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sexta-feira, maio 24, 2024

Pierrot Lunaire - Albert Giraud - Trad. Eric Ponty






Dedico-lhe os meus diamantes - poeta que é! Ajudaste a sua e mais de um deveria ser assinado com o teu nome, pois tu os "falaste" deles nas nossas horas de diletantismo, quando os cabelos não se dividiam em quatro - o que é elementar - mas em milhares, e nos pareciam tão grossos como fios. Aqui tendes, tal como são, estes poemas de Lua. Não encontrei razão, como dizem os autores modestos, para "analisar o meu século", nem moralizar à maneira protestante, contentando-me em afirmar, no meio da praga moderna dos fotógrafos literários, um direito que ambos reclamamos com insolência - o direito do poeta à fantasia lírica.
Fantasia.
ALBERT GIRAUD.

Sonho com uma peça de câmara,
Onde Breughel pintaria os pássaros,
Shakespeare, os palácios pálidos,
E Watteau, os cenários de âmbar.

Nas sombrias noites de dezembro,
Aquecendo meus dedos violáceos,
Sonho com uma peça de câmara,
Onde Breughel pintaria os pássaros.

Animado com o sabor do gengibre,
Nós veríamos os feios irmãos,
Acolchoando suas panturrilhas emaciadas,
Para uma Colombina arqueada.
Sonho com uma peça de câmara.

Os grandes pássaros de carmesim e ouro,
Essas pedras preciosas esvoaçantes,
Breughel os coloca, em sua obra,
Nas árvores azuis da decoração.

Eles vibram, e sua enorme ascensão,
Lançam uma sombra sobre os prados,
Os grandes pássaros de carmesim e ouro,
Essas pedras preciosas esvoaçantes.

O sol perfura com o esforço
De seus dourados amarelos,
O verde-azul dos ramos floridos,
E sua luz aguça ainda mais peça de câmara.
Os grandes pássaros de carmesim e ouro.

Um caprichoso raio de luar
Faz brilhar os flancos de cristal
Na bacia de perfumes sândalo
Do pálido dândi Bergamasco.

A fonte ri em seu caldeirão
Com um claro som metálico.
Um caprichoso raio de luar
Faz brilhar os flancos de cristal.

Mas o seigneur com o basque branco,
Deixando de lado o vermelho vegetal
E o verde oriental fardado,
Estranhamente compõe seu rosto com
Um caprichoso raio de luar.

Os convidados, com o garfo na mão,
Viram o vinho sendo roubado,
Os assados, as tortas, as ostras,
E as geleias de marmelo.

Os senhores estão, ocultos em um canto,
Fazem caretas de bufão.
Os convidados, de garfo na mão,
Viram o vinho sendo roubado.

Para enfatizar a decepção,
Destes insetos com élitros azuis
batem contra as janelas cor-de-rosa,
E seu zumbido monótono zomba de longe
Os convidados, com o garfo na mão.

Como uma lavadeira pálida,
Ela lava suas failles brancas,
Seus braços argentinos ausentes de mangas,
Na alegre margem do rio.

Os ventos que atravessam a clareira
Sopram em suas flautas sem palhetas.
Como uma lavadeira pálida,
Ela lava suas roupas brancas.

O trabalhador celestial e gentil,
Amarrando a saia nos quadris,
Sob o beijo dos ramos,
Pendura sua roupa de luz,
Como uma pálida lavadeira.

Com um grotesco e dissonante golpe de arco
Irritando seu violino plano,
Como uma garça, em uma perna só,
Ele toca um ar indecente.

De repente, Cassandro, intervindo,
Repreende esse acrobata noturno,
Com um grotesco e dissonante golpe de arco
Irritando seu violino.

Pierrot contesta, e agarra
-Com uma mão muito delicada
O velho por sua gravata rígida,
risca a barriga do agitador
Com um grotesco e dissonante golpe de arco.

A Lua, a omelete amarela,
Batida de grandes ovos de ouro,
Nas profundezas do azul-escuro, ela dorme,
E se reflete nas janelas.

