogo próprio!

Sobre essas surpresas em abalo pairava 
(terrível novidade!) 
Tudo para os olhos, nada para os ouvidos! 
Um silêncio desta eternidade. 

II

 
Ao reabrir meus olhos cheios de chamas, 
Vi o horror do meu casebre, 
E senti, penetrando em minha alma, 
A ponta das apreensões malditas; 

O relógio com teus tons fúnebres, 
Que bateu brutal o meio-dia, 
O céu derramava trevas 
Sobre o triste mundo inerte. 

CHARLES BAUDELAIRE - TRAD. ERIC PONTY

 ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA 

O DECORO - CHARLES BAUDELAIRE - TRAD. ERIC PONTY

 CH. B. 

A AUGUSTE POULET-MALASSIS 


[Paris, meados de março de 1860?] 


Mais uma Fleur du mal. 
Recomendo vivamente que reflita sobre as desvantagens do seu banquete em Magny? e que evite colocar em oposição Duranty, Boyer? e Champfleury — Montégut e D'Aurevilly, — D'Aurevilly e Du Camp”, — Du Camp e Babouf etc. 

— Recebi esta manhã uma prova de De Broise. Isso não faz sentido. Não houve uma primeira leitura, e há linhas puladas. Além disso, temo que ele tenha mandado imprimir a versão anterior na sua ausência. Você reconhecerá a heroína desta Fleur? 
Ontem à noite, terça-feira, retomamos Les INoces de Lohengrin no Casino.  

O DECORO

Même elle avait encor cet éclat emprunté
Dont elle eut soin de peindre et. d’orner son visage
Pour réparer des ans l’irtéparable outrage.

RACINE.


Quando te vejo passar, minha querida indolente, 
Ao som dos instrumentos que se quebram no teto, 
Suspensão teu andar harmoniosa e lenta, 
E passeando o tédio de teu olhar profundo,

Quando contemplo sob o gás que a colore 
Tua face pálida, embelezada por um sorriso mórbido, 
Onde as tochas da noite acendem uma aurora, 
Teus olhos sedutores como os de um retrato,

Eu penso: Que linda ela és! E inexplicável arejada! 
A lembrança tão divina, tão antiga e tão pesada,
A coroa, em teu coração, ferida qual a pêssego, 
És, qual teu corpo, madura para o amor sábio.

Tu és a fruta do outono com sabores soberanos? 
Tu és um vaso fúnebre, esperando algumas lágrimas, 
De um perfume que faz sonhar com oásis distantes, 
De um travesseiro acariciador ou uma cesta de flores?

Sei que ela tem olhos, dos mais melancólicos, 
Que não abrigam nenhum segredo precioso, 
Belos estojos sem joias, medalhões sem relíquias, 
Mais vazios, mais profundos do que vós mesmas, Céus!

Não basta ser de apenas ar para alegrar idade,
um coração que foge desta tarde a verdade? 
O que importa tua estupidez ou indiferença? 
Máscara ou decoração, Olá! Eu adoro tua beleza.

 
 CHARLES BAUDELAIRE - TRAD. ERIC PONTY

 ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA 

sexta-feira, novembro 07, 2025

Imitação de Nossa Senhora da Lua - UMA PALAVRA AO SOL - JULES LAFORQUE - TRAD. ERIC PONTY

 Imitação de Nossa Senhora da Lua


UMA PALAVRA AO SOL


 Sol! Soldado coberto de ordens e cuspidelas,
Planeador mal-educado, saiba que as Vestais
Para quem a Lua, com teu olho ambíguo de felino,
É de tão rosácea desta cuja Única Catedral,

Saiba que os Pierrôs, falenas dos dólmenes
E dos nenúfares brancos dos lagos onde dorme Gomorra,
E todos os bem-aventurados que pastam no Éden
Sempre primaveril das renúncias, - te abominam.

E que eles guardem para ti um desprezo especial,
Bellatre, Maquignon, Ruffian, Rastaquouère
Com teus pingentes de ouro, que o consideram
Tão superior com a terra e tua órfã lunar.

Continue a fornecer pores-do-sol embriagados
Os dias seguintes vomitados das festas nacionais,
A estilizar suas estações, a nos desencadear bem
Estes dramas desta Apoteose Umbilical!

Vá, Febo! Mas, Deva, deus dos Despertares rebeldes,
Olhe um pouco para este Port-Royal de estetas
Que, em teus decamerões lunares ao fresco,
Não falam menos do que botar preço sobre tua cabeça.

É verdade que ainda tens dias felizes pela frente;
Mas a tribo cresce, com essas velhas práticas
Do A quor BON? que vão revelar a arte e o amor
Neste limiar tão distante do Agregado inorgânico.

Por hoje, meu velho amigo, vamos nos contentar 
Em assentar sob o nariz da tua Badauderie a palavra 
Que o Homem já marcou nesta tua fronte;
Aposto que nunca imaginou isso, não é mesmo?

