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sexta-feira, setembro 19, 2025

TAO TE CHING - Lao Tzu - Trad. Eric Ponty

No reino dos antigos mitos chineses, o processo natural gerador da Terra assume a forma espantosa do dragão. Receoso e respeitado como a força emblemática da própria vida, o dragão anima todas as coisas no ciclo eterno da vida, morte e renascimento. Como encarna o próprio processo de mudança, o dragão aparece apenas para desaparecer do mesmo modo, estando assim em constante transformação. As suas escamas brilham na casca dos pinheiros varridos pela chuva e ele vagueia por águas turbulentas. Ele desce para piscinas e lagos profundos no outono, onde hiberna até a primavera, quando o seu despertar é o despertar da primavera e o retorno da vida à Terra. Ele surge das profundezas e ascende ao céu, a sua voz enchendo os ventos da primavera que espalham as folhas de outono. Ele assume a forma de nuvens de tempestade, suas garras se transformam em raios e produzem as chuvas primaveris que trazem vida. 

Ao longo da milenar mudança desse processo sazonal, a espiritualidade na China antiga era principalmente uma questão de habitar os níveis mais profundos de nossa pertença ao reino dos dragões. E essa ecologia espiritual remonta às origens do pensamento taoísta: às travessuras sábias de Chuang Tzu e além, às ambiguidades sombrias e silêncios evocativos da poesia emblemática de Lao Tzu. De fato, após o seu lendário encontro com Lao Tzu, um Confúcio maravilhado exclamou: «Um dragão montando o vento e as nuvens para voar pelos céus — tais coisas estão além da minha apreensão. E hoje, ao encontrar Lao Tzu, foi como afrontar um dragão.»

A questão do Lao Tzu histórico é, por si só, um estudo de caso sobre a natureza proteiforme do dragão. Séculos antes de os primeiros fragmentos da lenda de Lao Tzu se unirem, ele já havia desaparecido nos fragmentos dispersos que acabaram por evoluir para o pequeno livro que agora leva o seu nome. Na lenda cultural, Lao Tzu era um contemporâneo mais velho de Confúcio (551-479 a.C.). Mas, apesar de sua estatura como sábio, nada verificável se sabe sobre ele, e mesmo a lenda cultural é composta por muito poucos fatos: ele nasceu no estado de Ch'u e tornou-se arquivista da corte na capital Chou; foi consultado por Confúcio, que saiu da reunião surpreso; deixou o mundo, desenganado com os culturas das pessoas, e, ao atravessar uma passagem nas montanhas para desaparecer no extremo oeste, o guardião do portão convenceu-o a deixar para trás o seu pergaminho de sabedoria com cinco mil palavras.

A biografia real do autor do Tao Te Ching, cujo nome significa puramente «Velho Mestre», sem dúvida é bem diferente. Possivelmente, ele foi construído a partir de fragmentos recolhidos de vários sábios antigos ativos entre os séculos VI e IV a.C., no início histórico da filosofia chinesa. Esses textos antigos foram desgastados, fragmentados, espalhados, reunidos e remontados: um processo geológico que durou várias centenas de anos e que visivelmente incluiu vários editores sábios que entrelaçaram esse material na voz única e duradoura que encontramos no Tao Te Ching. O resultado desse processo bastante impessoal foi uma presença extraordinária pessoal: se olharmos além do texto fragmentário e do tom oracular, deparamos uma voz consistente e compassiva, única e rica nas complexidades da personalidade.

Parece provável que grande parte do material incorporado na voz de Lao Tzu seja, na verdade, anterior ao início histórico da filosofia chinesa, derivando de uma antiga tradição oral. As próprias palavras podem ser anteriores a Lao Tzu em três séculos, mas as origens dessa tradição oral devem remontar às raízes mais primitivas da cultura, a um nível tão antigo que uma cultura marcada chinesa ainda não havia surgido, pois a filosofia do Tao incorpora uma cosmologia enraizada naquela presença mais primitiva e maravilhosa: a misteriosa força geradora da Terra. Essa força deve ter sido realmente magnífica para aqueles povos primitivos, não só pelo milagre infinito da nova vida que parecia surgir do nada, mas também porque esse milagre era tão vital para o seu bem-estar, proporcionando-lhes alimento, água, roupa, abrigo e, claro, um futuro nos seus filhos.

 1

Um Caminho chamado Caminho não é o Caminho perene.
Um nome que nomeia não é o nome perene:

o nomeado é a mãe das dez mil coisas,
mas o sem nome é a origem de todo o céu e da terra.

Na perene Ausência, você vê o mistério,
e na Presença perene você vê a aparência.
Embora os dois sejam um e o mesmo,
uma vez que surgem, eles diferem no nome.

Um e o mesmo são chamados de negro-enigma,
escuro-enigma no fundo do negro-enigma,

porta de entrada de todo mistério.

2

Tudo abaixo do céu sabe que a beleza é encanto
apenas porque existe a feiura,
e sabe que o bem é bom
somente porque existe o mal.

O ser e a ausência dão origem um ao outro,
o difícil e o fácil se completam,
o longo e o curto medem-se um ao outro,
o alto e o baixo preenchem um ao outro,
a música e ruído se harmonizam,
antes e depois seguem um ao outro:

é por isso que um sábio jaz no reino do nada,
vivendo esse ensinamento sem palavras.
Lá, as dez mil coisas surgem sem começo,
jazem sem esperar lá,
chegam à perfeição sem morar lá.

Sem jazer lá: essa é a única maneira
nunca a perderá.


3

Nunca conceda honrarias
e as pessoas não brigarão.
Nunca dê prêmios a tesouros raros
e as pessoas não roubarão.
Nunca exiba coisas atraentes
e as pessoas não ficarão confusas.

É assim que um sábio governa.
Encha a barriga e esvazie o pensamento,
fortaleça os ossos e enfraqueça a ambição,

sempre impeça as pessoas de saber e querer,
então aqueles que sabem são aqueles 
que nunca presumem agir.

Se não é nada fazendo o que faz
todas as coisas serão bem governadas.

4

O caminho está vazio.
Use-o: ele nunca precisa ser preenchido.
Um abismo tão profundo
parece ancestral das dez mil coisas,

ele reduz as bordas,
solta os emaranhados,
suaviza o brilho,
mistura poeira.

Uma claridade tão clara que só parece real,

De quem poderia ser essa criança? Ilusório
ela precede os deuses e os criadores.


5

O céu e a terra são desumanos:
eles usam as dez mil coisas quais cães de palha.
E o sábio também é desumano:
ele usa as cem vezes mais pessoas quais cães de palha.

Será que todo o céu e a terra
São reais tão idênticos com câmara de berros?
Ela está vazia, mas nunca se contrai,
apenas continua produzindo mais e mais.

As palavras continuam falhando e falhando,
nada como jazer em seu meio.

6
O espírito do vale nunca morre.
Ele é chamado de negra fêmea -enigma,
e a porta de entrada da mulher negra-enigma
é chamado de raiz do céu e da terra,
uma teia de aranha tão incessante que parece real.
Use-o: é fácil.

7

O céu continua para sempre.
A Terra dura para sempre.

Há uma razão para que o céu e a terra 
continuem durando para sempre:
sua vida não é sua portanto, sua vida 
continua para sempre.

Portanto, ao se assentar em último lugar
o sábio se assenta em primeiro lugar,
e ao renunciar a si mesmo
ele preserva a si mesmo.

Se não estiver livre de si mesmo
como poderá se tornar você mesmo?


8

A nobreza altiva é como o caminho.
A nobreza da água é enriquecer as dez mil coisas
e ainda assim nunca se esforçar:
Ela meramente se instala em lugares 
que as pessoas em toda parte detestam.
Portanto, é quase água.

A nobreza da habitação é a terra,
a nobreza do pensamento é a profundidade vazia,
a nobreza da doação é a humanidade,
a nobreza da palavra é a sinceridade,
a nobreza do governo é a concordância,
a nobreza do esforço é a capacidade,
a nobreza da ação é o tempo.

Quando nunca se esforça
você nunca erra.

9

Forçando-o cada vez mais
não se compara a apenas o aceitável,
e cada vez mais afiado
significa que não se conservará por muito tempo.

Quando estiver cheio de jade e ouro
sua casa nunca estará segura.
Orgulhoso da riqueza e do renome
provocas sua própria ruína.

Apenas faça o que faz e depois vá embora:
esse é o Caminho do céu.

10


Consegues deixar seu espírito abraçar a coesão primordial
sem se afastar?
Consegues concentrar o ch'i em tal candura
que volta a ser um recém-nascido?
Pode polir o espelho de enigma escuro
para um fulgor além da mancha?
Podes fazer com que amar pessoas e governar a nação
nada sejas feito por ti?
Podes ser uma mulher
abrindo e fechando o portão do céu?
Podes sondar as quatro distâncias da Terra 
com sabedoria radiante e não saber nada?
Dar à luz e nutrir.
Dar à luz sem possuir
e nutra sem dominar:
isso se chama Integridade do enigma escuro.

11

Trinta raios reunidos em cada centro:
A ausência faz o carrinho funcionar.
Um pote de armazenamento feito de argila:
a ausência faz com que o pote funcione.
Portas e janelas cortadas em uma casa:
a ausência faz a casa funcionar.

A presença dá valor às coisas,
mas a ausência faz com que elas funcionem.

12

As cinco cores cegam os olhos.
Os cinco tons ensurdecem os ouvidos.
Os cinco sabores embaçam a língua.
Cavalos velozes e caçadas de tirar o fôlego 
deixam os pensamentos selvagens e sãs.
Coisas raras e caras fazem as pessoas se invadirem.

É por isso que um sábio cuida da barriga, não dos olhos,
sempre ignora aquilo e escolhe isto.


13

A honra é um contágio profundo como o medo,
o renome é um flagelo profundo do próprio eu.

Por que chamo a honra de um contágio 
tão profundo quanto o medo?
A honra sempre diminui,
portanto, ganhá-la nos enche de medo
e perdê-la nos enche de medo.

E por que chamo o renome de flagelo tão 
profundo quanto o próprio eu?
Só conhecemos flagelo porque temos esses eus.
Se não tivéssemos eus
que flagelo poderia nos atingir?

Quando tudo abaixo do céu é seu eu em renome
confias em si mesmo para tudo que está abaixo do céu,
e quando tudo abaixo do céu é seu eu em amor
habitas em todo o céu.

14

Olhado, mas nunca visto,
ele recebe o nome de invisível.
Ouvido, mas nunca ouvido,
ele recebe o nome de etéreo.
Segurado com força, mas nunca sentido,
recebe o nome de filamento.


Não podes desvendar esses três
tão redondo borradas que se tornaram uma só,

que se erguem sem brilho
e se pondo sem penumbra,
trançados juntos além do nome, tecidos
sempre e para sempre em nada:

isso é chamado de forma sem forma

ou imagem do nada,
chamado de confusão espectral,

algo que encontras sem ver a frente
e segue sem ver a parte de trás.

Permanecer no Caminho antigo
para dominar o que agora veio a ser
e sondar sua antiga fonte:

Isso é chamado de fio do Caminho.

15

Antigos mestres do Caminho
todo mistério sutil e visão de enigma escuro:
eles eram profundos além do conhecimento,

tão profundas além do conhecimento
que só podemos descrever sua aparência:

corretamente cautelosos, se ficassem usurpando riachos de inverno,
e corretamente atentos, se os vizinhos ficassem advertindo;
corretamente reservados, se fossem convidados,
corretamente expansivos, se o gelo ficasse derretendo,
e corretamente simples, se fosse madeira não entalhada;
corretamente vazios, se fossem vales acendidos,
e corretamente sombrio, como se fosse água turva.

Que é turva o aceitável para se pôr lenta em puro fulgor,
e quem está quieto o aceitável para despertar lento para a vida?

Se cultivares esse Caminho, nunca desejará a perfeição.
Nunca anseie pela perfeição
e se desgastará até se tornar completo.

16

Habitar as periferias mais distantes do vazio
e permaneça no centro tranquilo.

Ali surgem as dez mil coisas,
e nelas eu observo o retorno:
todas as coisas jazem e sempre jazem
cada uma retornando à sua raiz.

O retorno à raiz é chamado de calma,
a calma é chamada de retorno ao inevitável desenvolver das coisas,
retornar ao inevitável desenvolver das coisas é chamado de afinco,
e entender o afinco é chamado de iluminação.

Sem entender o afinco, tropeças e se enganas.
Mas, ao abranger o afinco, se torna compreensivo,

compreensivo e, portanto, imparcial,
imparcial e, portanto, imperial,
imperial e, portanto, o céu,
céu e, portanto, Caminho,
Caminho e, portanto, duradouro:

o eu se foi, livre de perigo.

17

O governante mais alto é pouco versado 
entre os que estão abaixo.
Em seguida, vem um governante 
que as pessoas amam e elogiam.
Depois disso, um que elas temem,
e depois um que elas desprezam.

