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domingo, novembro 02, 2025

O testamento de uma mulher veneziana - PAUL VALÉRY - TRAD. ERIC PONTY

No dia em que eu morrer, corra para minha gôndola.
Encha-a com cravos, com rosas e jasmim.
Deite-me sobre essas flores, dobre minhas mãos pálidas,
Deixe meus olhos abertos quais os de um ídolo...

Assente sobre minha fronte tão alva qual leite
Uma coroa verde de folhas entrelaçadas,
Dê um longo beijo em meus lábios gelados
E envolva-me meu corpo em crepe violeta.

Quando concluir essa tarefa afanosa,
Oh, contemple-me tão alva entre as flores...
Aprecie, admire... então, sem suspiros, sem lágrimas,
Empurre-me para o mar em uma noite fulgurada pela lua cheia

... A gôndola zarpa... em meio às ondas!
Cante, lá longe, cante. Ainda te ouço
Oh, as doces canções engolfadas pela vastidão...
Quão lânguida é tua harmonia!... Teus cantos soam quais soluços.

Adeus! Parto fria e sem vida pelo mar.
As águas me acalmam e a lua prateia minha beleza.
A gôndola segue em frente e então o reino infinito
pouco a pouco me envolve, ficando cada vez mais profundo e azul.

 Há uma tristeza sem nome, sem propósito, sem causa,
Que brota de não sei onde, nem sei por quê,
Nas horas estéreis de trabalho, de desejo e de fé,
Onde um profundo desgosto amarga tudo.

Nada suscita pensamentos, nada nos preocupa,
O pensar está fixo em um ponto negro amaldiçoado.
A melancolia reina por dentro e por fora, dia e noite,
Tudo mergulha nas profundezas da tristeza.

É sobretudo à noite, quando a lâmpada é acesa.
Esse cansaço nos atinge, rápido como um abutre.
O desânimo nos persegue à medida que a luz do dia se esvai,
Quando da terra surge a escuridão crescente.

Não é o primeiro que leva ao rio.
É um momento doloroso a ser suportado, e nada mais.
Este desgosto traz alegria em nós,
assim como a escuridão nos faz apreciar a luz.

PAUL VALÉRY - TRAD. ERIC PONTY

  
  ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

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