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quarta-feira, novembro 26, 2025

SONETOS - Marcel Schwob - TRAD. ERIC PONTY

 Soneto para ele

Quando ris, gosto de ver seus olhos brilharem,
Seus lábios se curvarem em sorrisos graciosos,
O rubro da sua pele, para me provocar ainda mais,
Sorrindo e refletindo covinhas provocantes.

E assim como esses deuses assobiando em suas gaitas,
Que nossos antigos joalheiros gostavam de gravar
Nas paredes de prata das enormes caixas
E com um cinzel de aço finamente cinzelado,

Sorris, abrindo ligeiramente os cantos dos lábios,
Para me mostrar os dentes com expressões melosas,
E franze a pele sob reflexos dourados tão intensos.


Quanto eu daria, ó meu pequeno deus Fauno,
Cujo riso cintila na mornidão do Beaune,
Para rir contigo sozinho, na noite, quando tudo dorme!


SONETO

Tão decaído do paraíso que se enchia de rosas,
O homem se virou pela última vez:
Na barreira branca onde sua voz tremia
Seu dedo, espada de fogo, guarda Seus lábios rosados.

Ele caiu mais baixo que o Inferno, nas neuroses
Onde o coração está pregado ofegante na cruz;
Sua testa, que iluminava a coroa dos reis
Empalidece sob o céu negro das tristezas sombrias.

Pensativo, ele ainda vê um sorriso adorado
Expirar lentamente em Sua boca vermelha,
Fruto proibido que sangra, entreaberto, na treliça.

Do Paraíso, onde flutua um grande halo dourado,
E chora amargamente sua juventude abatida
Aos pés marmóreos da fria estátua.

 Marcel Schwob - TRAD. ERIC PONTY

  

 ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

terça-feira, novembro 25, 2025

VERSAILLES - Outubro 1891. ALBERT SAMAIN

 I

Ó Versalhes, que nesta tarde tão sombria,
Por que tua lembrança me obsessa assim?
O calor do verão se afasta, e eis que
A estação outonal se abaixa sobre nós.

Quero rever, ao longo de um dia tranquilo,
Campos sombrios, cobertos por folhas secas,
E respirar antes, em uma noite dourada e suave,
Tua beleza mais comovente no final do ano.

Aqui estão teixos cônicos e tritões gordos,
Teus jardins mistos onde Luís não vem mais,
E tua pompa exibindo penas e capacetes,

Como um grande lírio, morres, nobre e triste, sem ruído;
E tua onda esgotada na borda mofada das bacias
Escorrem, suaves como um soluço na noite.

II

O Ar livre. Urbanidade dos costumes antigos.
Alta cerimônia. Reverências sem fim.
Créqui, Fronsac, belos nomes intensos qual cetim.
De mãos ducais nas antigas valencianas,

De mãos reais sobre os abetos. Antífonas
Dos bispos diante de Sua Excelência o Delfim.
Gestos de minueto e corações de biscoito fino;
E aquelas graças que se diziam ser austríacas...

Princesas de sangue azul, cuja alma cerimonial,
Durante séculos, na mais pura das castas, macerou.
Grandes senhores de espírito palito. Marquês de Sèvres,

Todo um mundo galante, vivaz, audaz, asseado e são,
Com sua espada afiada em punho e, acima de tudo,
Esse desprezo pela morte, qual uma flor, nos lábios!


III

Meus passos despertaram prestígios perdidos.
Ó psique da velha Saxônia, onde o Passado se reflete...
É aqui que a rainha, ao ouvir Zémire,
Sonhadora, se abanava na mornura das noites.


Visões: cestas, de pó e moscas; e então, leves 
Qual um perfume, bonito tal qual um sorriso,
É esse ar da velha França que tudo respira aqui;
E sempre esse cheiro penetrante de buxo...

Mas o que toma meu peito num abraço infinito,
À luz de uma longa noite durante sua agonia,
É esse Grande Trianon solitário e real,

E sua escadaria deserta, onde o outono, tão suave,
Deixa cair, sonhando, seus cabelos ruivos
Sobre as águas divinamente tristes do grande canal.

IV

O bosque de Vertumno é maltratado pelas Graças.
Essa sombra, que, gemendo de mármore em mármore,
Arrasta-se e se sustenta com um belo braço lânguido,
Ai, é o Gênio em luto pelas raças que já tão antigas.

Ó Palácio, horizonte supremo dos terraços,
Um pouco de sua beleza corre em nosso sangue;
E é isso que lhe confere um acento indescritível,
Quando um pôr do sol sublime cintila seus espelhos!

Glórias que tantos dias foram o seu cenário,
Almas cintilantes sob os lustres. Noites douradas.
Versalhes..., mas já se enferma a noite sombria.

E meu coração de repente se aperta, pois ouço,
Como um ariete sinistro nas muralhas do tempo,
Sempre, o grande ruído surdo de ondas negras na sombra.

Outubro 1891. ALBERT SAMAIN - TRAD. ERIC PONTY

 

     ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

segunda-feira, novembro 24, 2025

CANÇÃO - ALFRED DE MUSSET - TRAD. ERIC PONTY

 Eu disse ao meu coração, ao meu peito fraco: 
Não basta amar a amada? E tu não 
vês que mudar fixo é perder o tempo 
da felicidade em desejos?

Que me respondeu: Não bastas amar a tua amada: 
E não vês que mudar fixo 
tornando-se doces e queridos 
os prazeres tão passados?

Eu disse ao meu coração, ao meu fraco peito: 
Não é aceitável tanta tristeza? E não vês
que mudar fixo 
é deparar dor a cada passo?

Que me respondeu: Não é aceitável, 
Não é suficiente tanta tristeza; 
E não vês que mudar fixo 
Torna doces e valiosas as dores tão passadas?

ALFRED DE MUSSET - TRAD. ERIC PONTY

  

    ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

domingo, novembro 23, 2025

DOIS SONETOS BELGAS - TRAD. ERIC PONTY

 
Sim, é assim mesmo! Eu te conheço muito pouco,
Mas vi o oportuno para sofrer com a ternura;
Pois teu olhar, perfurando minha carne com destreza,
Chegou ao meu peito qual de uma flecha.

Sim! Estou sã enlevado e te confesso isso;
Estou seduzido por essa trança loira
Que, qual de um ofídio dourado, me enviou tua carícia:
Quando te vi um dia com teu traje azul!...

E desde então estou sempre sob tua janela,
E teu peito e teu corpo, eu gostaria de apreciar,
E estendo meus braços para ti quando me deito à noite!

Pois sem ainda tê-la seduzido - eu adivinho,
Assim qual também se adivinha - sem vê-la - o aroma doce
Que paira nas dobras alvas do teu lenço!...

GEORGES RODENBACH.


SENTIDOS DE MAIO


Ao pé dos troncos nodosos dos carvalhos seculares
A sombra dorme, amainada, ofuscar-se passagens
Ou o sol de maio espalha brilhos vivos.

O amor que desperta irrita os pombos
E persegue rindo os tentilhões nos galhos
Ou sobe o perfume rixoso das roseiras bravas.

As virgens da primavera vestiram teus vestidos brancos
E sob os velhos carvalhos vão-se ainda, grupos felizes,
Para coroar tuas frontes puras com ramos de pervincas.

Então, entre os cantos dos pássaros apaixonados,
Discretas, sussurrando palavras de jovens Éves,
Elas perdem teus passos no fundo das passagens cavadas.
No fundo das passagens cavadas canta o ardor das seivas.

FRÉDÉRIC BATAILLE.

 

   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

quinta-feira, novembro 20, 2025

QUATRO POEMAS - Gérard de Nerval - Trad. Eric Ponty

 SONETO

(Epígrafe)

Ele viveu ora alegre qual um pássaro,
Ora apaixonado, despreocupado e terno,
Ora sombrio e sonhador qual triste Clitandre.
Um dia, ouviu alguém tocar à sua porta.

Era a Morte! Então ele a pediu para esperar
Até que ele terminasse seu último soneto;
E então, sem se emocionar, ele foi se deitar
No fundo do baú frio onde seu corpo tremia.

Ele era preguiçoso, segundo conta a história,
Deixava a tinta secar demais na escrivaninha.
Ele queria saber tudo, mas não apreciou nada.

E quando chegou o era em que, cansado dessa vida,
Numa noite de inverno, enfim sua alma foi levada,
Ele partiu dizendo: Por que eu vim?


A VICTOR HUGO (NERVAL)


Da sua amizade, mestre, levando esta prova,
Eu mantenho, portanto, sob meu braço o Reno.
 — Eu pareço um rio.

E sinto-me crescer com a comparação.
Mas será que o rio sabe, pobre Deus selvagem,
O que lhe dá um nome, uma nascente, uma margem,

E se ele corre para todos, qual é a razão.
Sentado no cume da imensa natureza,
Talvez ele ignore, como a criatura,

De onde vem esse benefício que deve aos Imortais:
Eu sei que de você, doce e santa hábito,
Vem o Entusiasmo, o Amor e o Estudo,

UMA MULHER É O AMOR


Uma mulher é o amor, a glória e a esperança;
Aos filhos que ela orienta, ao homem consolado,
Ela eleva o coração e acalma o sofrimento,
Como um espírito dos céus exilado na terra.

Curvado pelo trabalho ou pelo destino,
O homem se ergue com sua voz e sua face se ilumina;
Sempre impaciente em sua corrida limitada,
Um sorriso o domina e seu coração se suaviza.
Neste século de ferro, a glória é incerta:
É preciso se resignar a esperar por ela por muito tempo.
Mas quem não amaria, em sua graça serena,
A beleza que a dá ou que a faz ganhar?

À SENHORA HENRI HEINE


Tem olhos negros e é tão bela,
Que o poeta vê brilhar em ti a centelha
Que anima a força e que invejamos:
O gênio, por sua vez, incendeia todas as coisas;
Ele lhe devolve sua luz, e tu és a rosa
Que se embeleza sob teus raios.


O PÔR DO SOL


Quando o sol da tarde percorre as Tuileries
E incendeia as janelas do castelo,
Eu sigo pela Grande Allee e seus dois espelhos d'água
Totalmente mergulhado em meus devaneios!

E daí, meus amigos, é uma vista muito formosa
Ver, quando a noite espalha seu véu ao redor,
O pôr do sol, um quadro rico e comovente,
Emoldurado pelo arco da Estrela!

 Gérard de Nerval - Trad. Eric Ponty

 

   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

AS ESTÁTUAS - Yannis Ritsos – Trad. Eric Ponty

Ele girou a chave na porta.
para entrar na sua casa, para se deitar.
De repente, lembrou-se de que tinha olvidado algo. 
mas era tarde, ele não podia regressar.
Assim, sozinho na noite,
com os dedos na fechadura,
lá fora, na estrada, mesmo à saída 
da sua porta inteira, em frente ao seu fadário,
petrificado como uma estátua.
No entanto, até as estátuas sorriem indefinido
Yannis Ritsos – Trad. Eric Ponty
 
  

  ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

quarta-feira, novembro 19, 2025

TRES SONETOS PARA ORFEU - RAINER MARIA RILKE - TRAD. ERIC PONTY

 I
Uma árvore surgiu. Ó pura transcendência!
Ó Orfeu, canta! Ó árvore alta dentro do ouvido!
E tudo ficou em silêncio. No entanto, nesse silêncio,
pulsava nova gênese, novo sinal, nova mudança.

Criaturas da quietude saíram em grupo da floresta clara 
E desembaraçada, de ninhos e tocas;
E não era astúcia, nem cautela ou medo
que tornavam seus passos tão suaves,
que botou tanta suavidade em seus passos,

mas sim a escuta. Gritos, guinchos e rugidos
pareciam pequenos dentro de seus peitos. E onde antes
mal havia uma cabana para abrigar isso,

um refúgio oculto feito do mais profundo desejo
com uma entrada cujas vigas tremiam,
Construiu templos para eles em sua audição.

II
E quase uma garota era ela, e surgiu
dessa alegre união de canto e lira
e brilhou densamente por meio de seus véus primaveris
e fez de si mesma uma cama dentro do meu ouvido.

E dormiu em mim. E todas as coisas eram o seu sono.
As árvores que sempre me maravilham, essas
distâncias palpáveis, os prados intimamente sentidos
e as surpresas de uma vida inteira.

Ela dormiu o mundo. Deus cantor, como a tornou 
tão perfeita que ela nunca precisou acordar? 
Veja, ela se levantou e dormiu.

Onde está sua morte? Ah, apresentará esse tema 
antes que sua canção termine? —
Posso senti-la dormindo... para onde? ... Quase uma garota...

III
Um deus pode fazer isso. Mas como, diga-me, 
um homem poderia segui-lo através da estreita lira?
Sua mente se divide. Onde dois caminhos do peito se cruzam,
não pode haver templo para Apolo.

Cantar, como ensina, não é desejo,
não é a busca de algum fim a ser alcançado.
Cantar é Ser. Fácil, para um deus.
Mas para nós, quando somos? E quando ele

lança toda a terra e as estrelas sobre nossas vidas?
Não é, viço, quando está enlevado, mesmo que
então sua voz force sua boca a se abrir —

aprenda a olvidar essas canções. Elas passam.
O certo canto é uma respiração diferente.
Um alento que não serve a nada. Uma rajada no deus. Um vento.

RAINER MARIA RILKE - TRAD. ERIC PONTY

 

  ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

DOIS POEMAS - FRANCIS VIELÉ-GRIFFIN - TRAD. ERIC PONTY

 DÉDICACE

Aqui estão os velhos versos doces, nosso orgulho infantil,
Toda a sua alegria alerta e tão crédula e a minha;
Como se cantávamos alto, como era uma manhã,
E como temíamos pouco que a idade chegasse!

Ele chegou silencioso: com suas flores e colheitas,
Cobriram nossa passagem e rechearam nosso celeiro;
Minha voz de abril em maio cantou canções para ti
E eu cantei para ti de junho até a vindima.

Estas, não sei, apesar dessa a arte tão altiva
Receber com um sorriso indeciso os nossos primeiros frutos,
Valem como um beijo, como um aroma de tomilho
E qual jogo de flauta onde se movem dedos novatos,

E valem como um gesto ousado e célere,
Pois ambos estremecemos de bela audácia
Esta noite coroaste minha fronte com alegre coroa de louros
E mostraste o futuro e me disseste: conquiste teu lugar.

DEA

Que lætificat juventutem meam...

 

A Poesia imperiosa é minha amante
Muito séria e erudita também às vezes, quais as damas
De tempos passados, e doce e terna em suas críticas;
Seu passo altivo arrasta em pesadas pregas seu vestido lento
Onde brilhar o esplendor das Flores de Lis, qual chamas.

Sei que há um coração valente sob sua garganta real,
Marmorena como qualquer a antiga Deusa;
Sei que o amor ciumento é grande demais para minha fraqueza,
Pelo que valho o que valho, altivo e masculino,
Seu coração e seu amor, e que ela é minha amante.

O ritmo da sua voz é a minha única métrica,
E o seu passo alternado é a minha rima matizada,
Minha ideia é o que li em seus pensamentos,
Certamente, e nunca sonhei com outra América
Que beijar o ouro ruivo de sua cabeça abaixada.

Eu só quis, entre a vida ativa e santa,
As horas que sua doçura entrega à minha alegria,
Onde falo longo, onde, para que ela creia em mim,
Sou ingênuo, qual criança simples e sem fingimento,
Amando a escuridão que sua asa desdobra.

E viverei na sombra, aos seus pés, sem tristeza,
Tendo como única ambição sonhar perto dela,
Sem temer por mim o futuro infiel,
Pois só terei cantado para minha doce anfitriã,
Uma vaga canção de amor à sombra de suas asas.

 FRANCIS VIELÉ-GRIFFIN - TRAD. ERIC PONTY

  

    ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA 

SONETOS E POEMA - TRISTAN CORBIÈRE – TRAD. ERIC PONTY

 À ETERNA SENHORA

Manequim ideal, de cabeça de manequim,
Eterna Feminina I... passa os teus lenços;
E vem para o meu colo, quando eu marcar a hora
Mostra-te como se faz na tua casa, anjos caídos.

Seja pior, e traga-nos alegria na infelicidade,
Pise com leveza nos caminhos difíceis.
Condene-se, puro ídolo! E ria! E cante! E chore,
Amante! E morra de amor!... nossas eras preciosas.

Menina de mármore! No cio! Seja alegre! ... E pensativa.
Amante, carne da minha carne! Faça-me virgem e lasciva...
Feroz, santa e bestial, enquanto busco um coração...

Seja a mulher do homem. E sirva de musa, mulher,
Quando o poeta desafiar a Alma, a Lâmina, a famula!
Então, quando ele roncar, venha beijar teu Vencedor!

FEMININO SINGULAR


Eterno Feminino do eterno Jocrisse!
Faça-nos saltar, fantoches, nós pagamos os cenários!
Nós iluminamos o palco... E tu, nos bastidores,
Pode oferecer ao bombeiro o dom puro do teu corpo.

Aplique o chicote de teu capricho em nossas costas,
Coroa teus joelhos! ... e nossas cabeças com dez chifres;
Ria! Mostre teus dentes! ..., mas... temos a polícia,
E algo em nós de eunuco e de capanga.

... Ah, não entende?... - Eu também não - faça a bela!
Vire-se: estamos ébrios! E chatos: Se faça de cruel!
Chicoteie teu paxá com o teu humilde servo!...

Depois, saiba cair! - mas caia com graça 
Na nossa areia fina, não deixe marcas!...
- É o ofício da mulher e do gladiador. –


SONETO A SIR BOB


Cão de mulher fácil, braco inglês puro-sangue.


Belo cão, quando te vejo acariciando tua dona,
Eu rosno apesar de mim mesmo — 
por quê? — Tu não sabes nada...
— Ah! É que eu — veja bem — nunca acaricio,
Não tenho dona e... não sou um belo cão.

Bob! Bob! - Oh! Que nome brioso para gritar de alegria!
Se eu me chamasse Bob... Ela diz Bob tão bem!
Mas eu não sou puro-sangue-sangue. - Por descuido,
Também me fizeram Braque... Manhã de cristão,

- Ei, Bob! Vamos trocar, na nétempsiose:
Pegue meu soneto, eu pego tua campainha rosa;
Ficas minha pele, eu fico teu pelo - com pulgas ou sem pulgas...

E eu serei Sir Bob, teu único amor fiel!
Eu morderia os cachorros, ela me morderia, ela!
E eu teria o colar com o nome dela.


BONNE FORTUNE ET FORTUNE

Odor della feminita.

 

Eu faço meu trabalho na calçada, quando a natural está formosa,
Para a transeunte que, com um ar de vencedora,
Quererá fisgar, com a ponta de sua sombrinha,
Um piscar dos meus olhos ou a pele do meu coração...

E eu me avalio jovial — não muito! — mas é preciso viver.
Para distrair um pouco a fome, o mendigo se embebeda...

Um belo dia — que profissão! — eu estava, assim, 
fazendo minha ronda. — Profissão!... — Enfim, ela passou — quem? — 
A transeunte! Ela, com sua sombrinha! 
Certo lacaio do carrasco, eu a esbarrei... — mas ela!

Olhou para mim baixinho, sorrindo por baixo,
E... estendeu-me a mão, e...

me deu dois centavos.

TRISTAN CORBIÈRE – TRAD. ERIC PONTY

 

   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

SUBSTITUIÇÃO - Yannis Ritsos - TRAD. ERIC PONTY

A bicicleta passou por trás das grades do jardim 
A estátua roubou um olhar por trás dos lírios 
Não sabíamos dizer quando ou onde tínhamos tratado 
A estátua estava nua e, de fato, no topo da bicicleta, 
dirigia-se para o mar, o ciclista ficou imóvel no lugar da estátua. 
Só que, na pressa de se despir, esqueceu o talismã que trazia ao pescoço, 
um talismã de pano, preso por um fio. 
E talvez isso transforme a estátua numa estátua melhor.

Yannis Ritsos - TRAD. ERIC PONTY

  

   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

terça-feira, novembro 18, 2025

AQUARIUM MENTAL - GEORGES RODENBАCH - TRAD. ERIC PONTY

 A água sábia se rematou em muretas de vidro,
De onde o mundo lhe parece mais vago e distante;
Ela é morna, e nenhum vento gelado a areja;
Nada mais se reflete nesses espelhos sem reflexo
Onde, sozinha, ela tem a impressão de ser mais vasta
E de se prolongar infinitamente!
Por estar reclusa, ela se purifica, torna-se casta,
E seu destino se uniu ao do vidro,
Para ser assim um único sono salpicado de sonhos!
Água do aquário, noite sombria, claro-escuro,
Onde passa o pensamento em ares breves
Das sombras duma grande árvore sobre uma parede.
Tudo é sonho, tudo é solidão e silêncio
No aquário, puro por ter renunciado,
E mesmo o sol, com seu duro golpe de lança,
Não fere mais seu cristal escuro.
A água agora é toda do jogo dos peixes calmos
Ventilando seu descanso com suas barbatanas silenciosas;
A água agora é toda das plantas pensativas,
Cujo aumento, voluntariamente cativo, se ramifica,
Que, bordando-a como sonhos, são sua vida
Interior, e são seus esquemas mentais.
E, rica assim por estar fechada, a água se escuta
Por meio dos peixes e das ervas verdes;
Ela está fechada ao mundo e possui-se diretamente,
E nenhum vento extingue seu frágil universo.

II
O aquário onde o olhar desce e mergulha
Deixa ver toda a água, não mais no horizonte,
Mas em sua profundidade, seu infinito de sonhos,
Sua vida interior, exposta sob a divisória.
Ah! Mais a mesma, e tão diferente da superfície!

Normalmente, a água vigia, horizontal, ao longe.
Parece dedicada a esse único e sutil cuidado:
ser sensível ao vento leve que passa;
querer ser apenas um teclado para os juncos;
e querer ser apenas uma rede para os pássaros.
Graças às malhas que formam os galhos refletidos;
E não querer ser mais do que um espelho silencioso
Onde as estrelas se ampliam de repente;
E, acima de tudo, não querer, em sua calma ociosa,
Mais do que adornar-se com reflexos, com cores acolhedoras,
Maquiagem diluída do rosto das Ofélias!

Jogos fúteis! Eles são a vida aparente da água,
Uma identidade falsa, uma maquiagem vaga...


Mas no aquário acalma-se a água inconstante
Que se isola entre moiras em halo.
O mistério está à mostra, que mal se suspeitava!
É a alma da água que finalmente se revela aqui:
Formigueiro febril sob o cristal transido;
Zonas onde monstros pegajosos travam guerra;
Vegetação fina, ervas, pérolas, brilhos;
E peixes cautelosos que se movem suavemente;
E cascalho sustentando alguma rosa actínica,
Que não se sabe se é um sexo ou uma joia;

E essas bolhas sem rumo, vindas não se sabe de onde,
Que constavam e bordam a água demasiado uniforme
Como se caísse um colar de prata!

Ah! Tudo o que o aquário sombrio encerra!
Aqui, a água não é toda vida na superfície,
É apenas uma tela dócil que reflete imagens...
Aqui está ela, recolhida, em sua casa de vidro,
Amando apenas o que, dentro dela, verdeja, vagueia
E cria em seu interior um universo melhor!

Assim, minha alma, solitária, e nada a influência!
Ela está, como em vidro, encerrada em silêncio,
Totalmente dedicada ao seu espetáculo interior,
À sua espécie de vida íntima e subaquática,
Onde os sonhos brilham na água prateada.
E o que a Vida lhe faz então? E o que são ainda
Esses reflexos superficiais, cenário efêmero?

GEORGES RODENBАCH - TRAD. ERIC PONTY

 

   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

PRÓLOGO - GEORGES RODENBACH - TRAD. ERIC PONTY

 À Senhora X.

A você, cujos cabelos alvos como a neve e claros
Emolduram suavemente o rosto indulgente,
- Assim, nas grandes florestas, velho carvalho fica prateado
Com os fios alvos da Virgem no final do verão,

A você, tão a antiga, tão boa, tão única,
Para quem eu abri as cortinas da minha vida,
A você, cuja alma é tão pura quanto suas faixas,
E que eu amo para sempre como se ama uma avó,

A vocês que compreendem, sem terem feito, o mal
E a fatalidade que dorme no fundo das coisas,
E que também sonham diante dos pores do sol rosados
Onde passam soluços no vento aromático,

A vocês, cujo perdão já me é garantido,
Pelo negro que se mistura com a brancura de outrora,
Quero contar-lhes lentamente, em voz baixa,
Toda a felicidade obscura da minha infância feliz.

Infância! Distância de onde vem sua doçura!
Nuance onde a cor se eterniza em tom suave,
Tríptico religioso sombreado por uma pátina
Que bota seu verniz escurecedor sobre fundos dourados.

Juventude! Infância! Atração pelas coisas ofuscar-se!
Estrelas mais claras no lago azul do coração!
Canção de órgão estridente cuja languidez
Expira em sons feridos no distante das ruas.

Quero falar-vos da cidade com frontões negros,
Antiga cidade flamenga onde as paróquias próximas
Quando eu era criança, faziam os seus sinos chorar
Duma despedida daqueles que morriam ao anoitecer!

Quero reconstruir a casa paterna
Antes da ausência, antes da morte, antes dos lutos:
As irmãs, ainda jovens, repousando nas cadeiras de vime
E o jardim em flor e a videira na pérgula.

Quero reviver uma hora à sombra das grandes paredes,
Na antiga escola onde nossas almas plácidas
Se abriam como uma igreja com profundas absides
Com vitrais dourados cheios de rostos puros.

Quero levá-lo de volta a esses anos tranquilos:
Continuei o mesmo depois de muitas dores;
O manto da minha Alma tem todas as suas cores,
Mas meus olhos estão mais cansados que rosas murchas.


Pois em nossos dias de ódio e tempos de lutas,
Eu fui um daqueles que sofrem, isolados por sua languidez,
Sem terem encontrado a Mulher que consola
E enche o coração só de falar baixinho.

Eu fui um desses sonhadores dolorosos e tímidos!
Eles gastaram tudo, sem receber nada em troca,
Mas ninguém soube do seu glorioso mal:
O mal dos corações ingênuos e das almas cândidas.

Não importa! Meu sofrimento é bom! Tenho pena daqueles
Que não têm mais o orgulho de ser melancólicos,
Guardando, como eu, as relíquias devotas,
As relíquias de infância que enchem minhas gavetas.

Sobretudo porque em ti, minha querida antiga amiga, eu me abro
Em um sussurro da minha mente para a sua!
Venha, então; vamos continuar a conversa
No jardim murcho da minha Juventude Alva.

Neste jardim deserto, neste jardim fechado,
Neste jardim florido de lírios, salpicado de velas,
Onde outrora avançavam virgens incomparáveis
Cujos lábios exalavam o perfume do mês de maio.

Mas este parque está à mercê do insulto dos espinhos,
E meus sonhos antigos, no distante e gelado,
Como mármores alvos, estendem seus braços quebrados
E com seus olhos apagados choram nas fileiras.

Pobre parque invadido pelo outono e pela noite,
Que sofre ao evocar seu amanhecer abolido;
Ele está sombrio, está vazio e minha melancolia
O envolve inteiramente como uma cerca preta!

GEORGES RODENBACH - TRAD. ERIC PONTY

     ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA   

Stéphane Mallarmé - Trad. Eric Ponty

 Um brinde

Nada, esta espuma, verso virgem
Retratando apenas o cálice:
Ao longe, um bando de sereias se afoga
Muitas delas de cabeça.

Navegamos, ó meus diversos
Amigos, eu já na popa,
Vós na proa luxuosa que agita
Os relâmpagos e as enchentes do inverno:

Uma doce embriaguez me impele
Apesar do balanço, do movimento, sem medo
A fazer este brinde em pé

Solidão, recife e véu estrelado
A tudo o que vale a pena conhecer
A ansiedade alva de nosso navegar.

Petição fútil


Princesa! Com inveja do destino de Hebe,
Abranger acima desta taça aos beijos dos teus lábios,
Eu gasto minhas chamas com a esguia posição de prelado
E nem mesmo apareço nua nos pratos de Sèvres.

Já que não sou seu poodle mimado,
Pastilha, Rouge ou jogo sentimental,
E conheço muito bem teu olhar unido para mim,
Loira cujos cabeleireiros têm nomes de ourives!

Nomeie-me... Tu, cujas risadas repletas de morangos
Se misturam com um rebanho de cordeiros dóceis
Que pastam por toda parte, balindo alegria,

Nomeie-me... para que o Amor, alado com um leque,
Me pinte ali, embalando o rebanho, flauta na mão,
Princesa, nomeie-me o pastor dos teus sorrisos.

Uma negra

Possuída por algum demônio, agora uma negra
Provaria uma menina definhada por frutos estranhos
Os proibidos também sob o vestido esfarrapado,
Esta glutona está pronta para tentar um ou dois truques:

À tua barriga ela junta dois seios afortunados
E, tão alto que nenhuma mão sabe em que agarrá-la,
Bate o choque bruno de tuas pernas calçadas com botas
Assim qual uma língua inexperiente no prazer.

Enfrentando a nudez tímida da gazela
Que treme, deitada de costas qual elefante enlouquecido,
Esperando de cabeça para baixo, ela se admira fortemente,
Rindo com os dentes à mostra para a criança:

E, entre tuas pernas, onde a vítima está deitada,
Levantando a carne negra dividida sob tua juba,
Avança o palato daquela boca estranha
Pálida, rosada como uma concha do Mar do Caribe.

Angústia

Não venho para conquistar tua carne esta noite, ó besta
Em quem estão os pecados da raça, nem para agitar
Em teus cabelos imundos uma tempestade triste
Sob o tédio fatal meus beijos derramam:

Um sono pesado sem aqueles sonhos que se insinuam
Sob cortinas alheias ao remorso, peço à tua cama,
Sono que pode saborear após teus truques sombrios,
Tu que sabes mais sobre o Nada do que os mortos.

Pois o Vício, roendo minha nobreza inata,
Me marcou, como a ti, com tua esterilidade,
Mas assombrado por mortalhas, pálido, destruído, eu fujo,

Enquanto aquele coração que nenhum crime
Pode ferir vive em teu peito de pedra,
Com medo de morrer enquanto durmo sozinho.

Tristeza de verão

O sol, na areia, ó lutador adormecido,
Aquece um banho lânguido no ouro de teus cabelos,
Derretendo o incenso em tuas feições hostis,
Misturando um líquido amoroso com as lágrimas.

A calma imutável desta queimadura alva,
Ó meus beijos temerosos, faz dizer, tristemente:
“Será que algum dia seremos uma múmia enrolada,
Sob as areias antigas e palmeiras tão felizes?”

Mas teus cabelos são um rio morno,
Onde a alma que nos assombra se afoga, sem um arrepio
E encontra o Nada que tu não podes conhecer!

Proarei o unguento da costa de tuas pálpebras,
Para ver se ele pode conceder ao coração, ao teu sopro,
Desta insensibilidade das pedras e do azul.

O Palhaço Castigado

Olhos, lagos da minha simples paixão por renascer
Além do ator que gesticula com a mão
Qual caneta, e evoca a fuligem fétida das lâmpadas,
Aqui está uma janela nas paredes de tecido que rasguei.

Com pernas e braços, um nadador límpido e traiçoeiro
Com saltos intermináveis, renegando a doença
Hamlet! É se eu abrisse a construir nos imos do oceano
Mil túmulos: para desaparecer ainda virgem ali.

Ouro alegre de um címbalo batido com os punhos,
O sol de repente atinge a nudez pura
Que respirou para fora da minha frieza de nácar,

Noite rançosa da pele, quando passou por mim,
Sem saber, ingrato, que era isso, essa maquiagem,
Toda a minha unção, afogada na perfídia da água gelada.

O presente do poema


Eu trago-lhe a criança de uma noite idumeia!
Negra, com asas pálidas, nuas e sangrando, Luz
Através do vidro, polido com ouro e especiarias,
Através dos painéis, ainda sombrios, infeliz, e frios como gelo,
Lançou-se, ao alvorecer, contra a lâmpada angelical.
Folhas de palmeira! E quando mostrou esta relíquia, úmida,
Àquele pai que tentava um sorriso hostil,
A solidão estremeceu, azul, estéril.
Ó canção, de ninar, com tua filha e a inocência
De teus pés frios, saúda um novo ser terrível:
Uma voz onde cravo e violas permanecem,
Pressionará aquele peito, com seu dedo murcho,
De onde a Mulher flui em brancura sibilina para
Aqueles lábios famintos pela azul virgem do ar?

Stéphane Mallarmé - Trad. Eric Ponty

  

     ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA