Pesquisar este blog

sexta-feira, novembro 07, 2025

A MORTE DE MARSYAS - ALBERT GIRAUD - TRAD. ERIC PONTY

 Hoje, diante de todo o povo de Celene,
Cuja multidão em agitação coroa o vale
Como um vinho espumante uma taça transbordante,
Marsyas, aclamado com a luta com Apolo.

Uma multidão furiosa com milhares de cabeças,
Escravos, portadores, vaqueiros, pastores,
Pesados qual tuas cargas, peludos quais teus animais,
Transbordam em ondas buliçosas sobre a grama dos pomares.

Mais acima, no palácio, sob os nobres pórticos,
Os sacerdotes, os adivinhos, os príncipes e os reis,
Deixando vagar ao longe teus olhos hieráticos,
Erguem-se em silêncio, dos tons irônicos e frios.

E abrigados aos olhos vis, sobre nuvens rosadas, 
Como uma frisa na frente do palácio radiante,
Vestidos de luz e coroados de rosas, 
inclina-se sorrindo um tribunal de Deuses.

Mas do povo se eleva um clamor feroz,
Como o grito de um homem possuído pelo mal sagrado: 
Nu, como para morder, abrindo tua boca rude,
Que surge em plena luz do sol o sátiro apavorado.

Movendo teus bíceps horríveis em um esforço ridículo,
Teus braços de corcunda traçam gestos loucos,
Como se estivesse derrubando um lutador invisível,
E lampejos de ódio acendem teus olhos vermelhos.

Ele canta a plenos pulmões um poema tumultuoso,
E, misturando aos versos falsos palavras mutiladas,
Contorce-se em direção ao palácio cujo luxo o insulta 
Com mãos monstruosas, tão mais vis do que pés!

Sim, então nunca viu esses seres de luz,
Esses deuses nascidos do azul do céu e do mar?
Hesíodo criou tua beleza habitual,
Ofídias imaginou tua carne neste mármore.

“Ambos mentiram e tua dupla mentira,
De geração em geração mais pesada, 
oprime nosso pensar: Ficamos esgotados de pensar o sonho deles!
O homem sozinho é um Deus para os novos homens!

Achas que essas formas são formosas?
Eu me pareço com esses deuses pálidos e mortos?
Meus olhos são de pedra? Eu tenho asas?
Os deuses têm o cheiro do lodo de onde eu venho?

Será que as tuas Vénus, vestidas de mármore e ouro,
alguma vez despertaram o desejo nos teus olhos?
Amarrem um colar de cânhamo a essas velhas estátuas! 
Joguem-nas na relva e seremos os deuses!

“Então, tendo enfim libertado a natureza
Da falsa beleza que velava teu esplendor,
O homem descobrirá em cada criatura
Que desta beleza feroz da antiga feiura.

«E os futuros cantores, com o coração cheio de ousadia,
Tendo expulsado os deuses de teus picos tranquilos,
Para celebrar meu dia dançarão a cordace
Sobre a lira quebrada e muda para sempre!»

E lá está ele dançando sua dança frenética,
Enxugando com pelo rosto brilhante, 
E marcando com calcanhar o ritmo claudicante
Desta tua ode suada, tão feia quanto ele!

E o povo aplaude a dança triunfal,    
E gritos de ódio e gritos delirantes
Do vale para o azul explodem em rajadas 
E depois morrem aos pés dos deuses apáticos.

Às vezes, porém, um riso fresco e alegre 
Escapam do frontão do templo onde estão os deuses.
Erguendo repentinamente a cabeça, o sátiro
De que achas ouvires passar uma ave nos céus.

Além disso os gritos da multidão em frenesi
Rolam em direção a Marsias com tal ímpeto
Que o blasfemo cínico recomeça... 
— Mas de repente Apolo avança cintilante!

É bem o Deus ruivo com teu rosto claro
E teus grandes olhos fundos que se vê em brilhar à extensão: 
A plebe, ao vê-lo, solta um grito de raiva; 
Um vaqueiro o interpela e lhe demonstra o punho.


Mas com um gesto ele espalha a chama e o silêncio; 
A lira de contornos orgulhosos vibrou sob teus dedos; 
Tua ode encheu o céu imenso com tuas asas alvas; 
E ouvimos o sol cantar em tua voz pelo verde prado:

“Ó plebe de mente estreita! Por que esses gritos em vão?
Por que esses gestos loucos? Por que esses olhos sombrios?
É do leite da sua carne e do sangue das tuas veias
Que nasceram, apesar de ti, os impassíveis deuses!”

Não reconhece nesses seres de presa
Teu desejo de sobrevivência e imortalidade?
Tua volúpia frustrada sonhou nossa alegria,
Tua feiura no espelho sonhou nossa beleza.

Silêncio, cabra-*pés estúpidos que nos nega! 
Silêncio, povo abjeto de vaqueiros assustados! 
Nós somos o seu orgulho, a tua força e o teu gênio!
Nós não podemos morrer, pois tu nos criaste!

E agora, ainda, todos os dias tu nos cria! 
Cada vez que um soldado volta para ti vitorioso,
Que um pensador, visitado por visões sagradas,
Se elevando até ele teu coração miserável;

Que um herói, dominando uma multidão grosseira,
Interrompa tua fúria com um gesto soberano;
Que de tua raça obscura é uma obra de luz
Brotem em ritmos orgulhosos na lira de bronze;

“Sempre renascemos nas almas vindas do poente,
E os astros na fronte, sob nossas vestes de fogo,
Mais jovens e mais belos, sutis como chamas,
Regressamos cantando ao nosso Olimpo azul!”

Quanto a ti, pé de cabra, cujo poema embriagado
Balança com tua sombra ao sol ultrajado,
Tu não podes sobreviver ao teu crime flagrante: 
A arte que tu blasfemas será vingada por nós.

Teu canto rouco perturbou a festa da vida;
Teu gesto impuro manchou a castidade do dia;
Tuas palavras despertaram a raiva e a inveja
Nas mentes ingratas privadas do dom do amor!

Ó monstruoso semeador, de ódio e rancor,
Deste cantor da loucura e do absurdo!
Como uma cadela obscena latindo para a lua,
Tua estrofe epiléptica late formosa para a beleza.

Tu morrerás, mas antes de exalar tua alma feia,
Dê uma última olhada no frontão do palácio: 
Os grandes deuses contra os quais tua ode infame latia,
Os deuses impassíveis estão lá! Contemple-os.

E o louco vê de repente em teus olhos vis
Entrar com o relâmpago os divinos incógnitos,
E mantendo em teus olhos tuas formas eternas,
Tendo negado os Deuses, fenece por tê-los visto!

ALBERT GIRAUD - TRAD. ERIC PONTY

 

 ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA 

Nenhum comentário: