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sexta-feira, maio 31, 2024

HOMO-IMAGENS - DISSECAÇÃO PARA O GRITO - Foed Castro Chamma

 Foed Castro Chamma

  A imposição empírica da linguagem ao encontrar resistência no campo do simbólico antecipa-se à tecnologia e o registro virtual, a saber o acontecimento, de maneira a incrementar o imaginário, i.e a diferença, que a linguagem poética desenvolve, colocando-se o leitor frente à divisão progressiva entre o saber e o fazer, o conhecimento e a técnica. 

 O fascínio que a imagem exerce sobre o espectador diante do espelho, diante da imagem transformada em realidade, é o mesmo que a metáfora exerce ao abarcar o universo da subjetividade transformada agora em "paisagem sem órgão", segundo a expressão de Gilles Deleuze. A relação entre o sujeito e a imagem é uma relação de consciência e sentido, cujo distanciamento tem a aproximá-los unicamente a imagem. Tal desdobramento lingüístico mantém o fascínio que a poesia de Eric Ponty desencadeia ao associar o homem (HOMO) a imagens com o sentido de homenagens dirigidas em última instância a pintores e poetas que recria ou traduz como Rilke ou Yeats.

          O ato seco (...) de um grito, sombra de nós, memória do que somos e se desfaz nos gestos que findam (...) como o degredado em solo árido, - é sempre uma tentativa de captura do eco que se impõe diante de uma galeria de imagens-signos, que Eric Ponty homenageia, recorrendo ao espelho, fascinado diante do que vê. Não admite a fuga, como o herói diante das réstias do dia. 

          As suposições do aqui, o poeta admite como projeções da memória, reatando assim um vínculo platônico, que se evidencia com a memória eletrônica em relação ao sujeito, com a qual dialoga. Nesta medida, dissecação para o grito ultrapassa a contingência temporal de eco, sobrepondo-se ao deus ex machina a serviço da ciência que o poeta domina em seu laboratório da vontade de saber. 

            A marca da solidão é a Verdade no espelho e o toque inapreensível do real, o qual condena o poeta a estar só na multidão. O que se vê à volta é o "mesmo" tal um duplo a espreitar os transeuntes. Tudo é suposição, um retornar ao passado, onde o começo é sempre um fim. 

             As Homo-imagens são gritos - de um Vincent Van Gogh, a desfigurar o eu na visão delirante de girassóis em movimento no campo amarelo da esquizofrenia.

            O cerimonial das máscaras na "praça de Bruxelas (poema X a James Ensor) conduz-nos a todos ao mesmo fim. Nessa leitura e constatação Eric Ponty fundamenta o trágico roteiro das homenagens desenrolado antes por um Leopardi, um Augusto dos Anjos, um Nilto Maciel mais recentemente, expressões dolorosas da dialética epigonal de Hegel, originária de Heráclito. O poema IIº dedicado a Paul Gaugin reedita a evasão do banqueiro-pintor"amotinado". Na pintura de Gustav Klint o poeta vê labirinto de detalhes que se aprofundam ao olhar. No adorno das telas "há uma rebelião de mandalas (...) contra o mundo". Francis Bacon (XIII) encerra em laboratório um grito que recompõe a "essência dos crimes". Edward Hopper (XIV), pinta a solidão soturna do mundo, a decadência no exílio sem horizonte. Tal realismo denota o instante imóvel do nada, segundo o ilustrar sua visão do mundo coincide com o fenômeno cibernético da imagem cuja captura iluminada inaugura o estágio avançado de uma verticalidade sensorial a emergir enquanto unidade e consciência. Frida Kahlo (XV), "singra atônita por imagens sonoras de uma androgenia natimorta que permanece em invólucro". Em Lucien Freud (XVI) as prisões do eu são perpetradas nos quadros sob "um lençol alvo de um Davi”."Doem as efígies (o poeta constata) saídas (...) de uma lua (...) de sonho e realidade infinita." Uma "angústia oceânica perpassa a rotina de Sísifo". A mesma rotina é estigma na qual Edvard Munch (XVII) concentra o grito cromático que capta em murmúrio irônico de eterno riso. 

Dirigindo-se a Mme. de Stael, em suas Homo-imagens o poeta diz: "a dor da realidade não escapa aos tiros de bandidos de um tempo árido. Abismos não pertencem ao cartão postal da realidade." Os poetas Ivan Junqueira, Ivo Barroso e Ferreira Gullar são vozes de um coro que dialoga com o Mito. No mergulho na subjetividade de um Floriano Martins, um Cláudio Willer, o poeta concebe um presságio transformado em "prodígio em todo o mundo", que Calderon de la Barca pressentiu ao dar como título a um de seus dramas o provérbio A vida é um sonho e Eric Ponty transmuda em "sonho de máscaras de almas (...) em decomposição sobre a mesa." Em relação a Donizete Galvão se lê: ... "a consciência não é um grifo. Fruto de luz, (...) é como a pedra: sólida, intransponível."
         No estudo das Elegias de Duino, de Rainer Maria Rilke, o poeta alude ao grito como de uma possível estátua muda. "De que adianta celebrar tua beleza (indaga) se aos ouvidos os sons são mudos?" A um epitáfio de Borges, acrescenta um de mármore ao luar "a desbravar a cidade alta." Na Elegia a Abraão, dedicada a Ytzhak Rabin, a contradictio oppositorum, fulcro dialético do ser, é tratada de maneira inexorável. Nada está além do conflito bélico travado milenarmente entre homens de fé na região autóctone de Deus e o Filho unigênito. Grassa a loucura entre o Muro das lamentações e o Sepulcro de Jesus. A voz do poeta há de alcançar o bom senso daquela raça a ponto de aplacar a fúria de palestinos e israelenses. Tudo cessa diante da aberração. O escritor refere-se inclusive às insones ruas de Minas. 
Na dedicatória a Cláudio Leitão Las Calles - Jorge Luiz Borges - as ruas são as mesmas de Minas a corroer e sussurrar o passado túrgido ainda tangendo a amplidão azul. O elogio às ruas às gerais de Minas chega ao Sol, arquétipo segundo Eric Ponty do ouro que funda "veias na rocha." Em saudação ao poeta uruguaio Alfredo Fressia." A Montevidéu de Lautréamont "disseca os ais do poeta numa paródia que tem seu limite no aeroporto de Iquitos e repete o Número de Pitágoras, o Numinoso. Eric Ponty percebe a voz de Santa Cecília no Laudate Dominum de Mozart, no oratório epifânico de Bach, no Quarteto de Beethoven, no exílio de Nabuco de Verdi, em Moisés e Araão de Schoenberg, em Chopin, onde anjos barrocos anunciam outra melodia. O esoterismo de Yeats está na tradução de Eric Ponty ao confessar o poeta irlandês "paixão à dama, vergonha e clemência ao Senhor, afirmando que ele próprio é a luz do dia."Eu carrego o sol em minha xícara dourada/ e a luz em uma bolsa prateada", repete Yeats antes de concluir que "um osso embranqueceu e secou ao vento."
          Tal é o belo roteiro de HOMO-IMAGENS - Dissecação para o grito, do poeta de São João del Rey, Eric Ponty.

Foed Castro Chamma – Poeta,escritor e tradutor. Transmutação da Pedra (Grande Prêmio de Poesia da 2*Bienal Nestlé de Literatura Brasileira) – Publicou O Poder da Palavra, em 1959; Labirinto em 1967;Ir a ti, em 1969. Em 1971, reuniu os três livros sob o titulo geral de Andarilho e a aurora para uma co-edição com o convenio do MEC.Sons de Ferraria. Como tradutor: Mickiewicz Poemas (tradução) Epigramas Latinos Paráfrases e Navio Fantasma foram publicados em 1998.Bucólicas de Virgilio. Escreveu também Filosofia da Arte em 2000.

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