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sábado, agosto 04, 2018

Réquiem a um corpo - ERIC PONTY

À Carlos Drummond de Andrade
Meu corpo não é meu corpo, corpóreo
Sendo ilusão de outro ser. À ilusão
Sabe a arte de esconder-me sobrancelha
É de tal modo sagaz qual na sombra
que a mim de mim ele oculta ela.

Meu corpo, não meu agente, que sente,
meu envelope selado, está errado
meu revólver de alumbrar-me eu,
tornou-se meu carcereiro, morteiro
Me sabe mais que me sei saberá.

Meu corpo apaga a lembrança acerca,
que eu tinha de minha mente. geme
Inocula-me seus fardos, nunca parados,
me atacando, fere e condenando,
Por crimes talvez subtraídos na vista.

O seu ardil mais diabólico da mente
está em fazer-se doente. De crente
Joga-me o real dos males tais
que ele tece a cada instante na gente
E me passa em revulsão. Convulsão.

Meu corpo inventou a dor fez rotina
Por enfim de torná-la interna neblina,
Integrante meu ego, faz se logo,
ofuscada à da luz parafina
que aí tentava espalhar-se plano algo.

Outras vezes se diverte para tanto,
Sem que eu saiba ou que me almeje,
E nesse prazer maligno, bendigo
que suas células impregnam à alma,
Do meu mutismo escarnecer canto.

Meu corpo ordena que eu saia de mim dentro
Em buscando do que não quero dize-lo,
E me negando, ao se afirmar como Eu
Como senhor da minha mente criva
Passo ser convertido em cão servil.

Este meu prazer mais refinado,
Não sou eu quem vai poucos senti-lo.
É ele, por mim, profanado, errado
e dá mastigados restos mandíbula
à minha fome absoluta. à fome resolvida.

Se tento dele afastar-me, de sua herança,
Por abstração ignorá-lo, desavença
Retornando a mim, com todo esse pesar
De sua carne diluída pelas nuvens súbito,
Seu tédio, seu desconforto. Seu dolo.

 Quero romper com meu corpo, tão eletivo
quero enfrentá-lo, acusá-lo, encéfalo
por abolir minha essência, já paterna
mas ele sequer me escuta tão terna
E segue pelo rumo oposto. Ao opróbrio.

Já premido por seu pulso ergue uso pulso
inquebrantável rigor, dá valor
não sou mais quem dantes era: tão moço
com volúpia dirigida, à musa mente
saio a bailar com meu corpo eternal.
ERiC PONTY

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