Pierrot, em suas roupas brancas,
No telhado, perto da borda, olha para
A lua, a omelete amarela,
Batida com grandes ovos de ouro.

Enrugado como uma maçã madura demais,
Pierrot sacode com grande força
Uma frigideira e, com um súbito esforço,
Acredita ter se lançado no céu cintilante,
A Lua, a omelete amarela.

Arlequim usa um arco-íris
De seda vermelha e verde,
Assemelhando-se, no ouro das fadas,
Uma serpente artificial.

Tendo como objetivo essencial
A improbidade e o engano,
Arlequim usa um arco-íris
De seda vermelha e verde.

Para Cassandro, amarelo de fel,
Ele enumera seus seigneuries
Na Espanha e seus brasões de armas:
Porque, em um cenário de azul e mel,
Arlequim usa um arco-íris.

Um bloco de gelo polar cintilante,
cinzelado pela luz fria,
Detém Pierrot exausto,
Que sente sua galé afundando.

Ele olha com um olhar brilhante
Para seu inesperado salvador:
Um bloco de gelo polar cintilante,
esculpido pela luz fria.

E o sinistro mímico
Acredita ver um Pierrot disfarçado,
E com um gesto branco e eternizado
Interpela na noite clara
Um bloco de gelo polar cintilante.

Como esplêndidas nadadeiras
De peixes celestiais em transformação,
As nuvens têm prata,
Ouro, nácar, marfim.

Elas redescem diante da morte
Glórias dos sóis que mergulham,
Como esplêndidas barbatanas
De peixes celestes em transformação.

Mas a Noite, em seus barcos negros,
Envia pescadores tristes
Que, em suas redes emergentes,
Capturam os ondulantes moires
Como esplêndidas barbatanas.

Somos parentes pela Lua,
O Pierrot Bergamasco e eu,
Pois sinto uma emoção pálida,
Quando ela cuida da noite escura.

Ao pé da tribuna vermelha,
Ele recitou os gestos do rei:
Somos parentes pela Lua,
O Pierrot Bergamasco e eu.

Eu tenho vermes vivas como fortuna;
Eu vivo, como você, enfiando
Minha língua sangrenta contra a Lei,
E as palavras me importunam:
Somos parentes pela Lua!

Os rubis vermelhos soberanos,
Injetados com assassinato e glória,
Dormindo na cavidade de um armário
No horror do longo subterrâneo.

Pierrot, com alguns canalhas,
Um dia, depois de beber, quer roubar
Os rubis vermelhos soberanos,
Injetados com assassínio e glória.

Mas o medo lhes causa arrepios:
Em meio ao veludo e ao moiré,
Como olhos nas sombras negras,
Do fundo de seu estojo se inflamam,
Os rubis vermelhos soberanos!

Somos parentes pela Lua,
O Pierrot Bergamasco e eu,
Pois sinto uma emoção pálida,
Quando ela cuida da noite escura.

Ao pé da tribuna vermelha,
Ele recitou os gestos do rei:
Somos parentes pela Lua,
O Pierrot Bergamasco e eu.

Tenho vermes intensos como fortuna;
Eu vivo, como você, enfiando
Minha língua sangrenta contra a Lei,
E as palavras me importunam:
Somos parentes pela Lua!

Os rubis rubros soberanos,
Injetados com assassínio e glória,
Dormindo na cavidade de um armário
No horror do longo subterrâneo.

Pierrot, com alguns malandros,
Um dia, depois de beber, quer roubar
Os rubis rubros soberanos,
Injetados com assassínio e glória.

Mas o medo lhes causa arrepios:
Em meio ao veludo e ao moiré,
Como olhos nas sombras negras,
Do fundo de seu estojo se inflamam,
Os rubis rubros soberanos!


Pierrot, de Bergamo, está entediado:
Ele renuncia aos encantos do roubo;
Sua estranha e demente alegria
Voou para longe como ave branca.

O baço, no horizonte fuliginoso,
Fermenta como um álcool negro.
Pierrot de Bergamo está entediado:
Ele renuncia aos encantos do roubo.

A lua solidária enxuga suas choradeiras 
de luz sobre as nuvens, e no chão
A canção da chuva ecoa pela terra:
Pierrot de Bergamo está entediado.

O vinho que se bebe com os olhos
Flui da Lua em ondas verdes,
E submerge como uma onda
Os horizontes silenciosos.

Doces conselhos perniciosos
Nadam em cardumes no filtro:
O vinho que se bebe com os olhos
Flui da Lua em ondas verdes.

O poeta que é movido por devoção
Inebriado com o estranho absinto,
Inala - até rolar para baixo,
Gesto demente, cabeça no céu.
O vinho que se bebe pelos olhos!

A amante esbelta e de pescoço longo
Será a última amante,
Daquele aleijado em perigo,
Daquela sonhadora de ouro sem dinheiro.

Esse pensamento é como um prego,
enfiado em sua cabeça pela embriaguez:
A amante esbelta e de pescoço longo
Será sua última amante.

Ela é esbelta como o bambu;
Uma trança dança em seu pescoço,
E, com uma carícia estranguladora,
O deixará em êxtase qual um louco,
A esbelta amante de pescoço longo!

Em seu vestido branco da Lua,
Pierrot ri com seu riso sangrento.
Sua expressão de ébrio se torna perturbadora:
Ele está ficando sóbrio depois do domingo.

Sua manga se arrasta no chão;
Ele bate um prego na parede branca:
Em seu vestido branco de lua,
Pierrot ri com seu riso sangrento.

Ele se contorce como uma tenca,
Bota um laço em seu pescoço,
Empurra para longe a escada vacilante,
Bota sua língua para fora e se contorce,
Em seu vestido branco de lua.

Sinistras borboletas sombrias
Extinguiram a glória do sol,
E o horizonte parece um grimório
Banhado de tinta todas as noites.

Ela sai de críticos camuflados,
Um perfume que perturba a memória:
Sinistras borboletas sombrias
Extinguiram a glória do sol.

Assombros com probóscida viscosa
Estão buscando sangue para beber,
E do céu, como poeira negra,
Descem sobre nosso desespero
Sinistras borboletas sombrias.

O sol cortou suas veias
Em um leito de nuvens rubras:
Seu sangue, por meio da boca das fendas,
Ejacula em fontes rubras.

Os ramos convulsivos dos carvalhos
Flagelam os horizontes enlouquecidos:
O sol cortou suas veias
Em um leito de nuvens rubras.

Como depois das orgias romanas,
Um devasso cheio de nojo,
Deixando suas artérias doentes
Sangrar em esgotos sujos,
O sol cortou suas veias!

Ó Lua, ftiríaca noturna,
Sobre o coxim negro dos céus,
Seu imenso olhar febril
Me atrai como música!

Morresse de um amor quimérico,
E de um desejo silencioso,
Ó Lua, noturna ftirísica,
Sobre o coxim negro dos céus!

Mas em seu prazer físico
O amante que passa sem problemas
Toma como raios graciosos
Seu sangue branco e melancólico,
Ó Lua, noturna tísica!
No mármore da escada,
Um suave farfalhar de luz
Gira em uma poeira azulada,
Na curva de cada patamar.

A Lua, com um ritmo familiar,
Cria, em sua ronda habitual,
No mármore da escadaria,
Um suave farfalhar de luz.

E Pierrot, como uma reverência
Diante de sua pálida Imperatriz,
Prostra a oração branca
De seu grande corpo de espaldeira
Sobre o mármore da escadaria.

Um raio cativo do luar
Em um belo flaconete boêmio,
Tal é o poema mágico
Que nestes rondeis eu versei.

Estou disfarçado de Pierrot
Para oferecer a quem eu amo
Um raio cativo de luar
Em um belo flaconete boêmio.

Com esse símbolo eu me expresso,
Ó minha querida, todo o meu ser:
Como Pierrot, em sua cabeça pálida,
Sinto, sob minha máscara pintada,
Um raio cativo do luar.
Albert Giraud - Trad. Eric Ponty

ERIC PONTY - POETA - TRADUTOR - LIBRETTISTA

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