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quinta-feira, agosto 28, 2025

Parnasse de la Jeune Belgique - Trad. Eric Ponty

 LA NOSTALGIE D’APOLLON


 Príncipe no exílio, expulso da terra da clareza,
Maldito pelo destino a estar constante encarnado, 
eu brilho em cérebros resistentes à beleza
Tal qual um desejo vivo de graça e nobreza.

Eu era Dante, lambido pelo fogo subterrâneo,
Shakspeare com vasto peito cheio de cernes insurretos
E Beethoven tocando sua trompa de bronze; 
Entre as laranjeiras de Roma, eu era Gœthe.

Schiller e, depois, Henri Heine, o arqueiro; 
eu era Victor Hugo, de pé em sua rocha,
E cantei seus versos ao ritmo de minha asa.

Mas teu gênio sombrio é humano demais para mim
Tenho medo do homem possuído que serei amanhã
E ainda sinto falta dessa Grécia de minha mãe.

Albert Girald 

Emile Van Ctrenbergh


Soneto Mignard

 

Timidez do amor! Vergonha dum peito que revela!
Fico pálido, ruborizo quando passo por ti,
Não me atrevo a olhar, - mas sinto teus olhos
de teus olhos quais um beijo de uma estrela.

Olhas assim, sem pensar, ao acaso;
Mas, qual o mar, que em todas as tuas ondas
Abriga um sol também sob o sol das chamas,
Meu coração iluminado se enche com teu olhar!

Teu corpo flexível, enquanto anda, balança em ondas
Qual um balanço no ritmo suave das ondas,
E exala um perfume feito de alma e benjoim.

Busco em toda mulher atributo que se igual a ti,
E quando a vejo de repente, parece-me
Eu senti antes que tu tinhas vindo de longe.

Soneto de outrora


Em teus olhos claros riam manhãs azuis e frescas,
E Floréal era apenas tua primavera feminina:
O perfume da flor era o cheiro de tua alma;
Por meio de teu abril, senti Deus mais perto.

Tua carne, céu de alva, tinha pérolas cor-de-rosa:
Era um esplendor que deslumbrava o dia;
E a brisa sobre ti, em um beijo de amor,
Tremeu como o lábio invisível das coisas.

Por toda parte, uma bondade descia do sol;
Arvores brandiam, se jazessem ébrias com o acordar,
E borboletas cândidas nevavam na luz.

Tua estrada se penetrava em um horizonte dourado:
E tu não podias ver a tua sombra atrás,
Que se alongava, - qual o braço negro da morte.

Emile Van Arenbergh


Soneto de inverno


Margaridas geladas e samambaias geladas,
O maio alvo do inverno florescer nas telhas,
E, do alto das empenas, a gárgula e o guivre
Giram, fazendo caretas, babando cristais.

Quais certos furos negros de balas em um alvo,
As gralhas, em voos esparsos, enigmariam céu estanho;
E a neve, qual de um silente visível,
Caia sobre todo som, que ela já se apaga.

Então, quando a noite aumenta a paz mortal,
Ali, sob a névoa, qual sob uma mortalha,
As formas se desintegram pouco a pouco.

E então o sol, caindo do horizonte,
Parece, pálida e desvanecida, a coroa de prata
Que uma mão invisível bota em um túmulo.

Para a noite


Em tua alta coluna, ó poeta se estilita então,
Sendo vós que se enterrou vivo no céu;
E, qual vós, mergulhando no mistério eterno,
Lá em cima, Sirius pinta um peito douro pulsante.

Somente os fortes respiram em teu éter sutil;
E à noite, no ar apagar-se pelas cinzas,
Sentes um frio intenso se lavrando ao teu redor,
E pensas ver a poeira dos mortos se erguendo.

Em vão a imensidão o cobre com tua sombra;
Teu silêncio fala contigo, e na abóbada escura,
Pelo meio das fendas dos sóis, vês Deus brilhar.

Enquanto, sacudindo as estrelas em teus véus,
A noite, qual um pescador, emergindo do nadir,
Arrasta as redes negras, todas cobertas de estrelas.

 Trad. Eric Ponty

 

      ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

Pierrot Lunaire - ALBERT GIRAUD - Trad. Eric Ponty

 Théâtre 

Sonho com um teatro de câmara,
Com Breughel pintando persianas,
Shakspear, os palácios de fadas,
E Watteau, paisagens de âmbar.

Nas noites frias de dezembro,
Aquecendo meus dedos violetas,
Sonho com um teatro de câmara,
Com Breughel pintando persianas.

Formigando com o gengibre,
Podias ver os feios Crispins
Premendo tuas panturrilhas esguias
Para Columbina, que arqueia tuas costas
Sonho com um teatro de câmara.

Décor 

GRANDES AVES de cor roxa e douro,
Essas joias esvoaçantes,
Breughel os coloca, em teus encantos,
Nas árvores azuis da decoração.

Elas vibram, com o teu amplo voo
Lançam sombras sobre os prados,
Grandes aves de púrpura e ouro,
Dentre dessas joias esvoaçantes.

O sol penetra com esforço
Com tuas joias amarelas
O verde azulado dos ramos floridos,
E tua luz ainda ilumina
As grandes aves de púrpura e ouro.

Pierrot Dandy

Um caprichoso raio de luar
Brilha nas garrafas de cristal
No lavatório de sândalo
Do pálido dândi de bergamasco.

A fonte ri em tua bacia
Com um som claro de metal.
Um caprichoso raio de luar
Brilham nas garrafas de cristal.

Mas o senhor branco basco,
Deixando o vermelho vegetal
E o verde oriental se ruboriza
Estranha compõe tua máscara
Com um caprichoso raio de luar.

Déconvenue  

Os convidados, com os garfos em punho,
viram os litros serem roubados,
Assados, tortas, ostras, carquejo,
E geleias de marmelo.

Gilles, oculto em um canto,
Fazendo caras engraçadas.
Os convidados, garfos em punho,
Viram os litros serem furtados.

Para enfatizar a decepção,
Esses insetos com elytra azul
Atingem janelas cor-de-rosa,
E tua abelha provocar de longe
Os convidados, com o garfo em punho.

 Lune au Lavoir

Como uma lavadeira pálida,
Ela lava suas fendas alvas,
Braços prateados fora de tuas mangas,
Junto ao fio cantante do rio.

Os ventos na clareira azulado
Sopram em tuas flautas sem palheta.
Qual uma pálida lavadeira
Ela lava seus defeitos alvos.

A trabalhadora celestial e gentil
Amarrando a saia nos quadris.
Sob o beijo dos galhos,
Estende teu linho de luz,
Qual duma pálida lavadeira.

 La Sérénade de Pierrot 

Com um arco grotesco e dissonante
Irritando teu violão no alvorecer,
Qual uma garça, em uma perna só,
Ele toca uma melodia indecorosa.

De repente, Cassandra, intervindo,
Culpa esse acrobata noturno,
Com um arco grotesco e dissonante
Ficando irritando pelo teu violino.

Pierrot a rejeita, e pegando
Com um aperto muito delicado
O velho por tua gravata rígida,
Com um arco grotesco e dissonante
Com um respeito grotesco e destoante.

   ALBERT GIRAUD -  Trad. Eric Ponty

  

     ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

Légende théologique - Théophile Gautier - Trad. Eric Ponty

I
À beira dum canal fundo cujas águas verdes
Dorment, de nenúfares e barcos cobertos,
Com tetos pontiagudos, os imensos sótãos,
As torres com tetos de ardósia em céu azul.

Donde as cegonhas fazem os teus ninhos,
Com bares barulhentos, cheios de ébrios,
É antiga vila flamenga tal qual pintadas por Teniers.
Tu reconheces? Olha, ali está o salgueiro.

Teus cabelos descoloridos caindo sobre os ombros.
Qual menina no banho; a igreja e o teu campanário,
O lago onde os patos se pavoneiam em formação;

O único elemento que falta no quadro é a moldura.
Com o prego para pendurá-lo numa parede azul.

II
Conforto e descontração! Toda uma poesia
De calma e bem-estar, para dar fantasia
Ir para lá ser flamengo; ter cachimbo atrevido 
e o jarro com flores pintadas,

O copo grande com aptidão para quatro litros,
Quais os bebedores de Brauwer, e à noite
Perto do fogão que apita e estala, no centro
Duma névoa de tabaco, as duas mãos na barriga,

Seguir uma ideia no ar, dormir ou digerir,
Cantar uma velha canção, beber um pouco,
No fundo de um desses interiores quentes, 
que Ostade um dia tão doce sabe iluminar!

III
Para fazer você esquecer, pintor e poeta,
Este país encantado, cuja mignon de Goethe,
Frileuse, lembra-se e fala com o teu Wilhem;
Este país ensolarado onde os limões maduram,

Onde novas jasmim sempre florescem:
Nápoles para Amesterdão, o lorenço para Berghem;
A fazer com que se apaixone por estas paredes 
verdes cobertas de musgo onde Rembrandt, 

no meio dessa escuridão ruiva,
Faz brilhar algum Fausto em seu antigo traje,
Os belos palácios de mármore com colunatas brancas,

As mulheres de pele morena, as serenatas suaves,
E todo o azul veneziano a escorrer azul no céu!


IV
Nesta vila vivia outrora, segundo a crónica,
Uma mulher malvada chamada Verónica;
Todos a temiam e repetiam baixinho
Que se ouviam murmúrios estranhos.

Ao redor de tua morada, e que maus anjos
Viam-se durante a noite para se divertirem.
Eram ruídos sem nome, ignotos ao ouvido,
Qual a voz dum morto que despertar no teu jazigo

Uma evocação; gritos surdos saindo debaixo da terra 
e de rumores distantes, cânticos, gritos, choro, 
barulho de correntes, com gritos horríveis.

 Théophile Gautier - Trad. Eric Ponty

      ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

quarta-feira, agosto 27, 2025

Poemas - Parnasianos Belgas - Trad. Eric Ponty

Aurora

Quando, na luz ardente deste metal.
A procissão das santas Marias avança. 
Usar teus diademas quais de joias. 
Vibrando suave em pedestais alvos:

Para afamar teus peitos perfurados por facas,
Na calçada está repleta de guirlandas de flores 
que exalam o perfume de teus caules murchos 
às Virgens estão de pé, briosas de teus mantos. 

- Assim eu semeava sob passos da Mulher
As rosas de minha vida e os lírios de minha alma: 
Na flora moça e nova de vinte anos a fazer.

Mas a Rainha, do alvorecer e da glória ardente.
Passou pela música asseada da primavera,
Sem respirar o perfume de minha alma pisada!

 Partida

Teus olhos úmidos e azuis celestiais,
Onde dormem um abismo místico. 
Tem a lendária e longa duna suave do Adriático.
Teu céu lânguido a jazer é tão puro. 

Tuas ondas suaves são de tão vagas 
Que eu acho que vejo no azul oceano,
Mirtilos florescendo nas ondas.

Sinto que tua borda amarga
Está cheia de sóis de fadas 
E feitas de climas quiméricos.

E em teu mar profundo de azul,
Minha alma, onde o orgulho expira.
Balança como um belo navio.

Decepção

OS CONVIDADOS, de garfo em punho,
Foram roubados de teus litros,
Assados, tortas, ostras,
E geleia de marmelo.

Gilles, oculto em um canto,
Fazendo caras jocosas.
Convidados, com garfos em punho,
Viram-se os litros serem roubados.

Para se enfatizar a decepção,
São Insetos com elytra azul
Atingem as janelas cor-de-rosa,
E tua abelha atenta de bem longe
Quais convocados, com garfo em punho!

PETITE CHAPELLE

A CAMILLE LEMONNIER


Tua glória evoca em mim aqueles navios tempestuosos
Briosos colonizadores com gestos magnéticos
Impelidos pelo infinito das virgens do Atlântico
Aos arquipélagos sapés de lendárias terras distantes.

Eles zarparam naquelas noites magníficas,
Quando o céu ardente de vermelhidão profética
Nos derramaram tuas riquezas místicas
Nos peitos dilatados dos briosos marinheiros.

E os homens do porto, deixados nas praias,
Notavam os mastros afundando quais sonhos,
No brilho do horizonte corado tingido azul;

E teus cérebros escuros, no final de tua idade,
Ainda se lembravam da esplêndida miragem
Daqueles grandes navios negros ao sol.

 PARA EDMOND PICARD
OS TRIBUNAIS

As pessoas já viram homens enérgicos,
Com disfarces imperiais e cheias de vontade,
Falando alto em tua força e majestade
Para despertar do sono as raças letárgicas.

Lançando sílabas mágicas aos ventos do céu,
Tuas palavras, vibrando amargas com caridade,
Cheias de vingança contra o ideal insultado,
Com espadas temíveis e bocais trágicos.

A multidão se lembrou de teus nomes místicos,
E às vezes os lançam em ecos gloriosos
Na aclamação de uma vitória ardente.

O mármore lendário onde vive tua memória
Ergue-se do limiar deslumbrante da história,
E teu gesto indignado lhe abarcar o futuro.

MUNDO DOS MULIEBRIS

 A OСTAVE PIRMEZ


Poetas, vós nunca falastes de tuas mães:
A memória se desvaneceu em teu além,
Quando uma única palavra de luz seria aceitável
Para roubar a noite de tuas sombras efêmeras.

E, no entanto, é delas, não de templos amargos,
Que vós recebestes a tua multidão;
E tão perto de tuas almas o carregaram
Que tirastes delas a precisão de quimeras.

O odor espiritual e suave de teus seios,
Os ares que elas cantavam no cravo
Impregnou tua carne com melancolia delas.

Vós respirais em teus olhos exaustos,
Nesta vibração de teus lábios pálidos,
O gosto da tristeza e a sede de beijos.

 OS COMEDORES DE TERRA

 PARA GEORGES EEKHOUD


Numa época de léliards e cabeças abertas,
Quando Flandres, ao convidado de trágicos campanários,
Afogava soberbamente príncipes e reis
Neste rio de sangue dos épicos rubros;

Antes de correr para os amplos armamentos,
E para se salvar dos terrores supremos,
Os flamengos abraçaram, sob o gesto da cruz,
Esta terra à qual dedicam tuas espadas.

- Ó meu robusto poeta! Ó peito cheio de caído!
Silente afundado em teu trabalho,
Guardando o peito flamengo duma massa adúltera,

Nunca reli teus livros sem ver,
Em qual espelho cruel e majestoso,
O beijo heroico desses comedores de terra.

Albert GIRAUD - Trad. Eric Ponty

  

      ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

domingo, agosto 24, 2025

Poésies apocryphes - Charles Baudelaire - Trad. Eric Ponty

 

La ballade du noyé

Está no fundo, bem no fundo do rio,
Que minha carcaça, que por fim viúva
De tua alma, em silêncio, jaz ao profundo,
Ao pé de um novo píer, que por meio,
Ao fundo está agora se decompondo.
Que no meio coberto dessa lama,

Fenda em todas direções pela turfa,
Meio de larvas, vermes fedorentos,
Às vezes abraçado pela curva
De que duma enguia com anéis viscosos
Teus inúmeros grupos se reúnem
Em minhas entranhas, que eles vasculham
Tais com esses movimentos alegres.

E de que muitas vezes um sapo
Olha pra mim com teus grandes olhos.
Na água verde, a perca passa nadando
Com a gorda tenca rosa tão rubra
E que a carpa de barriga prateada;
O lúcio ganancioso, que nessa trilha,
Que seguindo o assustado gudgeon.

Que por meio desse vidro profundo,
Lembro-me da comida loira frita
E o vinho azul do céu que eu bebia
De quando eu ainda estava nesse mundo
E com uma mulher que eu então amava.

Texte communiqué sans indication d’origine
 A l’amphithéâtre

S
obre a pedra fria, em que ela se acha está nua;
Grandes olhos amarelejados jazem abertos.
Com a tua carne está lívida com tons verdes,
Pois teu corpo é velho e a mulher jaz cheira mal.

Tampe o nariz, mas admire: ela ainda é linda e podre,
Em uma postura desavergonhada e louca,
Esperando para se levantar, teu último amante.

Ela vai provar algumas carícias tristes,
E se consumar esse amor tão sombrio,
Ela se manteve no pesado delírio,
Do encanto doentio de antigas intoxicações.

Meu repentino desgosto por beijos frios,
Agora sei tua terrível origem jovem:
Não era ela um cadáver e do qual jaz um verme
Em nossos dolorosos amores de outrora?

- Procure, Carabin, nervos, barriga, cérebro.
E só tirarem ossos, cortar essa carne.
Para conhecer a bela; não temamos 
nem o sangue corrompido nem os vermes.

Quando não somos nada além de uma massa disforme,
As partes dispersas de um cadáver jazem mole,
Tal qual velho cão morto, para ela dormir.
Nós a jogaremos em um grande buraco.

Le Figaro, 8 janvier 1869. « Paris au jour le jour », publié par Francis Magnard, à qui cette piècen avait été communiquée par M. Marius Roux, comme « détachée d’un ensemble qui porte ce titre général ; les Vieilles plaies »
 
 Le chien mort

N
ós dois jazíamos no jardim onde a alto cresce
A violeta junto à água,
E, mãos dadas, minguado banco coberto musgo.
Observávamos o riacho límpido.

Pois as águas cantantes fluíam resplandecentes
Sob os raios que desse grande sol dourado...
Em um leito de líquen, entre as flores brilhantes
Diante de nós estavam com um cachorro morto.

Os besouros de esterco azuis e moscas verdes
Que se enxameavam sobre a massa viscosa;
Os olhos estavam roídos, entranhas abertas,
Do qual essa barriga escorria escancarada;

Desse sangue coagulou no pelo do animal.
Que se fizeram coagulou em pedaços pretos;
E do cheiro da morte subiu às nossas cabeças,
Se fazendo penetrando, acre, em nossos cérebros...

Botei meu braço em volta de sua amada cintura,
Tão flexível dos tais quais os juncos,
E tua cabeça perfumada inclinou pra mim
Inundando-me desses teus cabelos loiros:

E contemple", eu disse, "para esta carcaça.
Tal qual neste cachorro morto liquefeito.
Um mundo inteiro vive, continua e continua
Que então multicolorido e variado!

Nessas cavidades ocas, entre essas presas 
fétidas, vejam, na primavera radiante,
Desse encontro amoroso de porcas gulosas
E gorgulhos negros e azuis refletir teu céu!
 
La Liberté, 15 février 1872. — Il ressort d’un article : Hier et demain, Un effacé volontaire, paru k la Lanterne sans signature le 20 avril 1883 que le Chien Mort est un pastiche d’Amédée Cloux. L’auleur raconte notamment : « L’éditeur Pincebourde, — un nom prédestiné — qui était en train de faire une édition de Beaudelaire (sic), y comprit pieusement le Chien Mort, et ce ne fut que sur l’aveu même de Cloux, lequel eut pitié de lui, qu’il le fit disparaître. »

Soneto
A la Morgue, ce 2 mai 1864.

Ó Jovem de cabelo negro e rosto altivo,
Por que, por teu próprio anseio, nos braços da morte,
Nesta vil barraca de carnificina humana,
Se deitaste tão cedo, tão poderoso e tão forte?

Então quebraste essa corrente do trabalho?
Tu caíste nesse feitiço desse destino?
Não. Pois corpo, então, retorcido pelo ódio amargo,
Teria mantido a curva de teu esforço supremo.

Hoje teu corpo está flexível, ele sorri, descansa.
Eu ouço, sob a enchente negra, - é amor perdido
Que reencontrou. Nestes lábios semicerrados.

Beijo de uma mulher morta fez com brilhos rosados
E o leito nupcial que lhe foi devolvido enfim,
É a laje onde o sangue ferido apodrece!
 
L’Evénement, 28 avril 1866, publié dans un article de Georges Maillard, paru sous la rubrique : Hier, aujourd’hui, demain 
 Charles Baudelaire - Trad. Eric Ponty

     ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

+ Poemas Postumos de Charles Baudelaire - Trad. Eric Ponty

 

 Outro Monselet Piallard
Versos destinados ao seu retrato.


Chamam-me então de gatinho;
Pequenas senhoras modernas,
Junto com as vossas doçuras 
A força de um jovem paxá.

Candura da abóbada azul
Está concentrada em meu olhar;
Se querem ver-me desolado,
Leitoras, mordam-me na bunda!
 
Nouveau Parnasse salyrique du XIXe siècle, 2e édit. (Bruxelles, 1881). Ce portrait est ainsi intitulé, dans ce recueil, parce qu’il y succède à trois autres pièces sur Monselet.
 
Soneto

Quando dos teus olhos se tornam sensuais,
Os teus olhos negros vivas pantera enlevada,
Na tua carne gorda, tão quente e saborosa.
Eu dou beijos furiosos com toda tua força.

Sou tomado rotina escura e misteriosa
Que outrora transportou dessa lânguida Grécia,
Quando ela contemplou, terra três vezes feliz,
A união sagrada de homens com esses deuses.

Então, em meu peito ardente, acho que seguro firme
Um terrível ídolo de sangue inalterado,
Pra quem longos soluços moribundos são doces.

E eu sinto, em meio a desses espasmos frenéticos,
A envenenar-se atroz velhos faquires hindus,
Os êxtases eternos do fanático Brahms.

Les frères Lionnet, souvenirs et anecdotes, Paris, 1888. 

Sur l’album de Madame Emile Chevalet.
 
No meio da multidão, vagando, tão confuso,
Guardando preciosas lembranças de outrora,
Buscam o eco de tuas vozes perturbadas.
Tristes quais a noite, duas pombas perdidas
Chamando duma à outra nessa floresta.

Eu vivo, tecido em teu buquê é arquitetura:
Então ele é a beleza, porque eu sou a natureza;
Se a natureza sempre embeleza a beleza,
Eu elogio suas flores... Estou mui lisonjeado.
 
Collection Gustave Kahn. Ce quatrain est écrit de la main de Baudelaire au bas d’un billet à lui évidemment adressé, et non signé, dont voici le texte : Mardi 3 novembre. « Vous m’avez envoyé des vers sans papillon, permettez-moi de vous offrir des fleurs sans vers, et pour me prouver que mon goût a su comprendre le vôtre, mettez-les ce soir à votre boutonnière. « Car toujours la nature embellit la beauté. »

Charles Baudelaire - Trad. Eric Ponty
 
    ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

sábado, agosto 23, 2025

Quanto a mim, se alegasse um belo parque finca - Charles Beaudelaire - Trad. Eric Ponty

Le Monde illustré, 2 décembre 1871, sous ce titre. Sonnet inédit de Charles Beaudelaire (sic), et la signature Charles Beaudelaire.

 


Quanto a mim, se alegasse um belo parque finca,
Se, pra abrigar a minha alegria da tempestade,
Tinha, tal esse rico, um parque com sombra extensa,
Dédalo perdendo sob montanhas sombrias;

Se eu tivesse bosques, ó rouxinóis receosos,
Ó cisnes, vossos lagos; passagem ferina,
Vaga-lumes que, à noite, aclaram a folhagem;
Prados sob sol forte, pequenos grilos chorosos;

Sei quem amaria de ocultar debaixo folhas,
Com quem agitar relva molhada com teixos,
As pérolas que a noite derrama em teus dedos.

Com quem respirar com os aromas dos rios,
Ou dormir ao meio-dia nas clareiras quentes,
Também sabes disso, belas olhos supino astutos.

Charles Beaudelaire -  Trad. Eric Ponty

    

   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA 

Não tenho como amante - Charles Baudelaire - Trad. Eric Ponty

 

Não tenho como amante uma leoa ilustre.
A escória da minha alma empresta todo teu brilho.
Insensível aos olhares do orbe zombeteiro,
A tua beleza só floresceu no meu íntimo triste.

Para ter sapatos, ela vendeu a tua alma,
Mas o bom Deus riria se, perto dessa infame,
Eu cortava tartufo e imitava a tua altura,
Eu, que vendo meu anexins e quero ser autor.

Falha mui mais grave é que ela usa peruca.
Todos belos velos pretos desviar tua nuca alva,
O que não impede os beijos apaixonados,
Chova sobre a testa mais calva dum leproso.

Ela está a piscar olhos, causa olhar alheio,
São sombreia cílios negros mais longos dum anjo,
São tais todos olhos, pelos quais nós somos réus,
Não valem nada pra mim olhos judeus e olheiras.

Ela tem só vinte anos; garganta, já baixa,
Pendurado em cada lado, qual uma cabaça,
No entanto, perder todas noites sobre o teu corpo,
Qual um recém-nascido, eu a chupo e lhe mordo.

E ainda mui vezes não tenha nem mesmo moeda pra dar
Para esfregar a carne e ungir todos os ombros,
Eu lambo-a em silêncio, e, com mais fervor,
Madalena em chamas dois pés do Salvador.

A pobre criatura, ofegante de prazer,
Com soluços roucos e do peito inchado,
E eu adivinho, pelo som do teu hálito brutal,
Que ela muitas vezes comeu o pão do hospital.

Os bons olhos inquietos, durante a noite cruel,
Creem ver outros dois olhos fundo do beco,
Pois, têm cavar supino peito a todos beiravam,
Ela tem medo do escuro e crê em fantasmas.

O que faz com que ela use mais dos livros
velho sábio, aleitado eterno sobre teus tomos,
E tem mui menos medo fome e dos tormentos
Que o advento dos teus amantes falecidos.

Se a acharem, inexplicável vestida,
Moscar-se, na esquina de uma rua perdida,
E com cabeça e olhos baixos, qual pombo ferido,
Perder pelos riachos com um salto solto,

Srs., não digam palavrões nem obscenidades.
No rosto pintado dessa pobre impura
Que a deusa Fome, numa noite de inverno,
Obrigada a levantar as saias ao ar livre.

Vida boêmia é tudo pra mim, é a minha falta,
Minha pérola, minha joia, rainha, duquesa,
Aquela me embalou no teu colo vencedor,
E com tuas duas mãos aqueceu o meu peito.
 Charles Baudelaire -  Trad. Eric Ponty
 
  
   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

Poemas Postumos de Charles Baudelaire - Trad. Eric Ponty

 

Incompatibilité

Lá no alto, lá no alto, longe da estrada segura,
Quintas, vales, mui além dessas colinas,
Além das florestas, que desses tapetes verdes,
Longe finais relvados pisados por rebanhos,

Deparamos um lago escuro inserido ao abismo
Que formam alguns picos desolado e esfriados;
A água, noite e dia, dorme ali em repouso sublime,
E nunca interrompe a tua calma tempestuosa.

Neste deserto sombrio, com ouvidos incertos
Às vezes, ouvem-se ruídos fracos e adiados,
E ecos mais mortos do que o sino distante
Duma vaca pastar nas encostas dos vales.

Nestes cerros onde o ar destrói todos sinais,
Essas geleiras faiscantes acesas no sol,
Nestas rochas altivas onde espreita a vertigem,
Neste lago onde a noite ajuíza o teu tom corado,

Sob meus pés, sobre a meu crânio e por toda a parte, 
O silêncio que nos faz querer já fugir,
O silêncio do eterno e da montanha imensa,
Porque o ar está hirto e tudo parece sonhar.

Parece que o céu, nesta solidão do azul,
Contempla-se na onda, e que aquele cerro, ali,
Ouçam, reclusos, com tua atitude séria,
Um mistério divino que o homem não compreende.

E quando por acaso dum enxame errante
Escurece em teu voo o lago silencioso,
Pinta que se vê o vestido ou a sombra diáfana.
Dum peito que viaja e passa pelos céus.
[1837-1838. ]

À M. Antony Bruno

Vós tem, companheiro cujo peito é poeta,
Passando por alguma aldeia toda enfeitada, toda rubra,
Quando o céu e a terra têm dum ar festivo,
Um domingo aceso por um sol jaz alegre;

Quando sino igreja abre a tocar, cantar bem alto,
E mantém a aldeia esperta desde de manhã,
Quando todos se preparam para entoar o ofício,
Partem, jovens e velhos, em fones pimpados;

Então, montar no fundo da tua alma mundana,
Tons de órgão jaz moribundo e sinos distantes
Não lhe carpiram anseio, apesar de si mesmo?

Devoção pelos campos, alegre e sincera,
Não lhe trouxe ela, triste e doce noção,
Lembra-se que antiga gostava dos domingos?
[1840.]
Charles Baudelaire - Trad. Eric Ponty 


  
   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

Sonata ao Luar - Yannis Ritsos - Trad. Eric Ponty

 

Noite de primavera. Sala ampla de uma casa antiga. Uma mulher de meia-idade vestida de preto conversa com um jovem. Não acenderam as luzes. A luz da lua entra impiedosa pelas duas janelas. Esqueci de dizer que a mulher de preto publicou duas ou três coletâneas de poesia com temas religiosos. Então, a mulher de preto conversa com o jovem.

Deixa-me ir contigo. Que lua linda esta noite!
A lua está boa – não mostra os meus
cabelos grisalhos A lua tornará os meus cabelos graçapés antes
Não notará a contenda
Deixa-me ir contigo
Quando a lua nasce, as sombras na casa ficam mais longas.
braços invisíveis puxam as cortinas
um dedo invisível escreve palavras olvidadas no pó
ao piano – Não quero ouvir. Fica em silêncio.
Deixa-me ir contigo
descendo o caminho até acerca da fábrica de tijolos
até o ponto onde a estrada faz uma curva e a cidade
parece arejado, embora feito de cimento caiado pela luz da lua
tão indiferente e sem carne
tão positivo, além da carne
que, afinal, podes crer que existes e que não existes
que nunca exististe naquela ocasião e a tua devastação
nunca existiu
Deixa-me ir contigo
Vamos sentar-nos na saliência da colina por um tempo.
e enquanto a brisa da primavera sopra sobre nós
podemos imaginar que vamos voar porque
muitas vezes, mesmo agora, ouço o meu vestido a farfalhar
como o som de duas asas poderosas a baterem
e quando te envolves neste som de voar
sente firmeza no pescoço, nas costelas, na pele
e assim inabalavelmente botado nos músculos do vento azul
dentro dos nervos vigorosos da altura
não importa se vai embora ou volta
e não importa que o teu cabelo tenha ficado grisalho
(isso não é a minha tristeza – a minha tristeza
é que o meu coração não ficou alvo)
Deixa-me ir contigo
Eu sei que todos marcham para amar sozinhos
sozinho para a glória e para a morte
Eu sei, já tentei. Não adianta.
Deixa-me ir contigo
Esta casa está assombrada, ela me repele –
Quero dizer, envelheceu tanto que as unhas caem.
as imagens caem feitas para se imergissem no oco
os pedaços de estuque caem silente
qual um chapéu do morto fora do cabide
no corredor escuro
tal qual a luva de lã gasta do silêncio cai dela
de joelhos
ou um raio de luar incide sobre a velha poltrona acabada
Outrora, até isso era novidade – não a imagem 
que se tinha de um homem de 70 anos, mas sim o fato de
olhar com tanta descrença –
Quero dizer, a poltrona é tão achegada que dá vontade de
ficar sentado durante horas
e com os olhos fechados sonhando com qualquer coisa
– Uma praia de areia fina, molhada e polida pela lua
mais polidos do que os meus velhos sapatos de couro que todos
mês que eu engraxo para sapatas na loja de sapatos da esquina
ou a vela de um barco de pesca que ofuscar-se no horizonte sacudido
por si próprio
vela triangular qual um lenço dobrado em ângulo apenas duas vezes
qual se não tivesse nada para cobrir ou guardar
ou para acenar com a flâmula içada, qual se fosse uma despedida. Sempre tive uma
fixação com lenços
não servem para guardar nada preso
quais sementes de flores ou camomila colhidas nos campos
ao pôr do sol
ou dar quatro nós, como os trabalhadores da fábrica de bonés
no canteiro de obras oposto
ou para limpar os olhos – mantive a minha visão em boas condições
Nunca usei óculos. Apenas uma sujeição por lenços.
Agora eu os dobro em quatro, em oito, em dezesseis
para manter os dedos ocupados E agora eu me lembro
era assim que eu mantinha o ritmo na música há muito tempo, em
Escola de música com uniforme azul e colar alvo com
duas tranças loiras – oito, dezesseis, trinta e dois, sessenta e quatro
apanhado pela mão de um pequeno pessegueiro, um amigo meu
cheio de luz e flores rosadas
(perdoe-me por estas palavras – mau hábito) – 32 – 64 – e
a minha família tinha
tantas esperanças no meu talento musical então, eu estava a dizer-te
sobre a poltrona –
estripado – as molas enferrujadas estão visíveis a palha –
Pensei em levá-lo à loja de móveis ao lado.
mas quem tem tempo, dinheiro e vontade – o que pode fazer?
Consertar primeiro? – Pensei em botar um lençol encima, mas tive medo.
da folha alva ao luar aqui sentava-se
pessoas que sonharam grandes sonhos como tu e como eu
e agora repousam sob a terra sem serem irresolutos por
chuva ou lua
Deixa-me ir contigo
Vamos parar um pouco no topo da escadaria de mármore.
de São Nicolau
depois vais seguir pela estrada e eu volto
tendo ao meu lado esquerdo o calor do teu casaco
por acaso
e até algumas luzes enquadradas das pequenas janelas do bairro
e este vapor alvo tal neve da lua que se assemelha a um grande
procissão de cisnes prateados –
e não tenho medo dessa expressão porque durante
muitas noites de primavera conversei com Deus, que apareceu para mim
vestido com a névoa e a glória do luar como este
e sacrifiquei-Lhe muitos jovens ainda mais formosos do que tu.
assim, alvo e inatingível, tornei-me vapor na minha chama alva
na brancura do luar
incendiado pelos olhos avaros dos homens e pela hesitação
êxtase dos efebos
cercado por corpos airosos e brônzeos
membros possantes adestrados em natação, remo e ginástica
e futebol (embora eu fingisse que não percebia)
testa, lábios e pescoço, joelhos, dedos e olhos
peito, braços e coxas (e, verdadeiro, eu nem reparei neles)
– Sabe, às vezes, quando admiramos alguém, olvidamos o que espantamos
teu entusiasmo é suficiente –
Meu Deus, que olhos recheados de estrelas e eu ergui numa apoteose
de estrelas negadas
porque estava sitiado por fora e por dentro
Eu não tinha outra passagem a não ser subir ou descer.
– Não, não é satisfatório
Deixa-me ir contigo
Sei que é tarde. Deixa-me entrar.
porque durante tantos anos, dia e noite e meio-dia roxo
Eu jazi ermo, firme, acirrado e casto.
ainda na minha cama matrimonial, casta e tênia
anotando versos gloriosos nos joelhos de Deus
versos que, garanto-lhe, jazerão gravados
mármore irreprochável
além da minha vida e da tua vida, muito mais além não é satisfatório
Deixa-me ir contigo
Esta casa já não me comporta mais
Não consigo suportar carregar isso nas costas.
tem de ter sempre muito apurado
para apoiar a parede com o grande aparador
para apoiar o buffet com a mesa gravada muito antiga
para apoiar a mesa com as cadeiras
apoiar as cadeiras com os braços
deitar o ombro debaixo da viga suspensa
E o piano é qual um caixão preto fechado não se atreve a abri-lo
Tem de ter sempre muito zelo para que não caiam, para que você
não vou cair não aguento mais
Deixa-me ir contigo
Esta casa, apesar de todos os teus mortos, não pretende morrer.
Insiste em viver com os teus mortos
continuar a viver dos teus mortos
viver com a certeza da tua morte
e cuidar dos teus mortos em camas decrépitas
e prateleiras
Deixa-me ir contigo
Aqui, não importa o quão suavemente eu ande na névoa do crepúsculo
seja com chinelos ou descalço
algo vai ranger – uma janela racha ou um espelho
ouvem-se passos – não são os meus
Talvez esses passos não sejam ouvidos lá fora, na rua.
o arrependimento que dizem usar sapatos de madeira
e se olhares neste ou no outro espelho
por trás da poeira e das rachas
verá o teu rosto ainda mais nuvioso e fragmentado
o teu rosto que, acima de tudo, querias manter limpo
e indivisível
A borda do copo de água brilha ao luar.
Tal qual uma lâmina circular – como posso levá-la aos meus lábios?
Quando tenho tanta sede – como posso levá-la? – Entende?
Ainda estou com vontade de fazer alegorias – isto ficou-me na cabeça.
isso ainda me garante que não estou ausente
Deixa-me ir contigo
Às vezes, quando chega à noite, sinto uma emoção
que lá fora, pela janela, passa o domador de ursos com
a tua velha e pesada ursa
o cabelo cheio de espinhos e cardos
criando poeira na rua do bairro
uma nuvem tênia de poeira que se chega qual incenso ao pôr do sol
e as crianças voltam para casa para jantar e
não podem mais sair
embora por trás das paredes adivinhem o velho
passos de urso –
e a ursa cansada marcha na sabedoria da tua solidão
sem saber onde nem porque –
ficou pesada e não arruma mais dançar nas patas traseiras
não pode assentar o teu chapéu de renda para entreter as crianças
os inertes ou aqueles que são abstrusos de agradar
e a única coisa que ela quer é deitar-se no chão
deixando-os pisar na tua barriga, brincando com ela
último jogo
mostrando a teu formidável poder de resignação
a indisciplina aos empenhos dos outros os anéis nos teus lábios
as precisões dos teus dentes
a tua desobediência à dor e à vida
com a tua certa aliança com a morte – mesmo que fosse uma morte lenta –
tua desobediência final à morte com a continuação
e conhecimento da vida
que ascende com sabedoria e ação acima da tua escravidão
Mas quem consegue jogar esse jogo até o fim?
E o urso levanta-se além disso e marcha
correspondendo à tua coleira, ela range os dentes
sorridente com os lábios rasgados pela pequena mudança que as belas
crianças inocentes atiram-lhe
(formosos justamente porque são castos)
e dizer obrigado porque os ursos que envelheceram têm o que
aprendeu a dizer apenas uma coisa: obrigado, obrigado
Deixa-me ir contigo
Esta casa sufoca-me. Sobretudo a cozinha, que dá
fundo do mar as cafeteiras penduradas brilham
quais olhos redondos e grandes de peixes requintados
as placas movem-se lenta qual medusas
algas e conchas prendem-se no meu cabelo – não consigo soltar-me
eles mais
Não consigo voltar ao plano –
o prato cai das minhas mãos sem fazer barulho – eu desabo
e vejo bolhas do meu hálito a subir
e a acrescer
e tento divertir-me a observá-los
e pergunto-me o que diria alguém que estivesse lá em cima ao ver
estas bolhas
talvez alguém se tenha afogado ou que um mergulhador esteja a explorar o
fundo do mar?
E, no fato, não foram poucas as vezes que descobri isso.
os cernes do afogo
corais, pérolas e tesouros de navios naufragados
embates e eventos bruscos de ontem, hoje e amanhã
uma inquirição quase eterna
um certo alívio, um certo sorriso de imortalidade, como dizem
uma certa prosperidade, uma euforia, até mesmo algum ânimo
corais, pérolas e safiras
só que não sei como dar – não – eu dou
só que não sei se eles podem recebê-los – de qualquer forma, eu entrego-lhes
Deixa-me ir contigo
Só um momento, deixe-me pegar o meu casaco.
Nestes dias manhosos, temos de cuidar de nós mesmos.
Há humidade na noite e a lua
Não achas que isso torna o ambiente mais frio?
Deixa-me abotoar a tua camisa – que forte é o teu peito –
quão forte é a lua – a poltrona, digo eu – e quando levanto a chávena
da tabela
um buraco de silêncio fica para trás e já assento a palma da mão sobre ele
por isso não olho para dentro – deixo o copo no lugar dele
e a lua é um buraco no crânio do mundo – não olhes para dentro
tem um poder magnético que te atrai – não olhes
nenhum convosco olhe
Deixe-me dizer-lhe: vai apaixonar-se. Esta vertigem é
formosa é arejada – vais cair –
a lua é um poço de água de mármore
sombras e asas mudas agitam vozes místicas – não ouves?
ouve-os?
Queda profunda
profundo-profundo a ascensão
a estátua arejada firme nas tuas asas abertas
profunda, funda, a bondade déspota da calma –
ilustrações trémulas da outra margem enquanto oscila
na tua própria onda
sopro do oceano esta vertigem
é lindo e arejado – cuidado, você vai cair não olhe para mim
o meu papel está a vacilar – a vertigem requintada desta forma
todas as noites
Tenho uma pequena dor de cabeça e um pouco de tontura.
Muitas vezes corro até a botica do outro lado da rua para comprar aspirina.
outras vezes sinto-me inerte e fico com a minha dor de cabeça
e ouço dentro das paredes o som oco da água a correr
pelas tubagens
ou faço um café e fico sempre distraído
Olvidar e preparo dois – quem vai beber o outro? –
É faceto mesmo e deixo arrefecer na borda.
ou outras vezes bebo a segunda chávena olhando pela janela
na luz verde da botica
qual luz verde de um trem silente que vem para me levar
com os meus lenços, os meus sapatos gastos, a minha bolsa preta
os meus poemas
sem nenhuma mala – o que se pode fazer com eles?
Deixa-me ir contigo
Ah, estás a sair? Boa noite. Não, não vou contigo. Boa noite.
Vou sair daqui a pouco. Obrigado. Porque, afinal, tenho que ir.
Sair desta casa em ruínas
Gostaria de ir ver um pouco da urbe – não, não a lua –
a urbe com as tuas mãos calejadas a urbe de um dia de trabalho
a urbe que faz uma promissão sobre o teu pão e o teu punho
a urbe que suporta todos nós nas tuas costas
com a nossa pequenez, a nossa malícia, a nossa animosidade
com os nossos anseios, a nossa estupidez e a nossa vetustade –
ouvir os passos pesados da urbe
que já não ouço os teus passos
nem os passos de Deus, nem mesmo os meus próprios passos. Boa noite.

A sala escurece. Parece que alguma nuvem ocultou a lua. De repente, qual se uma mão tivesse acrescentado o volume do rádio no bar da vizinhança, ouve-se uma frase musical bem versada. E então compreendo que toda esta cena é acompanhada por uma melodia suave de "Sonata ao Luar", apenas a primeira parte. O jovem possivelmente desce a rua com um sorriso irónico e talvez empático nos lábios caligráficos e com uma sensação de liberdade. Quando chega justamente a Sâo Nicolas, antes de descer as escadas de mármore, ele vai rir – uma risada alta e insopitável. A tua risada não será estimada imprópria sob a lua. Talvez a única coisa inadequada seja o fato de não ser imprópria. Em pouco tempo, o jovem ficará em silêncio, ficará sério e dirá: «O declínio de uma era». Assim, inteiramente calmo mais uma vez, ele desabotoará a camisa do mesmo modo e seguirá o teu caminho. Quanto à Mulher de Preto, não sei se ela saiu de casa ou não. O luar brilha ao mesmo tempo e, nos cantos da sala, as sombras ficam tensas por um pesar insuportável, quase raiva, não tanto pela vida, mas pela confidência inútil. Você ouve? O rádio continua tocando.

 Yannis Ritsos - Trad. Eric Ponty
 
   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

sexta-feira, agosto 22, 2025

Safo - Charles Baudelaire - Trad. Eric Ponty

 

 «Antes que o Constitutionnel imprima a famosa tragédia de Safo na sua Bibliothèque choisie, entregamos à avidez dos nossos leitores alguns fragmentos desta obra notável, onde brilham o esplendor e o vigor da escola moderna, unidos (sic) às graças coquetas e encantadoras de Marivaux e Crébillon filho.

Aqui estão alguns versos destacados de uma cena de amor entre Fauno e a famosa lesbiana.

Sim, Faão, eu mui amo-te; e, eu quando te percorro,
Estou a perder a sensação, que na força e a voz.
Sofro no dia inteiro pela que tua ausência,
Mal que não se checa à alegria da vossa presença;
De atitude que, ao apropinquar-se vossa à noite,
A causa da minha alegria e do meu desespero,
A minha alma compensa-os, que sob tuas laurzeiras
Sufoca o elecampane e as ansiedades sombrias.

Agora, Faão, o tímido pastor, assusta-se com essa paixão que, no entanto, está pronto para partilhar.

Bela mulher, entre os girosos prestes medrar,
Respirei o calor do nosso amanhecer morno.
Fazer cócegas na altivez dum pastor tal mim,
Teu amor não deixa de me causar algum receio.

À parte a reserva, talvez demasiado romântica, deste último alexandrino, não se pode ignorar uma grande firmeza de toque e uma sobriedade de forma que lembram felizmente a fatura de Lucrécia. Mas, continua Faão,

E feito que nas tuas canções apaixonadas
Exala um forte perfume tuberosas ricas,
Eu temo — eu, de cujo peito ainda é novo.
De não poder escoltar teu sublime voo;
Eu abro mão, dessa pobre d´alma adolescente,
Ao fogo deste amor terrível e ameaçador.

Agora é a vez de Sapho expressar, com palavras eloquentes, as suas dúvidas e preocupações:

Para gostar de zagais, é breve ser pastora?
Por ter respirado a atmosfera traiçoeira
Das tuas tristes urbes, Lesbos corruptora,
Débito, então, ceder aos favores de Anteros?
E agora que sou duma conquista tão indigna
Que deste jovem pastor, doce e alvo qual um cisne?

O autor certamente nos perdoará estas breves citações, que não prejudicam o interesse que a sua obra inspira e que são suficientemente interessantes para atrair a atenção e a simpatia do público.

[1845.]
Charles Baudelaire - Trad. Eric Ponty
 
   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

Tristan und Isolde - Gottfried von Straßburg - Trad. Eric Ponty

Se não se lembrasse das coisas boas
do homem que pratica o bem,
tudo seria como se não tivesse existido,
o que se faz de bom pelo mundo.
O homem nobre, o que ele é para o mundo
fazer o bem com boas intenções –
quem não quer aqui nada além de
Quem vê o bem, age mal.
Ouvi dizer que muitas vezes é criticado,
o que é de saudar:
Há demasiadas fraquezas –
o homem muitas vezes faz o que não quer.
Deveria ser assim: que se elogie,
aquilo que se gosta de fazer;
aceita-se com prazer,
o que continua a agradar.
Caro, querido é para mim o homem,
que distingue: bom e mau,
que me e a todos os outros homens
avaliado pelo seu verdadeiro valor.
A arte é promovida pelo agrado e pelo elogio,
na medida em que a arte merece elogios;
onde recebe os louros da glória,
A arte floresce em todos os ramos.
Vamos começar com uma obra,
que não é elogiado nem compensado;
No entanto, uma obra ganha prestígio
que fazer jus a precisamente elogios e louvor.
Não é costume em muitos lugares
que consideram o bem como mau,
o mal como bem?
Eles não promovem, eles impedem!
Julgamento clemente, certa arte –
juntos, eles iluminam-se;
mas a inveja instala-se,
escurecem a arte e o poder de ponderação.
Ha, conclusão: as pontes estreitas
para ti, as passagens são difíceis!
Mas quem te busca nas passarelas, nas passagens
Estimado, obtido, que seja abençoado!
A perder tempo,
apesar de estar na idade madura –
Eu não ficaria neste mundo assim.
estender-se como eu estou.
Eu escolhi para mim o mundo altivo
agora um trabalho foi realizado;
ela diz aos corações nobres –
aos corações que amo lealmente,
o mundo no meu coração.
Não me refiro ao mundo em geral,
de quem me deixam contar,
que ela não consegue suportar o sofrimento
e só quer se divertir –
Deixa-os viver em alegria...
Esse mundo e essa vida
a minha narrativa torna-se incómoda –
A sua vida é diferente da minha!
Penso em pessoas total diferentes,
cujos corações envolvem isto:
o seu doce amargor, a sua bela dor,
a alegria do seu peito, a sua dor amorosa,
e uma vida bela, morte difícil,
a morte bela e a vida difícil.
É essa vida que quero viver,
Este mundo jaze aberto para mim,
Eu estou de pé, caio apenas com ela.
Eu vivi com ela até agora,
passei o meu tempo com ela,
que são tão enormes na minha vida (tão tirânicos!)
Acompanhar, dar instruções.
A este mundo entrego a minha obra
Agora vamos ao entretenimento;
Com o que estou a contar, quero
aliviar um pouco o que é
A dor é algo que os aflige muito,
quer diminuir a sua amargura com isso.
Pois, quando se fixa o olhar em algo,
aquilo que ocupa a mente,
afasta a tristeza,
é benéfico para as dores no peito.
Neste ponto, todos concordam:
Onde uma pessoa, no ócio,
pesar as angústias do amor,
lá, o ócio acresce os tormentos do amor;
À dor do amor, ainda a ociosidade,
Aí só cresce a dor do amor!
E assim, recomenda-se: quem tem o coração
cheio de dor no coração, amargura amorosa,
que ele reúna a sua atenção nisso,
Buscar emprego;
logo a sua mente se acalma –
algo que faz bem ao espírito...
No entanto, desaconselho vivamente
que uma pessoa que quer amor
A dispersão busca, de certa forma,
que é ruim para o amor puro.
Quem ama realmente,
dedica-se, de coração e boca,
com a história de um amor,
Aproveite para se deliciar.
É muito comum a opinião de que
que eu adoraria partilhar:
Quanto mais um coração amoroso
se entrega ao amor contado,
quanto mais ele é embaraçado...
Eu concordei com essa opinião,
Mas há um ponto que me impede:
Onde o amor vem do interior,
o coração não se separa dela,
mesmo que isso lhe cause muita dor no peito.
Anseio que vem do interior:
quanto mais forte, mais forte arde
no calor da sua paixão,
quanto mais ardente é o amor!
Este sofrimento é tão cheio de prosperidade,
essa miséria faz tão bem ao coração,
que um coração nobre consegue superar –
Isso torna tudo ainda mais corajoso.
Tenho a certeza de que
Concluo isso pela minha experiência:
O homem nobre qual amante
aprecia histórias de amor.
Bem, quem busca histórias de amor,
Ele chegou ao seu destino:
Quero contar-lhe da maneira mais bela crível
por pessoas nobres no amor,
que revelaram o amor puro:
o amante, a amante,
o homem a mulher, a mulher o homem,
Tristão e Isolda, Isolda e Tristão...
Eu sei muito bem que muitos
contado por Tristan e lido por
mas quase ninguém falou sobre ele
contado, lido, o que é verdade.
Eu fingi, é claro,
e pronunciei o meu veredito:
Que nenhuma das versões
quer agradar o romance,
Eu estaria a agir de forma errada.
Eu não faço isso. Você tem um belo
contada e com nobreza,
para mim e para o mundo.
Sim, a intenção dela era boa;
o que se faz com boas intenções,
Isso é bom, foi bem-feito.
Mas quando eu disse que não
contaram, leram, o que também é verdade,
Então, o que eu digo é verdade:
eles não se limitaram a transmitir,
que segue o Thomas da Britânia;
como grande conhecedor da matéria
estudou livros britânicos
sobre currículos de pessoas admiráveis
e publicou isto para nós.
A versão autêntica,
que ele nos dá de Tristão,
busquei com atenção
em livros nas duas línguas:
em latim e em romanche,
e fiz todos os esforços para
isto, segundo a tradição correta,
traduzir perfeitamente.
Realizei estudos penetrados,
até que por fim li num livro
A versão apronta pode ser achada em
que Thomas deu à matéria.
O que aprendi lá sobre a história
que lia sobre o amor, a paixão,
Eu boto isso, por minha própria aspiração,
a todos os corações nobres;
eles podem se ocupar dela:
será útil para os leitores.
«Útil? ...» Extremamente útil, sim:
ela torna o amor amoroso e nobre
a mente, ela fortalece o que é leal,
dá à vida o seu valor mais elevado!
Quem lê, quem se deixa contar histórias
de uma lealdade tão grande,
isso será, na sua própria fidelidade,
A lealdade é uma virtude, assim como outras.
Amor, lealdade e constância,
Honra, outros valores elevados –
isso não está escrito em lado nenhum
tão importante e tão querido como lá,
onde se fala de amor sincero
e lamenta a amargura amorosa.
O amor é uma sorte tão grande,
são uma comiseração tão gratificante,
que sem essa ideia atraente ninguém
Excelência e fama conquistados.
Onde o amor acresce o valor da vida,
onde tanta nobreza dela surge –
Ah, que nem tudo o que existe
busca apenas o amor sincero,
que embate tão poucas pessoas
que têm um desejo puro no peito
querer sentir o amado –
apenas por causa daquela grande dor,
que acidental oculto no fundo do coração.
Por que uma mente nobre suporta
não gosto de sofrer por mil alegrias,
Não trocarias uma dor por muita prosperidade?
Quem nunca sofreu por amor,
a quem o amor nunca concedeu prosperidade.
Prosperidade e amargura, sempre ficaram presentes
Inseparáveis no amor.
É preciso ter em conta estes dois fatores.
Ganhar elogios, alcançar uma posição elevada –
ou fracassar sem elas.
De cujo amor agora se conta:
eles teriam em um só peito
para Freud não é amargura, 
para a prosperidade do peito
não sentir a dor da paixão –
o seu nome, a sua destreza, eles teriam
a tantos corações nobres
A prosperidade transmite amor.
Ainda hoje gostamos muito de ouvir
Sim, sempre com prazer.
do seu amor sincero e fiel,
de glória e miséria, prosperidade e amargura.
Embora já estejam mortos há tanto tempo –
O seu nome doce sobreviveu-a.
Que a morte lhes tenha sido benéfica.
viver muito tempo, para sempre,
A todos os que desejarem,
dar amor e honra;
A sua morte é para nós, vivos,
no futuro, sempre uma nova vida.
Onde ainda hoje se recita
do seu grande amor, lealdade,
da alegria do coração, da dor do peito:

 Gottfried von Straßburg - Trad. Eric Ponty

  

   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA 

Yannis Ritsos - Resenha Biografica - Trad. Eric Ponty

 

UMA DAS ESTRELAS MAIS BRILHANTES da constelação da poesia helénica moderna, Yannis Ritsos, com a sua imponente e interminável bibliografia, é sem dúvida uma das estrelas mais brilhantes da constelação da poesia mundial, destacando-se acima de tudo como um revolucionário incansável. A sua obra está profundamente enraizada na psique do heleno moderno, bem como na psique dos seus inúmeros fãs em todo o mundo, que o consideram o poeta contemporâneo mais bem-sucedido, celebrado, lido e traduzido; As vozes de Loui Aragorn, Pablo Neruda e inúmeros críticos literários modernos, juntamente com os versos musicados pelo mais célebre compositor helénico, Mikis Theodorakis, elevaram e promoveram Yannis Ritsos a um dos poetas mais influentes da sua geração, ao mesmo nível dos vencedores do Prémio Nobel, George Seferis e Odysseus Elytis. Na verdade, alguns críticos e poetas modernos, consideram-no o melhor. Este homem dedicou a maior parte dos seus primeiros anos criativos a escrever poesia pela causa da esquerda, na qual permaneceu um verdadeiro crente, mas também manteve durante toda a sua vida um ponto de vista idealista, repleto de uma visão metafísica. esses dois lados da sua personalidade equilibravam-se devido ao grande amor do poeta pelo ser humano e aos seus profundos valores humanísticos. Ele nunca se afastou dessas duas posições, embora estivesse sempre aberto à mudança, à renovação à recalibração e sempre que se deparava com algo novo que o tocava de uma forma incomparável, conseguia sempre adotar o novo elemento, mantendo-se fiel à sua personalidade psicoespiritual dual original. E aceitava sempre tudo à sua volta, enquanto no fundo da sua psique lutava sempre para alcançar um equilíbrio na sua vida, equilíbrio esse que se reflete em toda a sua poesia. A tua primeira e última palavra foram ditas por Eros e pela revolução. Todo o teu silêncio foi preenchido pela poesia, escreveu ele no seu último volume de poemas, Late, Late in the Night. Estas três linhas representavam o santo Yannis Ritsos e, ao mesmo tempo, representavam o seu caráter rebelde. O tema destas linhas, o homem revolucionário, com o qual ele se identificava, é quem define estes dois parâmetros, Eros e Revolução, como seus faróis mais importantes. 
Os círculos poéticos estabelecidos de Atenas enfrentaram o recém-chegado Yannis Ritsos com certo medo e apreensão. Certamente ele se tornou alvo dos críticos literários de sua época, que o enfrentaram com suas visões irracionais e estereotipadas, que constituíam seu eixo central e se opunham à posição idealista e política que o novo poeta assumiu em seus primeiros passos. Sua enorme produção poética também foi outro obstáculo para os críticos contemporâneos, além da posição política do poeta, cujo imenso volume de trabalho sublinha o fato de que, por ser comunista, os seus escritos foram rejeitados quase em grupo. Como acontece volta e meia com qualquer recém-chegado, e isso também se vê nas obras de George Seferis e Odysseus Elytis, que também foram rejeitados quando apareceram pela primeira vez na comunidade poética de Atenas, Yannis Ritsos não teve melhor sorte. Os seus primeiros livros, Tractor e Pyramids, foram rejeitados por quase todos, incluindo as pessoas de esquerda. Um dos principais intervenientes nos círculos poéticos de Atenas daquela época era Karantonis, editor da revista literária New Letters, que, apesar de ter notado tantos brilhos nas obras do jovem poeta, ainda lutava com o conceito da persuasão política de Yannis Ritsos e rejeitou-o totalmente; só mais tarde, quando Sonata da Lua Cheia, de Ritsos, foi publicado e rendeu a Yannis Ritsos o Prémio Nacional de Poesia, Karantonis começou a aceitá-lo, ainda que com relutância. 

No entanto, apesar da rejeição inicial, Karantonis conseguiu discernir certa beleza nos primeiros livros de Ritsos, por exemplo, The Morning Star, no qual descobriu muita ternura, uma ternura paterna que transparecia na disposição musical dos versos. Karagiannis também considerou a Sonata ao Luar de Ritsos como o ponto de virada entre as primeiras obras de Ritsos e o poeta renovado, atormentado mormente com a condição humana, em vez da causa da esquerda para a qual tinha escrito até então, e avaliou-o como um poeta talentoso e um dos mais graciosos da nova era da poesia.

Os seus críticos, em geral, encontraram duas questões diferentes relacionadas com o seu trabalho: a sua enorme produção poética, o seu volume infinito de obras e a sua associação ao comunismo. Ambas as questões tornavam o seu trabalho desagradável aos olhos dos críticos literários, que sabiam que todos os leitores tinham de ultrapassar estas duas dificuldades antes de poderem apreciar os versos do poeta recém-chegado. No entanto, será que eram realmente tão difíceis de abordar ao ponto de tornar-se a obra de Ritsos intocável? De forma alguma, já que bastava pegar um livro de cada vez e, depois de estudá-lo por um tempo, passar para o livro seguinte, estabelecendo assim uma visão poética da obra do autor. Quanto à filiação de Ritsos ao comunismo, ele foi amplamente incompreendido porque Yannis Ritsos não acreditava realmente que um governo comunista fosse a solução para todos os problemas enfrentados pela sociedade, especialmente quando até mesmo o líder do comunismo, Lenin, chegou a dizer (parafraseando o texto apenas para dar ao leitor uma ideia geral da frase) que eles lutavam para estabelecer um equilíbrio entre o capital que explorava o trabalhador e o trabalhador que merecia a oportunidade de progredir como resultado do seu trabalho diário. Mas quando a Revolução Russa ocorreu com sucesso, eles perceberam que a única diferença entre o primeiro cenário e o novo era que o capital (patrão) tinha mudado, nada mais, nada menos, já que o Estado se tornou o patrão. Vendo por essa ótica, podemos argumentar que Ritsos só se importava com o benefício do trabalhador oprimido e explorado e que ele hipotetizou que a sociedade poderia ser mais bem servida se certos serviços fossem controlados pelo Estado, em vez das regras sociais livres. Só voltando os olhos para os EUA, onde 45 milhões de cidadãos não têm qualquer serviço médico simplesmente porque não podem pagar, é possível compreender que a visão de Ritsos de uma sociedade melhor e mais justa, na qual o proletariado tem mais oportunidades, era válida e justificada, o que não o tornaria um comunista, mas sim um socialista.

Portanto, os críticos literários, questionando-se como um poeta de aceitação tão ecuménica, de tanta graça e talento, de tão imensa criatividade e capacidade de escrever versos que transcendem o tempo e o espaço, poderia ser inspirado pelo comunismo, que é a estrutura básica da sua obra, chegaram à conclusão de que deviam abster-se de referir tal inspiração, tiveram de abandonar a ideia de falar sobre as ligações de Ritsos ao comunismo e decidiram esconder essa ligação debaixo do tapete e concentrar-se apenas na sua colossal produção poética como razão para julgar negativamente a sua obra. De fato, as suas intermináveis horas dedicadas à poesia e a sua abundância de coleções poéticas eram verdadeiramente impressionantes para todos nos círculos poéticos. No entanto, a poesia para Ritsos não era uma condição fortuita, Ritsos simplesmente não conseguia viver sem escrever poesia; como a sua filha Eri salientou com precisão, a poesia era a respiração de Ritsos, a sua verdadeira existência, a poesia mantinha-o vivo, tal como a respiração mantém as pessoas vivas; a poesia para ele não era apenas uma questão de inspiração, epifania ou refúgio, pelo contrário, era a sua dedicação pessoal ao mundo, a sua canção devocional para os ouvidos de toda a humanidade, a sua forma idiomática de se conectar com todos e cada um, em todo o mundo, uma vez que a sua obra falava deles, das pessoas, exaltava as suas lutas, as suas dores, as suas alegrias, as suas conquistas, os seus objetivos e aspirações. Assim era a poesia para Yannis Ritsos, e ele produzia-a como se estivesse a falar com todos, todos os dias da sua vida, como se só conseguisse pensar e falar em versos, com imagens, com representações geradas na sua mente e metastizadas em imagens nos seus poemas.

Outro ponto importante criado pela sua constante produção poética diária é a relação entre o trabalhador e o seu trabalho. Ritsos, como qualquer membro do proletariado que dia após dia usa a sua força física para dar a sua contribuição diária à sociedade no campo que escolheu, e como o carpinteiro que propôs trabalhar com madeira para cooperar, Ritsos usa os seus versos para colaborar também para a sociedade e, ao fazê-lo, transcende o esforço muscular para o eterno. Ele lembra-nos os génios musicais Bach e Mozart a trabalhar, ou Picasso a pintar, que dia após dia persistiam a criar, tal Ritsos; ao transcender o esforço diário para uma concentração e expressão pneumáticas, ele provou que o trabalho manual não difere em nada do mental. Sem dúvida, Ritsos foi um poeta prolífico; trabalhava realmente cerca de 5 a 6 horas por dia e, se considerarmos que a sua mente mergulhava na poesia durante a maior parte do resto do seu tempo em estado de vigília, e se considerarmos a época em que viveu, a Segunda Guerra Mundial com os seus resultados devastadores para tantos países, incluindo a Grécia, com a guerra civil que colocou irmão contra irmão e pai contra filho, a Guerra Fria que dividiu os helenos em dois campos que lutaram impiedosamente entre si, o exílio e os encalços durante os anos da Junta, ele poderia ter escrito muito mais, tinha inúmeras razões, imagens e experiências que tinha de colocar no papel com o resultado esperado: a sua imensa produção poética.

Yannis Ritsos pensava em imagens poéticas, escrevia imagens poéticas, vivia a sua vida por meio dos seus versos e, como tal, possivelmente queria escrever muito mais. Por isso, é considerado um poeta lacónico que se debruçava muito sobre o silêncio. Há muitas palavras-conceito que ele repete em muitos lugares da sua poesia, palavras como vermelho, janela, escadas, corredor, silêncio, passado glorioso, beleza antiga e outras. A palavra mais adequada neste momento é a palavra silêncio, que, como muitos dos seus críticos notaram, aparece tenazmente como uma corrente subterrânea que flui invisível, apenas para reaparecer um pouco mais adiante. Todos os grandes criadores da história sempre tentaram dar à sua obra uma visão única e holística do mundo, vendo-o pelo meio de uma lente geral que capta tudo, uma lente que não deixa ninguém para trás, ninguém fora do seu campo de visão. Os verdadeiros e importantes criadores ao longo da história oferecem, por meio da sua arte, uma perspectiva completa do mundo, um olhar holístico atravessadamente do qual reposicionam e restabelecem a experiência humana. Por outras palavras, não existe nenhuma criação artística séria e pneumática sem uma identidade ideológica firme. Marx, Beethoven, Goethe, Rimbaud não são simples ocorrências na história da criatividade, eles constituem uma compreensão sistémica da realidade devido aos seus olhares visuais diáfanos. E este é o caso do grande Yannis Ritsos, que realmente viu o mundo por meio de uma lente holística e inclusiva, por meio da qual anulou ideologias, comunismo, proletariado e tudo o mais e, portanto, transcendeu todas as escravidões, todas as âncoras que prendem as pessoas pelos tornozelos, como sublinhar.

Yannis Ritsos não tenta apenas mudar o mundo com a sua poesia, mas também muda a forma como a poesia é escrita; ele é um farol especial que ilumina os anais da Poesia Helénica Moderna, talvez até mesmo os anais da poesia mundial, como um acontecimento especial de um homem que se veste como um trabalhador da poesia, que se declara o proletariado da poesia, cujo traje é o do homem pobre que não só escreve poesia para o proletariado, mas também faz parte desse mesmo proletariado. A sua obra volumosa ergue-se como uma antítese ao grande mito do capitalismo, contra o mito da opressão e da exploração contra o qual Yannis Ritsos constrói o seu muro intransponível, decorado com slogans sobre liberdade e justiça social. Ritsos teve um início muito interessante quando apareceu pela primeira vez nas letras helénicas modernas, devido à sua experiência e à forma estranha como foi aceite e rotulado pelos seus contemporâneos. Ele foi verdadeiramente marcado com o código de barras do comunismo e, como tal, foi demonizado pela maioria dos críticos literários e poetas, enquanto, ao mesmo tempo, a sua obra era vista com desconfiança e admiração. No entanto, este novo poeta não escrevia apenas versos pela causa da esquerda, mas concentrava-se na questão mais importante que a vida moderna apresentava diante dos seus olhos: a injustiça social, a exploração aceitável dos pobres pelos ricos e poderosos, a luta do trabalhador para sobreviver depois de dedicar todos os seus esforços a um emprego, a qualquer emprego, apenas para ganhar um pedaço de pão para a sua família, em outras palavras, todas as tendências malignas do capitalismo que se espalharam pela Grécia e, por isso, ele considerava a melhoria da vida do povo sua prioridade máxima. Para aliviar a luta diária do povo, ajudar a promover melhores condições para o proletariado, apresentar uma visão melhor do mundo apenas criando uma base em torno dos trabalhadores, ele ficou ao lado do trabalhador e tentou criar uma civilização do trabalhador.

É claro que isso, visto sob o olhar apressado de uma mentalidade ignorante ou preocupada, ligava-o diretamente ao comunismo, era o rótulo fácil que lhe colocaram na testa e que ele carregou durante todos os anos da sua vida; no entanto, Ritsos era um poeta holístico, deu vida e voz a conceitos até então desconhecidos, reinjetou vida nas aspirações mortas do povo, falou ao coração de todos, mantinha-se em contato com tudo e todos que mereciam uma chance, compreensão, oportunidade e, por tudo isso, Yannis Ritsos foi para o exílio, sofreu males e dificuldades sem precedentes, mas manteve-se de cabeça erguida e continuou a escrever onde quer que estivesse e manteve-se em contato com o mundo à medida que este se desenvolvia e progredia, nunca perdeu de vista a realidade diária, nunca viveu num mundo de sonhos, era um pragmático e amante da realidade.
 
Trad. Eric Ponty
 
   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

Retorno - Yannis Ritsos - Trad. Eric Ponty

As estátuas foram as primeiras a partir. 
Um pouco depois, as árvores, as pessoas, os animais. A terra
parecia abandonada. 
Um vento forte soprava. Jornais e espinhos eram levados pelo vento das estradas. Quando a noite chegou, as luzes se acenderam sozinhas.
Um homem voltou sozinho, olhou em volta, tirou a chave e enfiou-a no chão, se a estivesse a confiar a uma mão subterrânea ou se a estivesse a plantar uma árvore. Depois, subiu a escadaria de mármore e olhou para a cidade distante.
 Cuidadosamente, as estátuas também voltaram, uma a uma.
Yannis Ritsos - Trad. Eric Ponty
 
  
   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

quinta-feira, agosto 21, 2025

Livro das Canções - Heinrich Heine - Trad. Eric Ponty

 

 I
Uma vez sonhei com um amor ardente,
De lindos cachos, murta e Resedá,
De lábios doces e palavras amargas,
De canções sombrias, melodias sombrias.
Os sonhos há muito ofuscar-se e se esvaeceram,
A minha ideia de sonho preferida apagar-se!
Só me resta o que é glutenwild
Eu outrora transformei em rimas suaves.
Tu permaneceste, canção órfã! Agora também acender-se,
E busca a imagem do sonho que há muito obscurecer-se,
E manda um oi para ele quando o achares –
À sombra do ar, envio um sopro de ar.

X
Epílogo

Como os talos de trigo no campo,
Assim crescem e ondulam no espírito humano
Os pensamentos.
Mas os pensamentos meigos do amor
São flores divertidas que brotam entre as outras,
Flores vermelhas e azuis.
Flores vermelhas e azuis!
O ceifeiro mal-humorado rejeita-vos quais inúteis,
Os manguais de madeira esmagam-vos com escárnio,
Até mesmo o peregrino sem posses,
A vossa visão deleita e revigora,
Abana a cabeça,
e chama-vos de belas ervas daninhas.
Mas a virgem camponesa,
A trançadora de coroas,
Respeitem-se e colham-se,
E adornem convosco os belos cachos,
E assim, toda enfeitada, ela corre ao salão de baile,
Onde flautas e violinos tocam melódica,
Ou para a faia silenciosa,
Onde a voz do amado soa ainda mais doce
Como assobios e violinos.
Heinrich Heine - Trad. Eric Ponty
  
   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA