Pesquisar este blog

sábado, julho 05, 2025

O CEMITÉRIO MARINHO - Paul Valéry - TRAD. ERIC PONTY

 Minha alma não aspire à vida imortal,
Todavia a exaustão do possível.

PÍNDARO, PÍTICASIII, EP.

Tranquilo teto donde marcham pombas,
pinhos palpitam, dentre destas tumbas,
justo do meio funde dos ardores!
Pélago deste sempre início mar!
Oh recompensa após de um pensar,
visão resguarda alívio desses deuses!

 Puro trabalho fim que se consuma
imperceptível brio diamante escuma,
qual paz parece para conservar!
E sobre abismo quando sol repousa
obras de casta eterna desta causa,
Cintila tempo é Saber sonhar!

Firme ouro, templo simples de Minerva,
massa de calma, visto que reserva,
soberbo céu que vê guardado alto!
Tanto repouso véu embaixo flama,
Ó meu silêncio! Prédio sóbrio d´alma,
coberto douro mil das telhas, teto!

 Tempo do templo, sol suspira sumo,
é deste ponto alcanço me acostumo,
tudo resguarda olhar meu do oceano
do Criador de doação tão soberana,
cintilação semear-nos já serena,
deste desdém que me alço soberano.

 Como fundida fruta desta essência
desta delícia altera sua existência,
qual duma boca morre na feição.
Sou fumo vero deste eu meu assuma,
que canta do céu da alma que consuma,
das rumorosas docas cicio dão.

 Belo céu, vero guarda céu alterável,
após de tanto orgulho do estranhável,
ócio total do pleno do poder.
Eu me abandono brio deste espaço,
mansões dos mortos, sombra minha ao passo,
que domestica frágil do mover.

 Exposta d´almas sol solstício abraça,
domina-a da admirável das justiças,
das quais das luzes armam da piedade!
Eu me só rendo prima da pureza:
Que me resguarda!...Junto à luz beleza
suposta sombra triste da metade.

Ó para meu eu, mim, para mim mesmo,
da fonte poema, do imo de tão próximo,
dentre da vida mais me envolve puro;
Eu espero do eco do amplo minha interna,
sombra de amargo, som estar cisterna,
tocar-me d´alma d´oco do futuro!

 Cativo sábio falso da folhagem,
comedor golfos magros da linhagem,
são meus cerrados olhos fascinados,
quais dos corpos prendem fins ociosos,
fronte arremete a terra destes ósseos?
Uma centelha pensa se ausentados.

 Ferido sacro, pleno fel conduz,
fragmento do terrestre oferta à luz,
que léu me deu, domínio tochas jaz,
Composto douro, pedras, cedros sombras,
tanto do marmo são que temblam abras;
Mar fiel sobre dor jazigos faz.

 Cã arreda deste crente do esplendor!
Qual solitário riso do pastor,
perpétuos dos carneiros misteriosos
branco rebanho calmas destas tumbas,
distantes das prudentes alvas pombas,
sonhos altivos, anjos tão curiosos.

Aqui futuro a terra mais que pura,
que deste inseto arranha-se secura,
é tudo bruto lhe arde aceita aragem,
que não sei da severa da existência...
A vida vasta livre desta ausência,
desse amargor doce alma da celagem!

 Mortos ocultos são bem terras quem,
é lhes aquecem secos lhes renascem,
meio do alto, meio mutações,
pensam de si, que acena de si mesma...
Fronte completa destro do diadema,
Eu sou de sua secreta alteração.

 Não faz contenham vagos meus temores!
Remorso dúvida, entre dos horrores,
defeitos são de extensos do diamante…
Noite doridas doídas são dos mármores,
vagam o povo tronco destas árvores,
extraídos outra vez partir errante.

Fundirem duma espessa desta falta
argila rubra bebe a branca casta;
O dom da vida passou para flores!
São destes mortos frases familiares,
Arte pessoal das almas singulares?
Larva mudada fia lamentações!

 Os gritos tão de agudos, moça irada,
olhos dos dentes, pálpebra mirada
seio encantado face deste fogo,
do sangue brilhou lábios se renderam,
últimos dons, dos dedos que acorreram,
De tudo que há na terra esvai vai jogo!

 Você grande alma espera sonhos danos,
das cores aura são dos sempre enganos,
douro olhos vivos, fonte onda daqui?
Cantaram quando for tão vaporosa?
Vá! Tudo foge! Minha está porosa,
impaciência santa morre aqui!

 Magra imortal sombria deste doirado
consolador do medo do laureado,
da morte seio fez tão maternal,
bela mentira dó que desta acusa!
Que nem conhece, quem que lhe recusa,
crânio vazio de riso de eternal.

 Profundos pais, de testa inabitada,
embaixo pesos tantas já pazadas,
terra confunde passam do jamais.
Roedor do vero verme irrefutável,
do ponto desta tábua do dormível,
viver da vida não se ata jamais!

Amor, por mim, eu mesmo será cisma?
dente secreto está que me aproxima,
dos quais dos nomes ele convencer!
Importa! Vê! Sonhando quer pegada!
Manta de carne agrada até camada
vivente eu deste volto pertencer!

 Zenão! Cruel Zenão! Zenão d’Eleia!
Mas furo deste dardo se volteia
vibrar nem voa, mais voeja do jamais!
Som me infantil me mata dardo fuga!
Ah! Sol... Qual sombra desta tartaruga
Aquiles d´alma grande passo mais!

Não! Não!… Levante! Tempo de exaustivo!
Parta meu corpo, forma, pensativo!
Bebam meu seio nasce deste vento!
Oh frescor, deste mar tão de exaltado,
Torna minha alma! Fonte do salgado!
Corram voltando d´onda avivamento!

 Oh! Grande mar delírios de doirados,
Pele pantera, Clâmide em tornados,
ídolos desses mil do sol da qual
da livre carne azul, de Hidra absoluta,
remorso da brilhante cauda solta
tumulto paz idêntica tão igual!

 Desvia se vento!… Qual viver tentar!
Imenso abrir reforma meu livro ar,
O pó saltou da pedra dos mais roços!
O vácuo desta folha de extasiada!
Dissolvam vagas! Quebrem d’água alçada!
Tranquilo teto do pipocar focos!

Paul Valéry
 Esta tradução usou como base da edição
 da Collection A. Lagarde & L. Michard de 1965

  ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA 

Amerika - Arthur Schnitzler - TRAD. ERIC PONTY

O navio atraca; os meus pés colocados em um novo continente... A manhã cinzenta de outono obscurece o mar e a terra; tudo ainda balança sob meus pés; ainda sinto o movimento inquieto das ondas... A cidade emerge da névoa... Ao meu lado, com os olhos abertos, animada, a multidão se apressa. Eles não se sentem em um lugar desconhecido, apenas em um lugar novo. Escuto alguém dizer baixinho "América", como se buscasse gravar em sua memória que agora está realmente aqui, tão longe. Encontro-me solitário na margem. Não me concentro na América que conheço, de onde espero uma felicidade que minha terra natal não me proporcionou. Em vez disso, penso em outro tipo de América. Aquele pequeno quarto se apresenta em minha mente com clareza, como se eu o tivesse deixado ontem, e não há tantos anos. Sobre a mesa, encontra-se uma lâmpada com um abajur verde e uma poltrona bordada no canto. Na penumbra, as imagens das gravuras penduradas na parede se confundem. Anna está comigo. Ela está deitada aos meus pés, com a cabeça ruiva encostada no meu joelho; tenho que me inclinar para olhar nos seus olhos. Nós interrompemos a conversa e a noite avança, deixando o quarto em silêncio. Lá fora, a chuva começa a cair, e ouvimos as gotas batendo na janela, devagar e com mais força. Ela sorri, e eu me inclino para a sua boca. Beijo seus lábios, sua testa, seus olhos, que ela fechou. Seus finos cabelos dourados, que se enrolam atrás de suas orelhas, são acariciados pelos meus dedos. Com gentileza, eu os empurro para trás e beijo suavemente a pele branca atrás da orelha. Ela olha para cima novamente e ri, demonstrando contentamento. "Algo novo", ela sussurra, como se estivesse surpresa. Eu mantenho meus lábios firmemente pressionados atrás da orelha. Então, respondo com um sorriso: "Sim, tive uma descoberta interessante." Ela ri e, como uma criança, exclama alegremente: "América!". Naquela época, havia um certo charme. É uma situação peculiar e intrigante. Tenho a impressão de que consigo visualizar seu rosto diante de mim, e como se estivesse olhando para mim, com seus olhos travessos, e como o grito ecoava de seus lábios vermelhos: "América!". Lembro-me de como, naquela época, nos divertíamos e de como o perfume que emanava de seus cachos nos encantava. E assim surgiu esse nome grandioso. Tão incrível e bobo! Vejo seu rosto diante de mim, olhando para mim com seus olhos travessos, e como o grito ecoava de seus lábios vermelhos: “América!” Como ríamos naquela época, e como me embriagava o perfume que emanava de seus cachos sobre nossa América... E assim ficou esse nome grandioso. No início, sempre gritávamos quando um dos inúmeros beijos se perdia atrás da orelha; depois, sussurrávamos – depois, apenas pensávamos; mas sempre vinha à consciência. Uma profusão de lembranças surge em mim. Como uma vez vimos a imagem de um grande navio em um poste e, aproximando-nos, lemos: “Partida de Liverpool – Chegada em Nova York – Partida de Bremen – Chegada em Nova York”… Nós rimos no meio da rua, e ela afirmou em voz alta, enquanto as pessoas estavam ao redor: “Nós vamos viajar para a América ainda hoje!” As pessoas olhavam para ela com espanto; especialmente um jovem de bigode loiro, que ainda sorria. Isso me irritou muito, e pensei: Sim, ele provavelmente gostaria de viajar... Então, uma vez estávamos no teatro, não me lembro mais qual peça, quando alguém no palco mencionou Colombo. Era uma peça em jambos, e lembro-me do verso: “– e quando Colombo subiu na ponte...” Anna tocou meu braço levemente; olhei para ela e entendi seu olhar de desprezo. Pobre Colombo... como se ele tivesse descoberto a verdadeira América! Quando estávamos sentados em uma vinaria depois do teatro, conversamos muito sobre aquele bom homem que se gabava tanto de sua pobre América. Na verdade, sentíamos pena dele. Por muito tempo, não consegui imaginá-lo de outra forma senão com um olhar triste, parado na costa de seu novo mundo, estranhamente com um cartola e um sobretudo muito moderno, balançando a cabeça em desapontamento. Certa vez, desenhamos ele juntos na mesa de mármore de um café e sempre encontrávamos novos detalhes. Ela insistia que ele tinha que fumar um charuto; além disso, o grande descobridor em nosso desenho carregava uma guarda-chuva e seu cartola estava amassada – naturalmente – por causa dos amotinados. Assim, Colombo se tornou para nós a figura mais engraçada de toda a história mundial. Que incrível! Que tolice! E agora estou no meio desta cidade grande e fria. Estou na América errada e sonho com a minha doce e perfumada América lá longe... E há quanto tempo isso já aconteceu! Muitos, muitos anos. Uma dor, uma loucura toma conta de mim por saber que algo assim está irremediavelmente perdido. Que eu nem sei onde ela poderia receber notícias minhas, onde uma carta poderia chegar até ela – que eu não sei mais nada, absolutamente nada sobre ela... Meu caminho me leva mais para dentro da cidade, e meu carregador me segue. Paro por um momento, fecho os olhos e, por um estranho jogo enganador dos sentidos, sou envolvido pelo mesmo perfume que exalava dos cachos de Anna naquela noite em que descobrimos a América...

Arthur Schnitzler -  TRAD. ERIC PONTY

 ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA 

quarta-feira, julho 02, 2025

82114 ACESSOS - MISSIVAS - A VOZ DO POETA

Se meio da paisagem Ivan lida,
desencontrei num caos já perdido,
que deu rumo direito nesta vida.
Ah, quanto escrevê-la empresa pura,

Este caos paisagem, arde, e forte,
E que o tremor no pensamento acura.
E tal langor, só a maior na sorte,
Mas quando ao céu que Ivan me encontrei,

Outras Terras direi deste meu forte.
Não posso argumentar bem o entrei,
Tal pensamento estava àquele ponto,
Em que o caos voraz abandonei.

Depois, Deus, de uma d´águas, fez pronto,
Surgido onde findava abismo lento,
Que ao dia ao coração trouxe em confronto.
Vejo daqui vi seus ombros, perto,
Revestidos clarezas, dia completo,

Separação que forma o rumo certo. 

ERIC PONTY

 
DR. ANDERSEN VIANNA UFMG E CLÓVIS SALGADO - COMPOSIÇÃO 
 
ROMANCEIRO DA COMARCA DAS GERAIS  

 
 Idílio DE CLÁUDIO MANOEL DA COSTA 

 

 
 
 









 
 
 
 
CURADORIA – IVO BARROSO INTEGRANTES – FERREIRA GULLAR – LEDO IVO – ADÉLIA PRADO - IVO BARROSO – MANUEL DE BARROS – BRUNO TOLENTINO – IVAN JUNQUEIRA- GILBERTO MENDONÇA TELLES – ERIC PONTY 
 
