É um crime, diga-me? Suprema Inteligência,
Querer penetrar na Tua santa Providência;
Questionar sobre Tu os Teus filhos e o Teu céu;
Quebrar para ver Tua hóstia no Teu altar;
Inquieto aos meus vinte anos, no limiar da carreira,
De derramar uma lágrima pela miséria humana,
E, como uma folha deixada aos ventos da manhã,
De girar, buscando meu princípio e meu fim.
Veja, estou fraco e nu. O furacão me assusta.
Ele passa levando minha razão vacilante.
Ó Deus, minhas mãos se erguem para ti no perigo,
E, incapaz de rezar, ouso questionar-te.
Por que a criatura, ó Criador, meu Mestre?
Os seres, do nada, pediram para nascer?
Antes dos sete grandes dias, diante de ti, do caos,
De repente viste cessar o repouso tenebroso?
Tuo viu estremecer como uma mulher grávida,
E, soluçando de amor, amargura e medo,
Desesperado, ele quis, sob Tua mão divina,
Trazer ao mundo a criança que palpita em Teu seio?
Tu apenas cedeu, Operador sublime,
A esses tremores que se elevavam do abismo?
Fraqueza passageira, ai de mim, de um Deus demasiado bom!
Sim, sem dúvida não pudeste purificar esse lodo,
esse pântano corrompido numa noite profunda;
e, segundo o Teu desejo, o mundo miserável,
como um mármore impuro sob um cinzel divino,
vicioso e sujo, arrastado pelo caminho,
Mas levando na testa a marca do gênio,
Da tua mão, lançou-se em Tua rota infinita.
E tu, Mestre, inclinado, viste-o fugir.
Teu espírito previdente desenrolou o futuro,
E choraste por ele, contemplando essa mistura
De raios brilhantes e lama vergonhosa,
Esses seres, grandes por ti, mas tão pequenos por si mesmos.
Tu choras te, Criador, e se arrependeu!
Infeliz, não foi pelo desejo das matérias,
Dizem-nos, que o Teu sopro animou o nosso pó.
O caos adormecido não levantava a voz
E não reclamava a marca dos Teus dedos.
Um dia, Tu se cansaste de um trono solitário;
Como templo, criaste os astros e a terra;
E, para que um objeto vão se curvasse diante de ti,
Fizeste o homem cheio de fraqueza e medo.
Somos em tua obra um sorriso de uma hora,
Um brinquedo que teu dedo quebra, assim que o toca,
Um raio para a tua glória, uma rosácea na tua testa,
Um incenso louvador que celebra o teu nome;
E, quando de joelhos, curvado no pó,
O ser te perfumou com uma breve oração,
Tu jogas novamente essa criança do nada,
Nos braços de Teu pai, insondável e boquiaberto!
Se estou blasfemando aqui, Senhor, sou culpado?
Já que se cobriu com um véu impenetrável;
Já que em toda parte o Teu nome, clarão em nossa noite,
Se apaga, sem iluminar o homem que deslumbra;
Já que o homem é para si mesmo um profundo mistério;
Já que aqui embaixo o bem tem o vício por irmão;
Já que tudo é mau e tudo permanece obscuro,
Que tudo parece falho como uma obra impura:
Eu, este esboço informe onde nada se pode ler,
Eu, único interessado na rota a descrever,
Não posso dissipar a névoa onde Tu se agrada,
Perguntar de onde venho e procurar para onde vou?
Ai de mim! Tudo é negro no vale humano!
Os homens se agrupam em rebanhos na planície,
Vivendo em esgotos cercados por um muro em ruínas.
Eles se mantêm juntos para resistir ao vento.
A caravana humana em Tua marcha, sem dúvida,
Fora dos caminhos traçados, deve ter se perdido,
E, louca, encontrar atoleiros sob Teus pés,
Em vez dos gramados verdes que Tu lhe destinou.
Não, não, não devo procurar em Teus rostos pálidos
A imagem de Teus seres caídos.
É preciso sondar em outro lugar Teus segredos eternos.
À tua imagem, Senhor, já não estamos à altura.
E vós, sóis de fogo, estrelas radiantes,
Céus azuis, perfumes, canções de amor,
Imagem de grandeza, de paz, de liberdade,
Respondam! Por que o homem e a divindade?
Oh! Virem as páginas do livro do espaço,
Fazei-me decifrar cada estrela que passa,
Abaixem o infinito diante dos meus olhos mortais,
E em Teu trono de ouro mostrem-me o Eterno.
Mostrem-me o Eterno, com a testa coroada de glória,
Para lembrar o mundo à Tua memória,
E, do fundo do abismo, para gritar-lhe:
“Teus filhos gastaram os lábios em preces,
Ó Senhor! Se queres que eles se curvem novamente,
Faz brilhar as claridades da aurora eterna,
Com um raio dos teus olhos ilumina o Teu despertar,
E, no teu firmamento, no centro do sol,
Mostra-te, resplandece, gira em torno da terra,
Depois da sombra aqui em baixo, traz de volta a luz!”
Ó céu azul, serás tu meu princípio e meu fim?
Esta alma, puro espírito que suspira em meu peito,
Deus a roubasse dessas luzes perdidas,
Que agora, do alto, a chamam nas nuvens?
Poderá ela subir e, escapando do corpo,
Ver Teu Deus face a face e compreendê-lo então?
Responda, ó firmamento! Mas a abóbada estrelada
Gira, ilumina sem ruído minha cabeça desolada.
A grande cortina celeste, com tuas pregas majestosas,
Não se abriu para satisfazer meus desejos.
Se o espaço falou, não soube ouvi-lo.
Estremeci diante dele, sem poder compreendê-lo.
Sempre, sempre, esse Deus se agrada em se esconder;
Mesmo nas páginas do céu não consegui decifrá-lo;
E essa cúpula azul que olha para a terra,
Contempla, indiferente, Tua vergonha e Tua miséria,
Não se preocupa se os raios divinos
São um novo suplício para a noite dos humanos,
E se alarga soberba, egoísta, na nuvem,
Imagem desse Deus que regulou a extensão.
A terra blasfema contra Tu e os céus estão mudos.
É em mim, Criador, que se esconde?
Devo sondar meu ser e lançar novamente
Meu coração como alimento ao fogo que me devora?
Ai de mim! Sob meu olhar, vejo crescer a noite.
Quanto mais desço em mim, mais a luz foge,
E sou, quando quero olhar para minha sombra,
A página mais sombria da criação.
A matéria me acorrenta e, se a alma às vezes
Te adora, sem querer compreender as tuas leis sagradas,
A razão se revolta e, para te reconhecer,
Quer compreender antes de tudo a essência do teu ser,
Então, diante desta noite com que nos cercas,
Se perturba, procura ainda e não se inclina.
Mas, silêncio! Ouço uma voz vinda do espaço.
Deus fala. Não é a Tua resposta que passa?
“Criatura aflita”, disse o canto divino,
“Coração devorado pelo amor, que loucura é essa?
Ah! Deixe esse ardor que se reprime em Teu peito
Derramar-se em oração, em sublime harmonia!
Deixe, como incenso que fuma sobre o altar,
Tua alma elevar-se para a abóbada sagrada,
E, sem se preocupar com a terra e o céu,
Subir em Teu impulso para Tua fonte ignota.
Que importa que Teu Deus seja um filho do caos,
Ou que tenha dado à luz a matéria adormecida!
Que importa essa mistura de bens e males,
Onde parece se perder a Sabedoria infinita!
“Que importam os humanos e Tua fragilidade,
O céu e Tua grandeza insondável e silenciosa!
Que importa a penumbra ameaçadora e sombria,
Quando a razão contempla em Tua urna inquieta!
“Que importa o desconhecido! Que importa o nada!
Se o amor é a lei de toda a caráter,
Se ele arde em Teu coração como um fogo devorador,
É apenas para amar que a criatura nasce.
“Ame, então, ame, essa é a palavra secreta!
A onda sucede a onda; o ninho da andorinha
Vê a cada primavera se abrir em Tua penugem
Outros ovos, frágil esperança de uma nova mãe;
“Uma rosa murcha, um botão vai se abrir;
O vento perde Teus perfumes, depois morre no espaço;
Um canto sempre sucede ao canto que deve terminar;
Tudo segue a grande lei: aparece, ama e apagar-se”.
Émile ZOLA - trad. Eric Ponty
ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA
Nenhum comentário:
Postar um comentário