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sábado, dezembro 14, 2024

I. DO PÔR DE UM SOL ROMÂNTICO - CHARLES BAUDELAIRE - TRAD. ERIC PONTY 70522 Acessos

 


 

Os Faroés - Charles Baudelaire - Trad. Eric Ponty

 

Do vício materno arrastando a mendelismo
E toda a hediondez da fertilidade!
Temos, é verdade, nações corruptas,
Belezas desconhecidas dos povos antigos:

Rostos roídos pelas aftas do coração,
e, por assim dizer, belezas lânguidas;
Mas estas invenções das nossas musas tardias
Nunca evitarão as raças doentes

Prestar uma profunda homenagem à juventude,
- À santa juventude, de ar simples e fronte gentil,
Com olhos claros e límpidos como água corrente,
E que, despreocupada, espalha por tudo

Como o azul do céu, pássaros e flores,
perfumes, as suas canções e o seu doce calor!
Rubens, riacho alheio e jardim ocioso,
Coxim fresca de carne onde o amor não pode estar,

Mas onde a corrente da vida se agita incessante,
como o vento e a água no céu e no mar;
Leonardo sombrio, espelho das profundezas,
O refúgio dos anjos cujo doce sorriso sustenta

O fardo de um mistério na sombra
De pinheiros e glaciares que selam o seu domínio;
Rembrandt, triste hospício de queixas meio ouvidas,
Paredes nuas onde um grande crucifixo pende sozinho,

Onde orações chorosas surgem, exaladas pela sujidade,
perfuradas por um fugaz raio de sol invernal;
E Michelangelo, um desperdício onde figuras
De Cristo e de Hércules se misturam; ali, de pé

Estão poderosos fantasmas que estendem os dedos
E rasgam as suas roupas de sepultura na luz que se desvanece;
A fúria de um boxeador, impudente como um fauno,
“que procura a beleza até na escória humana,

Um coração forte e orgulhoso, preso numa estrutura débil,
Puget, o imperador sombrio de velhos atrasos;
Watteau, este carnaval onde corações famosos
Vagueiam como borboletas num transe brilhante

Cenários frios e vaporosos sob candelabros
Que chovem loucuras brilhantes sobre a dança rodopiante;
Goya, um pesadelo de coisas inauditas -
Um feto cozinhado para as festas de Sabbath das bruxas,

Velhas bruxas nos espelhos, meninas nuas
Puxando as meias apertadas para tentar os demónios;
Delacroix, lago de sangue onde os anjos caídos
Assombram os abetos escuros sob céus sombrios;

Estranhas fanfarras ecoam no bosque sempre verde
E se desvanecem como os suspiros abafados de Weber;
Estas blasfêmias e maldições, estes lamentos
Arrebatamentos e lágrimas, este canto de Te Deum,

São um eco repetido por mil labirintos;
É um ópio divino para os corações mortais!
É um grito repetido por mil sentinelas,
Uma ordem enviada por mil megafones;

É um farol aceso em mil cidadelas,
Um chamado de caçadores perdidos na grande floresta!
Porque é verdadeiramente, Senhor, o melhor testemunho
Que podemos dar da nossa dignidade
Do que esse soluço ardente que rola de idade em idade
E vem morrer no limiar da vossa eternidade!

Charles Baudelaire - Trad. Eric Ponty



quarta-feira, dezembro 11, 2024

Análise da obra “As Flores do Mal”, de Charles Baudelaire - Oliver Harden


Análise da obra “As Flores do Mal”, de Charles Baudelaire


1. Introdução: A Obra que Redefiniu a Poesia Moderna

Publicada pela primeira vez em 1857, As Flores do Mal (Les Fleurs du Mal) é a obra-prima de Charles Baudelaire, uma das figuras centrais do simbolismo e precursor da poesia moderna. Composta por 100 poemas na versão original (posteriormente expandida para 126), a coletânea é um marco literário por sua capacidade de combinar o sublime e o grotesco, o espiritual e o mundano, em uma busca incessante por beleza na decadência.

Baudelaire desafiou os limites morais, estéticos e linguísticos de seu tempo, explorando temas como o tédio existencial (spleen), o pecado, a beleza, a morte e a transcendência. A obra, que causou polêmica em seu lançamento e levou à censura de alguns poemas, continua a ser reverenciada por sua profundidade filosófica, seu lirismo e sua inovação estética.

2. Contexto Histórico e Literário

As Flores do Mal surge no contexto da França do século XIX, uma época marcada pelo avanço do capitalismo, pela industrialização e pelas mudanças sociais e culturais. Baudelaire, vivendo em Paris, foi profundamente influenciado pela transformação urbana liderada pelo barão Haussmann e pelo isolamento emocional resultante do ambiente moderno.

Do ponto de vista literário, a obra marca uma ruptura com o romantismo, que ainda dominava a poesia na época. Enquanto os românticos celebravam a natureza e a pureza emocional, Baudelaire mergulhou na experiência urbana, na dualidade humana e na decadência. Sua poesia também antecipou o simbolismo, influenciando autores como Paul Verlaine, Arthur Rimbaud e Stéphane Mallarmé.

3. Estrutura e Organização da Obra

As Flores do Mal é dividida em seções que organizam o percurso espiritual, emocional e moral do eu lírico:
1. Spleen e Ideal
Esta seção explora o dualismo central da obra: o spleen, um estado de tédio, melancolia e desespero, e o ideal, uma aspiração por transcendência e beleza. O eu lírico oscila entre esses dois polos, representando a luta incessante entre o desejo de elevação e a queda na banalidade.
2. Quadros Parisienses
Aqui, Baudelaire celebra e critica a vida urbana. Ele observa Paris como um lugar simultaneamente belo e corrupto, explorando a alienação do homem moderno.
3. O Vinho
O vinho é visto como uma fuga da realidade e uma tentativa de transcender o sofrimento, mas sua promessa é ilusória e passageira.
4. Flores do Mal
Esta seção aborda temas tabus, como a sexualidade, a morte e o pecado, expondo a beleza inerente até mesmo no que é considerado repulsivo ou proibido.
5. Revolta
Baudelaire confronta a ideia de Deus e a ordem moral, explorando o niilismo e a recusa em aceitar uma visão convencional da divindade.
6. A Morte
A última seção apresenta a morte como a única possibilidade de escape do spleen e a chance de transcendência, mesmo que incerta.

4. Temas Centrais

4.1. O Spleen e o Ideal
O spleen, termo cunhado por Baudelaire, é um estado de apatia, tédio e angústia existencial. Ele representa a condição moderna de desconexão, exacerbada pela vida urbana e pela alienação do homem. O ideal, por outro lado, é o desejo de atingir o sublime e transcender a banalidade da existência. A tensão entre esses dois polos permeia toda a obra, refletindo a dualidade da experiência humana.

4.2. Beleza na Decadência
Baudelaire desafia as concepções tradicionais de beleza, encontrando-a em lugares inesperados: na corrupção, na degradação e no pecado. Ele argumenta que a beleza não é pura, mas nasce da mistura de elementos contraditórios. O poema “Hino à Beleza” encapsula essa visão ao questionar se a beleza é divina ou demoníaca, celebrando sua capacidade de elevar e destruir.

4.3. A Sexualidade e o Pecado
A sexualidade é apresentada como um meio de prazer e destruição. Baudelaire examina o desejo como uma força ambivalente, que simultaneamente une e degrada. O pecado, por sua vez, é visto não como algo a ser evitado, mas como parte intrínseca da condição humana, um tema central em poemas como “O Albatroz” e “Sed Non Satiata.”

4.4. O Conflito entre o Divino e o Profano
A obra é profundamente marcada pela tensão entre o espiritual e o mundano. Baudelaire frequentemente questiona Deus e expressa sua revolta contra as limitações impostas pela religião. No entanto, ele também busca uma conexão transcendente, seja por meio da arte, do amor ou da morte.

4.5. A Morte e a Transcendência
A morte, em As Flores do Mal, é ao mesmo tempo aterrorizante e libertadora. Ela é a única promessa de escape do sofrimento terreno e do spleen, mas sua transcendência é incerta. Baudelaire a aborda como uma inevitabilidade que encerra todas as buscas humanas.

5. Estilo e Inovação Estética

5.1. O Simbolismo e o Subtexto
Baudelaire foi um dos primeiros a usar símbolos complexos para expressar emoções e ideias abstratas. Suas metáforas e imagens vão além do que é explícito, convidando o leitor a explorar camadas mais profundas de significado.

5.2. Musicalidade e Ritmo
A poesia de Baudelaire é marcada por uma musicalidade única, que combina a métrica clássica com um lirismo inovador. Ele cria um ritmo que reflete o estado emocional de seus poemas, ora calmo, ora frenético.

5.3. A Universalidade do Cotidiano
Baudelaire introduz temas do cotidiano na poesia elevada, como a vida urbana, a modernidade e a experiência sensorial, desafiando os limites da alta literatura.

6. Recepção e Impacto

No momento de sua publicação, As Flores do Mal causou escândalo. Seis poemas foram censurados por sua suposta obscenidade, e Baudelaire foi multado pelas autoridades francesas. Contudo, o impacto da obra foi imenso, influenciando gerações de escritores e artistas.

Baudelaire é amplamente reconhecido como o precursor do simbolismo e um dos fundadores da poesia moderna. Sua influência pode ser vista em autores como T. S. Eliot, Marcel Proust e Paul Verlaine, e suas ideias sobre a arte e a modernidade continuam a moldar o pensamento literário e filosófico.

7. Conclusão: A Beleza que Floresce no Mal

As Flores do Mal não é apenas uma coletânea de poemas; é um manifesto da condição humana na modernidade. Baudelaire confronta as contradições de seu tempo – e da própria existência – com uma honestidade brutal e uma sensibilidade estética inigualável.

A obra transcende as fronteiras do bem e do mal, do belo e do feio, para afirmar que a verdadeira arte encontra sua força na tensão entre os opostos. Ao fazê-lo, Baudelaire não apenas redefine a poesia, mas também oferece uma visão profundamente original e atemporal da experiência humana.

Ler As Flores do Mal é um convite para contemplar o sublime na decadência, encontrar luz nas sombras e abraçar a dualidade essencial da vida.

 Oliver Harden Estudou na instituição de ensino UNICAMP seguidores 13 mil no Facebook


 

segunda-feira, novembro 25, 2024

BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. Tradução Éric Ponty.

 

Resenha
BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. Tradução Éric Ponty. São Paulo> Break Media Brasil, 2024.
A partir da primeira edição, de 1857, As flores do mal têm sido objeto de uma série de traduções por inúmeras línguas, dentre elas o Português. Optamos, aqui, pela mera citação da existência delas, em vez da apresentação de um panorama histórico, ainda que sintético, dessas traduções (versões) para a língua portuguesa. Todavia cada tradução evoca as edições anteriores, menos no sentido de tê-las como influência ou juízo de valor, antes pela referência ao exercício da nova tradução. Sem negligenciar o aspecto do mito ou fantasma que rondaria sempre toda tradução – “a traição do tradutor”. Ressaltando, assim, a criação, sobretudo quando se refere à poesia, em que se recorre à criatividade (criação) exigida do tradutor.
Éric Ponty é um poeta, com reconhecimento nacional de sua produção poética, bem como de suas traduções, com extensa publicação em ambas as atividades literárias. Constam de seu currículo traduções de Paul Verlaine, Jorge Luís Borges, Rimbaud, Virgínia Woolf, inclusive outro poema de Baudelaire. O que lhe credencia a essa tradução de As flores do mal, numa edição cuidadosa da Editora Ipê das Letras (Portugal/Brasil), corroborando o prazer e o exercício da leitura, especificamente dessa poética de Baudelaire em língua portuguesa.
Ao contrário de outras traduções, nesta se abre mão de uma reiteração do sistema de rima que imporia ao exercício da tradução a semelhança rítmica do sistema original, elegendo-se a fidelidade ao texto original, em vez da mera literalidade, sem comprometer a fluidez da linguagem, proporcionando ao leitor uma experimentação do texto de Baudelaire ao rigor de sua originalidade, porém, na fluidez peculiar da língua portuguesa. Essa opção garante, pois, ao leitor, mais do que um contato, o estado poético de As flores do mal, sobretudo quanto à abordagem poético-filosófica de temas recorrentes, como a morte, a beleza, a emoção mística e o ardor sensual que distinguem esse texto no âmbito das poéticas modernas. Não há um abandono, uma exclusão do rigor rítmico de Baudelaire, há uma ênfase preferencial pelo estado poético na língua portuguesa.
Entretanto, essa opção leva a nível arriscado a compreensão de algumas passagens, deixando o verso, o poema, por vezes, ilegíveis, podendo ter sido resolvido por uma aplicação mais rigorosa, da própria fluidez da língua portuguesa, que a tradução procura privilegiar, por meio, por exemplo, de maior coesão de certos versos, frases, sentenças, da flexão de alguns verbos à linguagem portuguesa, o que não prejudica a opção da tradução, minimizando as dificuldades de compreensão do potencialmente leitor.
A tradução de Éric Ponty, portanto, tem o mérito de procurar um equilíbrio entre a poética original e sua correspondência na língua portuguesa, numa demonstração de que a tradução de poesia pode ser realizada, até porque a propagada intraduzibilidade poética não se constitui numa inviabilidade das traduções que ocorrem em todas as línguas. E, ao mesmo tempo, sofre os efeitos dos riscos dessa persistência pelo equilíbrio, na medida em que esse rigor preferido põe em risco a compreensão por causa da fluidez na língua portuguesa.
Aliás, ressalta Ivan Junqueira que guardados os riscos, o tradutor, ao se contaminar pela linguagem original, contamina a língua para onde traduz, e da literalidade, que comprometeria o estado poético, é possível traduzir, uma vez que toda tradução implica exatamente nessa persistência pelo regate e equivalência (equilíbrio) criado pelo tradutor entre a língua original e a língua para onde se traduz, preservando-se o estado poético do texto original e a sua equivalência na língua traduzida. Ou seja, a tradição é um exercício que se pode entender , a partir de Silviano Santiago, que se faz entre a flexibilidade e o rigor.

Nilo Silva Lima 


domingo, novembro 24, 2024

AS FLORES DO MAL - CHARLES BAUDELAIRE - TRAD. ERIC PONTY

 Correspondências

No templo da natureza, colunas vivas se erguem
E às vezes produzem palavras confusas; o homem vagueia
Pelas clareiras da floresta de símbolos que observam
Seus passos como os de alguém que eles reconhecem.

Como os longos ecos de longe ressoam
E se misturam em uma unidade escura e profunda,
Vasta como a noite e clara como o meio-dia, assim
Perfumes, sons e cores se correspondem.

Alguns perfumes têm o cheiro fresco da pele das crianças,
Suaves como oboés, verdes como os campos na primavera
- E outros são corrompidos, ricos, triunfantes,

Exalando amplamente como todas as coisas infinitas,
Âmbar gris, almíscar, benjamim e incenso,
Que cantam os êxtases da alma e dos sentidos.

A Musa Doente

Pobre musa, infeliz, o que te atenta esta manhã?
Visões nocturnas assombram os teus olhos encovados,
Loucura e horror, frios e taciturnos,
se revezam em tua face; eu os vejo surgir.

A súcuba verde e o duende rosado
Derramou urnas de medo e amor sobre a tua fronte?
Foste mergulhada pela mão brutal do pesadelo
Para te afogares no lodaçal profundo de Minturno?

O meu desejo seria que, com um aroma de saúde,
O teu coração albergasse pensamentos sempre fortes,
O vosso sangue cristão flui com a tensão rítmica

De sílabas antigas e tons variados,
Onde reina Phoebus, o pai de todas as canções,
E, por sua vez, o senhor das colheitas, o grande Pã.

sexta-feira, novembro 15, 2024

https://www.livrariaipedasletras.com/Flores-do-Mal - eric ponty

https://www.livrariaipedasletras.com/pd-97421c-as-flores-do-mal-eric-ponty.html?ct=2d1499&p=1&s=1

 Fidelidade ao Texto Original

Ponty mostra um esforço consistente em manter a proximidade com o texto original de Baudelaire. Ele preserva muitas das metáforas e imagens vívidas que são características marcantes da poesia de Baudelaire.

Fluência e Naturalidade da Linguagem


Embora Ponty mantenha uma alta fidelidade ao original, ele também adapta a linguagem de forma que soe natural para leitores de língua portuguesa. Ele evita a literalidade extrema, que poderia resultar em uma tradução rígida e artificial. Em vez disso, Ponty opta por uma abordagem que prioriza a fluidez e a acessibilidade, sem perder a complexidade do texto. Ponty escolhe palavras que, embora não sejam traduções diretas, capturam a essência do sentimento de deslocamento e grandiosidade do poeta comparado ao albatroz.

 Preservação do Tom e Estilo


Um dos maiores desafios ao traduzir Baudelaire é preservar o tom sombrio e o estilo decadente que permeiam “Minhas flores do mal”. Ponty demonstra uma sensibilidade notável ao estilo baudelairiano, utilizando uma linguagem que evoca a mesma atmosfera opressiva e melancólica do original.

Conclusão


Eric Ponty consegue realizar uma tradução de “Minhas flores do mal” que respeita a obra original, ao mesmo tempo em que adapta a linguagem para que seja natural e fluida em português. Ele equilibra habilmente a fidelidade ao texto original com a necessidade de manter a fluidez e a acessibilidade, preservando o tom sombrio e decadente que define a poesia de Baudelaire. Esta tradução oferece aos leitores lusófonos uma experiência rica e envolvente, mantendo-se fiel ao espírito da obra original.