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sábado, novembro 11, 2023

O LIVRO DAS IMAGES – PANORAMA – RAINER MARIA RILKE - TRAD. Eric Ponty

 ENTRADA

Quem quer que sejas: à noite, sai do teu quarto
do teu quarto, onde sabes tudo;
a tua é a última casa antes da longínqua:
quem quer que sejas.
Com os teus olhos, que no seu cansaço
mal se libertam da soleira gasta,
levanta muito devagar uma árvore negra
e coloca-a contra o céu: esguia, só.
E fizeste o mundo. E ele é enorme
e como uma palavra que amadurece no silêncio.
E quando a tua vontade se apodera do seu significado,
ternamente os teus olhos deixam-na ir...


DE UM ABRIL

De novo os bosques cheiram bem.
As cotovias elevam-se com elas
o céu, que aos nossos ombros era tão pesado;
É verdade que, por meio dos ramos, ainda 
se via o dia, como estava vazio, -
mas depois de tardes longas e chuvosas
vêm as horas douradas e ensolaradas
horas mais recentes e douradas,
diante das quais, em frentes de casas distantes,
todas as janelas feridas
feridas fogem temerosas com asas a bater.
Depois fica mais calmo. Até a chuva corre mais suave
sobre o brilho silencioso das pedras que escurecem.
Todos os ruídos desaparecem por completo
nos botões cintilantes do mato.

DOIS POEMAS PARA HANS THOMAS NO SEU SEXAGÉSIMO ANIVERSÁRIO

LUAR

Noite do sul da Alemanha, banhada pelo luar de agosto,
e suave como a recorrência de todos os contos de fadas.
Da torre, muitas horas caem pesadamente
e depois uma correria e um grito da ronda
e depois um ruído e um chamamento da ronda
e durante algum tempo o silêncio permanece vazio;
e um violino (sabe Deus de onde)
acorda e diz muito lentamente:
Uma mulher loura ...

CAVALEIRO

O cavaleiro cavalga em aço negro
para o mundo turbulento.
E lá fora está tudo: o dia e o vale
o amigo e o inimigo e a festa no salão
e maio e a donzela e os bosques e o Graal
e o próprio Deus mil vezes colocado
em cada rua.
No entanto, mesmo dentro da armadura do cavaleiro,
por detrás dos círculos mais escuros,
a morte senta-se e tem de se cuidar e preocupar-se:
Quando é que a espada vai saltar
sobre a cerca de ferro,
a estranha espada libertadora,
que me tira do meu
do meu esconderijo, onde passo
tantos dias encurralado, -
para que eu possa enfim espreguiçar-me
e brincar
e cantar.

MELANCOLIA DE MENINA

Vem-me à ideia um jovem cavaleiro
quase como um velho ditado.
Ele veio. Assim, por vezes, no bosque
a grande tempestade vem e envolve-nos.
Ele partiu. Assim, muitas vezes, o som selvagem
dos grandes sinos se rompe
no meio da oração ...
Então, apetece-nos gritar no silêncio,
e, no entanto, apenas choramos suavemente por dentro,
no fundo do teu xaile fresco.
Vem-me à mente um jovem cavaleiro,
que vai longe com a sua armadura completa.
O seu sorriso era tão suave e fino:
como o brilho de um marfim antigo,
como a saudade de casa, como um neves de Natal
na aldeia escura, como a turquesa
na volta da qual se formam muitas pérolas,
como o luar
num livro favorito.

DAS MENINAS

I
Outros têm de percorrer longas distâncias
até aos poetas negros;
perguntar sempre a alguém
se não viu um cantar
ou pôr as mãos em cordas.
Só as raparigas é que não perguntam,
que a ponte leva às fotografias;
apenas sorriem, mais leves que fios de pérolas,
que se seguram em taças de prata.

Todas as portas da sua vida abrem-se
para um poeta
e para o mundo.

II
Moças, são poetas que aprendem convosco
a dizer o que te faz sentir só;
e aprendem a viver por ti longe,
como as noites nas grandes estrelas
habituam-se à eternidade.

Nenhuma se pode entregar ao poeta,
mesmo que os seus olhos peçam mulheres;
pois ele só pode pensar em vós como moças:
o sentimento dos vossos pulsos
se romperia do brocado.

Deixem-no estar sozinho no seu jardim,
onde vos recebeu como eternos
nos caminhos que percorria diariamente
junto aos bancos que esperam à sombra,
e na sala onde o alaúde estava pendurado.

Vai!... está a escurecer. Os seus sentidos procuram
a tua voz e a tua forma.
E ele ama os caminhos longos e vazios
e sem branco sob faias escuras, -
e gosta muito da sala de estar silenciosa.
... Ele ouve as vossas vozes ao longe
(entre pessoas que ele evita)
e: a sua terna memória sofre
com a sensação de que muitos vos veem.

O CANTO DA ESTÁTUA

Quem é que me ama tanto que
a sua querida vida?
Se alguém se afogar por mim no mar
Eu sou da pedra para voltar
para a vida, para a vida redimida.

Desejo tanto o sangue que corre;
a pedra está tão quieta.
Sonho com a vida: a vida é boa.
Ninguém tem a coragem
para me acordar?

E sê-lo-ei uma vez na minha vida,
que me dá tudo o que é dourado –

--------------------
por isso vou ficar sozinho
choro, choro pela minha pedra.
De que serve o meu sangue se amadurece qual o vinho?
Não pode chorar aquele que vem do mar,
que me amava mais.

 II PARTE
INICIAL

De anseios infinitos nascem
atos finitos como fontes fracas,
que se curvam no tempo e tremem.
Mas, que de outra forma se escondem de nós,
os nossos poderes alegres - revelam-se
Nestas lágrimas dançantes.

DIZER ANTES DE DORMIR

Quero cantar para alguém,
sentar-me e estar com alguém.
Quero embalar-te e cantar para ti
e acompanhar-te no sono.
Quero ser a única pessoa na casa,
que saberia: a noite estava fria.
E quero escutar dentro e fora
em ti, no mundo, na floresta.
Os relógios chamam-se uns aos outros, a tocar,
e tu olhas para o fundo do tempo.
E lá em baixo, outro homem estranho caminha
e perturba um cão estranho.
O silêncio cai atrás dele. Eu tenho grandes
os meus olhos em ti;
e eles seguram-te gentilmente e deixam-te ir,
quando uma coisa se move no escuro.

O VIZINHO

Estranho violino, estás a seguir-me?
Em quantas urbes distantes falaste
a tua noite solitária à minha?
Centenas tocam-te? Será que um só te toca?

Existem em todas as grandes urbes
aqueles que, sem ti
já se teriam perdido nos rios?
E porque é que sou sempre eu?

Porque é que eu sou sempre o vizinho daqueles
que ansiosamente te obrigam a cantar
e dizem: A vida é mais dura
do que o peso de todas as coisas.

PONTE DO CARROSSEL

O cego de pé na ponte,
cinzento como um marco de reinos sem nome,
talvez ele seja a coisa, a coisa eterna,
em torno do qual a hora estrelada passa de longe,
e o centro silencioso das estrelas.
Porque tudo à sua volta vagueia, corre e brilha.

Ele é o justo inamovível,
assentado em muitos caminhos confusos;
a entrada escura para o submundo
para uma geração superficial.

O CANTO DO CEGO

Eu sou cego, tu fora, isso é uma maldição,
uma relutância, uma contradição,
algo pesado todos os dias.
Ponho a minha mão no braço da mulher,
na minha mão cinzenta na sua cinzenta,
e ela guia-me pelo meio de nada mais do que o vazio.

Vocês agitam-se e movem-se e arquitetar a si próprios
que soam diferente de pedra sobre pedra,
mas estais enganados: só eu
vivo, sofro e faço barulho.
Dentro de mim há um santuário sem fim
e não sei se ou as minhas entranhas.

Reconheces as canções? Não as canta,
não justamente com este sotaque.
A nova luz vem até si todas as manhãs
calorosamente no apartamento aberto.
E tens um sentimento de cara a cara
e isso tenta-te a ser gentil.

O CANTO DO SUICÍDIO

Então, só mais um momento.
Que eles continuem a cortar a minha corda
cortam a minha corda.
No outro dia eu estava tão pronto
e já era uma pequena eternidade
nas minhas entranhas.

Segura a colher para mim,
esta colherada de vida.
Não, eu não quero e não quero mais,
deixa-me render.

Eu sei que a vida é plena e boa
e o mundo é um pote cheio,
mas isso não entra no meu sangue,
só me sobe à cabeça.

Alimenta os outros, põe-me doente;
Perceber que é desprezado.
Há pelo menos um milénio
Agora preciso de uma dieta.


PEÇA DE ENCERRAMENTO

A morte é grande.
Nós somos os Seus
com uma boca risonha. Que diz sempre
Quando nos referimos a nós próprios no meio da vida,
Ele atreve-se a chorar
no meio de nós.

RAINER MARIA RILKE - TRAD. Eric Ponty

ERIC PONTY - POETA-TRADUTOR-LIBRETISTA

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