-Saiba que se diz com uma bela frase de tom
Sonoro, mas muito ruim como seiva medular,
De todo discurso vazio, enfim: é páthos,
É da FEBOS! - Ah! Não há precisão de escólios...

Ó Visão do tempo, em que o ser por demasiado punido,
De um: Ei! Vá, Phobos! Te farás engolir teu sermão
Do velho ditado de Crescite e multiplicami,
Para se inocular para sempre a Lua fresca!

 JULES LAFORQUE - TRAD. ERIC PONTY

 ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA 

A MORTE DE MARSYAS - ALBERT GIRAUD - TRAD. ERIC PONTY

 Hoje, diante de todo o povo de Celene,
Cuja multidão em agitação coroa o vale
Como um vinho espumante uma taça transbordante,
Marsyas, aclamado com a luta com Apolo.

Uma multidão furiosa com milhares de cabeças,
Escravos, portadores, vaqueiros, pastores,
Pesados qual tuas cargas, peludos quais teus animais,
Transbordam em ondas buliçosas sobre a grama dos pomares.

Mais acima, no palácio, sob os nobres pórticos,
Os sacerdotes, os adivinhos, os príncipes e os reis,
Deixando vagar ao longe teus olhos hieráticos,
Erguem-se em silêncio, dos tons irônicos e frios.

E abrigados aos olhos vis, sobre nuvens rosadas, 
Como uma frisa na frente do palácio radiante,
Vestidos de luz e coroados de rosas, 
inclina-se sorrindo um tribunal de Deuses.

Mas do povo se eleva um clamor feroz,
Como o grito de um homem possuído pelo mal sagrado: 
Nu, como para morder, abrindo tua boca rude,
Que surge em plena luz do sol o sátiro apavorado.

Movendo teus bíceps horríveis em um esforço ridículo,
Teus braços de corcunda traçam gestos loucos,
Como se estivesse derrubando um lutador invisível,
E lampejos de ódio acendem teus olhos vermelhos.

Ele canta a plenos pulmões um poema tumultuoso,
E, misturando aos versos falsos palavras mutiladas,
Contorce-se em direção ao palácio cujo luxo o insulta 
Com mãos monstruosas, tão mais vis do que pés!

Sim, então nunca viu esses seres de luz,
Esses deuses nascidos do azul do céu e do mar?
Hesíodo criou tua beleza habitual,
Ofídias imaginou tua carne neste mármore.

“Ambos mentiram e tua dupla mentira,
De geração em geração mais pesada, 
oprime nosso pensar: Ficamos esgotados de pensar o sonho deles!
O homem sozinho é um Deus para os novos homens!

Achas que essas formas são formosas?
Eu me pareço com esses deuses pálidos e mortos?
Meus olhos são de pedra? Eu tenho asas?
Os deuses têm o cheiro do lodo de onde eu venho?

Será que as tuas Vénus, vestidas de mármore e ouro,
alguma vez despertaram o desejo nos teus olhos?
Amarrem um colar de cânhamo a essas velhas estátuas! 
Joguem-nas na relva e seremos os deuses!

“Então, tendo enfim libertado a natureza
Da falsa beleza que velava teu esplendor,
O homem descobrirá em cada criatura
Que desta beleza feroz da antiga feiura.

«E os futuros cantores, com o coração cheio de ousadia,
Tendo expulsado os deuses de teus picos tranquilos,
Para celebrar meu dia dançarão a cordace
Sobre a lira quebrada e muda para sempre!»

E lá está ele dançando sua dança frenética,
Enxugando com pelo rosto brilhante, 
E marcando com calcanhar o ritmo claudicante
Desta tua ode suada, tão feia quanto ele!

E o povo aplaude a dança triunfal,    
E gritos de ódio e gritos delirantes
Do vale para o azul explodem em rajadas 
E depois morrem aos pés dos deuses apáticos.

Às vezes, porém, um riso fresco e alegre 
Escapam do frontão do templo onde estão os deuses.
Erguendo repentinamente a cabeça, o sátiro
De que achas ouvires passar uma ave nos céus.

Além disso os gritos da multidão em frenesi
Rolam em direção a Marsias com tal ímpeto
Que o blasfemo cínico recomeça... 
— Mas de repente Apolo avança cintilante!

É bem o Deus ruivo com teu rosto claro
E teus grandes olhos fundos que se vê em brilhar à extensão: 
A plebe, ao vê-lo, solta um grito de raiva; 
Um vaqueiro o interpela e lhe demonstra o punho.


Mas com um gesto ele espalha a chama e o silêncio; 
A lira de contornos orgulhosos vibrou sob teus dedos; 
Tua ode encheu o céu imenso com tuas asas alvas; 
E ouvimos o sol cantar em tua voz pelo verde prado:

“Ó plebe de mente estreita! Por que esses gritos em vão?
Por que esses gestos loucos? Por que esses olhos sombrios?
É do leite da sua carne e do sangue das tuas veias
Que nasceram, apesar de ti, os impassíveis deuses!”

Não reconhece nesses seres de presa
Teu desejo de sobrevivência e imortalidade?
Tua volúpia frustrada sonhou nossa alegria,
Tua feiura no espelho sonhou nossa beleza.

Silêncio, cabra-*pés estúpidos que nos nega! 
Silêncio, povo abjeto de vaqueiros assustados! 
Nós somos o seu orgulho, a tua força e o teu gênio!
Nós não podemos morrer, pois tu nos criaste!

E agora, ainda, todos os dias tu nos cria! 
Cada vez que um soldado volta para ti vitorioso,
Que um pensador, visitado por visões sagradas,
Se elevando até ele teu coração miserável;

Que um herói, dominando uma multidão grosseira,
Interrompa tua fúria com um gesto soberano;
Que de tua raça obscura é uma obra de luz
Brotem em ritmos orgulhosos na lira de bronze;

“Sempre renascemos nas almas vindas do poente,
E os astros na fronte, sob nossas vestes de fogo,
Mais jovens e mais belos, sutis como chamas,
Regressamos cantando ao nosso Olimpo azul!”

Quanto a ti, pé de cabra, cujo poema embriagado
Balança com tua sombra ao sol ultrajado,
Tu não podes sobreviver ao teu crime flagrante: 
A arte que tu blasfemas será vingada por nós.

Teu canto rouco perturbou a festa da vida;
Teu gesto impuro manchou a castidade do dia;
Tuas palavras despertaram a raiva e a inveja
Nas mentes ingratas privadas do dom do amor!

Ó monstruoso semeador, de ódio e rancor,
Deste cantor da loucura e do absurdo!
Como uma cadela obscena latindo para a lua,
Tua estrofe epiléptica late formosa para a beleza.

Tu morrerás, mas antes de exalar tua alma feia,
Dê uma última olhada no frontão do palácio: 
Os grandes deuses contra os quais tua ode infame latia,
Os deuses impassíveis estão lá! Contemple-os.

E o louco vê de repente em teus olhos vis
Entrar com o relâmpago os divinos incógnitos,
E mantendo em teus olhos tuas formas eternas,
Tendo negado os Deuses, fenece por tê-los visto!

ALBERT GIRAUD - TRAD. ERIC PONTY

 

 ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA 

quinta-feira, novembro 06, 2025

DOIS POEMAS - ALBERT GIRAUD - TRAD. ERIC PONTY

APARIÇÃO 

É infante das crianças, a alma e o amor dos Deuses,
Nascida do primeiro beijo do mar e das rosas,
Que guarda num sorriso estranho e sério,
O infinito da carne entre teus lábios rosados;

O infante cujos olhos verdes, cheios dum vasto pesar,
Os olhos cor de musgo e floresta molhada
Abrigam obscuramente como um tesouro secreto
 As dores distantes de uma estrela exilada.

Ele aparece um dia para aqueles que o sonharam,
Depois voa para longe. O sonho deles, infeliz, imperfeito,
Alimenta-se para sempre de uma efígie infrutífera.

Eu vi. Agora, ó meus olhos, tudo é vão
E eu expiro, como aquele pajem romano
Que morreu por ter olhado para a Mona Lisa.

 
ZEUS 
Sob a coroa de um bando de águias imóveis,
Com grandes olhos fechados para um sonho eterno,
Zeus contém em teu seio todos os deuses inúteis 
E sozinho preenche o abismo deslumbrante do céu.

Desde sempre ele dorme em teu sono solitário, 
do qual nada no futuro o despertará: 
ele rola em tua noite os sóis e a terra,
sonhando com tudo o que foi e tudo o que será.

Nossa altivez enlouquecida durante uma breve hora
Crê agir e se consume em gestos decepcionantes: 
A ação tão alardeada, ó vertigem! É um devaneio
Que inspirado por teu sonho em sonhos vivos.

O desejo de criar que corrói nossa alma pura,
Sendo a mesma é apenas um vaivém de teu sonho sem fim,
Que criou está obra de beleza que sonhamos,
O sonho indiferente desse sonhador divino!


ALBERT GIRAUD - TRAD. ERIC PONTY
 
 

ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA 

O PINTOR BOSSA NOVA - LIBRETO - ERIC PONTY - 2020

 

  

ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA 

quarta-feira, novembro 05, 2025

Triunfos da Morte e do Tempo - [Após a Leitura do Cancioneiro e Triunfos] - Francesco Petrarca - Libretista - Eric Ponty

{. Abre-se à cena. Limbo do rio Letes. Aparece um rapaz rude com arco na mão e setas no seu flanco, nas costas apenas asas no resto está nu.}



COMPLETO

 
 
ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA