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domingo, outubro 26, 2025

AO LEITOR - CHARLES BAUDELAIRE - TRAD. ERIC PONTY

 


A estupidez, o erro, o pecado, a mesquinhez 
Ocupam nossas mentes e trabalham nossos corpos,
E alimentamos nossos remorsos amáveis, 
Como os mendigos alimentam teus vermes.

Nossos dolos são acintosos, nossos pesares covardes, 
Cobramos caro por nossas confissões,
E voltamos alegres ao caminho lamacento,
Crendo choros vis podemos lavar nossas manchas.

No travesseiro do mal, é Satanás Trismegisto
Que embala longamente nosso espírito
encantado, E o rico metal de nossa vontade
É todo vaporizado por esse químico habilidoso.

É o Diabo que segura os fios que nos movem!
Encontramos encantos em objetos repugnantes; 
A cada dia descemos um passo em direção ao Inferno, 
Sem horror, por meio das trevas fétidas.

Assim como um pobre libertino que transa e come o
seio martirizado de uma prostituta antiga,
Roubamos de passagem um prazer clandestino
Que esprememos com força como uma laranja velha.

Apertado, fervilhante, como um milhão de vermes,
Em nossos cérebros se agita um povo de demônios,
E, quando respiramos, a morte em nossos pulmões
Desce, rio invisível, com tuas queixas surdas.

Se o estupro, o veneno, a adaga, o incêndio,
Ainda não bordaram seus agradáveis desígnios 
No tecido banal de nossos destinos lamentáveis,
É porque nossa alma, infeliz, não é ousada o regular.

Mas entre os chacais, as panteras, as cadelas,
Os macacos, os escorpiões, os abutres, as cobras,
Monstros que gritam, uivam, rosnam, rastejam 
No infame zoológico dos nossos vícios,

Há um mais feio, mais malvado, mais imundo!
Embora não faça grandes gestos nem grites, 
Transformaria de bom grado a Terra em escombros
E, num bocejo, engoliria todo esse mundo;

É o Tédio! Com os olhos cheios de lamentos involuntários, 
Ele sonha com cadafalsos enquanto fuma seu narguilé.
Tu o conheces, leitor, esse monstro delicado.
— Hipócrita leitor — meu semelhante — meu irmão!

 CHARLES BAUDELAIRE - TRAD. ERIC PONTY


 


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