Se não fores sincero em suas palavras
como as pessoas poderão ser sinceras?
Tome muito cuidado com as palavras, valorize-as,

e quando as cem vezes mais pessoas virem
seu trabalho ser bem-sucedido em tudo 
o que fazem elas dirão que é apenas um fato 
que surge por si mesmo.

18

Quando o grande Caminho é deixado
somos conferidos com a Humanidade e o Dever.
Quando a sabedoria inteligente abrolha
nos deparamos com a duplicidade.
Quando a harmonia familiar acaba
nos deparamos com a submissão e a bondade.
E quando o caos toma conta da nação
nos deparamos com ministros confiáveis.


19

Se desistir da sabedoria e repudiar a sabedoria
as pessoas lucrarão cem vezes mais.

Se desistir da Humanidade e repudiar o Dever
as pessoas voltarão à obediência e à bondade.

Se desistir da engenhosidade e repudiar o lucro
os bandidos e ladrões não vagarão mais.

Mas esses três são meros refinamentos, 
nem de longe aceitáveis.
Eles dependem de algo mais:

observar a trama da origem, 
abraçar a candura não esculpida,
o ego quase olvidado, os desejos raros.


20

Se você desistir de aprender, os problemas acabam.

Qual é a diferença
entre sim e não?
E há alguma diferença
entre bonito e feio?

Se não conseguirmos parar de temer
essas coisas que as pessoas temem,
são pura confusão, uma confusão sem fim.

Todas as pessoas irradiam tanta alegria,
oferecendo alegremente um boi para sacrifício
ou escalando uma torre na primavera.
Mas eu não vou a lugar algum e não revelo nada,
como uma criança recém-nascida que ainda não sorriu,
sem rumo e desgastado
como se o caminho de casa estivesse perdido.

Todas as pessoas têm o aceitável e muito mais.
Mas eu estou maltratado e desamparado,
um simplório absoluto, esse meu pensamento tão total
confuso e vazio.

Os outros são brilhantes e claros:
Eu sou escuro e turvo.
Outros são confiantes e eficazes:
Eu sou pensativo e retraído,
inquieto como os mares sem limites
ou os ventos perenes das montanhas.

Todas as pessoas têm um propósito na vida,
mas eu sou inepto, total inútil e atrasado.
Nunca serei como as outras pessoas:
Eu me mantenho como uma mãe carinhosa.

21

A natureza da grande integridade
é seguir Caminho de forma absoluta.

Ao se transformar em coisas, Caminho aparece
vago e nebuloso.
Todo nebuloso e impossivelmente vago
ele abriga as imagens do pensar.
Todo vago e impraticável nebuloso
abriga as coisas do mundo.

Todo oculto e impraticável escuro
abriga a essência sutil,
e sendo uma essência tão real
abriga a sinceridade dos fatos.

Nunca, desde o início...
seu renome nunca esteve longe.
Por meio dela, vimos todas as origens.

E como podemos admitir a forma de todas as origens?
Por meio dela.


22

Na cedência está a conclusão.
O que é torto é reto.
No oco está o cheio.
Na exaustão há renovação.
No pouco está o contentamento.
Em muito existe confusão.

É assim que um sábio abraça a união primordial
como a medida de tudo que está sob o céu.

Abandone a autorreflexão
e logo será iluminado.
Abandone a autodefinição
e logo se tornará aparente.
Desista da autopromoção
e logo se tornará proverbial.
Abandone a autoestima
e logo se tornará perene.
Simplesmente desista da contenda
e logo nada em todo o céu contenderá com você.

Não era conversa fiada
quando os antigos declaravam que ceder é completar.
Quando aperfeiçoa a conclusão
retornará ao lar de tudo.

23

Manter as palavras em ordem: a ocorrência aparecendo por si mesma.

Ventos fortes nunca duram a manhã inteira
e chuvas violentas nunca duram o dia todo.
Quem invoca essas coisas senão o céu e a terra?
e se o céu e a terra não conseguem fazer as coisas durarem,
por que nós, humanos, deveríamos tentar?

É por isso que os mestres se dedicam ao Caminho.
Dominar o Caminho é tornar-se o Caminho,
dominar o ganho é tornar-se ganho,
dominar a perda é tornar-se perda.
E o que quer que se torne Caminho, o Caminho o acolhe com alegria,
o que quer que se torne ganho, o ganho o acolhe com alegria,
o que quer que se torne perda, a perda o acolhe com alegria.

Se não for sincero em suas palavras
como as pessoas podem ser sinceras?


24

Estique-se nas pontas dos pés
e nunca fica firme.
Dê passos largos e rápidos
e nunca vai longe.

Mantenha a autorreflexão
e nunca será iluminado.
Mantenha a autodefinição
e nunca será aparente.
Mantenha a autopromoção
e nunca será proverbial.
Mantenha a autoestima
e nunca será perene.

Os viajantes do Caminho chamam esse tipo de esforço de
de comida demais e bagagem inútil.
Talvez nem todos desprezem esse tipo de esforço,
mas um mestre do Caminho fica longe disso.

25

Havia algo em uma sombra escura,
nascido antes do céu e da terra:

o tal silêncio absoluto, o vazio absoluto.

Isolado e imutável,
ele se move por toda parte sem falhar:

retrata a mãe de tudo que está abaixo do céu.

Não sei seu nome.
Vou chamá-lo de Caminho,
e se tiver que nomeá-lo, que seja vasto.

Vasto significa que está indo além,
passar além significa que está indo para longe,
e ir longe significar que voltou.

Porque o Caminho é vasto
o céu é vasto,
a terra é vasta,
e o exato imperador também é vasto.
Neste reino, há quatro coisas vastas,
e o exato imperador é uma delas.

O ser humano vive na terra.
A terra habita o céu.

O céu é o Caminho.

O Caminho permanece pela ocorrência que aparece de si mesmo.

26

O pesado é a raiz do leve,
e a tranquilidade é a regra da imprudência.

Um sábio que viaja o dia todo
nunca está longe dos suprimentos em sua carroça,
e por mais espetaculares que sejam as vistas
ele permanece calmo e tranquilo.

Como pode um senhor com dez mil carruagens
agir imprudente ao governar tudo o que está sob o céu?
Aja com leviandade e perderá sua fonte-raiz.
Aja de forma imprudente e perderá seu governo.

27

Viagens perfeitas não deixam rastros.
Palavras perfeitas não deixam dúvidas.
Contas perfeitas não precisam ser contadas.
Portões perfeitos se fecham sem trancas
e, portanto, não podem ser abertos.
Nós perfeitos prendem sem corda
e, portanto, não podem ser desatados.

Um sábio é sempre perfeito no resgate de pessoas
e, portanto, não abandona ninguém,
sempre perfeito no resgate de coisas
e, portanto, não abandona nada.

Isso é chamado de legado da iluminação,

portanto, aquele que possui essa perfeição é um professor 
para aqueles que não a possuem,
e aqueles que não a possuem são o recurso de quem a possui.

Sem honrar o professor
e amar o recurso,
nenhuma quantidade de sabedoria pode evitar uma grande confusão.

Isso é chamado de mistério essencial.

28

Conhecer o masculino
e nutrindo o feminino
se torna o rio de tudo o que está abaixo do céu.
Rio de tudo o que existe abaixo do céu
se mantém na integridade perene
e assim retorna à infância.

Conhecendo o branco
e nutrindo o preto
se torna o padrão de tudo que está abaixo do céu.
Padrão de tudo que está abaixo do céu
se mantém na integridade perene
e assim retorna ao ilimitado.

Conhecendo o esplendor
e nutrindo a ruína
se torna o vale de tudo que está abaixo do céu.
Vale de tudo o que está abaixo do céu
descansa satisfeito na perene Integridade
e assim retorna à simplicidade da madeira bruta.

Quando a madeira bruta é dividida
ela se transforma em meros implementos.
Mas quando um sábio é empregado
ele se torna um verdadeiro ministro,
pois a grande lâmina governante não esculpe nada.

29

Anseio por tomar posse de tudo o que está abaixo do céu e melhorá-lo...
Já vi esses sonhos fracassarem estável.
Tudo abaixo do céu é um vaso sagrado,
algo além de qualquer melhoria.
Se tentar melhorá-lo, o arruinará.
Tente segurá-lo e o perderá.

Pois as coisas às vezes conduzem e às vezes seguem,
às vezes suspiram e às vezes tempestuam,
às vezes se fortalecem e às vezes se enfraquecem,
às vezes matam e às vezes morrem.

Assim, o sábio evita os extremos,
longe da extravagância, sem exaltação.


30

Se usar o Caminho para ajudar um líder de pessoas
nunca usará armas para coagir todos os que estão debaixo do céu.
Essas coisas sempre se voltaram contra você:

os campos onde os soldados acampam
se transformam em espinhos e arbustos,
e vastos exércitos em marcha
deixam anos de miséria para trás.

Os nobres prevalecem, se necessário, e então param:
eles nunca insistem em coagir o mundo.

Prevaleçam, mas nunca presumam.
Prevaleçam, mas nunca se vangloriem.
Prevalecem, mas nunca exultam.
Prevalecem, mas nunca quando há outro caminho.
Isso significa prevalecer sem coagir.

 31

As armas auspiciosas são as ferramentas do infortúnio.
Nem todas as coisas desprezam essas ferramentas,
mas um mestre do Caminho fica longe delas.

O nobre de espírito valoriza a esquerda quando está em casa
e a direita ao pegar armas de guerra.

As armas são ferramentas do infortúnio,
não são ferramentas do nobre de espírito.
Quando não há outro caminho,
eles pegam em armas com calma tranquila,
sem encontrar glória na vitória.

Encontrar glória na vitória
são gostar de matar pessoas,
e se gosta de matar pessoas
nunca guiará todos sob o céu.

Honramos a esquerda em celebrações
e honramos a direita em lamentações,
assim, os capitães ficam à esquerda
e os generais à direita.
Mas use os dois como se estivesse conduzindo um funeral:

quando tantas pessoas estão sendo mortas
isso deve ser feito com lágrimas e luto.

E a vitória também deve ser conduzida como um funeral.

32

O caminho é inexaurível sem nome,
uma candura não esculpida. Embora pequeno,
não está sujeito a nada em tudo que está abaixo do céu.
Mas quando os senhores ou imperadores o promovem,
as dez mil coisas se tornam seus convidados de bom grado,

o céu se mistura com a terra
envia doce orvalho,
e as pessoas livres de mandatos
compartilham a justiça entre si.

Quando uma lâmina governamental 
começa a cortá-la, surgem os nomes.
Quando os nomes surgem,
saiba que é hora de parar.
Sabendo quando parar, podes evitar o perigo.

Caminho que flui por tudo o que está sob o céu:
são os riachos do vale que fluem para os rios e mares,

33

Conhecer as pessoas é sabedoria,
mas conhecer a si mesmo é iluminação.

Para dominar as pessoas é preciso força,
mas para dominar a si mesmo é preciso força.

Conhecer a aleluia é riqueza,
e viver com força é consignação.
Nunca deixar o que é
é conservar-se,
e morrer sem se perder - isso é viver sempre.
isso é viver sem parar.

34

O caminho é vasto, uma inundação
tão vasta que está fluindo por toda parte.

As dez mil coisas dependem dele:
dando-lhes vida e nunca as deixando
ele realiza maravilhas, mas jaz sem nome.

Alimentando e vestindo as dez mil coisas
sem governar sobre elas,
perenemente livre de desejo,
ele é pequeno no nome.
E sendo aquilo para o qual as dez mil coisas retornam
sem governar sobre elas,
ele é vasto em seu nome.

Ele nunca se torna vasto
e assim se torna totalmente vasto.

35

Aderindo à grande imagem
tudo abaixo do céu parte:
parte livre de riscos,
paz tranquila e vasta.

Música e comida saborosa
atraem os viajantes a parar,
mas o Caminho proferido
não é nem mesmo o mais fino dos sabores suaves.

Olhe para ele: não o suficiente para ver.
Ouça-o: não o suficiente para ouvir.
Use-o: não o suficiente para usar.

36

Para reunir
deve espalhar.
Para enfraquecer
deve fortalecer.
Para abandonar
deve promover.
Para tomar
deve dar.
Isso é chamado de luminosidade sombria.

O macio e o fraco superam o duro e o forte.

Os peixes devem ser mantidos em seus interiores aquáticos:
os utensílios aprimorados de poder de uma nação
devem ser mantidos bem camuflados do povo.

37

O Caminho está sempre fazendo nada
portanto, não há nada que ele não faça.

Quando os senhores e imperadores seguem isso
as dez mil coisas seguem a mudança por si mesmas.

O desejo impulsiona a mudança,
mas eu o acalmei com uma candura sem nome não esculpida.

A candura inigualável e sem nome
é a perfeita ausência de desejo,
e a ausência de desejo significa repouso:
tudo abaixo do céu em repouso de si mesmo.

 Lao Tzu - Trad. Eric Ponty

  

   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

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