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sábado, junho 21, 2025

Der Humor - Sigmund Freud - TRAD. ERIC PONTY

Em meu escrito sobre a piada e sua relação com o inconsciente (1905 c), tratei do humor apenas do ponto de vista econômico. Meu objetivo era encontrar a fonte do prazer no humor, e acredito ter demonstrado que o prazer humorístico resulta da economia de esforço emocional. O processo do humor pode ocorrer de duas maneiras: ou em uma única pessoa, que assume a postura humorística, enquanto a segunda pessoa assume o papel de espectador e beneficiário, ou entre duas pessoas, das quais uma não participa do processo humorístico, mas a segunda faz dessa pessoa o objeto de sua observação humorística. Se, para permanecer com o exemplo mais grosseiro, o delinquente que é levado à forca na segunda-feira faz a seguinte declaração: “Bem, a semana começou bem”, ele próprio desenvolve o humor, o processo humorístico se completa em sua pessoa e lhe traz, aparentemente, uma certa satisfação. Eu, o ouvinte não envolvido, sou atingido, de certa forma, por um efeito remoto da performance humorística do criminoso; eu sinto, talvez de forma semelhante a ele, o prazer humorístico. O segundo caso ocorre quando, por exemplo, um poeta ou escritor descreve de forma humorística o comportamento de pessoas reais ou fictícias. Essas pessoas não precisam demonstrar humor, a atitude humorística é exclusivamente da pessoa que as toma como objeto, e o leitor ou ouvinte, por sua vez, participa do prazer do humor, como no caso anterior. Em resumo, pode-se dizer que a atitude humorística – seja ela qual for – pode ser dirigida contra si mesmo ou contra outras pessoas; é de se supor que ela traga prazer àquele que a pratica; um prazer semelhante é sentido pelo ouvinte – que não está envolvido. A melhor forma de compreender a origem do prazer humorístico é voltando nossa atenção para o ouvinte diante do qual outra pessoa desenvolve humor. Ele vê essa outra pessoa em uma situação que leva a esperar que ela produza sinais de emoção; ela ficará irritada, reclamará, expressará dor, ficará assustada, horrorizada, talvez até mesmo desesperada, e o espectador ouvinte está pronto para acompanhá-la, deixando que as mesmas emoções surjam em si mesmo. Mas essa predisposição emocional é frustrada, o outro não expressa nenhuma emoção, mas faz uma piada; o esforço emocional poupado se transforma agora em prazer humorístico para o ouvinte. É fácil chegar a esse ponto, mas logo se percebe que é o processo do outro, do “humorista”, que merece maior atenção. Sem dúvida, a essência do humor consiste em poupar-se dos afetos que a situação provocaria e superar a possibilidade de tais expressões emocionais com uma piada. Nesse sentido, o processo no humorista deve coincidir com o do ouvinte; mais precisamente, o processo no ouvinte deve ter copiado o do humorista. Mas como é que o humorista consegue essa atitude psíquica que torna supérflua a separação dos afetos, o que se passa dinamicamente nele com a “atitude humorística”? Aparentemente, a solução do problema deve ser procurada no humorista, no ouvinte apenas se pode supor um eco, uma cópia desse processo desconhecido. É hora de nos familiarizarmos com algumas características do humor. O humor não tem apenas algo libertador, como a piada e a comédia, mas também algo grandioso e edificante, características que não se encontram nos outros dois tipos de prazer da atividade intelectual. O grandioso reside evidentemente no triunfo do narcisismo, na invulnerabilidade do eu afirmada de forma vitoriosa. O eu se recusa a se deixar ofender pelas circunstâncias da realidade, a se deixar levar ao sofrimento, ele insiste que os traumas do mundo exterior não podem afetá-lo, sim, ele mostra que eles são apenas motivos de prazer. Esta última característica é absolutamente essencial para o humor. Suponhamos que o criminoso levado à execução na segunda-feira tivesse dito: Não me importo, o que importa se um sujeito como eu é enforcado, o mundo não vai acabar por causa disso – assim teríamos que julgar, essa fala contém, de fato, uma grande superioridade sobre a situação real, é sábia e justificada, mas também não revela nenhum traço de humor, baseia-se em uma avaliação da realidade que é diretamente contrária ao humor. O humor não é resignado, é desafiador, significa não apenas o triunfo do eu, mas também do princípio do prazer, que aqui consegue se afirmar contra as adversidades das circunstâncias reais. 279 Por meio desses dois últimos traços, a rejeição da exigência da realidade e a imposição do princípio do prazer, o humor se aproxima dos processos regressivos ou reacionários que tanto nos ocupam na psicopatologia. Com sua defesa contra a possibilidade do sofrimento, ele ocupa um lugar na grande série de métodos que a vida psíquica humana desenvolveu para escapar da compulsão do sofrimento, uma série que começa com a neurose, culmina na loucura e inclui o êxtase, o auto absorção e a êxtase. O humor deve a essa conexão uma dignidade que, por exemplo, falta completamente à piada, pois esta serve apenas para obter prazer ou coloca o prazer a serviço da agressão. Em que consiste, então, a atitude humorística pela qual se recusa o sofrimento, se enfatiza a interoperabilidade do eu pelo mundo real, se afirma vitoriosamente o princípio do prazer, mas tudo isso sem abandonar, como outros procedimentos com a mesma intenção, o terreno da saúde mental? As duas realizações parecem incompatíveis entre si. Se nos voltarmos para a situação em que alguém assume uma postura humorística em relação aos outros, surge a ideia, que já sugeri timidamente no livro sobre a piada, de que ele se comporta com eles como um adulto com uma criança, reconhecendo e ridicularizando a insignificância dos interesses e sofrimentos que parecem grandes para ela. O humorista ganha, portanto, sua superioridade ao assumir o papel do adulto, identificando-se, de certa forma, com o pai e rebaixando os outros à condição de crianças. Essa suposição explica bem os fatos, mas não parece muito convincente. Pergunta-se como é que o humorista chega a assumir esse papel. Mas lembramo-nos da outra situação, provavelmente mais original e significativa, do humor, em que alguém dirige a atitude humorística contra a própria pessoa, para se defender assim das suas possibilidades de sofrimento. Faz sentido dizer que alguém se trata a si mesmo como uma criança e, ao mesmo tempo, desempenha o papel do adulto superior em relação a essa criança? Penso que damos um forte apoio a essa ideia pouco plausível quando consideramos o que aprendemos sobre a estrutura do nosso eu a partir de experiências patológicas. Esse eu não é algo simples, mas abriga em seu núcleo uma instância especial, o superego, com o qual às vezes se funde, de modo que não conseguimos distinguir os dois, enquanto em outras circunstâncias se separa nitidamente dele. O superego é herança genética da instância parental, mantém o eu frequentemente em estrita dependência, trata-o realmente como os pais – ou o pai – tratavam a criança nos primeiros anos de vida. Obtemos, assim, uma explicação dinâmica da atitude humorística, se assumirmos que ela consiste no fato de a pessoa do humorista ter retirado o ênfase psíquico do seu eu e transferido para o seu superego. Para esse superego assim aumentado, o eu pode agora parecer minúsculo, todos os seus interesses insignificantes, e pode ser fácil para o superego, com essa nova distribuição de energia, suprimir as possibilidades de reação do eu. Fiéis à nossa forma habitual de expressão, em vez de dizer transferência do ênfase psíquico, teremos que dizer: deslocamento de grandes quantidades de ocupação. Pergunta-se então se podemos imaginar tais deslocamentos extensivo de uma instância do aparato psíquico para outra. Parece uma nova suposição feita ad hoc, mas devemos lembrar que, repetidamente, embora não com frequência suficiente, contamos com tal fator em nossas tentativas de uma concepção meta psicológica dos acontecimentos psíquicos. Assim, por exemplo, assumimos que a diferença entre uma ocupação erótica comum de um objeto e o estado de estar apaixonado reside no fato de que, no último caso, uma ocupação muito maior passa para o objeto, o ego se esvazia, por assim dizer, em direção ao objeto. Ao estudar alguns casos de paranoia, pude constatar que as ideias de perseguição se formam precocemente e persistem por muito tempo sem manifestar nenhum efeito perceptível, até que, por um motivo específico, adquirem a intensidade que as torna dominantes. A cura de tais crises paranoicas também deve consistir menos na dissolução e correção das ideias delirantes do que na retirada da fixação que lhes foi atribuída. A alternância entre melancolia e mania, entre a repressão cruel do ego pelo superego e a libertação do ego após tal pressão, nos deu a impressão de uma mudança de ocupação, que, aliás, também deveria ser invocada para explicar toda uma série de fenômenos da vida psíquica normal. Se isso aconteceu até agora em tão pouca medida, a razão reside na nossa cautela, que é bastante louvável. O campo em que nos sentimos seguros é o da patologia da vida psíquica; é aqui que fazemos as nossas observações e adquirimos as nossas convicções. Por enquanto, ousamos julgar o que é normal na medida em que adivinhamos o normal nas isolações e distorções do patológico. Uma vez superada essa timidez, reconheceremos o importante papel que as relações estáticas, como a mudança dinâmica na quantidade de ocupação de energia, desempenham na compreensão dos processos psíquicos. Considero, portanto, que a possibilidade aqui sugerida, de que a pessoa, em uma determinada situação, subitamente sobrecarregue seu superego e, a partir disso, altere as reações do ego, merece ser registrada. O que suponho para o humor também encontra uma analogia notável no campo relacionado da piada. Como origem da piada, tive que supor que um pensamento pré-consciente é deixado por um momento à disposição do processamento inconsciente, sendo a piada, portanto, a contribuição do inconsciente para o cômico. De forma muito semelhante, o humor seria a contribuição para o cômico através da mediação do superego. Conhecemos o superego como um senhor severo. Pode-se argumentar que não é condizente com esse caráter permitir ao eu um pequeno ganho de prazer. É verdade que o prazer humorístico nunca atinge a intensidade do prazer pelo cômico ou pela piada, nunca se manifesta em risadas sinceras; também é verdade que o superego, quando provoca a atitude humorística, na verdade rejeita a realidade e serve a uma ilusão. Mas atribuímos a esse prazer pouco intenso – sem saber muito bem por quê – um caráter de grande valor, sentimo-lo como particularmente libertador e edificante. A brincadeira que o humor faz também não é o essencial, ela tem apenas o valor de uma prova; o principal é a intenção que o humor executa, seja ele dirigido a si mesmo ou a outras pessoas. Ele quer dizer: veja, este é o mundo que parece tão perigoso. É uma brincadeira de criança, perfeita para fazer piada! Se é realmente o superego que fala de forma tão amorosa e reconfortante ao eu intimidado no humor, então devemos lembrar que ainda temos muito a aprender sobre a natureza do superego. Aliás, nem todas as pessoas são capazes de ter uma atitude humorística, é um dom delicioso e raro, e muitas nem mesmo têm a capacidade de desfrutar do humor que lhes é transmitido. E, finalmente, quando o superego procura consolar o eu e protegê-lo do sofrimento por meio do humor, ele não contradiz sua origem na instância parental.

 Sigmund Freud - TRAD. ERIC PONTY

  

 ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

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