Um brinde
Nada, esta espuma, verso virgem
Retratando apenas o cálice:
Ao longe, um bando de sereias se afoga
Muitas delas de cabeça.
Navegamos, ó meus diversos
Amigos, eu já na popa,
Vós na proa luxuosa que agita
Os relâmpagos e as enchentes do inverno:
Uma doce embriaguez me impele
Apesar do balanço, do movimento, sem medo
A fazer este brinde em pé
Solidão, recife e véu estrelado
A tudo o que vale a pena conhecer
A ansiedade alva de nosso navegar.
Petição fútil
Princesa! Com inveja do destino de Hebe,
Abranger acima desta taça aos beijos dos teus lábios,
Eu gasto minhas chamas com a esguia posição de prelado
E nem mesmo apareço nua nos pratos de Sèvres.
Já que não sou seu poodle mimado,
Pastilha, Rouge ou jogo sentimental,
E conheço muito bem teu olhar unido para mim,
Loira cujos cabeleireiros têm nomes de ourives!
Nomeie-me... Tu, cujas risadas repletas de morangos
Se misturam com um rebanho de cordeiros dóceis
Que pastam por toda parte, balindo alegria,
Nomeie-me... para que o Amor, alado com um leque,
Me pinte ali, embalando o rebanho, flauta na mão,
Princesa, nomeie-me o pastor dos teus sorrisos.
Uma negra
Possuída por algum demônio, agora uma negra
Provaria uma menina definhada por frutos estranhos
Os proibidos também sob o vestido esfarrapado,
Esta glutona está pronta para tentar um ou dois truques:
À tua barriga ela junta dois seios afortunados
E, tão alto que nenhuma mão sabe em que agarrá-la,
Bate o choque bruno de tuas pernas calçadas com botas
Assim qual uma língua inexperiente no prazer.
Enfrentando a nudez tímida da gazela
Que treme, deitada de costas qual elefante enlouquecido,
Esperando de cabeça para baixo, ela se admira fortemente,
Rindo com os dentes à mostra para a criança:
E, entre tuas pernas, onde a vítima está deitada,
Levantando a carne negra dividida sob tua juba,
Avança o palato daquela boca estranha
Pálida, rosada como uma concha do Mar do Caribe.
Angústia
Não venho para conquistar tua carne esta noite, ó besta
Em quem estão os pecados da raça, nem para agitar
Em teus cabelos imundos uma tempestade triste
Sob o tédio fatal meus beijos derramam:
Um sono pesado sem aqueles sonhos que se insinuam
Sob cortinas alheias ao remorso, peço à tua cama,
Sono que pode saborear após teus truques sombrios,
Tu que sabes mais sobre o Nada do que os mortos.
Pois o Vício, roendo minha nobreza inata,
Me marcou, como a ti, com tua esterilidade,
Mas assombrado por mortalhas, pálido, destruído, eu fujo,
Enquanto aquele coração que nenhum crime
Pode ferir vive em teu peito de pedra,
Com medo de morrer enquanto durmo sozinho.
Tristeza de verão
O sol, na areia, ó lutador adormecido,
Aquece um banho lânguido no ouro de teus cabelos,
Derretendo o incenso em tuas feições hostis,
Misturando um líquido amoroso com as lágrimas.
A calma imutável desta queimadura alva,
Ó meus beijos temerosos, faz dizer, tristemente:
“Será que algum dia seremos uma múmia enrolada,
Sob as areias antigas e palmeiras tão felizes?”
Mas teus cabelos são um rio morno,
Onde a alma que nos assombra se afoga, sem um arrepio
E encontra o Nada que tu não podes conhecer!
Proarei o unguento da costa de tuas pálpebras,
Para ver se ele pode conceder ao coração, ao teu sopro,
Desta insensibilidade das pedras e do azul.
O Palhaço Castigado
Olhos, lagos da minha simples paixão por renascer
Além do ator que gesticula com a mão
Qual caneta, e evoca a fuligem fétida das lâmpadas,
Aqui está uma janela nas paredes de tecido que rasguei.
Com pernas e braços, um nadador límpido e traiçoeiro
Com saltos intermináveis, renegando a doença
Hamlet! É se eu abrisse a construir nos imos do oceano
Mil túmulos: para desaparecer ainda virgem ali.
Ouro alegre de um címbalo batido com os punhos,
O sol de repente atinge a nudez pura
Que respirou para fora da minha frieza de nácar,
Noite rançosa da pele, quando passou por mim,
Sem saber, ingrato, que era isso, essa maquiagem,
Toda a minha unção, afogada na perfídia da água gelada.
O presente do poema
Eu trago-lhe a criança de uma noite idumeia!
Negra, com asas pálidas, nuas e sangrando, Luz
Através do vidro, polido com ouro e especiarias,
Através dos painéis, ainda sombrios, infeliz, e frios como gelo,
Lançou-se, ao alvorecer, contra a lâmpada angelical.
Folhas de palmeira! E quando mostrou esta relíquia, úmida,
Àquele pai que tentava um sorriso hostil,
A solidão estremeceu, azul, estéril.
Ó canção, de ninar, com tua filha e a inocência
De teus pés frios, saúda um novo ser terrível:
Uma voz onde cravo e violas permanecem,
Pressionará aquele peito, com seu dedo murcho,
De onde a Mulher flui em brancura sibilina para
Aqueles lábios famintos pela azul virgem do ar?
Stéphane Mallarmé - Trad. Eric Ponty
ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA
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