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quinta-feira, setembro 18, 2025

T'ao Ch'ien - Trad. Eric Ponty

 

Esse compromisso, tão comum entre os poetas chineses, era a única alternativa honrosa ao serviço público para a classe intelectual artística. Já uma tradição antiga na época de T'ao Ch'ien, era um gesto político e pessoal complexo. Politicamente, representava uma crítica ao governo no poder, um modelo de autenticidade e simplicidade para aqueles no governo cuja vaidade e ganância eram tão destrutivas, e uma espécie de solidariedade com as suas vítimas entre as pessoas comuns. Pessoalmente, a aposentadoria representava um compromisso com uma vida mais gratificante espiritualmente, na qual se habitava a cosmologia taoísta/Ch'an do deserto da maneira mais imediata e cotidiana. Essa vida reclusa normalmente não significava suportar a existência espartana de um eremita ascético: era considerada a situação ideal para viver uma existência amplamente civilizada e normalmente incluía, juntamente com as maravilhas da natureza selvagem das montanhas, uma casa relativamente confortável, uma biblioteca substancial, família e amigos. E, por fim, essa realização pessoal tinha as suas dimensões políticas, pois a sabedoria cultivada em tal vida era considerada essencial para um governo sábio. A tradição paisagística na poesia chinesa é por vezes dividida em dois ramos: campos e jardins, que enfatiza os aspectos mais domésticos da paisagem, e rios e montanhas, que enfatiza os aspectos mais selvagens. T’ao Ch’ien é de acordo com a tradição considerado o fundador da poesia dos campos e jardins, em embate com o seu contemporâneo Hsieh Ling-yün, fundador da poesia dos rios e montanhas. Mas não há distinção fundamental entre os dois: ambos incorporam a cosmologia taoísta que é essencialmente a natureza selvagem chinesa e, como rios e montanhas é o contexto mais amplo dentro do qual campos e jardins opera, parece mais preciso falar de ambos os modos juntos como uma única poesia de rios e montanhas. E essa estrutura de rios e montanhas está no centro de praticamente todo o pensamento poético nos séculos seguintes. 

O tom mais doméstico dos poemas de T’ao Ch’ien é simplesmente um reflexo de sua profunda satisfação. Ao contrário de Hsieh Ling-yün, cujos poemas são animados pela necessidade de estabelecer uma relação iluminada com uma grande natureza alpina selvagem, T’ao vivia sem esforço a vida cotidiana numa quinta nas montanhas como uma experiência totalmente satisfatória de habitação.

Os poemas de T’ao deram início ao sentimento íntimo de pertença ao processo natural que molda a sensibilidade poética chinesa. E embora essa habitação signifique enfrentar a morte e as realidades existenciais da experiência humana sem ilusões, uma preocupação central em T'ao Ch'ien e em todos os poetas chineses, a ecologia espiritual de tzu-jan proporcionava amplo consolo. Se os poemas de T'ao parecem insossos, uma qualidade muito admirada neles pelos poetas da dinastia Sung, é porque nunca são animados pela luta pela compreensão. Em vez disso, eles sempre começam com a sabedoria mais profunda.

 NOVAMENTE EM CASA, ENTRE CAMPOS E JARDINS

1
Nada como todos os outros, mesmo quando criança,
enraizado em tal amor por colinas e montanhas.
    
Tropiquei em sua rede de poeira, aquela
partida, um erro que durou treze anos.

Mas uma ave amarrada anseia por sua antiga floresta,
e um lago pesca tuas águas densas - assim hoje,

Minhas terras do sul limpas, eu cultivo
simplicidade entre esses campos e jardins,

e estou em casa ao mesmo tempo. Tenho quase dois acres aqui,
e quatro ou cinco cômodos em nossa cabana de palha,

Olmos e salgueiros sombreando os beirais nos fundos,
e na frente, pêssegos e ameixas se espalham por toda parte.

Vilarejos perdidos em extensões de névoa e neblina,
a fumaça da cozinha se lavrando pelo campo aberto,

os cães latem nas estradas auxiliares daqui,
e os galos cantam nas copas das amoreiras.

Não há desordem dentro desses portões, não há poeira,
minha casa vazia abriga ociosidade de sobra.

Depois de tanto tempo preso nesse ardil, voltei
de volta à fato que aparece por si só.

2
Tão pouco aqui além de envolver pessoas.
As visitas à minha escassa rua são raras, 

o portão de espinheiros fica fechado o dia todo.
casa vazia cruza os pensamentos cheios de poeira.

E dia após dia, indo e vindo em passagens cobertos de cerrado, 
encontro os vizinhos sem confusão: 

só conversamos sobre vegetação
como as plantações estão indo, nada mais.

Os meus crescem mais a cada dia, e eu abro
mais campos, mas não consigo parar de me atentar:

se vier a geada ou o granizo, tudo estará em frangalhos
destruído numa grande abundância de arbustos enredados.

4
Anos sem caminhar por montanhas e lagos
se foram, antes eufóricos entre florestas e campos,

pego nossos filhos pela mão e saio
por bosques e terras agrícolas desamparadas.

Logo, estamos peregrinando sem rumo em meio a
túmulos e casas desamparadas há muito tempo,

seus poços e fogões de cozinha ainda de pé
entre bambus e amoreiras extintas.

Alguém está recolhendo lenha, então pergunto
para onde foram essas pessoas, todas essas pessoas.

Virando-se para mim, ele diz: Não resta nada
uma vez que você está morto e se foi, nada. Espere

uma única geração e, tribunal ou mercado,
todos os rostos são novos. É verdade, é claro.

A vida é sua própria miragem de mutação. E ela acaba
retornando a toda ausência vazia. O que mais?


ESCRITO NO 12º MÊS, ANO KUEI DA
DA LEBRE, PARA MEU PRIMO HONRA DISTÂNCIA


Nesse portão distante e cheio de espinheiros, minha
vagando descansa, o mundo e eu

nos libertamos um do outro. Nenhuma alma à vista.
Ao entardecer, quem sabe meu portão se fechou

o dia todo? O vento de fim de ano está muito frio,
a neve caindo em uma espessa enxurrada durante todo o dia,

nunca há um rastro de som. Eu escuto,
com os olhos doendo de todo esse fulgor branco.

O frio se infiltrava nos roupões, xícaras e tigelas
que raramente acordam em ser convindos para as refeições,

tudo é desolação nesta casa vazia,
nada em lugar algum para conservar meu ânimo.

Cursando esses livros milenares,
encontro exemplos atemporais, mas nunca

conseguirei seus princípios altivos. Quase tudo
que já dominei é a determinação na privação,

e não há chance de o renome redimir
a pobreza. Mesmo assim, não sou tolo por ter vindo

aqui. Envio achadas que vão além de todas as palavras,
uma conexão partilhada que ninguém poderia conceber.

BEBENDO VINHO

1

O vigor e a ruína nunca ficam parados. Aqui,
lá - todas as coisas repartem essa afinidade.

Cultivando melões, como Shao poderia viver
algo igual com a vida real que ele perdeu?

O frio se transforma em quente, o quente em frio.
Essa também é a nossa Passagem. Nada é imune.

Mas aqueles que entendem isso vivem suas
suas vidas sem apreensões. Sempre que o acaso

traz uma jarra de vinho, eles
tomam, todos se deliciam ao cair da noite.

2
O Caminho está em ruínas há mil
anos. Todas as pessoas enfermam seus corações

tão ocupados lutando por uma posição
que nunca tocariam no vinho.

Mas tudo o que torna a vida preciosa
ocorre nesta única vida, e esta

a vida nunca dura. É surpreendente,
repentina como um raio. Esses cem

anos oferecem toda a abastança: Prevalecer-se!
O que mais você poderia fazer de si mesmo?

3
Há mil anos que a passagem é a ruína.
Todas as pessoas guardam seus corações:

tão ocupadas em buscar uma posição,
nunca tocariam num copo de vinho.

Mas tudo o que torna a vida preciosa
ocorre nesta única vida, e essa vida

nunca dura. É surpreendente, repentino como um
relâmpago, cem anos oferecendo

toda a abundância. Pegue-a! O que mais
poderia esperar fazer de si mesmo?

4
Cores que infundem os crisântemos de outono
requintado, colho pétalas banhadas pelo orvalho,

coloque-os para flutuar com aquelas coisas. 
Até mesmo minha paixão por viver separado

logo se torna distante. Estou sozinho, mas depois
a primeira xícara, o jarro de vinho se derrama desamparado.

Tudo em repouso, ao anoitecer: uma ave chama,
retornando ao seu lar na floresta. Canto,

Eu me acomodo em minha respiração. De alguma forma, 
nesta varanda leste, reencontrei minha vida.

5
Eu vivo aqui nesta vila movida sem
todo aquele barulho que os cavalos e as carroças fazem,

e então se pergunta como isso é possível.
Onde quer que o pensar habite, ela é ela mesma

um lugar distante. Colhendo crisântemos
em minha cerca leste, vejo Montanha do Sul

ao longe: o ar encantador ao anoitecer, aves em voo
regressando para casa. Tudo isso tem um significado,

algo absoluto: sempre que começo a
explicar isso, olvido totalmente as palavras.

6
As pessoas elogiam a benevolência de Yen, dizem
Jung dominou o Caminho. Muitas vezes vazio,

um morreu jovem. Sempre faminto, o outro
viveu até uma idade avançada. Seus nomes

sobreviveram à morte, mas eles
vidas tão miseráveis. E o renome não significa nada.

quando estivermos mortos e ofuscar-se. Coração simples
contentamento - é tudo o que importa.

Nós nos mimamos com nossos "eus" de mil ouro, mas somos 
apenas convocados: a mudança logo se faz

nosso tesouro. Por que não um enterro nu?
As pessoas precisam superar as ideias antigas.

7
Crisântemos de outono que infundem cor
requintado, eu colho pétalas ensopadas de orvalho,

e as deixo flutuar naquela coisa de olvidar o que está advindo.
Logo, até minha paixão por viver à parte

fica distante. Estou sozinho aqui, e ainda assim
o jarro de vinho logo enche as taças sem mim.

Tudo em repouso, ao entardecer: uma ave chama,
retornando ao seu lar na floresta. Canto,

Eu me acomodo em meu alento. De alguma forma, nesta
varanda leste, reencontrei minha vida.

8
Pobres demais contratar ajuda, estamos sendo tomados
por um emaranhado de árvores selvagens. Todos

silêncio, aves à deriva, céu limpo e
silêncio isolado, não há sinal de outros.

O tempo e o espaço duram para sempre, 
mas quem vive até os cem anos? Meses e anos


apertado, agitando-se uns aos outros, e meu
cabelo já estava ficando alvo há muito tempo.

Se não desistirmos do fracasso e do sucesso,
a promessa que temos se transforma em pesar.

15
Velhos, pobres demais para acertar ajuda, notamos
enredados de arbustos selvagens tomarem conta de nossa casa

silêncio amargo, aves voando pelo céu claro
e a calma avulsa, nenhum sinal de outras pessoas.

O tempo e o espaço duram para sempre, mas quem
vive até os cem anos? Os meses e os anos se apertam, 

se atropelando uns aos outros,
e meu cabelo ficou alvo há muito tempo.

Se não cedermos do fracasso e do sucesso,
a promessa que temos se transforma em pesar.

PARADA DE VINHO

Eu parei. Aqui na cidade, onde a ociosidade
que, por si só, impediu minha peregrinação,

parei de me sentar em qualquer lugar 
que não seja a sombra profunda
e parei de sair pelo meu portão de madeira.

A culinária termina com a malva. E crianças - eu
parei de gostar tanto de qualquer coisa quanto de crianças.

Eu bebia sem parar durante toda a minha vida,
sabendo que tudo parecia errado quando eu parava.

Tentei parar ao anoitecer, mas não consegui dormir,
e parando ao amanhecer, não conseguia me levantar.

Dia após dia, eu quase começava a parar,
mas nunca deixava de ser metabólico feliz

desastre. Tudo o que eu sabia era que doía parar.
Eu não arrumava ver o quanto parar me harmonizava,

mas esta manhã, com as virtudes de parar
enfim claras, consegui parar totalmente.

Partindo desta parada de vinhos, em breve
passarei por aquela ilha de imortais, onde o viço

para de parar em rostos puros. Não pararei 
agora por incontáveis milhares de anos.

INTITULADO


Eu não poderia querer outra vida. Cuidar de
campos e amoras - é minha adequada

vocação. Nunca falhei, e ainda falho,
contra a fome e o frio, só há

casco e palha. Eu nunca quis mais
do que um estômago cheio. Tudo o que pedi foi

um pouco de arroz, roupas pesadas para o inverno
e tecidos abertos para o calor do verão.

Mas nem isso eu consegui. 
O, toda essa angústia é funda. E o caráter é o destino. 

Se for simplório, os caminhos da vida
vida lhe escapam. É o padrão interno:

é provável que ninguém mude isso. Mas então,
eu me deleito até com uma única taça de vinho.


DIA DO FESTIVAL DE CHÁ

No último dia do ano, a neve soprada pelo vento
não pode frear esse clima quente. Já,

em nosso portão plantado com ameixa e salgueiro,
há um galho assumindo lindas flores.

Se eu cantar, as palavras se tornam claras. E no vinho
toco inúmeras distâncias. Muito ainda

me escapa aqui. Quem sabe o quanto com
todo esse sobrenatural Canção da Montanha Manifesto?

T'ao Ch'ien - Trad. Eric Ponty

   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

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