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segunda-feira, julho 07, 2025

UMA VISÃO - Thomas Mann - TRAD. ERIC PONTY

Enquanto enrolo mecanicamente um novo cigarro e as partículas marrons caem, com um leve formigamento, sobre o papel branco amarelado da pasta, parece-me improvável que eu ainda esteja acordado. 

À medida que o ar quente e úmido da noite entra pela janela aberta ao meu lado, formando nuvens de fumaça com formas estranhas e levando-as da área da lâmpada com abajur verde para o escuro fosco, tenho certeza de que já estou sonhando. É claro que isso é muito preocupante, pois essa opinião dá rédea solta à imaginação. O encosto da cadeira, atrás de mim, range secretamente, de forma provocadora, fazendo-me sentir um arrepio repentino percorrer todos os meus nervos. Isso me incomoda profundamente em meu estudo dos bizarros sinais de fumaça que vagam ao meu redor, sobre os quais eu já estava quase decidido a escrever um guia. 

Mas agora a tranquilidade foi para o diabo. Movimento intenso em todos os sentidos. Febril, nervoso, insano. Cada som é estridente. Com toda essa confusão, coisas esquecidas vêm à tona. Recordações que outrora ficaram gravadas na visão, e que se repetem de forma estranha, acompanhadas das sensações do passado. Percebo, com interesse, que meu olhar se amplia avidamente ao abranger o local na escuridão. Aquele lugar do qual a luz plástica se destaca cada vez mais claramente. Como ele o absorve! Na verdade, ele apenas o imagina, mas ainda assim está feliz. E ele recebe cada vez mais. Isso significa que ele se entrega cada vez mais, se torna cada vez mais, se transforma cada vez mais... sempre... Mais. Agora, está lá, bem claro, exatamente como naquela época: a imagem, a obra de arte do acaso. Ela surgiu do esquecimento, recriada, moldada e pintada pela imaginação da artista fabulosamente talentosa. 

Não é grande, é pequena. Na verdade, não é um todo, mas está completa, assim como naquela época. No entanto, é infinita e difusa na escuridão, em todas as direções. Um todo. Um mundo. A luz treme nela, e há um clima profundo. Mas nenhum som. Nada penetra o barulho alegre ao redor. 

Provavelmente não agora, mas naquela época. No centro, o damasco resplandece, com suas folhas e flores entrelaçadas, pontiagudas, arredondadas e sinuosas. Sobre elas, transparente e esguio, um cálice de cristal, meio cheio de ouro pálido. Diante dele, uma mão sonhadora estendida. Os dedos repousam frouxamente ao redor da base do cálice. Em um deles, há um aro prateado. Sangrando sobre ele, um rubi. Onde, após a delicada articulação, ele quer se tornar um braço, se confunde com o todo. Um doce enigma. Sonhadora e imóvel, repousa a mão da menina. Apenas onde uma veia azul clara serpenteia suavemente sobre seu branco opaco, pulsa a vida, bate a paixão, lenta e intensamente. E, como se sentisse meu olhar, ela se torna mais rápida, mais selvagem, até se transformar em um espasmo suplicante: "Deixe-me..." Mas pesado e com um prazer cruel, meu olhar se fixa, como naquela época. Fixa-se na mão, na qual pulsa a luta com o amor, a vitória do amor... como naquela época... como naquela época... Lentamente, uma pérola se solta do fundo da taça e flutua para cima. Ao entrar na área iluminada da pedra preciosa, ela brilha em vermelho sangue e desaparece subitamente na superfície. 

Tudo parece desaparecer, por mais que o olhar se esforce para refrescar os contornos suaves. Agora se foi, dissipou-se na escuridão. Respiro fundo, pois percebo que havia esquecido disso. Como naquela época. Quando me recosto, cansado, a dor surge. Mas tenho tanta certeza agora quanto naquela época: você me amava... E é por isso que agora posso chorar.

 Thomas Mann - TRAD. ERIC PONTY

 

  ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA  

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