 DR. Alexandre Schubert UFRJ
 

ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA 

UM HOMEM PECULIAR - ANTON CHEKHOV - TRAD. ERIC PONTY

 ENTRE doze e uma da noite, um senhor alto, usando cartola e casaco com capuz, pára diante da porta de Marya Petrovna Koshkin, parteira e solteirona. Nem o rosto nem a mão podem ser distinguidos na escuridão do outono, mas na própria maneira como o senhor tosse e toca a campainha é possível perceber certa solidez, positividade e até mesmo imponência. Após o terceiro toque, a porta se abre e a própria Marya Petrovna aparece. A senhora está vestindo um sobretudo de homem por cima de sua anágua branca. A pequena lâmpada com abajur verde que ela segura na mão lança uma luz esverdeada sobre seu rosto sonolento e sardento, seu pescoço esfarrapado e o cabelo ralo e avermelhado que se desprende sob a touca. “Posso ver a parteira?”, pergunta o senhor. "Eu sou a parteira. O que o senhor quer?" O senhor entra na entrada e Marya Petrovna vê de frente para ela um homem alto e bem constituído, não mais jovem, mas com um rosto bonito e severo e bigodes espessos. “Sou assessor do colegiado, meu nome é Kiryakov”, diz ele. "Vim buscar o senhor para minha esposa. Mas, por favor, apresse-se". “Muito bem...”, concorda a parteira. "Vou me vestir imediatamente e preciso pedir à senhora que me espere na sala de estar. Kiryakov tira o sobretudo e entra na sala. A luz esverdeada da lâmpada ilumina esparsamente a mobília barata com coberturas brancas remendadas, as flores deploráveis e os postes nos quais a hera está plantada. . . . Há um cheiro de gerânio e carbólico. O pequeno relógio na parede faz um tique-taque tímido, como se estivesse envergonhado com a presença de um homem estranho. “Estou pronta”, diz Marya Petrovna, entrando no quarto cinco minutos depois, vestida, lavada e pronta para a ação. "Vamos embora. “Sim, a senhora deve se apressar”, diz Kiryakov. “E, a propósito, não é descabido perguntar: quanto o senhor pede por seus serviços?” “Eu realmente não sei...”, diz Marya Petrovna com um sorriso embaraçado. “O quanto a senhora quiser dar.” “Não, eu não gosto disso”, diz Kiryakov, olhando fria e firmemente para a parteira. "É melhor combinar com antecedência. Eu não quero me aproveitar da senhora e a senhora não quer se aproveitar de mim. Para evitar mal-entendidos, é mais sensato fazermos um acordo com antecedência." “Eu realmente não sei, não há um preço fixo.” "Eu mesmo trabalho e estou acostumado a respeitar o trabalho dos outros. Não gosto de injustiça. Será igualmente desagradável para mim se eu lhe pagar muito pouco ou se o senhor exigir muito de mim e, por isso, insisto para que o senhor indique o valor a ser cobrado." “Bem, existem cobranças tão diferentes.” "O senhor. Em vista da hesitação do senhor, que não consigo entender, sou obrigado a fixar a quantia eu mesmo. Posso lhe dar dois rublos. "Santo Deus! . . . Com a minha palavra! ...", diz Marya Petrovna, ficando vermelha e dando um passo para trás. "Estou realmente envergonhada. Em vez de ficar com dois rublos, vou ficar de graça. . . . Cinco rublos, se o senhor quiser". "Dois rublos, nem um copeque a mais. Não quero me aproveitar do senhor, mas não pretendo ser cobrado a mais." "Como o senhor quiser, mas não estou indo por dois rublos. . . ." “Mas, por lei, o senhor não tem o direito de recusar.” “Muito bem, eu vou por nada.” "Não quero que o senhor venha de graça. Todo trabalho deve ser remunerado. Eu mesmo trabalho e entendo isso. . . ." “Não vou lá por dois rublos”, responde Marya Petrovna com brandura. “Se o senhor quiser, vou de graça.” "Nesse caso, lamento ter incomodado a senhora por nada. . . . Tenho a honra de desejar ao senhor um adeus". “Bem, o senhor é um homem!”, disse Marya Petrovna, vendo-o entrar. “Eu irei por três rublos, se isso satisfizer o senhor”. Kiryakov franze a testa e pondera por dois minutos inteiros, olhando com concentração para o chão, depois diz resolutamente: “Não”, e sai para a rua. A parteira, atônita e desconcertada, fecha a porta atrás dele e volta para o seu quarto. "Ele é bonito, respeitável, mas que estranho, Deus abençoe o senhor! ...", ela pensa enquanto se deita na cama. Mas, em menos de meia hora, ela ouve outro toque; levanta-se e vê o mesmo Kiryakov novamente. "É extraordinária a maneira como as coisas são mal administradas. Nem o farmacêutico, nem a polícia, nem os porteiros podem me dar o endereço de uma parteira e, por isso, sou obrigada a concordar com os termos do senhor. Darei ao senhor três rublos, mas... De antemão, aviso ao senhor que, quando contrato empregados ou recebo qualquer tipo de serviço, faço um acordo prévio para que, quando for pagar, não se fale em extras, gorjetas ou qualquer coisa do gênero. Todos devem receber o que lhes é devido". Marya Petrovna não ouviu Kiryakov por muito tempo, mas já sente que está entediada e repelida por ele, que sua fala equilibrada e comedida é como um peso em sua alma. Ela se veste e sai com ele para a rua. O ar está calmo, mas frio, e o céu está tão nublado que a luz das lâmpadas da rua quase não é visível. A neve escorregadia se espreme sob seus pés. A parteira olha atentamente, mas não vê nenhum táxi. “Suponho que não seja longe?”, pergunta ela. “Não, não é longe”, responde Kiryakov com tristeza. Eles descem uma esquina, uma segunda, uma terceira. . . . Kiryakov caminha a passos largos, e até mesmo em seu passo sua respeitabilidade e positividade são aparentes. “Que tempo horrível!”, observa a parteira para ele. Mas ele mantém um silêncio digno, e é perceptível que ele tenta pisar nas pedras lisas para não estragar suas galochas. Finalmente, após uma longa caminhada, a parteira entra na entrada, de onde pode ver uma grande sala de estar decentemente mobiliada. Não há ninguém nos cômodos, nem mesmo no quarto onde a senhora está deitada em trabalho de parto. . . . Não se vêem as senhoras idosas e os parentes que se aglomeram em todo confinamento. A cozinheira corre sozinha, com um rosto assustado e vazio. Há um som de gemidos altos. Três horas se passam. Marya Petrovna senta-se ao lado da cama da mãe e sussurra para ela. As duas senhoras já tiveram tempo de fazer amizade, já se conhecem, fofocam, suspiram juntas. . . . “A senhora não deve falar”, diz a parteira ansiosamente, ao mesmo tempo em que lhe faz muitas perguntas. Então a porta se abre e o próprio Kiryakov entra na sala, silenciosa e solidamente. Ele se senta na cadeira e acaricia os bigodes. O silêncio reina. Marya Petrovna olha timidamente para seu belo rosto de madeira, sem paixão, e espera que ele comece a falar, mas ele permanece em silêncio absoluto e absorto em seus pensamentos. Depois de esperar em vão, a parteira decide começar ela mesma e pronuncia uma frase comumente usada em confinamentos. “Bem, agora, graças a Deus, há mais um ser humano no mundo!” “Sim, isso é agradável”, disse Kiryakov, preservando a expressão de madeira em seu rosto, "embora, por outro lado, para ter mais filhos, o senhor precisa ter mais dinheiro. O bebê não nasce alimentado e vestido". Uma expressão de culpa surge no rosto da mãe, como se ela tivesse trazido uma criatura ao mundo sem permissão ou por capricho ocioso. Kiryakov se levanta com um suspiro e sai da sala com sólida dignidade. “Que homem, abençoado seja!”, diz a parteira para a mãe. “Ele é tão severo e não sorri”. A mãe lhe diz que _ele_ é sempre assim. . . . Ele é honesto, justo, prudente, sensatamente econômico, mas tudo isso em um grau tão excepcional que os simples mortais se sentem sufocados por isso. Seus parentes se separaram dele, os empregados não ficam mais do que um mês; ele não tem amigos; sua esposa e filhos estão sempre em pânico, aterrorizados com cada passo que dão. Ele não grita com eles nem os espanca, suas virtudes são muito mais numerosas do que seus defeitos, mas quando ele sai de casa, todos se sentem melhor e mais tranquilos. A própria senhora não sabe dizer por que isso acontece. “As bacias devem ser bem lavadas e guardadas no armário”, diz Kiryakov, entrando no quarto. “Essas garrafas também devem ser guardadas: elas podem vir a ser úteis.” O que ele diz é muito simples e comum, mas a parteira, por algum motivo, se sente confusa. Ela começa a ter medo do senhor e estremece toda vez que ouve seus passos. De manhã, quando está se preparando para partir, ela vê o filho pequeno de Kiryakov, um estudante pálido e de cabelo curto, na sala de jantar tomando chá. . . Kiryakov está de pé em frente a ele, dizendo com sua voz plana e uniforme: "O senhor sabe como comer, deve saber como trabalhar também. O senhor acabou de engolir um bocado de comida, mas provavelmente não refletiu que esse bocado custa dinheiro e que o dinheiro é obtido pelo trabalho. O senhor precisa comer e refletir. . . ." A parteira olha para o rosto abatido do menino e parece-lhe que o próprio ar está pesado, que um pouco mais e as próprias paredes cairão, incapazes de suportar a presença esmagadora do homem peculiar. Apavorada e sentindo um ódio violento pelo senhor, Marya Petrovna junta suas trouxas e sai apressadamente. No meio do caminho para casa, ela se lembra de que se esqueceu de pedir seus três rublos, mas, depois de parar e pensar por um minuto, com um aceno de mão, ela prossegue.

 ANTON CHEKHOV - TRAD. ERIC PONTY

 

 

ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA 

DIE FACKEL II- KARL KRAUS - TRAD. ERIC PONTY

 Os senhores que encontraram na execução de seus desejos uma feliz combinação de estupidez e força física não conseguiram nada, a não ser que minha luta continue alguns dias mais tarde do que seria cronologicamente correto. Meus leitores perdoem-me esta pequena irregularidade. Nada aconteceu, a não ser que, na noite de 10 para 11 deste mês, um tijolo roçou minha cabeça. Se ela mutilar meu braço em breve, ainda me restará a boca para “dizer o que é”, para afirmar em voz alta que a aliança entre Thealer e a imprensa logo levará à ruína de ambas as instituições, e que a liderança que os senhores Bahr uma dívida e espalhou ao acaso que minha luta contra a contaminação jornalística do teatro, meu protesto contra a tirania que uma insignificância em busca de piadas como o Sr. Julius Bauer erigiu no reino dos espíritos vienenses, enfim, toda a minha maneira de agir se explicava simplesmente pela minha irritação por ter tido “más experiências” com o “Extrablatt”. Até então, eu sempre me sentira lisonjeado com o boato de que não tinha sido aceito no conselho editorial do “Neue Freie Presse”. E eis que, de repente, o “Extrablatt” me informava que eu tinha sido rejeitado. “Extrablatt”. Até agora, apenas me lisonjeava o rumor de que eu não havia sido aceito na equipe editorial da “Neue Freie Presse” e, vejam só, agora descubro, para meu espanto, que na verdade foi o “Illustr. Wr. Extrablatt” que fechou as portas da sua redação à minha ambição ambiciosa. De que servem agora todas as garantias de que nunca tive com este jornal outras “más experiências” na minha vida além das que qualquer leitor de jornal tem num café quando o garçom o joga sobre a mesa? Deixem-me pensar: — Não é possível que uma vez me tenham recusado a admissão no comitê de baile da “Concordia”? Talvez eu simplesmente não me lembre... De qualquer forma, é certo que me esforcei, pelas costas, para entrar em alguma agência de jornal vienense: “escreve apenas um”, que o Sr. Stern, o Sr. Löwy ou o Sr. Buchbinder mantiveram oprimido por muito tempo e a quem os teatros negaram todos os ingressos gratuitos que esses senhores, que não sabem escrever, receberam. Hoje, depois de todas as notícias que recebi sobre meus primeiros passos literários, posso formar uma imagem bastante clara de mim mesmo. Lá estava eu, cheio de esperança, no corredor central do Volkstheaterparket, meus olhos brilhavam, meu coração batia forte e eu escutava a sabedoria que fluía dos lábios de Landesberg e parecia dizer a todos os que sabiam: a peça terá seis apresentações...Sentei-me aos pés de Fischl, ansioso por aprender, a notícia, a experiência —4— um empréstimo e espalhada ao acaso, minha luta contra a contaminação jornalística do teatro, meu protesto contra a tirania que uma insignificância em busca de piadas como o Sr. Julius Bauer ergueu no reino dos espíritos vienenses, enfim, toda a minha conduta se explica simplesmente pela minha irritação por ter tido “experiências ruins” com o “Extrablatt”. Até então, apenas os rumores me lisonjeavam, dizendo que eu não havia sido aceito na equipe editorial do “Neue Freie Presse”, e eis que, no “Extrablatt”, “Extrablatt”. Até agora, apenas me lisonjeava o boato de que eu não havia sido aceito na equipe editorial da “Neue Freie Presse” e, vejam só, agora descubro, para meu horror, que na verdade foi o “Illustr. Wr. Extrablatt” que fechou as portas da sua redação à minha ambição ambiciosa. De que servem agora todas as garantias de que nunca tive com este jornal outras “más experiências” na minha vida além daquelas que qualquer leitor de jornais tem num café quando o garçom o joga na mesa? Deixe-me pensar: — Não é possível que uma vez me tenham recusado a admissão no comitê de baile da “Concordia”? Talvez eu simplesmente não me lembre... De qualquer forma, é certo que eu me esforcei, pelas costas, para entrar em alguma agência jornalística vienense: “escreve apenas um”, que o Sr. Stern, o Sr. Löwy ou o Sr. Buchbinder mantiveram oprimido por muito tempo e a quem os teatros negaram todos os ingressos gratuitos que esses senhores, que não sabem escrever, receberam. Hoje, depois de todas as notícias que recebi sobre meus primeiros passos literários, posso me fazer uma imagem bastante clara de mim mesmo. Lá estava eu, cheio de esperança, no corredor central do Volkstheaterparket, meus olhos brilhavam, meu coração batia forte e eu escutava a sabedoria que fluía dos lábios de Landesberg e parecia dizer a todos os que sabiam: a peça terá seis apresentações...... Sentei-me aos pés de Fischl, ansioso por aprender, absorvendo a sabedoria que a experiência oferecia, e provavelmente sonhando com uma bela posição dupla no futuro — autor com direitos autorais e crítico de teatro ao mesmo tempo — nos dias da minha juventude inocente. E então... de repente expulso, talvez por causa de uma observação imprudente, talvez porque pisei no pé da filha de um redator local em uma festa do clube, proscrito; melancólico, como o príncipe dinamarquês, que “carece de promoção”, vagando pelos semanários... uma batida suave na porta do “Extrablatt” e, após o fracasso dessa última tentativa — a fundação do “Packel”... Como deve incomodar meus bons inimigos, como deve ferir sua crença em minhas conexões com a “manjedoura”, que a história da criação deste jornal seja um pouco diferente. No início era a comida, e eu vi que não era boa. Poderíamos continuar: e ele disse: “Haja luz”, e surgiu “Die Fackel”... A comida realmente não era boa, e vi muitos burros se aglomerando em torno da manjedoura. Não muito longe, porém, havia outros presépios, dos quais aquele era constantemente abastecido. E ali estava um homem, que segurava o “Economist” nas mãos e dizia às subvenções: sejam fecundas e multipliquem-se! E assim foi: Abendblatt: Um dia... U U UI 00000 | A Não tenho segredos e, como hoje — após quatro tentativas de expressar minha opinião sem reservas — um mar de maldade ameaça se abater sobre minha cabeça, preciso ir além e convidar o leitor a examinar os erros da minha juventude. É preciso enfrentar a suspeita sempre latente; por isso não posso hesitar em me “atacar pessoalmente” de forma impiedosa. Abro a gaveta de baixo da minha escrivaninha e descubro que, desde os 5 anos, sonhava com uma bela carreira dupla — autor de direitos autorais e crítico de teatro — nos dias da minha juventude inocente. E então... de repente expulso, talvez por causa de uma observação imprudente, talvez porque pisei no pé da filha de um editor local em uma festa do clube, ostracizado; melancólico, como o príncipe dinamarquês, que “carece de promoção”, vagando pelos semanários... uma batida suave na porta do “Extrablatt” e, após o fracasso dessa última tentativa — a fundação do “Packel”... Como deve incomodar meus bons inimigos, como deve ferir sua crença em minhas conexões com a “manjedoura”, que a história da criação deste jornal seja um pouco diferente. No início era a comida, e eu vi que não era boa. Poderíamos continuar: e ele disse: “Haja luz”, e surgiu “Die Fackel”... A comida realmente não era boa, e vi muitos burros se aglomerando em torno da manjedoura. Não muito longe, porém, havia outros presépios, dos quais aquele era constantemente abastecido. E ali estava um homem, que segurava o “Economist” nas mãos e dizia às subvenções: sejam fecundas e multipliquem-se! E foi assim que se tornou orgenblult e us: Abendblatt: Um dia... U U UI 00000 | A Não tenho segredos e, como hoje — após quatro tentativas de expressar minha opinião sem reservas — um mar de maldade ameaça se abater sobre minha cabeça, devo ir ainda mais longe e convidar o leitor, sem receio, a visitar os pecados da minha juventude. É preciso enfrentar a suspeita sempre latente; por isso, não posso hesitar em me “atacar pessoalmente” de forma impiedosa. Abro a gaveta mais baixa da minha escrivaninha e descubro que, desde os — 6 — dias do meu noviciado literário, aprendi a pensar de maneira diferente sobre muitas coisas. Aqui, um cartão de visita e ali, uma carta que me provam que conheci pessoalmente algumas das pessoas que hoje combato. Portanto, sou extremamente ingrato. Ou não? Ou será que nunca devemos ter conhecido os círculos dos quais nos afastamos com vergonha e repulsa em tempos de melhor discernimento? São sutilezas lógicas às quais a boa sociedade é sempre receptiva; rapidamente aproveitadas por aqueles que me odeiam, elas se transformam em mentiras que voam aos pés daqueles que caminham com integridade. Bem, então — mas não se assuste: entre os 19 e os 23 anos, tive “ligações”, o cuidado em manter “relações” recém-conquistadas era a minha tempestade e o meu conteúdo, e uma vida social refinada nos círculos jornalísticos liberais era o conteúdo dos meus anos de juventude. Sim, não vou negar que, para um novato viciado em literatura e politicamente ignorante, um cargo de colunista no “Neue Freie Presse” às vezes era tentador, que esse jornal, entre todos os existentes, me enganou com suas pretensões de elegância, que desde então percebi como fúteis. Se hoje professores universitários grisalhos, políticos sociais e publicistas especialistas em economia se deixam atrair por um olhar de misericórdia das alturas do conhecimento mais moderno para a rua da miséria, não se pode julgar com demasiada severidade os desvios de uma juventude presa à fé liberal da escola. Eu me perdoo. Percebi que sou capaz de melhorar. Mas não quero poupar-me da crueldade de vasculhar um pouco os ideais do meu passado. Que eu “mais cedo ou mais tarde chegaria à Neue Freie Presse” era considerado um fato consumado pelos que sabiam. Os editores do jornal haviam feito repetidas alusões a isso e, embora a palavra final do editor ainda não tivesse sido dada, os — 6 — dias do meu noviciado literário, eu havia aprendido a pensar de maneira diferente sobre muitas coisas. Aqui um cartão de visita e ali uma carta que me provam que conheci pessoalmente algumas das pessoas contra as quais luto hoje. Portanto, sou extremamente ingrato. Ou não? Ou será que nunca se deve ter conhecido os círculos dos quais se afasta com vergonha e repulsa em tempos de melhor discernimento? Essas são sutilezas lógicas, às quais a boa sociedade é sempre receptiva; rapidamente aproveitadas por aqueles que me odeiam, elas se transformam em mentiras que voam aos pés daqueles que caminham com integridade. Bem, então — mas não se assuste: entre os 19 e os 23 anos, eu tive “ligações”, o cuidado em manter aquecidas as relações recém-conquistadas “relações recém-conquistadas era a minha tempestade e ímpeto, e uma vida social refinada nos círculos jornalísticos liberais era o conteúdo dos meus anos de juventude. Sim, não vou negar que, para um novato viciado em literatura e politicamente ignorante, um cargo de colunista na “Neue Freie Presse” poderia ter sido tentador, que esse jornal, entre todos os jornais existentes, me tenha enganado com suas pretensões de elegância, que desde então percebi como uma farsa. Se hoje professores universitários grisalhos, políticos sociais e publicitários especialistas em economia se deixam atrair por um olhar de benevolência das alturas do conhecimento mais moderno para a rua da miséria, não se pode julgar com demasiada severidade os desvios de uma juventude presa a crenças liberais aprendidas na escola. Eu me perdoo. Percebi que sou capaz de melhorar. Mas não quero poupar-me da crueldade de vasculhar um pouco mais os ideais do meu passado. Que eu “mais cedo ou mais tarde chegaria à ‘Neue Freie Presse’ era considerado um fato consumado pelos que sabiam. Os editores do jornal haviam aludido repetidamente a isso e, embora a palavra final do editor ainda não tivesse sido dada, da sala do trono cuidadosamente guardada pelo u FÜ chegou a notícia semi-oficial de que meu talento já estava sendo “observado” há algum tempo. Os gestos dos observadores da corte me deram a dica de que eu deveria enviar pequenas contribuições de vez em quando e, quando recebi um convite direto, não hesitei em fazer o que todos os jovens literatos estão dispostos a fazer, mesmo sem um convite formal. Peço desculpas aos meus leitores: naquela época, escrevi algumas críticas literárias, conversas e coisas do gênero para o “Neue Freie Presse”. Mais ainda: para testar minhas habilidades também em jornalismo puro, comecei a escrever correspondências de verão para o jornal a partir de Ischl, enviando depêches com o zelo de um aspirante a escritor sobre coisas que não tinham interesse em si mesmas, apenas pela forma como eram tratadas jornalisticamente, e passei dias tristes quando uma notícia falsa de noivado, que eu espalhei pelo mundo, ameaçou pôr um fim abrupto à minha atividade. No entanto, sempre que o verão chegava, eu era “animado” novamente, pareciam não perder a esperança em minhas habilidades como repórter e estavam satisfeitos por poder contratar um correspondente em Ischl por um preço tão baixo. Minha reputação crescia na medida em que eu menos me deixava desanimar pelo salário baixo. O divulgador do boato um tanto exagerado sobre o noivado de uma atriz de teatro logo pôde se apresentar com uma reportagem sobre o encontro entre Goluchowski e Hohenlohe, e os acontecimentos em Ischl passaram a obedecer ao representante designado do “Neue Freie Presse”. Eu já tinha um certo prestígio entre eles, e a grande enchente que devastou a região de Salzkammergut há dois ou três verões parecia confiar muito mais em mim do que no Sr. Herzl, que havia chegado a Ischl como um estranho e tentava lidar com a catástrofe com telegramas emotivos. Ainda o vejo na varanda do hotel cercado pelas águas, em u | A notícia de que meu talento já estava sendo “observado” há algum tempo chegou de forma semi-oficial à sala do trono cuidadosamente guardada. Gestos da corte me indicaram que eu deveria apresentar ocasionalmente pequenas contribuições e, quando recebi um convite direto, não hesitei em fazer o que todos os escritores mais jovens estão dispostos a fazer, mesmo sem um pedido formal. Peço desculpas aos meus leitores: naquela época, escrevi algumas críticas literárias, conversas e coisas do gênero para o “Neue Freie Presse”. Mais ainda: para testar minhas habilidades também em tentativas puramente jornalísticas, comecei a escrever correspondências de verão para o jornal a partir de Ischl, enviando depêches com o entusiasmo de um aspirante a escritor sobre coisas que não me interessavam em si, mas apenas pela forma como eram exploradas jornalisticamente, e passei dias tristes quando uma notícia falsa de noivado, que eu espalhei pelo mundo, ameaçou pôr um fim abrupto à minha atividade. No entanto, sempre que chegava o verão, eu era “animado” novamente, pois pareciam não desesperar com a minha capacidade como repórter e estavam felizes por poder contratar um correspondente em Ischl por um preço tão baixo. Minha reputação crescia na medida em que eu menos me deixava desanimar pelo salário baixo. O divulgador do boato um tanto exagerado sobre o noivado de uma atriz de teatro logo pôde se apresentar com uma reportagem sobre o encontro entre Goluchowski e Hohenlohe, e os acontecimentos em Ischl passaram a obedecer ao representante designado da “Neue Freie Presse”. Eu já tinha um certo prestígio entre eles, e a grande enchente que devastou a região de Salzkammergut há dois ou três verões atrás parecia confiar muito mais em mim do que no Sr. Herzl, que havia chegado a Ischl como um estranho e tentava lidar com a catástrofe com telegramas cheios de emoção. Ainda o vejo na varanda do hotel cercado pelas águas, em 8 —_ Impressionen, com um bloco de desenho na mão, no qual anotava meticulosamente cada tronco de árvore que flutuava em sua direção. Eu pressentia a insatisfação da redação, ofereci-lhe ajuda com “fatos” e lhe informei sobre deslizamentos de terra, trilhos de trem tortos, túneis desabados e pontes destruídas. Eu deveria estar grato a ele por isso, e foi desagradável da minha parte ter escrito, um ano depois, a “Coroa para Sião”. A “Neue Freie Presse” costuma enviar telegramas encorajadores aos correspondentes dedicados, e eu possuo algumas que consideram meu trabalho “excelente” e mencionam o “alvoroço” que esta ou aquela reportagem minha causou. — — Depois de tudo isso, porém, não se deve pensar que eu tenha sido mesquinho em relação a uma posição puramente jornalística. Minha inclinação há muito me levara a outro campo, mais literário, e eu me entregava ao esporte do noticiário, que me era quase como uma espécie de diversão de verão, apenas para não me afastar muito do círculo de favores do jornal. Ele continuou a ser benevolente comigo. Peço desculpas aos meus leitores por prolongar tanto essas relações imorais, mas não perco de vista o momento em que me será imposto o dever de desprezar o “Neue Freie Presse”...- Por mais de trinta anos, o jornal desempenhou o papel de providência da cidade interior, sua existência não se compunha de números, mas de revelações, e, segundo a concepção do Antigo Testamento, não há possibilidade terrena de entrar em contato direto com os editores da “Neue Freie Presse”, que , como se conta com admiração tímida, só devem se relacionar com os diretores do banco por meio de intermediários. Os jovens literatos dependem de um “sinal” e de compromissos 8 —_ À espreita de impressões, com um caderno de desenho na mão, no qual anotava meticulosamente cada tronco de árvore que aparecia. Eu pressentia a insatisfação da redação, ajudava-o com “fatos” e lhe trazia deslizamentos de terra, trilhos de trem tortos, túneis desabados e pontes destruídas. Eu deveria estar grato a ele por isso, e foi feio da minha parte ter escrito, um ano depois, a “Coroa para Sião”. A “Neue Freie Presse” costuma enviar de vez em quando telegramas encorajadores aos correspondentes diligentes, e eu possuo alguns que consideram meu trabalho “excelente” e mencionam o “alvoroço” que esta ou aquela reportagem minha causou. — — Depois de tudo isso, porém, não se deve pensar que eu tenha sido avarento em relação a uma posição puramente jornalística. Minha inclinação há muito me levara a outro campo, mais literário, e eu me entregava ao esporte do noticiário, que me era quase como uma espécie de diversão de verão, apenas para não me afastar muito do círculo de favores do jornal. Além disso, ele continuava a ser-me favorável. Peço