Pesquisar este blog

sábado, agosto 03, 2024

RAINER MARIA RILKE - TRAD. ERIC PONTY

Nunca aceitamos a tua cabeça e toda a luz
que amadureceu nos teus lendários olhos. Mas
o teu tronco ainda arde como um candeeiro de rua apagado
em que o teu olhar, aceso há muito tempo,
se mantém firme e brilha. De outro modo, a onda
do peito não te cegaria, nem um sorriso
não poderia percorrer a ligeira torção dos lombos
em direção àquele centro onde a procriação se acendeu.
Senão esta pedra ficaria cortada
e fria sob a gota diáfana dos ombros
e não brilharia como o pelo de um animal selvagem
e não irromperia de todos os seus contornos
como uma estrela: porque não há lugar
que não te veja. Tens de mudar a tua vida.

Li-o da tua palavra,
da história dos gestos
com que as tuas mãos contornam o devir
que se torna, quente e sábio.
Disseste viver em voz alta e morrer em silêncio
e repetiste uma e outra vez: Ser.
Mas antes da primeira morte veio o assassínio.
Então um estalo atravessou os teus círculos maduros
e foi a um santuário
e arrancou as vozes
que tinham acabado de se juntar
para vos dizer,
para te levar
toda a ponte do abismo
E o que eles têm gaguejado desde então
são pedaços do teu antigo nome.

Sou eu, seu ansioso. Não me ouves
com todos os meus sentidos a arderem contra ti?
Os meus sentimentos, que encontraram asas
rodeiam o teu rosto branco.
Não vês a minha alma que está perto de ti
diante de ti num vestido de silêncio?
A minha oração maia não amadurece
no teu olhar como numa árvore?
Se tu és o sonhador, eu sou o teu sonho.
Mas se queres acordar, eu sou a tua vontade
e tornar-me-ei poderoso em toda a minha glória
e serei como uma estrela silenciosa
sobre a maravilhosa cidade do tempo.

A minha vida não é esta hora íngreme,
em que me vês a correr.
Sou uma árvore no meu fundo,
sou apenas uma das minhas muitas bocas
e a que se fecha mais cedo.
Eu sou o silêncio entre dois sons,
que só se habituam mal um ao outro:
porque o som da morte quer subir
Mas no intervalo escuro
ambos tremem.
E a canção continua bela.

RAINER MARIA RILKE - TRAD. ERIC PONTY

ERIC PONTY - POETA- TRADUTOR- LIBRETTISTA

Nenhum comentário: