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sábado, agosto 04, 2018

O ABUTRE - POR JORGE LUIZ BORGES


Segundo se sabe, Virgílio, ao ponto de falecer, encarregou aos seus amigos que reduzem as cinzas inconclusivo manuscrito da Eneida, no que se cifravam onze anos de nobre e delicado labor; Shakespeare não pensou jamais em reunir em um só volume nas muitas peças de sua obra;

Kafka encomendou a Max Brod que destruísse as novelas e às narrações que que iriam asseguravam sua fama. A afinidade de estes episódios ilustres és, si não me engano, ilusória.

Virgílio não podia ignorar que contava com a piedosa desobediência de seus amigos; Kafka com a de Brod. O caso de Shakespeare é distinto. De Quincey conjetura que a Shakespeare à publicidade consistia na representação e não na impressão; o cenário era importante a ele.

Por demais, o homem que realmente quer à sonegação de seus livros não encarrega essa tarefa a outro. Kafka e Virgílio no desejavam sua destruição; só alhearam desligar-se da responsabilidade que uma obra sempre nos impõe.

Virgílio, creio, obro por rações estéticas; houvera querido modificar tal qual à cadência o tal qual epíteto. Mais complexo é o, me parece, o caso de Kafka.

Caberia definir seu labor como uma parábola o uma série de parábolas, cujo tema é a relação moral do indivíduo com a divindade e com sua incompreensível universo. Apesar de seu ambiente contemporâneo, está menos cerca do que se há dado chamar literatura moderna que do Livro de Job.

Pressupõe una consciência religiosa e ante todo judia; sua imitação formal em outros contextos carece de sentido. Kafka percebia sua obra como um ato de fé e não queria que esta desalentara aos homens. Por tal ração encarregou a seu amigo na sua destruição.
JORGE LUIZ BORGES
TRAD. ERIC PONTY


SONETO DE W, SHAKESPARE -


Que foste era mesmo! Sendo fez ti.
Nos longos instantes te aguardaram,
Outra vez sinto fim confiaria cá,
Suave semblante a outro lugar surgir.

Deveria àquela graça ao aluguel,
Não tenhas por fim onde tu estavas,
Tu mesmo após à morte enfim teu,
Quão causa, forma doce devo sofrer.

Quem pode tanto casa cair residência,
Criação em honra poderia defender,
Contra as lufas temporais dia invernal.
Á Raiva estéril do frio eternal morte?

Ninguém, mas sem ater! Meu amor, tu sabes,
Tu tivesses um pai deixa que ele te fale.
TRAD. ERIC PONTY

segunda-feira, julho 23, 2018


35 E respondendo, Jesus dizia enquanto ensinava no templo: “Como dizem os escribas que o Cristo é filho de Davi? 36 O próprio Davi afirmou, inspirado pelo espírito santo:

                                               Disse o Senhor ao meu Senhor:
                                               ‘Senta-te à minha direita,
                                               até que ponha os teus inimigos 
                                               debaixo dos teus pés’.

Evangelho segundo Marcos



"Nada supérfluo pode legitimamente pertencer a nós, enquanto outros passam necessidades."

Jean-Paul Marat

domingo, julho 22, 2018

O CAVALEIRO DE BRONZE -(PRÓLOGO) Aleksandr Serguieyevich Pushkin

PRÓLOGO



Nas costas das desertas ondas nas margens,
Que estão grandiosos desígnios tomados,
Se olhava ele, abismar-se fazia o distante.
Ante seus olhares se inchava o rio
Por ele que um pobre esquife viajava.
Haver aqui e ali choupanas miseráveis,
Abrigo despojados finlandeses,
Cobriam-se dos ribeiros pantanosos,
E bosques ignorados por os raios,
Dum sol sempre ocultar entre a neve,
Por onde quer ressoavam por estes lados.

E ELE então pensou consigo:

«Desde aqui infundirei pavor ao sueco,
E encherei os cimentos duma cidade,
Para irritar a esse vizinho altivo.
Aqui ordenara-nos Natureza
Que abriremos a Europa uma janela,
É firme pontal na costa dos mares,
Aonde por um mar para eles novo,
Chegaram barcos de todas as bandeiras,
Para tratos e festas a porfia.»

Um século transcorreu, e uma urbe nova,
Do Setentrião à glória e o assombro,
Se levantou soberba e suntuosa,
Do obscuro do bosque e a marisma.
Onde os pescadores finlandeses,
Da Natureza infaustos filhos da natura,
Desde o baixo e solitário oceano,
As ignotas águas arrolhavam
Suas decrépitas redes, hoje em dia,
Pelos ribeiros cheios de azáfama,
Esbeltos edifícios se vislumbram,
E algazarres e torres; desde todos
Os pontos das Terrestres, multidões
Dos navios se dirigem nessas molas.

Agora a Neve se veste de granito;
Cruzaram águas pontes incontáveis,
Se cobrem com as ilhotas de jardins,
Verde obscuro. E inclina à cabeça
Ante da jovem capital tão antiga
Moscou, como ante nova soberana,
Viúva real de púrpura vestida.

Te amo, criação de Pedro, amo teu aspecto
Severo ao num tempo cheio de acordo,
Na corrente do Neva majestoso
Dentre seus parapeitos de granito,
Ao arabesco de teus férreos bares,
Do transparente ocaso de tuas noites,
Cujo fulgor sem lua está me embeleza,
Quando estou em meu quarto escrevendo,
Relendo sem lâmpadas, e as pálidas.

Ruas adormecidas e vazias,
Na áurea agulha do almirantado,
Assim, sem deixar passo nas trevas,
Duma aurora a outra aurora lhe sucede
No doirado céu, até ao tal ponto
Que não durará à noite meia hora.
Amo teu cruel inverno, ao ar de calma,
Na gelada e ao correr das locomotivas,
Sobre a Neva largamente, e a bochecha,
Doncellil, mais purpúreas que a rosa,
À conversa ao brilho, o ruído dos bailes
E, agora das festas de solteiro,

Ao chocar destas copas espumosas
Chama azul dos eliminadores.
Adoro a belicosa animação,
Dos campos de Marte e seus desfiles,
Ao uniforme beleza artificiosa,
Massas dos infantes e cavaleiros,
Nas triunfantes fileiras ondulantes
Das gloriosas bandeiras em farrapos,
E ao esplendor dos bronzeados elmos,
Que na guerra são balas trespassaram.

Amo, cidade marcial, tiros canhões,
E da fumaça de tua Fortaleza,
Quando a Imperatriz do Setentrião,
Deu à luz um filho na casa dos Czares,
Quando celebrar Rússia uma vez mais,
Sua vitória campal sobre ao contrário,
Ou quando, atrás romper ao fim o céu,
Lhe arrastra ao Neva ao mar, e barruntando
Dias de primavera, se alvoroçava.

Resplandece por sempre, urbe de Pedro,
E permanece firme como Rússia!
Que ao líquido elemento derrotado
Também venha a rendição homenagem!
Que se esqueçam as ondas de Finlândia
De seu hostil cativeiro milenar,
E não perturbem com seu vão rancor,
Pedro O Grande o sonho sempiterno!

Sendo abissal aquele dia, e sua memória,
Estando recente em nós, todavia!
Os falarei ocorreu, amigos meus,
Sendo com à tristeza meu relato.



Aleksandr Serguieyevich Pushkin

sexta-feira, julho 20, 2018

O Fanfarro - Charles Baudelaire -

Enquanto a ela, que está cada dia mais gorda; se havendo convertido numa beleza grossa, limpa, lustrosa e astuta, tendo dito uma sorte de ser uma cortesã elegante. Um destes dias comungará próximo à Pascoa e entregará ao pão bendito em sua paróquia. Nessa época estará morto antes de haver concluído sua obra, Samuel este definitivamente «mesquinho embaixo da lousa de sua tumba», como costumava a disser em seus bons tempos, o Fanfarro, com seus ares de cânone, o que transtornará à cabeça de algum jovem herdeiro.

Contudo tanto, estudou a convidar aos meninos ao mundo; acabou de parir felizmente a dois gêmeos. Samuel haverá haver dado à luz quatro livros de ciência: um livro sobre os quatro evangelistas, outro sobre um tal simbolismo das cores, um de memória sobre um novo código de anúncios, e um quarto cujo título nem eu mesmo ousarei recordar. O mais espantoso deste último é que está cheio de eloquência, energia e indiscrições. Samuel teve o desplante de colocar-se duma epígrafe: Auri sacra fames! O Fanfarro quer que sua amante ingresse num Instituto, e está fazendo intriga pôr todo ministério à que lhe deem à cruz de Honra há qualquer custo.

Tão pobre cantor das Osíris! Tão Pobre Manuela de Monteverde! Que está numa tal baixaria que há de ter descaído! Me zelei ultimamente de que teria fundado um jornaleco socialista e que queria dedicar-se à política. Como ela pode ter uma inteligência desonesta! Como já haveria me alertado o honesto monsieur Nisard!




CHARLES BAUDELAIRE

O Mal Monge - Charle Baudelaire

Sobre teus altos muros, os claustros tão velhos,
Expunham em teus quadros à desta santa Verdade,
Em cuja impressão, encadeava às piedosas entranhas,
E já tremendo frio em tua vera austeridade.

Naquele tempo, quando crescia vulto do Cristo,
Mais dum ilustre monge, hoje já pouco citado,
Tomando por talher deste campo funerário,
Glorificavam à Morte com naturalidade.

—Minh ´alma é esta tumba que eu, mal cenobita,
 Desde à eternidade habito em que recorro;
 Nada embelece os muros deste claustro odioso.

Ô monge folgadão! Porque arranjarei inventar,
E com que vivo vista de minha triste miséria,
À obra de minhas mãos e amor de meus olhos?



Charles Baudelaire

quinta-feira, julho 19, 2018

O MONUMENTO TRABALHADOR

I
Lâminas lavradas trabalhador, 
Amontoados nessa cova poeirenta 
Onde há muito jaz zelo ao relento 
Dormindo instrução que faz sombria,

Retratos dos quais a grandeza vós clamais,
E o cabedal de um velho trabalhador,
Conquanto dores na matéria vivia,
Comunicaram grandeza vós flamais,

Veem-se, sendo fazem mais repletos
Que são desses fantásticos labores,
Ao escavarem como trabalhadores, 
Escalpelados dogma dos esqueletos.


II

Desses carvões por vós lavrados nos mares, 
Mornos campônios desmoronamentos,
Dum todo desse esforço destes poços,
Ou dos másculos panfletos à verve,

Digais, que missa estranha e alheia,
Nas ralés destes expulsos carneiros,
Ceifais, pastor que fez fazendeiro 
Careceis deixar quinta cheia homília?

Falais que (de um destino tão gracioso 
Espantoso Sol límpido problema!)
Demostrais nem na arena extrema finda
Já vós quereis dormitar nos é abrigado;

E que sol falhar conosco é falsário; 
Que tudo, à sorte até nos traz mente,
Jazer sempre eterno mito montanha,
Quiçá seja imprescindível ir prumo.

Sendo nalgum país incógnito paz,
Escalpelar à terra pá labor livra,
E proclamar uma áspera pá livra,
Com emblema descalço doloroso?
ERIC PONTY

quarta-feira, julho 18, 2018

Elegias Romanas - Johann Wolfgang von Goethe

Os felizes que fomos outrora
Tenhamos de sabê-lo agora por vós!






I

Dizei-me, pedras, diga-nos, ô excelsos palácios!
Uma palavra, silencie! Gênio, não te comoves?
Sim, tudo tem alma entre tuas sacras muralhas,
Eternal Roma! Só para mim silencia tudo.
Ô, quem me sussurrará de qual janela observará
À doce criatura me aliviará ao abrasar-me?
Não pressinto a duma das passagens pôr os que dias atrás dia.
Em ir e vir a sua casa sacrifique o tempo precioso?
Há um contemplo palácios, igrejas, ruinas, colunas,
Como o prudente viajante se prevalecer judicioso.
Porém isto passará instante! Logo será um só templo,
O templo de Amor, ele dará seu amparo ao beato!
Eras assim tudo sim, Roma, apesar disso sem amor
Nem o mundo seria o mundo, nem Roma também não Roma.


Johann Wolfgang von Goethe

O Cristo - Jorge Luiz Borges


O Cristo está cruz. Os pés tocam a terra.
Os três madeiros são de igual altura.
O Cristo no está no meio. Sendo terceiro.
A negra barba pende sobre seu peito.
O rosto não é o rosto das lâminas.
Sendo áspero e judeu. Não o vejo
E seguirei buscam do até o dia,
O Último de meus passos pôr a terra.
O homem quebrantado sofre e cala.
A coroa de espinhos a lástima.
Não o alcança blefando da plebe
Que há visto sua agonia tantas vezes.
O seu ou de outro. Do mesmo.
O Cristo na cruz. Desordenadamente
Pensa no reino que talvez o espera,
Pensa em uma mulher que não foi seu.
Não lhe está dado ver a teologia,
á indecifrável Trinidade, os gnósticos,
as catedrais, a Navajas de Occam,
há púrpura, a mitra, à liturgia,
Sendo conversão de Guthrum pela espada,
Nesta Inquisição, o sangue dos mártires,
às atrozes Cruzadas, Joana de Arc.,
O Vaticano que benzeu os exércitos.
Sabendo que não é um deus e que é um homem
Que padece com o dia. Não lhes importando.
Lhe importa o duro ferro dos cravos.
Não sendo um romano. Não é um grego. Gemendo.
Nos há deixado esplêndidas metáforas
E uma doutrina do perdão que pode,
anular o passado. (Essa sentença
há escreveu um irlandês num cárcere).
A alma busca o fim, apressurada.
Ha obscurecido um pouco. Já sendo o morto.
Anda uma mosca pôr na carne quieta.
De que pode servir-me que aquele homem
havendo sofrido, se eu sofro agora?


 Jorge Luiz Borges

terça-feira, julho 17, 2018

Nostalghia - ERIC PONTY


À Andrei Tarkovsky
«Esta, que é a Profecia verdadeira,
Tão grave, tão discreta, tão elegante,
Disse Tarkovsky, tão alto e tão sincero,
Sempre com vestimenta arrogante,
Se mostra em qualquer ato que se fala,
Quando à sua conversão é importante.

Nunca declina ou serve a gentalha
trovadora, maligna e triunfalmente,
Quem não quer mais ignora menos fala.

Haja outra vera, ansiosa, torpe e velha,
Amiga da sonolenta e mortuária,
Que nem cigarro nem botequim deixa;

Não se alça dos mil há um conto do chão,
À grande amiga de alianças batismos,
E largando de mãos, corta deste cérebro.

ERIC PONTY

segunda-feira, julho 16, 2018

OS PÁSSAROS DE NOSSA SENHORA DO CARMO - ERIC PONTY

Á VILLA BOAS

Abrindo destas nuvens plenos vapores,
fechado nos flancos – deserto de cores,
Passeiam-se no teto afetiva razão;
São muitas suas aves, forçosos desvãos,
Tangíveis na terra, quais plenas das partes
retesam dos planos da imensa vastidões.
São aves, extensas, intensas de fúria,
Tão Meigas excitam, refazem finórias,
Tão leigas aprendem luz do esplendor:
dolosas empinam, domínio contentes!

Doido langor que toa no pico das crentes,
Pendão de rodízios, marmor do condor!
As sebes sozinhas, sem laços, com trilho,
As aves se alçando, abraçando-as ao frio.
Do intenso respiram de aragens das marcas:
Salsugem das serras das tíbias descendem,
Vultosas memórias inglórias lá fendem,
Ao puro herdeiro doído que se jaz ausente.
Domar pascer sebe desdobra-se dolente,
Doído conjuga a morada envolvente
Á Dolosa penhora, das nuvens gentis:
Os tenros montados domáveis afora
Das margens inglórias, que atestam embora,
À Dolência contorno da pomba feliz.

Destoa? – ninguém dobra: seu timbre tão longe,
À margem enfim tão: – de um pouso adiante
Se pretende por perto – repouso cinzel.

A Estátua da inércia pressente do plano
O Estático grito do surdo anteplano
Nestas curvas honestas do dobre gentil.
Atrasos da terra pariu do escrutínio
Nos chãos das estátuas de brusco domínio
Retesam do pleno, que obteve em lição;
Domínios das sebes do céu de esplendor,
Ciosas pertencem no plano do ardor,
Dos domos terrestres finórias função.
Acercam-se a pedra de casto marmóreo,
Do Dorido da forja passagem arbóreo
Ornada do nada com cenas tão grátis:
O justo, das sagas do crivo da serpente
transita marmor, reflui a sebe pressente,
Dormência dos dobres do bronze matriz.
Enquanto das estátuas com Letes vingança,
Inertes contritas da cândida das danças,
Do chão puro tecem furtivas no altar:
As pombas lhe cortaram, os dorsos que atingem,
Marmóreas das dívicias curvas ramagem,
Divina desta fonte tão límpido ar.


A Medusa das lápides marmo pendores,
Cercado de pedras — cobertos destas dores,
volteiam-se com os fardos altiva ilusão;
São muitos seus charmes, nos ânimos fortes,
Temíveis nesta terra, que em densos dos cortes
Espantam-se  nos corvos a imensa fusão.

São rudes, olhares, cobertos de fúria,
com pródigos mordem, já canta finória,
Já meigos se fundem à voz do pastor:
São todas tão tíbias, certeiras serpentes!
Sua marca lá toa na boca dos crentes,
junção de prodígios, de fúria e terror!


Nestas pedras sozinhas, silentes, sem brio,
Os dentes quebrando, lançando sombrio,
No Incenso aspiraram das liras que traz
Os pastores das terras que os fortes precedem,
Os vultosos tributos tão parvos se rendem,
O fardo de tão certeiro suspeito que jaz.


No centro do jardim se estende canteiro,
adornar se aduna o conspícuo carneiro,
Do limbo da penhora, dos lodos mais vis:
Os corpos já inertes praticam na aurora,
E os jovens tão inquietos, que a pétrea penhora,
Derramam-se nos mudos dum coro infeliz.


Também — ninguém diz: do pavor é ignoto,
Seu pétreo não fala: —  do corpo revolto
Precinte por pedra — da sina tão frágil;
Assim lá na terra do extrato mundano
formavam distinto do vil mais humano
As formas perfeitas mais  nobre de ardil.

Acaso desta terra padeceu parceiro,
Nos vãos dos carneiros: — no extenso pinheiro
Assola-se é certeza, que o teve em missão;
Convida dos ventres os vermes roedores,
Silentes se incumbem do acaso das flores,
A Estátua destes apreços honrosa junção.


Conservam cabelos do brio das serpentes,
Entesa-se a pétrea beleza dos crentes,
Adorna-se o ventre com cenas gentis:
A louca, entre os vagos olhares da beira,
nutrir-se da memória, do pétreo matiz.

 
Dos pássaros alentos Carmos senhores,
peleja das torres — dobrados pendores,
desdobram-se sinos mendigos da missão;
São muitos seus dobres, batidas dão fortes,
Tangíveis na serra, que aterram aportes
declaram-se as pombas à imensa ilusão.
São bronzes destes rústicos pertos de glória,
badalos que dobraram, encanta aforrai,
Já nas mágoas se rendem à luz do castor:
São brônzeos sibilinos, parceiros batentes!
Sua carga já coa falas amargas contentes,
À Função dos murmúrios, finória e negror!
Nos dobres caminhos, solventes, sem trilho,
Badalo anulando, traçando no atilho,
Intenso aspiraram das sortes que traz
louvores das serras que os nortes concebem,
passivo murmuro dobrar desprendem,
Á Batida ao badalo do peito detrás.
Poente da terra se esplende morteiro,
Que contorna que aduna o longínquo agueiro,
Do sino sonora, lados mais que cris;
O látego que adestro batida canora
E as pontas tão ferrenhas, contornam melhora,
Perfazem-se em dobro da seiva joliz.


Aterra que da serra feneceu primeiro,
À Razão das serpentes: — pretenso aceiro
consulta-se excerto, conteve em visão;
aragens das nuvens das torres condores,
Silêncio se incumbe do atraso de ardores,
Das serpes cabeça da honrosa Medusa.


Portanto das mulheres com leda vingança,
Afeitas aos ritos da cândida fiança,
Os homens já querem cativa acabar:
As pomas lhes podam, os ventres lhe atingem,
Candentes estupros nos púbis lhe cingem,
Sobrei-lhe ave de mente senil agitar.

Finada? — ninguém quer o candor marnoto,
Sua frágua condiz: — dum harmônico moto
Ferrugem por perto — dum dobre tão grácil;
Também lá na serra do estrato traz dano
Serranos dos instintos do grito germano
Dos dobres que confeitos do forte mandil,


Se conservam cabelos de pedra subúrbio,
Perseu destas agíeis da leveza conúbios,
Adorna-se os pés com aparos tão gráceis:
do elmo, entre os peitos de serpes prevíreis,
nutrir-se terrestres, que passam lentes,
Que levando à cabeça medusa serpentes.

Nestas fontes das águas de acenos das dores,
São Trazidos das margens – abertos de cores,
Passeiam-se nos tetos de cativa visão;
São das alvas suas aves, titânios das sortes,
De tão cálida terra, que imensas com hortes
Se planando nas plantas a crença expansão.
Revoltas, já inteiras, com mentes de fúria,
Já Sedentas empinam, já voaram história,
Já leigas aprendem à luz deste marmor:
São das aves cadentes, matilhas pendentes!
Suas asas já toam alvas sebes das gentes,
Se serão dos portentos, de injúria e clamor!

As aves que tão sozinhas, sem traços, sem rios,
São das asas quebradas, perdendo-as ao cio.
Deste imenso conspiram das pedras carcás
Silentes das terras que as fontes desprendem,
Terrestres limpados das pedras já pendem,
Aos puros das minguas suspeitos que jaz.
No centro desta tábua pretende abutreiro
De onde hora desdobra o silente morteiro
Do sino já que já hora, das torres anis:
As aves já plantadas praticam na aurora,
E o gesto imprecisos, restando-se agora,
Depenam-se entorno da fonte ardidez.

Silentes – tão enfim pasce a sebe nonato,
Que da treva condiz: – de um voo semoto
Desprende por tão perto – dum voo senil;
Portanto neste pétreo se criva no plano
São formatos instintos da paz de sulano
Os laços perfeitos dobre bronze do ardil.
Acasos desta terra também agoireiro.

Nos chãos terrestres: – paradas aguaceiro
Sustenta deste teto, reteve adesão;
Revidam-se das margens aguados açores,
Ciosas se incumbem do plano destas flores,
Dos cântaros já prestos que dá honora junção.
Acercam-se da chuva na casta nogueira,
Entesa-se nesta horta da embira faceira,
Contornam com às folhas de verdes cantis:
Tão justos, entre as asas do voo candeia
trespassam a madeira, que a selva ideia,
Os charmosos das asas de páreo petiz.
Entrando-se dos alvores com lida da lança,
Se refeitas ao pétreo da cândida trança,
As aves que já cantam cativas dobrar:
A como elas partem, os voos lhe atingem,
Sustentam nas aragens no plano da margem,
Saltitam nestas fontes de límpido par.


ERIC PONTY

domingo, julho 15, 2018

No. 2. Sagesse - PAUL VERLAINE - TRAD. ERIC PONTY


II

Eu havia penado como Sísifo,
E trabalhado como Hércules,
Contra à carne que se rebela.

Eu havia lutado, havia assestado
Golpes a destroçar montanhas,
E combatido como Aquiles.

Esquivo amigo que me guias,
Tu sabes bem, coragem ímpio,
Se empreendermos estas campanhas,

Se temos descuidado com algo
Nesta guerra esgotante,
Se termos trabalhado bem.

Tudo em vão: ao rude gigante
Por todas partes ao meu esforço
Opunha sua atmosfera de astucia,

E sempre um covarde amparado
Em meus propósitos, que lhe espia
Entregava às chaves da cidade.


Fosse minha sorte má ou boa,
sempre uma parte de meu coração
abriria sua porta a da Górgona.


Sempre o suborno inimigo
Sabia envolver em seu labor
Inclusive à vitória e a honra!


Eu era o vencido a quem assediam,
presto a vender cara seu sangue,
Quando, branca na vestimenta de neve,

Tão bela, com à frente humilde e altiva,
Uma Senhora Vinho, sobre a nuvem
E com um signo afugentou à carne.

Em uma tempestade incógnita
de raiva e gritos inumanos,
E desgarrando sua garganta nua,

O Monstro retomou seus caminhos
Pôr os bosques cheios de amores atrozes,
E a Senhora, juntando às mãos:

«Minha pobre combatente que afundas,
disse, em vão este dilema,
Trégua a vitórias desgraçadas!

«Te chega um socorro divino
De que sou segura mensageira
para tua salvação, ao fim possível».

—«ô minha Senhora cuja voz querida
Alenta a um ferido ansioso
de ver terminar a guerra cruel,

«Vós que haveis em um tom tão doce
Quando me anunciais a boa nova,
minha Senhora, quem sóis?».

—«Eu havia nascido antes de todas causas
E também verei o final de todos
Os efeitos, estrelas e rosas.

«Ao mesmo tempo, boa, sobre vós
homens débeis e pobres mulheres,
Choro. e os encontros loucos.

«Choro sobre vossas tristes almas,
Tendo amor por elas, tendo medo,
por elas, e por seus desejos infames.

«Isto não é que seja felicidade.
Cautela, Alguém a quem amo o disse,
cautela, temor ao que te suborna,

«vigiai, temor do Dia Supremo!
Quem sou, me perguntavas.
Meu nome submete até aos anjos,

«sou o coração da virtude,
sou a alma da sabedoria,
Meu nome incendia o Inferno pertinaz,

«sou a doçura que reconstrói,
Amo a todos e não acuso a nada,
Meu nome, é chão, se chama promessa,

«Sou o único hospede oportuno,
Eu digo ao rei a linguagem verdadeira
Da manhã rosa e da tarde escura.

«Sou à ORAÇÂO, e meu fruto
Sendo teu vicio na derrota aos mais distantes.
Meu requisito: «Tu, sejas prudente».

—«Sim, minha Senhora, e sejas me testemunha».
PAUL VERLAINE
TRAD. ERIC PONTY

sábado, julho 14, 2018

Os Diálogos de carmelitas - Francis Poulenc - TRAD. ERIC PONTY

Os Diálogos de carmelitas (título original em francês, Dialogues des Carmélites) é uma ópera em três atos com música de Francis Poulenc e libreto em francês do próprio compositor e Emmet Lavery, baseado em um texto de Georges Bernanos, quem por sua vez se inspirou em um relato de Gertrud von le Fort. Se estreou no La Scala de Milão em 26 de janeiro de 1957.
Os Diálogos contribuíram na reputação de Poulenc como um compositor especialmente de bela música vocal. Os diálogos estão em grande medida no recitativo, com uma linha melódica que segue estreitamente o texto. As harmonias são suntuosas, com os ocasionais motos arrebatados que são características do estilo de Poulenc. Os profundos sentimentos religiosos de Poulenc são particularmente evidentes no magnífico solo à cappella de Ave Maria no o Ato II, cena II, e à Ave verum corpus no Ato II, cena IV. Durante à cena final da ópera, que têm lugar na Place da Nação, o som distintivo da lâmina da guilhotina descendendo se escuta amiúde sobre à orquestra e o canto das freiras.

RECOLHIMENTO - CHARLES BAUDELAIRE - TRAD. ERIC PONTY


Sê cordata, ó minha Dor, e fica-te mais serena. 
Rezingavas a Tarde; eis que ela vem baixando: 
Sobre os cidadãos um véu de almas se tenciona, 
Alguns causando a desgosto, a paz a outros trazendo.

Enquanto das fatais desta afluência ignóbil, 
Sob o açoite do Delícia, verdugo horrendo, 
Contrições colhe à festança e ávida se punge, 
Dá-me, ó Aflição, mão; vem por aqui, cruzando.

Raspas. Vem ver arcarem se os Anos calhados 
Nas varandas do empíreo, em trajos antiquados; 
Brotar das águas Saudade acolhedora;

O Sol que numa arqueada estertora se aninha, 
Qual difuso sudário a arrojar no Oriente, 
Escuta, ô prezada, a doce Noite vianda.

CHARLES BAUDELAIRE
TRAD. ERIC PONTY

terça-feira, julho 10, 2018

SONETOS -

13

Se fores tu e eu! Porém, aí, amor,
Tu só serás teu tempo então vivas;
Desponte a abandonar esta ilusão
E chega em outras tuas feições finas.

Assim conseguirás que não termine
Esta beleza que detenhas, posto
Que quando o doce ramo te imite
Serás de novo tu, ao que hajas morto.

Tão digna residência não merece
Que um mal tutor a deixe abandonada
Expensas do inverno e suas correntes.

E o frio eterno morte vácua qual tua.
Não derrotarás, pois, amor, há dar-lhe
Ao teu filho o que tu tiveste: um pai.


WILLIAM SHAKESPEARE
TRAD. ERIC PONTY