desculpas aos meus leitores por prolongar tanto essas relações questionáveis, mas não perco de vista o momento em que me será imposto o dever de desprezar o “Neue Freie Presse”...Durante mais de trinta anos, o jornal desempenhou o papel de providência da cidade interior, sua existência não se compunha de números, mas de revelações, e, segundo a concepção do Antigo Testamento, não há possibilidade terrena de entrar em contato direto com os editores da “Neue Freie Presse”, que , como se conta com admiração tímida, só devem se relacionar com os diretores do banco por meio de intermediários. Os jovens literatos dependem de um “sinal”, e os compromissos —_9 —_ parecem ser firmados exclusivamente por sonhos ou visões. “Tudo na natureza se realiza de acordo com o espaço disponível na ‘Neue Freie Presse’”, diz um antigo princípio físico, e o conceito de grandeza de tudo o que é terreno só é determinado pelas medidas da megalomania dos editores desse jornal. Se um evento ocorre sem que a “Neue Freie Presse” tome conhecimento, isso é sempre acompanhado por certas irregularidades no espaço cósmico, e sempre se descobriu que, simultaneamente a uma vergonha para o jornal, foi observada em algum lugar uma cometa ou uma chuva de estrelas cadentes. Além disso, o Sr. Benedikt costuma ficar muito irritado com o evento que lhe escapou. O fim dos presidentes e ministros da República Francesa, por exemplo, é algo com que a “Neue Freie Presse” geralmente tem azar. Enquanto vivem, tudo vai bem, mas, uma vez mortos, acaba-se a boa vontade, e não é o correspondente que perdeu a oportunidade, mas a República Francesa que estragou sua relação com o “Neue Freie Presse”. O Sr. Herzl provou que era capaz de coisas maiores quando deixou passar o assassinato de Carnot, e foi o Sr. Berthold Frischauer para quem Felix Faure morreu cedo demais. Gambefta é provavelmente o único com quem a coisa ainda deu certo, mais ou menos; mas ele havia visitado anteriormente, por ocasião de sua presença em Viena, a redação — que ainda hoje se alimenta dessa honra — e prometido aos senhores que, se necessário, acordaria seu representante em Paris a tempo. Mas isso é apenas um aparte, para ilustrar a grandeza mística que o jornal demonstra mesmo em seus erros. Arrogância, vulgaridade, erros de estilo — tudo cresce ali em forma lapidada, o novato é tomado por reverência ao ser conduzido pela primeira vez ao santuário da opinião pública por um aceno significativo. Para mim, o arrepio do mistério parecia ser concluído exclusivamente por sonhos ou visões. “Tudo na natureza se realiza de acordo com o espaço disponível na ‘Neue Freie Presse’”, diz um antigo princípio físico, e o conceito de grandeza de tudo o que é terreno só é determinado pelas medidas da megalomania dos editores desse jornal. Se um evento ocorre sem que o “Neue Freie Presse” tome conhecimento, isso é sempre acompanhado por certas irregularidades no espaço cósmico, e sempre se descobriu que, simultaneamente a uma vergonha para o jornal, foi observada em algum lugar uma cometa ou uma chuva de estrelas cadentes. Além disso, o Sr. Benedikt costuma ficar muito irritado com o evento que lhe escapou. O fim dos presidentes e ministros da República Francesa, por exemplo, é algo com que a “Neue Freie Presse” geralmente tem azar. Enquanto estão vivos, ainda dá para aguentar, mas assim que morrem, acaba a boa sorte, e não é o correspondente que perdeu a oportunidade, mas a República Francesa que estragou tudo com o “Neue Freie Presse”. O Sr. Herzl provou que era capaz de coisas maiores quando deixou passar o assassinato de Carnot, e foi o Sr. Berthold Frischauer a quem Felix Faure morreu prematuramente. Gambetta é provavelmente o único com quem o assunto ainda correu mais ou menos bem; mas ele tinha visitado anteriormente, por ocasião da sua presença em Viena, a redação — que ainda hoje se alimenta dessa honra — e prometido aos senhores que, se necessário, acordaria atempadamente o seu representante em Paris. Mas isso é apenas um aparte, para ilustrar a grandeza mística que o jornal demonstra mesmo em seus erros. Arrogância, mesquinhez, erros de estilo — tudo cresce ali em forma lapidada, e o novato é tomado por reverência ao ser conduzido pela primeira vez ao santuário da opinião pública por um aceno significativo. Para mim, o arrepio do mistério logo se dissipou, e o que restou foi a atmosfera oleosa, impregnada de tinta de impressão, na qual, aqui como em qualquer outro lugar, alguns funcionários estilísticos, apenas mais bem organizados e tremendo diante do olhar severo do tirano, estavam condenados a vegetar... Deram-me tempo para perder algumas ilusões e ganhar algumas visões sociais, e quando escapei da obrigação de um semanário “independente”, desejei tudo menos “entrar para a ‘Neue Freie Presse’”. Como cronista da “Wage”, eu tinha que pensar todas as semanas mais tempo sobre o que eu poderia escrever do que teria levado tempo para escrever tudo o que eu não podia escrever. Eu nem pensava em fazer tais cálculos para um círculo de influência dentro da “Neue Freie Presse”. Enquanto os diretores desse jornal ainda acreditavam em um talento que amadurecia exclusivamente para eles em silêncio, cujo desenvolvimento não deveria ser perturbado por elogios amigáveis, eu já havia descoberto há muito tempo que não era eu que estava maduro para o “Neue Freie Presse”, mas sim o “Neue Freie Presse” para mim. No meio dessa constatação, recebi uma proposta de emprego de um dos editores; os senhores tinham tomado conhecimento de que eu nutria planos de fundar um jornal e acreditavam que não deviam mais hesitar em abordar-me diretamente: há muito que tinham “intenções” comigo; agora era hora de falar francamente comigo. Um novo jornal não poderia sobreviver em Viena. Eu deveria retornar à minha atividade anterior por um curto período — cerca de seis meses — e, então, completamente treinado, entrar no “canil” da “Neue Freie Presse”; a falta de liberdade da qual eu reclamava estava indissociável dos direitos adquiridos de qualquer jornal, eu logo entenderia isso e passaria a pertencer inteiramente à “Neue Freie Presse”. Era “a rubrica órfã desde a morte de Daniel Spitzer” que me aguardava e que hoje se evaporou completamente, e o que restou foi a atmosfera oleosa e impregnada de tinta de impressão, na qual, aqui como em outros lugares, vários funcionários estilísticos, apenas mais bem organizados e tremendo diante do olhar severo do tirano, estavam condenados a vegetar...Deram-me tempo para perder algumas ilusões e ganhar algumas visões sociais, e quando escapei da obrigação de um semanário “independente”, desejei tudo menos “entrar para a ‘Neue Freie Presse’”. Como cronista da “Wage”, eu tinha que pensar todas as semanas mais tempo sobre o que eu podia escrever do que teria levado para escrever tudo o que eu não podia escrever. Não pensava em fazer tais cálculos para um círculo de influência dentro da “Neue Freie Presse”. Enquanto os diretores desse jornal ainda acreditavam em um talento que amadurecia exclusivamente para eles em silêncio, cujo desenvolvimento não deveria ser perturbado por elogios amigáveis, eu já havia descoberto há muito tempo que não era eu para a “Neue Freie Presse”, mas sim a “Neue Freie Presse” para mim. No meio dessa constatação, recebi uma proposta de contratação de um dos editores; os senhores tinham ficado sabendo que eu nutria planos de fundar um jornal e acreditavam que não deviam mais se conter em abordar-me diretamente: já fazia muito tempo que tinham “intenções” comigo; agora era hora de falar francamente comigo. Um novo jornal não poderia se manter em Viena. Eu deveria retornar à minha atividade anterior por um curto período — cerca de seis meses — e então, completamente domesticado, entrar no cercado da “Neue Freie Presse”. A falta de liberdade de que me queixava estava indissociável dos direitos adquiridos de qualquer jornal, eu logo compreenderia isso e passaria a pertencer sem reservas à “Neue Freie Presse”. Era “a rubrica órfã desde a morte de Daniel Spitzer” que me esperava e que hoje — 11 — não podia ser confiada a “ninguém melhor”. A proposta, brilhante e capaz de seduzir os sentidos de muitos jovens escritores, não me atraiu. Eu só a aceitaria se nós, eu e o editor, pudéssemos descobrir com exatidão se Daniel Spitzer estaria disposto a entrar hoje na redação da “Neue Freie Presse”. Não era possível determinar isso com certeza, e quando o todo-poderoso começou a enumerar os cortes editoriais “que o próprio Spitzer teve de aceitar”, acreditei que não poderia respeitar melhor o desejo de liberdade do falecido do que com uma recusa categórica... A tão citada “manjedoura” estava tão perto, mas antes de aceitar, teria que trair minha consciência, que nos anos em que os senhores da “Neue Freie Presse” me “observavam”, havia se tornado parte de mim.. A “Neue Freie Presse” havia se atrasado mais uma vez; sua proposta chegou quando aquele que antes era apenas um literato já havia compreendido o sentido das “relações econômicas” e algo como um sentimento político havia despertado em mim... Há duas coisas boas no mundo: pertencer à “Neue Freie Presse” ou desprezá-la. Não hesitei nem por um momento em qual escolher.

KARL KRAUS - TRAD. ERIC PONTY

  

ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA 

terça-feira, julho 01, 2025

LE PETIT TESTAMENT DE MAISTRE FRANÇOIS VILLON - TRAD. ERIC PONTY

Mil quatrocentos e cinquenta e seis,
Eu, François Villon, escollier,
Considerando, de sentido obsoleto,
Com os dentes arreganhados e o colarinho reto,
Que suas obras devem ser aconselhadas,
Como Vegèce, o racompte,
Saige Romain, grande conselheiro,
Ou então, deve-se contar a si mesmo.
II.
No momento em que eu disse antes,
No Natal, época de morte,
Quando os lobos vivem no vento,
E cada um fica em sua casa,
Para a geada, perto do tição:
Então eu vim para querer quebrar
A prisão mais amorosa
Que desejava que meu coração se partisse.
III.
Eu o fiz de tal maneira,
Vendo-a diante de meus olhos
Consentindo com minha deffaçon,
Mas ela não ficou melhor por isso;
Pelo que lamento e me queixo aos céus,
Pedindo sua vingança
A todos os deuses vingativos,
E do agravo de amores alegres.
IV.
E, se penso em meu favor,
Esses dolentes pesares e belas aparências
De sabor muito enganoso,
Estão me perfurando até os lados:
Well ilz ont vers moi les piez blancs
E me falham em uma grande necessidade.
Preciso de outro complemento para plantar
E atacar em outro marmelo.
V.
O olhar de Celle me tomou,
Que me foi infiel e duro;
Sem nada que tenha me causado dor,
Quer e ordena que eu suporte
A morte, e que eu não dure mais.
Se não vejo outra ajuda a não ser ser levado.
Rompre veult la dure souldure,
Sem meus lamentáveis pesares, orir!
VI. 

Para evitar seus perigos,
Meu melhor é, penso eu, partir.
Adieu! Estou indo para Angiers,
Já que ele não me concederá
Sua graça, para não me deixar.
Por ela eu morro, meus membros benfazejas;
No forte, morro como amante casado,
Entre os santos amantes!
VII.
Como é difícil a partida,
Se é necessário que eu me afaste.
Como é duro o meu pobre senso!
Outro que não eu está em queloingne,
Cuja disposição na floresta de Bouloingne
Estava mais alterado em seu humor.
Para mim, é uma súplica lamentável:
Que Deus ouça meu clamor!
VIII.
E como tenho de partir
E o retorno não é certo:
Não sou um homem sem defeitos,
Nem qualquer outro para sentar ou levantar.
Viver com humanos é incerto,
E depois da morte não há retorno:
Estou indo para uma terra distante;
Se você pôr a presente licença.
IX.
Primeiro, em nome do Pai,
Do Filho e do Espírito Santo,
E da gloriosa Mãe
Por cuja graça nada perece,
Deixo, por Deus, meu barulho
Para o senhor Guillaume Villon,
Quem, em honra de seu nome, faz barulho,
Minhas tendas e meu pavilhão.
X.
A ela, então, como eu disse,
Que tão duramente me afastou,
Que me proibiu de me alegrar
E de todo prazer privado,
Deixo meu coração acorrentado,
Pálido, lamentável, morto e quebrado:
Ela me perseguiu com esse mal,
Mas Deus a abençoe por isso!
XI. 

E ao Maistre Ythier, marchant,
A quem me sinto muito ligado,
Deixem meu galão de aço afiado,
E ao Maistre Jehan le Cornu,
Que está em gaige détenu
Por um escot seis solz;
Acredito, de acordo com o conteúdo,
Que ele seja libertado e redimido.
XII.
Item, deixo para Sainct-Amant
O Cavalo Branco com o Mulle,
E a Blaru, meu dyamant
E o burro listrado que se retira.
E o decreto que articula:
Omnis utriusque sexus,
Contra o touro carmelita,
Deixado aos curas, para pôr fim a isso.
XIII.
Item, para Jehan Trouvé, açougueiro,
Deixe o carneiro livre e macio,
E um tachon para o açougueiro
O boi coroado que queremos vender,
E a vaca que não podemos levar.
O vilão que a amarra pelo colarinho,
Se não a devolver, que seja enforcado
Ou estrangulado com um bom cabresto!
XIV.
E para o maistre Robert Vallée,
Clérigo pobre no Parlamento,
que não possui nem montanha nem vale,
Eu ordeno principalmente
Que lhe seja dada leveza
Meus brados, estans aux trumellières,
A fim de coexistir mais honestamente
S'amye Jehanneton de Millières.
XV.
Pelo fato de ele ser de lugar honesto,
Ele deve ser melhor recompensado,
Pois o Espírito Santo o admoesta.
Esse obstinado que é tolo.
Por isso, pensei comigo mesmo,
Já que ele não tem senso, mas uma memória,
Para recuperar de Malpensé,
A arte da memória.
XVI. Item mais, eu atribuo a vida
Do acima mencionado Maistre Robert...
Pelo amor de Deus, não o invejem!
Meus parentes, vendam meu haubert,
E deixem que o dinheiro, ou a maior parte dele,
Seja usado nesta Páscoa
Para comprar para este poupart
Uma janela perto de Saint-Jacques.
XVII.
Deixo a maldade como um presente puro
Minhas glandes e meu hucque de seda
Para meu amigo Jacques Cardon;
A bolota também de um saulsoye,
E todo dia um ganso grande
E um chappon de muita gordura;
Dez mouys de vinho branco,
E dois processos, para que o excesso não engrosse.
XVIII.
Item, deixo a este jovem,
René de Montigny, três cães;
Também a Jehan Raguyer, a soma
De cem francos, tirada de todos os meus bens;
Mas o quê! Não entendo nada
O que eu poderia adquirir:
Não se deve tirar muito do que é próprio,
Não exagere.
XIX.
Item, para o senhor de Grigny
Deixe a guarda de Nygon,
E seis cães a mais do que em Montigny,
Vicestre, castigue e guarde;
E a este malostru Changon,
criador de ovelhas que está sendo julgado,
Deixai três golpes de escorregão,
E deite-se, em paz e tranquilidade, no cárcere.
XX.
E ao Maistre Jacques Raguyer,
Deixo o Abreuvoyr Popin,
Por seus pobres seurs grafignier;
Tousjours le choix d'ung bon lopin,
O buraco da pinha,
A doz para as chuvas, para o fogo a planta,
Embrulhado em um pano;
E quem quiser plantar, o faça.
XXI 
Item, para o senhor Jehan Mautainct
E ao senhor Pierre Basannier,
Le gré du Seigneur, qui attainct
Problemas, perdas, sem poupar;
E ao meu advogado Fournier,
Toucas curtas, botas de meia,
feitos sob medida em meu cordão umbilical,
Para usar durante essas geadas.
XXII.
Item, para o cavaleiro da guarda,
O capacete lhe é dado;
E aos pedestres que vão aguet
Tastonnant par ces establis,
Eu lhes deixo dois belos rubis,
La lenterne à la Pierre-au-Let,
Mas eu terei os Troys licts,
Se eles me levarem a Chastellet.
XXIII.
Item, para Perrenet Marchant,
conhecido como le Bastard de la Barre,
Porque ele é um bom comerciante,
Luy deixa três gluyons de feltro
Para se espalhar pela terra
Para fazer o comércio amoroso,
Onde isso lhe custará a vida,
Pois ele não conhece outro ofício.
XXIV.
Item, au Loup et à Chollet,
Deixo um canart,
Tirado de debaixo das muralhas, como pensávamos,
Junto às valas, mais tarde;
E para cada um um grande tabart
De cordão, até os pés,
Bushe, carvão e poys no lart,
E meu housaulx sem o pé dianteiro.
XXV.
A mim, por piedade, deixo
A três criancinhas todas nuas,
Nomeadas neste presente traictié,
Pobres órfãos sem esperança,
Todos tosquiados, todos desamparados,
E nus como um verme;
Eu ordeno que eles sejam providos,
Pelo menos para passar este inverno.
XXVI. 
Primeiro, Colin Laurens,
Girard Gossoyn e Jean Marceau,
Desprezadores de bens e parentes,
que não têm um fio de água,
Cada uma de minhas posses um feixe,
Ou quatro brancos, se preferirem;
Eles comerão muitos e bons pedaços,
Essas crianças, quando eu for velho!
XXVII.
Item, minha nomeação,
Que tenho da Universidade,
Sai por renúncia,
Para forçar a adversidade
Pobres clérigos desta cidade,
Subbz cest intendit contenuz:
A caridade me incitou,
E a Natureza, vendo-os nus.
XXVIII.
É Maistre Guillaume Cotin
E Maistre Thibault de Vitry,
Dois pobres escriturários, falando latim,
Crianças pacíficas, sem estripulias,
Humildemente, bem cantados na sala de leitura.
Eu os deixei receber
Na casa de Guillot Gueuldry,
Enquanto espero ter mais.
XXIX.
Item Além disso, eu me junto à Crosse
A da rue Sainct-Anthoine,
E um billart para atravessar,
E todos os dias um simples pote de Seine,
Para os porcos na água,
Enserrez soubz trappe volière,
E o meu espelho, belo e belo,
E a graça do carcereiro.
XXX.
Item, deixo para os hospitais
Minhas armações de teia de aranha;
E para aqueles que estão sob as janelas,
Cada um com um olho, um grongnée,
Tremendo, com corações carrancudos,
Magros, vaidosos e tristes;
Sapatos curtos, vestido retorcido.

 XXXI.
Item, deixo para meu barbeiro
o corte de meu cabelo,
Com simplicidade e sem perturbações;
Ao sapateiro, meus sapatos velhos,
E ao armarinho, minhas roupas velhas.
Isso, quando eu as abandono completamente,
A menos que sejam novas
Caridosamente eu as deixe.
XXXII.
Item, para os Quatro Mendianos,
Aos filhos de Deus e aux Beguynes,
Pedaços e pedaços saborosos,
Chappons, pigons, gelinas gordurosas,
E depois pressionem os Quinze Sinais,
E abater o pão com as duas mãos.
Carmes chevaulchent nossos vizinhos,
Mas isso é só para mim.
XXXIII.
Item, deixe o almofariz de ouro
Para Jehan l'Espicier, de la Garde,
E uma forca em Sainct-Mor,
Para fazer um moedor de moustarde,
E o celluy qui a vanguarda,
Para trazer queixas contra mim,
Por meio do santo Anthoine l'arde!
Não direi mais nada a ele.
XXXIV.
Item, eu deixo para Mairebeuf
E a Nicolas de Louvieulx,
A cada um a casca de um ovo,
Plaine de frans et d'escus vieulx,
Quanto ao zelador de Gouvieulx,
Pierre Ronseville, eu ordeno,
Que lhe dê ainda mais,
Escus como o príncipe lhes dá.
XXXV.
Finalmente, enquanto escrevia,
Esta noite, sozinho, estando em boa saúde,
Dizendo estas palavras e descrevendo-as,
Ouvi o sino da Sorbonne,
Que todos os dias, às nove horas, toca
A salvação que o anjo prediz;
É muito bom e muito bom,
Pour pryer comme le cueur dit.
XXXVI. 
Feito isso, entre-oubliai,
Não por força de beber vinho,
Minha esperança se encadeou;
Então senti a senhora Memória
Rescondre et mectre en son aulmoire
Sua espécie colateral,
Oppinative faulce e voire,
E outros intelectuais.
XXXVII.
E especialmente o extimativo,
Pelo qual a prosperidade chega até nós;
Semelhante, formativo,
Do qual muitas vezes acontece
Que, pela arte encontrada, o homem se torna
Tolo e mal-humorado pelos meios:
Eu já vi isso e me lembro bem,
Em Aristóteles algumas vezes.
XXXVIII.
Assim, quando o sensato acordou
E fantasia esvertua,
Que todos os argeutis resveilla,
E, soberanamente, se manteve,
Suspirando, como se estivesse amortecido,
Pela opressão da obediência,
Que em mim se dividiu
Para mostrar a aliança dos sentidos.
XXXIX.
Então, meu sentido que estava em repouso
E meu entendimento despertou,
Eu quis terminar meu assunto;
Mas minha tinta estava congelada,
E minha vela se apagou.
Com fogo eu não poderia ter terminado.
Se eu me endossar, estou completamente enlouquecido,
E não posso terminar de outra forma.
XL
Feito no momento da data mencionada,
Par le bon renommé Villon,
Que nunca comeu figos ou tâmaras;
Seco e negro como um cotonete,
Ele não tem tenda ou pavilhão
Que não tenha deixado para seus amigos,
E tem apenas um pequeno tronco,
Que logo se acabará.

O TESTAMENTO DE VILLON.

 FRANÇOIS VILLON - TRAD. ERIC PONTY

  

ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA