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segunda-feira, dezembro 08, 2025

ELEGIAS A CASA DA MINHA MÃE - Marceline Desbordes-Valmore - TRAD. ERIC PONTY

 IN MEMORIAN D. RISOLETA NEVES

 Casa do nascimento, ó ninho, doce recanto do mundo!
Ó primeiro universo, onde nossos passos se voltaram!
Quarto ou céu, cujo coração guarda o mapa-múndi,
no fundo do tempo vejo o teu limiar abandonado.
Partirei cega e sem guia até à tua porta,
para tocar o berço nu que se dignou a alimentar-me.
Se eu ficar velha e fraca, que me levem até lá!
Não pude viver ali quando criança, mas gostaria de morrer ali,
caminhar em nosso pátio onde crescia um pouco de grama,
onde a aves de nossos telhados descia para beber e depois,
para deitar seus filhotes, bicava o humilde feixe,
entre as pedras azuis molhadas pelo grande poço!
Com tua frescura distante, ele ainda lava minha alma,
do presente que me queima, ele apaga a chama,
esse poço largo e dormido com cristal recluso
onde minha mãe banhava seu filho amado.
Quando ela embalava o ar com tua voz sonhadora,
quando ela estava calma, alva e pacífica à noite,
saciando a sede do pobre sentado, como se acredita ver
nos riachos da Bíblia uma lavadeira fresca!
Ela tinha sotaques de amor harmonioso    
que eu bebia com o peito enquanto brincava no pátio.
Céu! De onde vem a voz de uma mãe que canta
para ajudar o sono a descer ao berço?
Deus botou mais graça no sopro de um riacho?
É o Éden reaberto ao seu hino comovedor,
deixando no coxim da criança que dorme,
nascer todos os sóis que lhe ocultam a morte?
E a criança adormecida, sob essa alma velada,
reconhece os sons de uma vida passada?
É um cântico aprendido ao partir do céu,
onde a demitida de um jovem anjo deitou um pouco de mel?
Obrigado, meu Deus! Obrigado por este hino profundo,
ainda chorando em mim entre as risadas do mundo,
enquanto me sento em algum canto sonhador
para ouvir minha mãe, ouvindo meu coração:
esse distante adeus de sua alma à minha alma
sustenta, ao ressoar, minha fraqueza de mulher;
qual ao junco que se inclina com a brisa em teu curso
dizes-te: “Não caia! Eu venho em teu socorro.”
Ela tornou meus joelhos flexíveis à oração.
Aprendi com ela, Senhor, de onde vem a tua luz,
quando divertia meus olhos vendo brilhar os olhos dela,
que só deixavam minha fronte para falar com os céus.
Na hora do trabalho que fluía plena e pura,
eu cria que as mãos dela regiam a natureza,
instruída por Cristo, inclinada à tua voz,
que ela ouvia em oração e com a face prostrada.
Eu realmente cria nisso! E com uma fé tão terna
que me semelhava ouvir Cristo na parede:    
eu via visivelmente que, qual mulher, ela se curvava a Deus,
mas minha mãe, depois dele, ensinava isso em todos os lugares.
O sol ardente de junho que ria no quarto,
a lareira cujos clarões iluminavam dezembro,
os frutos, os trigos em flor, minha noite fresca.

Marceline Desbordes-Valmore - TRAD. ERIC PONTY

 ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

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