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quarta-feira, novembro 21, 2018

verso livre o caralho que não sabe fazer poesia

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE VERSO LIVRE E VERSO REGULAR NO JORNAL CÂNDIDO, EDIÇÃO DE NOVEMBRO
Pensata | Antonio Carlos Secchin
A coluna Pensata abre espaço para que autores reflitam sobre um tema sugerido pela equipe do Cândido. Nesta edição, o poeta e crítico Antonio Carlos Secchin discute sobre a viabilidade ou não de qualquer um escrever e publicar poesia e, ainda, se não há verso livre demais sendo praticado e publicado pelos poetas brasileiros contemporâneos.
EM TORNO DO VERSO
Antonio Carlos Secchin
Em 1980, Carlos Drummond de Andrade publicou A paixão medida. Valho-me desse belo título para tecer algumas considerações sobre o verso. De certo modo, podemos considerar o poema como a prática de uma “paixão” que, simultaneamente, se insere em alguma “medida”, algum andamento rítmico que lhe dá força e expressão.
Um dos maiores equívocos que se perpetuam, inclusive em salas de aula universitárias, é o de que, em contraposição ao verso tradicional, o livre não tem métrica! Ora, a métrica é exatamente o que define o verso, em oposição à prosa, cujo limite é estabelecido pela mancha tipográfica do fim de uma linha, e não pelo recorte (rítmico) arbitrado pelo poeta. O que se pode dizer é que o verso livre não apresenta métrica regular, constante, mas nunca que prescinde de alguma “medida”, sem o quê não seria verso. Sem falar, ainda, em certos experimentos do final do século XIX/ início do XX, quando poetas, desejosos de ampliar os horizontes expressivos do poema, porém sem atingir o patamar do verso livre, valeram-se da forma intermediária dos “versos polimétricos”, que rompiam a rígida simetria dos predecessores ao mesclarem medidas diversas num mesmo texto, respeitando, porém, alguns parâmetros de regularidade na elaboração de seus desvios: por exemplo: submissão das métricas ao limite infranqueável de doze sílabas; manutenção de um modelo reiterativo de variação métrica ao longo do texto, cerceando a livre expansão do verso.
Outro equívoco, ainda mais rudimentar, consiste em definir verso livre a partir da inexistência da rima. Ora, verso livre é matéria estritamente rítmica, conforme assinalamos, sem nada a ver com a questão eufônica da rima. O verso sem rima é denominado “branco”, e é de prática antiquíssima. Vide, em nossas letras, O Uraguai (1769), de Basílio da Gama, em decassílabos brancos. Como, porém, a dupla “métrica/rima” costumava vir unida, tomou-se uma coisa pela outra, na errônea concepção de verso livre pelo viés da rima.
...
Na literatura brasileira, a atribuição do pioneirismo no emprego do verso livre é assunto controverso. O simbolista Mário Pederneiras é o nome mais citado, embora antes dele os hoje também ignorados Guerra-Duval e Alberto Ramos (sob o pseudônimo de Marcos de Castro) tenham praticado a modalidade — que se consolidou, de fato, na década de 1920, após a Semana de Arte Moderna de 1922.
É inegável a fecunda contribuição, o sopro renovador do verso livre contra o engessado domínio do sub-Parnasianismo que entre nós grassava nos primeiros anos do século passado. A consideração, todavia, deve ser matizada, pois não é a utilização (ou a recusa) de um recurso em si que irá previamente assegurar a qualidade de um texto. Ao romper as barreiras da métrica regular, o verso livre forneceu a (falsa) perspectiva de um facilitário irrestrito: bastava alguém não saber metrificar para dizer-se poeta. Algo bem diverso da simples ignorância do verso tradicional foi sua superação por parte de quem o dominava com maestria — e a obra de Manuel Bandeira é cabal demonstração do fenômeno: partiu do exercício inicial com formas consolidadas para o extraordinário versilibrismo de Libertinagem, de 1930. Sem nos esquecermos de grandes poetas que trilharam o caminho inverso: Jorge de Lima, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, partidários do verso livre na década modernista, retornaram à “paixão medida” cerca de 20 anos depois. Muitos críticos, inclusive, consideram que nessa prática se inscreve o que de melhor Drummond produziu, em Claro enigma, de 1951.
Deve-se evitar o erro de considerar o verso livre necessariamente superior ao metricamente regular, legislando-se ditatorialmente em nome da liberdade. Onde o poeta colhe seus melhores resultados, aí reside o efetivo espaço de sua manifestação criadora. O cerceamento por barreira voluntária às vezes é combustível que faz girar a máquina poética. Em prol da hegemonia do verso livre, recalca-se, por exemplo, o fato de que quase toda a obra de um dos maiores poetas brasileiros do século XX, João Cabral de Melo Neto, é pautada pela observância de métrica e rima regulares. Se, de um lado, a rima restringe o universo vocabular, de outro, exatamente por isso, pode conduzir a imagens inesperadas, que, sem ela, provavelmente jamais ocorreriam ao poeta.
Um renomado e talentoso escritor contemporâneo, tentando menosprezar certa visão do poema, declarou que não lhe interessava a poesia como “caixinha de sonoridades”. Retomemos a imagem. Sim, em geral pela curta extensão, o poema é uma “caixinha”, mas que pode conter todas as sonoridades, não apenas as que os caciques designam como “poeticamente corretas”. Sim, que nela caibam todos os ritmos, os regulares, os não regulares, as rimas, as não rimas, as dissonâncias, as eufonias. Caixinha que condensa a linguagem em seu estado de máxima potência: para essa vocação talvez sirva a poesia, que não se deixa capturar em nenhuma fórmula de modelo ou de antimodelo.
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Poeta e ensaísta, Secchin publicou, entre outras obras, João Cabral: a poesia do menos (1985) e Todos os ventos (poemas reunidos, 2002, ganhador dos Prêmios da ABL, da Biblioteca Nacional e do Pen Clube). Com a obra Desdizer, lançada ano passado, o autor voltou à poesia 15 anos após a publicação de Todos os ventos.

segunda-feira, novembro 19, 2018

Eric Ponty e a trilha solar - Jacob Klintowitz


          É notável o amor de Eric Ponty pelo diálogo luminoso, pelo confronto radioso. Ele almeja a sensação ofuscante da solidariedade e da fraternidade. Entre ele e o outro se estende, por sua iniciativa, um percurso solar, uma estrada de permanente luz. Ele, a cada momento, internamente, no fazer, no desejar o encontro com o outro, no procurar a absoluta comunicação com o outro, estabelece uma fusão de temperatura tão elevada que funde os metais. É no outro que ele se vê, É no outro que ele está. Em Eric Ponty o poema é uma maneira de meditar e nesta introspecção ele vê a si mesmo e conforma o mundo segundo um modelo clássico, pois este poeta, é preciso que se diga logo, é o homem da palavra.
Eric Ponty escolheu as flores do pintor Oscar Araripe para nelas ter uma nova vida. Não uma simples vivência, mas uma integração da qual ele emergiu com poemas nascidos desta empatia. Ponty está entusiasmado e nos entusiasma, pois tem em si a presença divina, melhor descrição grega de entusiasmo.
Certamente a pintura é o universo do silêncio. E este silêncio tão rico de significados, tão impregnado do simbólico, nos provoca, entre tantas reações, a de tentar a equivalência da emoção e da palavra. E este é o reino de Eric Ponty, o das palavras tão ricas em significados. Também a palavra poética é feita de silêncios, de espaços, de impregnações que sempre se renovam a cada vez que as lemos. Mas o silêncio da pintura e o silêncio da palavra são diferentes entre si e o poeta nos apresenta esta dessemelhança e, curiosamente, esta fraternidade tão íntima entre estes silêncios. É exatamente isto o que nos impregna, a sensação de que o mundo é construído de individualidades feitas de uma única matéria.
Talvez nos poemas de Ponty exista certa música das esferas. É um encantamento que nos atinge. E talvez toda a arte contenha a música das esferas. Melhor para nós que este eco cósmico tenha ressonância e mantenha o mistério. O mistério do mistério da arte é que ao equacioná-lo não o perdemos, pois continua misterioso. Eric Ponty mantém aceso este athanor: vemos a transformação da matéria em matéria sutil e percebemos que são aparências, somente aparências. E nos comove.
Ponty, que tem esta integração como um de seus métodos de trabalho, escolheu a pintura de Oscar Araripe uma das mais líricas da nossa arte. A pintura de Araripe tem a convicção de que a virtude da arte não é a aparência e que as suas flores, por exemplo, são memórias da emanação da perfeição. Não as flores, mas a flor primordial. E não a flor primordial, mas a memória da flor primeira que não foi vista, mas sentida. É a razão pela qual as flores das pinturas de Araripe são a memória da emanação da flor primeva que, na verdade, jamais foi vista, mas que o poeta pintor sabe como evocá-la.
É neste mundo de aparências, memórias, evocações, que o poeta Eric Ponty, por sua vez, a cada momento, mergulha nesta seara tão rica e rara, a de se integrar à obra criada de outro artista para deste contato intimo nos apresentar uma renovada lírica, tão original e envolvente. Em nós este diálogo e empatia entre formas de gêneros diferentes provoca a alegria do encontro, pois estamos convidados a conviver com este momento tão raro, o do nascimento da forma.
Eu, no início deste texto, pensei em trazer o testemunho histórico de poetas que escreveram sobre artes plásticas ou que fizeram poemas a partir do convívio intimo com a arte. Juntei nomes ilustres para ilustrar o processo, como os de Charles Baudelaire e Manet, Rainer Maria Rilke e Auguste Rodin, A combinação entre poetas e pintores, como sabemos, é fantástica. Como é o caso de Guillaume Apollinaire e Pablo Picasso, ou de Rainer Maria Rilke e Auguste Rodin. Ou de Geir Campos e Israel Pedrosa. João Cabral de Mello e Joan Miró.  Ou de Carlos Drummond de Andrade e Vinicius de Moraes e Candido Portinari.   Ou de Carlos Drummond de Andrade e Israel Pedrosa. Ou de Walmir Ayala e Milton Dacosta. Ou de Mirian de Carvalho e César Romero. Floriano Martins e Antonio Bandeira, Eduardo Eloy e Lucy Barbosa. Ferreira Gullar e Amílcar de Castro e Siron Franco. Haroldo Campos e Claudio Tozzi e Hermelindo Fiaminghi. Oswaldo de Andrade e Tarsila do Amaral. Pensei em explicar a ação de cada um destes poetas, mas desisti, pois é tão forte a parceria e integração entre as flores líricas de Oscar Araripe e a poesia de Eric Ponty e o entendimento do mundo que oferecem, que nada mais deveria ser explicado.
Devo destacar a coragem de Eric Ponty ao escolher este processo de criação a partir do cotejo inicial com uma obra de arte já criada. E acho uma justiça poética desvendar esta coragem do poeta com os versos de outro poeta, a nossa mestra Cecília.


 “Desenrolei de dentro do tempo a minha canção:

não tenho inveja às cigarras: também vou morrer de cantar.”



Aceitação. Viagem. 1939. Cecilia Meireles...


domingo, setembro 23, 2018

Vista do horizonte - Eric Ponty


Por sobre os fantasmas, os rios orvalhados, 
As montanhas, as brenhas, as nuvens, os mares,
Para além do ígneo caos e do éter que há nos ares,
Para além dos por fins dos tetos fantasmais,


Nadas, meu coração, fibrar peregrino,
E, como um voador que nas águas engula,
Alegras festivamente a vastidão profunda
Com um lascivo e austero gozo masculino.

Vai mais, vai mais além do lodo repelente, 
Vai te purificação onde o ar se faz mais afável,
E solve, qual vigor transparente e divino,
Puro fogo que enche o sítio transparente.

Depois do tédio e das aflições das penas
Que registram com sua atração vida dorida,
Ditosa daquele a quem uma asa possante
Pode difundir várzeas claras e atenuas;
Eric Ponty 

quarta-feira, setembro 12, 2018

Sonata muda - eric ponty


Abrindo destas nuvens plenos vapores,
fechado nos flancos – deserto de cores,
Passeiam-se no teto afetiva razão;
São muitas suas aves, forçosos desvãos,
Tangíveis na terra, quais plenas das partes
retesam dos planos da imensa vastidões.
São aves, extensas, intensas de fúria,
Tão Meigas excitam, refazem finórias,
Tão leigas aprendem luz do esplendor:
dolosas empinam, domínio contentes!

Doido langor que toa no pico das crentes,
Pendão de rodízios, marmor do condor!
As sebes sozinhas, sem laços, com trilho,
As aves se alçando, abraçando-as ao frio.
Do intenso respiram de aragens das marcas:
Salsugem das serras das tíbias descendem,
Vultosas memórias inglórias lá fendem,
Ao puro herdeiro doído que se jaz ausente.
Domar pascer sebe desdobra-se dolente,
Doído conjuga a morada envolvente
Á Dolosa penhora, das nuvens gentis:
Os tenros montados domáveis afora
Das margens inglórias, que atestam embora,
À Dolência contorno da pomba feliz.

Destoa? – ninguém dobra: seu timbre tão longe,
À margem enfim tão: – de um pouso adiante
Se pretende por perto – repouso cinzel.

A Estátua da inércia pressente do plano
O Estático grito do surdo anteplano
Nestas curvas honestas do dobre gentil.
Atrasos da terra pariu do escrutínio
Nos chãos das estátuas de brusco domínio
Retesam do pleno, que obteve em lição;
Domínios das sebes do céu de esplendor,
Ciosas pertencem no plano do ardor,
Dos domos terrestres finórias função.
Acercam-se a pedra de casto marmóreo,
Do Dorido da forja passagem arbóreo
Ornada do nada com cenas tão grátis:
O justo, das sagas do crivo da serpente
transita marmor, reflui a sebe pressente,
Dormência dos dobres do bronze matriz.
Enquanto das estátuas com Letes vingança,
Inertes contritas da cândida das danças,
Do chão puro tecem furtivas no altar:
As pombas lhe cortaram, os dorsos que atingem,
Marmóreas das dívicias curvas ramagem,
Divina desta fonte tão límpido ar.
A Medusa das lápides marmo pendores,
Cercado de pedras — cobertos destas dores,
volteiam-se com os fardos altiva ilusão;
São muitos seus charmes, nos ânimos fortes,
Temíveis nesta terra, que em densos dos cortes

Espantam-se  nos corvos a imensa fusão. 
ERic ponty


domingo, setembro 09, 2018

A morte pode ser o sono - John Keats - Eric Ponty


A morte pode ser o sono, quando a vida
são apenas um sonho, E cenas de felicidade
passam como um fantasma pelos prazeres
transitórios como uma visão parece
E ainda assim achamos maior dor é morrer. 

Quão estranho é que o homem na terra andasse,
e levasse uma vida de aflição, mas não
abandonasse Seu caminho acidentado;
nem se atreveu a ver sozinho Sua futura
desgraça que é apenas certo despertar.
John Keats - Eric Ponty

epigrafe - ERiC Ponty


Pássaros da agonia ativem minha 
alma para minha morte.

IMPACTO - Manolis TRAD ERIC PONTY


E desde que a nova realidade estava sobre nós verdadeiramente nós

aceitei: nosso Deus estava morto. Enterrado ele ontem

na tarde sem canções, sem paus nem lamentações 

se nos sentimos muito mais leves. Nada era tão delicado quanto

o humor do dia sombrio enquanto eu diria medo 

estava escondido no fundo de nossos corações. A tristeza reinou no preto

escritório funerário enquanto apenas fora mendigos lagar

 esticado suas mãos pedindo o que não pudemos poupar, decência

da nova serpente que apareceu sem presas,

magnólia febril floresceu suas flores roxas sobre

nossa cama nupcial e em um eyrie nós enchemos nosso cálice

com coragem e nós mandamos para os quatro cantos

o universo e prometeu nunca mais ficar preso igualmente

na idiotice de um sistema.

O condor andino declaramos herdeiro da carne.

O vento e a chuva proclamamos nossa catarse.

Evole, oh, elementos livres, evoe.

"Multiplique e conquiste a terra"

alguém disse. E foi bom.

Manolis
TRAD ERIC PONTY

sexta-feira, setembro 07, 2018

William Carlos Williams, - Eric Ponty


          É acordar  o arqueiro 
          O cisne está voando!
          Ouro contra azul

               Uma flecha está mentindo.
          Há caçar no céu
          Durma seguro até amanhã.

                Os ursos estão no exterior!
           A águia está gritando!
            Ouro contra azul
            Seus olhos estão brilhando!
            Dormir!
            Durma seguro até amanhã.

               As irmãs mentem
                Com os braços entrelaçados;
                Ouro contra azul
                O cabelo deles está brilhando!
          A Serpente se contorce!
         Órion está ouvindo!

          Ouro contra azul
          Sua espada está cintilando!
          Dormir!
          Há caça no céu
             Durma seguro até amanhã
 William Carlos Williams,
Trad. ERIC PONTY

quarta-feira, agosto 08, 2018

Para à transmigração de Almas - ERIC PONTY


A metade da passagem triste vida
Já me encontrava em uma urbe escura,
Com a senda direita já perdida.

Ah, pois dizer qual era coisa dura,
esta urbe selvagem, áspera e forte
Que no pensar renova com o medo!

É tão amarga que algo já mais morte,
Mas por tratar do bem que ali achei
Direi de quanto ali me culpo na sorte.

Repetir não saberia como entrei,
Pois me vencia o sonho mesmo dia
Em que ti veraz caminho abandonei.

Mas atrás chegar ao centro que subia
Ali onde aquela torre terminava
Que com pavor a Minh´ alma confundia,

Se mirar cumpre, vi ali que estava
Então vestida dos raios do anátema
Que o bom caminho a todos assinava.

Quedasse à apreensão um pouco quieta
Que de meu coração dolorido
Em n´ilha durou à noite inquieta.

E como aquele com alento ardido,
Do pélago saído a sua margem,
mira a água que quase lhe há perdido,

Minh´ alma, fugitiva então era,
volveu-se a contemplar de novo passo
Que não atravessa nada sem que padeça.

ERIC PONTY

sábado, agosto 04, 2018

Réquiem a um corpo - ERIC PONTY

À Carlos Drummond de Andrade
Meu corpo não é meu corpo, corpóreo
Sendo ilusão de outro ser. À ilusão
Sabe a arte de esconder-me sobrancelha
É de tal modo sagaz qual na sombra
que a mim de mim ele oculta ela.

Meu corpo, não meu agente, que sente,
meu envelope selado, está errado
meu revólver de alumbrar-me eu,
tornou-se meu carcereiro, morteiro
Me sabe mais que me sei saberá.

Meu corpo apaga a lembrança acerca,
que eu tinha de minha mente. geme
Inocula-me seus fardos, nunca parados,
me atacando, fere e condenando,
Por crimes talvez subtraídos na vista.

O seu ardil mais diabólico da mente
está em fazer-se doente. De crente
Joga-me o real dos males tais
que ele tece a cada instante na gente
E me passa em revulsão. Convulsão.

Meu corpo inventou a dor fez rotina
Por enfim de torná-la interna neblina,
Integrante meu ego, faz se logo,
ofuscada à da luz parafina
que aí tentava espalhar-se plano algo.

Outras vezes se diverte para tanto,
Sem que eu saiba ou que me almeje,
E nesse prazer maligno, bendigo
que suas células impregnam à alma,
Do meu mutismo escarnecer canto.

Meu corpo ordena que eu saia de mim dentro
Em buscando do que não quero dize-lo,
E me negando, ao se afirmar como Eu
Como senhor da minha mente criva
Passo ser convertido em cão servil.

Este meu prazer mais refinado,
Não sou eu quem vai poucos senti-lo.
É ele, por mim, profanado, errado
e dá mastigados restos mandíbula
à minha fome absoluta. à fome resolvida.

Se tento dele afastar-me, de sua herança,
Por abstração ignorá-lo, desavença
Retornando a mim, com todo esse pesar
De sua carne diluída pelas nuvens súbito,
Seu tédio, seu desconforto. Seu dolo.

 Quero romper com meu corpo, tão eletivo
quero enfrentá-lo, acusá-lo, encéfalo
por abolir minha essência, já paterna
mas ele sequer me escuta tão terna
E segue pelo rumo oposto. Ao opróbrio.

Já premido por seu pulso ergue uso pulso
inquebrantável rigor, dá valor
não sou mais quem dantes era: tão moço
com volúpia dirigida, à musa mente
saio a bailar com meu corpo eternal.
ERiC PONTY