I
Ó Versalhes, que nesta tarde tão sombria,
Por que tua lembrança me obsessa assim?
O calor do verão se afasta, e eis que
A estação outonal se abaixa sobre nós.
Quero rever, ao longo de um dia tranquilo,
Campos sombrios, cobertos por folhas secas,
E respirar antes, em uma noite dourada e suave,
Tua beleza mais comovente no final do ano.
Aqui estão teixos cônicos e tritões gordos,
Teus jardins mistos onde Luís não vem mais,
E tua pompa exibindo penas e capacetes,
Como um grande lírio, morres, nobre e triste, sem ruído;
E tua onda esgotada na borda mofada das bacias
Escorrem, suaves como um soluço na noite.
II
O Ar livre. Urbanidade dos costumes antigos.
Alta cerimônia. Reverências sem fim.
Créqui, Fronsac, belos nomes intensos qual cetim.
De mãos ducais nas antigas valencianas,
De mãos reais sobre os abetos. Antífonas
Dos bispos diante de Sua Excelência o Delfim.
Gestos de minueto e corações de biscoito fino;
E aquelas graças que se diziam ser austríacas...
Princesas de sangue azul, cuja alma cerimonial,
Durante séculos, na mais pura das castas, macerou.
Grandes senhores de espírito palito. Marquês de Sèvres,
Todo um mundo galante, vivaz, audaz, asseado e são,
Com sua espada afiada em punho e, acima de tudo,
Esse desprezo pela morte, qual uma flor, nos lábios!
III
Meus passos despertaram prestígios perdidos.
Ó psique da velha Saxônia, onde o Passado se reflete...
É aqui que a rainha, ao ouvir Zémire,
Sonhadora, se abanava na mornura das noites.
Visões: cestas, de pó e moscas; e então, leves
Qual um perfume, bonito tal qual um sorriso,
É esse ar da velha França que tudo respira aqui;
E sempre esse cheiro penetrante de buxo...
Mas o que toma meu peito num abraço infinito,
À luz de uma longa noite durante sua agonia,
É esse Grande Trianon solitário e real,
E sua escadaria deserta, onde o outono, tão suave,
Deixa cair, sonhando, seus cabelos ruivos
Sobre as águas divinamente tristes do grande canal.
IV
O bosque de Vertumno é maltratado pelas Graças.
Essa sombra, que, gemendo de mármore em mármore,
Arrasta-se e se sustenta com um belo braço lânguido,
Ai, é o Gênio em luto pelas raças que já tão antigas.
Ó Palácio, horizonte supremo dos terraços,
Um pouco de sua beleza corre em nosso sangue;
E é isso que lhe confere um acento indescritível,
Quando um pôr do sol sublime cintila seus espelhos!
Glórias que tantos dias foram o seu cenário,
Almas cintilantes sob os lustres. Noites douradas.
Versalhes..., mas já se enferma a noite sombria.
E meu coração de repente se aperta, pois ouço,
Como um ariete sinistro nas muralhas do tempo,
Sempre, o grande ruído surdo de ondas negras na sombra.
Outubro 1891. ALBERT SAMAIN - TRAD. ERIC PONTY
ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA
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