Pesquisar este blog

segunda-feira, setembro 01, 2025

AS FLORES DO MAL TRADUZIDO POR ÉRIC PONTY - CHARLES BAUDELAIRE

 

Ao Leitor 
A Tolice e do erro, da mesquinhez e do pecado
Possuem nosso espírito e cansam nossa carne.
E, são como um animal de estimação, 
alimentamos nosso remorso domesticado
Quais os mendigos alimentam teus piolhos.

Nossos pecados são teimosos, nosso pesar é frouxo;
Oferecemos generosos de nossos votos de fé
E voltamos de bom grado à passagem da imundície,
Pensando choros marotos lavarão nossas manchas.

No travesseiro do mal repousa o alquimista
Satanás Três Vezes Grande, embala nossa alma cativa,
E todo o metal mais rico de nossa vontade
É vaporizado por tuas artes herméticas.

Realmente o Diabo puxa todas as nossas cordas!
Nos objetos mais repugnantes, achamos graças;
Cada dia damos mais um passo adresse ao inferno,
De tão contentes em atravessar o poço fétido.

Como um pobre libertino chupa e beija
A triste e atormentada teta de uma velha rameira,
Roubamos um prazer furtivo quando passamos,
Numa laranja murcha cercamos e apertamos.

Perto, enxameando, um milhão de vermes que se contorcem,
Uma nação demoníaca se agita em nossos cérebros,
E, quando respiramos, a morte flui em nossos pulmões,
Um fluxo secreto de gritos constantes e lamentosos.

Se massacre, ou incêndio criminoso, veneno, estupro,
Ainda não adornaram nossos belos desenhos,
A tela banal de nossos tristes destinos,
É apenas porque nosso espírito não tem seiva.

Mas entre os chacais, as panteras, os piolhos,
Macacos, escorpiões, abutres, cobras,
Monstros que berram, uivam, rosnam e rastejam,
No infame zoológico de nossos vícios,

Há um mais feio, mais perverso, mais imundo!
Embora ele não faça grandes gestos ou gritos,
Transformaria de bom grado a terra em escombros
E em um bocejo engoliria todo esse mundo;

É o tédio! -Olhos se encheram duma fúcsia involuntária,
Ele sonha com andaimes enquanto fuma sua houka.
Tu o conheces, leitor, esse monstro delicado.

-Leitor hipócrita, meu companheiro, meu irmão!

 Les Phares
Rubens, riacho alheio e jardim ocioso,
Travesseiro fresco de carne onde o amor não pode estar,
Mas onde a correnteza da vida se agita incessante,
Igual ao vento e a água fazem no céu e no mar;

Leonardo sombrio, espelho das profundezas,
O refúgio dos anjos cujo doce sorriso sustenta
O fardo de um mistério na sombra dos tons
De pinheiros e geleiras selando teu domínio;

Rembrandt, triste hospício de queixas pouco ouvidas,
Muros nus onde um grande crucifixo está pendurado,
Donde orações chorosas surgem, exaladas pela sujeira,
São perfuradas por um fugaz raio de sol invernal;

E Michelangelo, um desperdício onde figuras
De Cristo e Hércules se misturam; ali, eretos
Intensos fantasmas que estendem seus dedos
E rasgam roupas de sepultura na luz que se esvai;

A fúria de um boxeador, impudente qual um fauno,
Que busca a beleza até na escória humana,
Um peito forte e orgulhoso, preso na estrutura fraca,
Puget, o imperador sombrio dos velhos atrasos;

Watteau, esse carnaval onde corações famosos
Vagam iguais borboletas em um transe aceso,
De cenários frios e vaporosos sob lustres
Que chovem loucuras acesos na dança rodopiante;

Goya, um pesadelo de coisas inauditas
Um feto cozido para as festas de sabá das bruxas,
Com velhas bruxas nos espelhos, garotinhas nuas
Puxando tuas meias apertadas para tentar os demônios;

Delacroix, lago de sangue onde anjos caídos
Assombram os pinheiros escuros sob céus sombrios;
Estranhas fanfarras ecoam no bosque sempre verde
E se desvanecem quais os suspiros abafados de Weber;

Essas blasfêmias e maldições, esses lamentos,
Arroubos e lamúrias, esse canto de Te Deum,
São ecoados através de mil labirintos -
Para os corações mortais, um ópio celestial!

É uma ordem tocada por mil chifres,
Um chamado impresso por miríades de sentinelas,
Dum grito de caçadores perdidos na floresta 
sem caminho, qual o farol de mil cidadelas.

Pois é, de fato, Senhor, a assiste mais seguro,
Que podemos citar para provar nossa dignidade,
Esse soluço ardente que rola de idade em idade
E que padece nesse fio dessa tua eternidade.

Correspondências

No templo do natural, colunas vivas se alçam
E às vezes dão termos confusos; o homem vagueia
Pelos abertos do capão de símbolos que observam
Passos dos quais os de alguém que se adotam.

Tais são os longos ecos de longe ressoam
E se misturam em uma união escura e profunda,
Vasta qual a noite e clara qual o meio-dia, assim
Perfumes, sons e cores se correspondem.

Alguns aromas têm o cheiro fresco da pele das crianças,
Suaves quais oboés, verdes dos campos na primavera
- E outros são corrompidos, ricos, triunfantes.

Exalando larga qual todas coisas infinitas,
Âmbar gris, almíscar, benjamim e incenso,
Que cantam êxtases da alma e dos sentidos.
 
Correspondências

A natureza é um templo, onde colunas vivas, 
às vezes, respiram um discurso confuso;
O homem pisa entre bosques de símbolos,
Cada um deles o vê uma coisa semelhante.

Como os longos ecos, sombrios, profundos,
Ouvidos de longe, se misturam em união,
Vasta qual a noite, e, a claridade do sol,
Assim perfumes, cores e os sons podem se retribuir.

Odores existem, frescos qual a pele de um bebê,
Suaves tais oboés, verdes tais a grama do prado.
-Outros corrompidos, ricos, triunfantes, plenos.

Com dimensões infinitamente vastas,
Incenso, almíscar, âmbar gris, Benjamin,
Cantando o êxtase dos sentidos e da alma.
Albatroz

Muitas vezes, quando enfadados, os marujos,
Prendem albatrozes, as grandes aves dos mares,
Viajantes suaves que acompanham no azul
Navios que deslizam nos mistérios do oceano.

E quando os marujos os prendem nas pranchas,
Feridos e indecisos, esses reis de todos os ares
Deixam, lamentosa, rastros em teus flancos
Grandes asas alvas, arrastando remos vãs.

Este viajante, como é cômico e fraco!
Outrora belo, como é impudico e inepto!
Um marinheiro enfia um cachimbo em teu bico,
Outro zomba do passo manco do voador.

O poeta é como o príncipe das nuvens
Que assombra a tempestade e ri do arqueiro;
Exilado no chão em meio às zombarias,
Tuas asas enormes o impedem de andar.
 À une indienne

Amor pelo incógnito, suco da maçã antiga,
A velha perdição da mulher e do homem,
Curiosidades, sempre as fará
Desertar, como fazem as aves, essas infecundas,
Por uma miragem longínqua e céus menos prósperos,
O teto perfumado pelos caixões de seus pais.
 
 OS OLHOS DA BELEZA
Vós és um céu de outono, pálido e rosado;
Mas todo o mar de tristeza em meu sangue
Surges, e refluis, deixando meus lábios morosos,
Salgados com a lembrança do amargo dilúvio.

Em vão tua mão desliza sobre meu peito fraco,
O que buscas, meu amado, é profanado
Por dentes e garras de mulher; ah, não mais
Busque em mim um cerne que os cães comeram.

É uma ruína onde descansam os chacais,
E rasgam, atassalham, se empanturram e matam -
Um perfume nada em teu peito nu!

Encanto, duro flagelo dos espíritos, faça tua passagem!
Com olhos flamejantes, festas intensas se acenderam
Queime esses farrapos que as feras pouparam!
 
 SONETO DE OUTONO.
Eles me dizem, teus olhos claros e cristalinos:
"Por que me ama tanto, estranha amante minha?"
Sejas doce, fiques quieto! Meu íntimo e alma desprezam
Tudo, menos essa tua fé antiga e bruta;

E não revelarão o segredo de tua vergonha
A ti, cuja mão me acalma para um longo sono,
Nem tua lenda negra escreverá para ti em chamas!
A paixão eu odeio, um espírito me faz mal.

Amemos de modo gentil. Amor, de teu retiro,
Emboscado e sombrio, inclina teu arco fatal,
E eu conheço muito bem tuas antigas flechas:

Crime, horror, loucura. Ó Margarida pálida,
És como eu, um sol brilhante caído no chão,
Ó minha tão branca, minha tão fria Margarida.
 
O REMORSO DOS MORTOS
Ó sombria Beleza, minha, quando dormiras,
No íntimo profundo de uma campa de mármore negro;
Quando tiveres por mansão e por refúgio
Apenas caverna chuvosa de escuridão oca;

E quando a pedra sobre teu peito trêmulo,
E sobre a graça maleável de teu corpo reto e doce,
Esmagas vontade e mantém teu íntimo em repouso,
E retém esses pés de tua corrida afoita;

Então o túmulo profundo, que compartilha meu devaneio,
(Pois o túmulo profundo é sempre o amigo do poeta)
Durante as longas noites em que o sono está longe de ti,

Sussurrará: "Ah, não entendeu, dirás
Os mortos choraram assim, tua mulher frágil e fraca".
E, como o remorso, o verme roerá tua face.
 A Musa Venal

Ó
musa, minha, apaixonada por palácios,
Será que, quando janeiro lançar teus ventos,
No tédio negro das noites de neve, achar toras 
meio queimadas para aquecer seus pés roxos?

Teus ombros manchados, se aquecerão
Quando raios de luar penetrarem pelo vidro de nossa janela?
Sabendo que tua bolsa e teu paladar estão secos,
Ide tu buscares ouro nos cofres azuis?

Tu precisas, ganhar teu magro pão da noite,
Acólito entediado, vibrar os incensários, cantar
Te Deums para os deuses nunca presentes,

Qual palhaço faminto, botar teus encantos à venda,
Riso mergulhado em lágrimas para os olhos 
de ninguém, para divertir a multidão vulgar.
O monge mau
Quais antigos mosteiros sob paredes sólidas
Exibiam quadros da santa Confiança, aquecer
Interior dos homens naqueles corredores frios
Contra o frio desse teu rigor nesse mosteiro.

Naqueles tempos, quando as sementes de Cristo
 floresciam e cresciam, mais de um monge, 
cá no anônimo, tomando campo-santo teu estúdio,
Enobreceu a morte, com toda a candura.

-Minha alma é um túmulo, mau cenobita,
Desde a eternidade tenho vagado e habitado;
Nada embeleza as paredes deste odioso claustro.

Ó monge preguiçoso, quando saberei fazer
Contemplação vivo de minha triste miséria
O trabalho de minhas mãos e o amor de meus olhos?
 
L’Ennemi

Q
uando eu era jovem, vivia em um toró constante,
Embora de vez em quando o sol cintilasse,
Então, em meu jardim, poucas frutas rubras surgiram,
A chuva e os trovões tinham muito o que fazer.

Agora estão chegando os dias de outono de reflexão,
E eu devo usar o ancinho e a pá para cuidar,
Reconstruir e cultivar a terra devastada
A água erodiu intensamente quais túmulos.

E quem sabe se as flores em minha mente
Nesta pobre areia, varrida qual numa praia, acharão
O alimento da alma para ganhar começo saudável?

Eu choro! Eu choro! A vida alimenta a boca das estações
E aquele Inimigo sombrio que rói nossos corações
Se nutre do sangue que flui em tuas mandíbulas!

Vida passada

D
urante muito tempo vivi sob vastos pórticos
Que os sóis do mar tingiam com mil fogos,
E teus grandes pilares, retos e majestosos,
Faziam com pintassem tocas de basalto à noite.

As ondas, jorrando as imagens dos céus,
Misturavam-se de maneira solene e mística
Os acordes poderosos de tua rica música
Com cores pôr do sol pensadas em meus olhos.

Era ali que eu vivia em uma calma volúpia,
Em meio ao azul, às ondas, aos esplendores
E escravos nus saturados de perfume,

Que afrescavam minha testa com palmas das mãos,
E cuja única preocupação era aprofundar
No dorido mistério que me fazia então ansiar.
 
Bohémiens en voyage
 A tribo profética com olhos ardentes
Ontem partiu, carregando teus filhotes
Nas costas, ou entregando a teus altivos apetites
Num tesouro sempre perto em tetas penduradas.

Os homens vão a pé com tuas armas intensas
Ao longo das carroças onde os teus estão apinhados,
Com os olhos embotados no firmamento,
Com o triste pesar das quimeras ausentes.

Das profundezas de tua morada arenosa, o grilo,
Vendo-os passar, redobra tua canção;
Cibele, que os ama, aumenta tua vegetação,

Faz a rocha fluir e o deserto florescer
Diante desses viajantes, para os quais está aberto
Nesse império familiar da escuridão futura.
CHARLES BAUDELAIRE - ÉRIC PONTY
  
   ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

Nenhum comentário: