Pesquisar este blog

sábado, julho 20, 2024

Lílian Desnuda ( POEMAS EM PROSA) 2015 - ERIC PONTY


Teu cabelo escuro solto contra o azul céu percorre as filigranas da tonalidade que padece de outra cor mais escura.

Os fios de seu cabelo, negros que se fundem ao presente numa fundição abissal do próprio tempo.

A matéria presente das coisas não criadas, a margem do sussurro e do grito que padece de madrugadas.

A solidão da matéria como a própria consciência de ser matéria desprovida de ego, de se saber eu delimitado pelas fronteiras do próprio corpo, dimensão una aprisionada pelo fractal.

A possibilidade ante a própria impossibilidade de ser possível, um mero risco no azul.

A consciência de se renascer dentro da própria dimensão e de se expandir pela essência do risco de se fazer vivente.

Lílian II


Mas acontece que a noite se faz noturna
e ficou muitas vezes dentro do meu próprio eu
que se declama sobre os focos do mercúrio dos postes.

Meu eu se reconhece de longe 
deste eco evidenciado por vozes e sombras, 
pelos meus murmúrios, meus sussurros,
por aquilo que não sei mais enunciar como
a lúcida face que nasce de dentro do crepúsculo.
 
Sinto-me e me revejo que estou sobre 
as intricados vazios de minhas noites em claro; 
reminiscências esvaídas da memória, 
cinzas do que foi o dia, a essência póstuma 
dos subterrâneos discursos do urbano.

Apoiam-se meus dois olhos: 
notívagos, túrgidas efígies negras 
e até delírios sem pouso para o sonho. 

Em vão procuro outra dimensão da noite: 
também olhei a textura da tonalidade ocre
num ermo retiro de um céu destituído de azul
Onde esta distraída cingia seus cabelos de aura. 


Lílian III

       Você nasce dentro do ego das minhas linhas e de suas como uma imensa tonalidade ocre vindo da imensidão do cosmo quando o sol deixa de emanar seu foco sobre a terra e iluminar sua presença.
       Nesta ausência está edificado o teu ser, esta mudança de tonalidade quando resplandecia fulgurante ao sol e agora ausente, mas tem a afinidade de um imenso satélite alvo e cheio de espinhas que gira em volta de um planeta que gira
movimentado pela sua própria dimensão. 
       Sabe que nunca poderá alforriar deste plano porque somos seus habitantes e prisioneiros que nos encerramos como numa torre de pedra e nossos sonhos não passam de meros cavaleiros medievais que se perderam na dimensão do próprio sonho, 
que fingimos dentro da nossa própria solidão de outras conquistas que serão narrados por dois desaparecidos viajantes, 
e que nós nos nutriremos agora dessas suas narrativas. 


Lílian IV

        Outras vezes você se encolhe na sua solidão prendendo entre as mãos o murmúrio que se encolheu por causa da algaravia, estas falas que nascem por entre o casario que se decompõe no tempo.
        Meu opúsculo da madruga de cabelos negros e de tez lunar; basta que eu abra as janelas de meu quarto e te encontre no firmamento noctívago da noite sucumbida pela memória refletida dos raios de uma lua abandonada na visão do urbano.
        As nossas solidões preenchem as madrugadas de uma noite fria que somente as nuvens invisíveis podem se aquecer por serem a matriz de todas nevascas e de todas tempestades e de todas esperanças de um agreste rio seco.

Lílian V

       Algum andarilho em nossa mente com olhos do antigo já teria por nós passado, por acaso, numa destas ruas circunvizinha de casarões e ruas ermas que descambam em igrejas de tez meigas, 
e sucumbiu sem por nos adentrar.
       Não saímos ainda de nossas esperanças e
nem à primeira sombra foi projetada nas paredes dos muros de adobe que solitários dialogam com o silêncio, nem o ocre que nasce da noite do imenso silencio e percorre a noite sempre por acabar.


Lílian VI

                 Quando na madrugada  te aproxima da tez margeada do mundo que encolhida está entre os murmúrios, ó solitária, 
experimento a sensação arder de algumas falas entre o não dito, em algaravias que repercutem por entre as nuvens vazias e sem significado.
                 Circulo com o andar calmo com pensamentos que migram para outros destinos onde a solidão é apenas uma conjectura, sobre mim as sombras se aproximam como eternas andarilhas em busca de um sentido.
 
                 Então mil pássaros soturnos desprovidos de reflexos fogem em busca de suas agonias e soçobros que foram perdidos no cume do crepúsculo quando a tarde foi golpeada pelas nuvens ocres da noite.

Lílian VII

                  Noctívagos caminham pelos labirintos dos seus eus por ruas que se fundem dentro do mar onde últimos barcos levaram as ultimas almas para o delírio. 
 
                  E as ruas desertas cheias de almas que se ondulam em antigas lembranças do ontem passeiam pelas dimensões do universo sem a consciência do ser e do não ser.
 
                   Entretanto, porém, escapa por entre os subterfúgios dos olhares sem paisagens, agrestes como o mais árido sertão onde à noite sertão e mar são a mesma metáfora solitária. 

                   Os homens se entregam entre o tanger da noite; suas mascaras de cães se transformam em rostos de lobos e sem piedade atraiçoam o olhar primaveril da madrugada. 

                   A noite é transformada num imenso campo das vastidões humanas onde somente sobrevive aquilo que se maculou no tanger do crepúsculo e a manha se dissimula por entre as serras como uma virgem solitária. 


Lílian VIII

             Passam na memória algumas sombras vestidas de gente com um olhar lânguido dos combalidos em cadeiras de rodas que olham para a vastidão do campo e transforma-se em corvos que perpassam pelos milharais de trigo.
 
             Vêem-se espantalhos crucificados sofrendo de solidão que absortos no silencio meditam sobre o suicido e repercutiram seus lamentos no azul céu que melancólico tingiu-se de negro.

             O tempo é testemunha que os corpos passam e que foram construídos para sucumbirem á perspectiva de um grito que se adensasse numa canção de ninar de um eu menino.


Lílian XI

             Na longínqua e misteriosa noite percebo apenas seus reflexos vindos do cotidiano entre falas e olhares que sucumbem ao murmúrio dos significados atingidos.
 
            E nos reflexos serenos da madrugada entre gritos de extraordinária solidão eu virtuo o meu eu numa bruma entre o ser e o não ser.

            Numa das minhas solidões interiores repousa os raios lunares de uma lua que suspensa pelos cães de uma tarde compôs um mantra para um shiva que foi a muito olvidado após o espetáculo de transformação.  

           Nos lácteos raios de uma lua eu percebo a fluidez de seus cabelos por entre a brisa que chega após o crepúsculo se adensando numa noite de uivos.


Lílian X

          No silencio da noite os olhos dos noctívagos sempre perspectivaram sua cor por entre as macieiras fatigadas de inverno e os fantasmas sempre se alimentaram dela. 

          Bem sei da natureza de Rabi e daqueles que o quiseram difamar e do silencio que se fez quando este se transfigurou em uno de deixar um status num plano para transmigrar-se num outro.
 
         No silencio é necessário se entregar aos sons que nós nos lembramos em nossa mente no instante que fomos concebidos para adentramos ao nosso dharma.

Lílian XI

         A serpente da noite é sagrada e morde a si mesma num ato iniludível.
         Ao ser resta passar por ermos caminhos e mares salgados numa caminhada rumo ao movimento de Shiva numa constelação que é apenas um reflexo ecoando e inútil. 
         A noite pretendia a vida eterna, mas Shiva em sua dança cantou um mantra e a noite se tornou aparente por causa da vaidade da lua.
ERIC PONTY
ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

Nenhum comentário: