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sábado, agosto 04, 2018

O ABUTRE - POR JORGE LUIZ BORGES


Segundo se sabe, Virgílio, ao ponto de falecer, encarregou aos seus amigos que reduzem as cinzas inconclusivo manuscrito da Eneida, no que se cifravam onze anos de nobre e delicado labor; Shakespeare não pensou jamais em reunir em um só volume nas muitas peças de sua obra;

Kafka encomendou a Max Brod que destruísse as novelas e às narrações que que iriam asseguravam sua fama. A afinidade de estes episódios ilustres és, si não me engano, ilusória.

Virgílio não podia ignorar que contava com a piedosa desobediência de seus amigos; Kafka com a de Brod. O caso de Shakespeare é distinto. De Quincey conjetura que a Shakespeare à publicidade consistia na representação e não na impressão; o cenário era importante a ele.

Por demais, o homem que realmente quer à sonegação de seus livros não encarrega essa tarefa a outro. Kafka e Virgílio no desejavam sua destruição; só alhearam desligar-se da responsabilidade que uma obra sempre nos impõe.

Virgílio, creio, obro por rações estéticas; houvera querido modificar tal qual à cadência o tal qual epíteto. Mais complexo é o, me parece, o caso de Kafka.

Caberia definir seu labor como uma parábola o uma série de parábolas, cujo tema é a relação moral do indivíduo com a divindade e com sua incompreensível universo. Apesar de seu ambiente contemporâneo, está menos cerca do que se há dado chamar literatura moderna que do Livro de Job.

Pressupõe una consciência religiosa e ante todo judia; sua imitação formal em outros contextos carece de sentido. Kafka percebia sua obra como um ato de fé e não queria que esta desalentara aos homens. Por tal ração encarregou a seu amigo na sua destruição.
JORGE LUIZ BORGES
TRAD. ERIC PONTY


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