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segunda-feira, outubro 23, 2023

EUGÊNIO DE CASTRO E SUA SOMBRA – LIBRETO - TRECHO - Eric Ponty

Dedicatória
Cansado de divertir a sociedade orgulhosa,
e de não ter mais a consideração dos meus amigos,
Eu teria desejado com a devida piedade
Oferecer-vos um penhor, cara Isabella,
mais digno da perfeição da vossa alma,
Cheio de um santo devaneio que veio
De poesia e de clara reação bela,
De sua boceta de remédios hora de confeitos,
De pensamentos elevados e simplicidade;
Mas que assim seja - que a vossa adoração
Que meio cómicas e meio melancólicas,
E, sendo dum Ideal mais bucólico sendo ela,
São Frutos descuidado dos tempos livres,
De noites mal dormidas, leves inspirações,
De anos imaturos e murchos de cotovias,
Em cujas são observações frias do intelecto,
As impressões do coração marcadas em lamúrias.

(EUGÊNIO DE CASTRO abre um volume e põe-se a trabalhar no bosque contando a cabra, enquanto â sombra entra em cena).

EUGÊNIO DE CASTRO:
Não me recordes essa multidão heterogénea,
Poupa-me de os ver! O nosso ânimo desfalece 
E, arrastados por essa corrente, somos arrastados,
Contra o bosque desordenado, o que pode prevalecer?
Dá-me a quietude onde eu pertenço,
O lugar do poeta, a quietude que nunca se esgota,
O amor e a amizade! Só aí a nossa arte
prospera com a abençoada nutrição do coração.
No fundo da alma, um impulso pode descer,
Uma canção inicial ainda balbuciante e pouco clara;
Bem formado ou mal formado, a sua contemplação breve
Em breve obscurecer-se da crista selvagem do Tempo. 
Muitas vezes invisível e sombrio ele deve crescer,
Atingindo sua maturidade após muitos anos.
O que brilha é do momento, nascido para ser
logo perdido; o verdadeiro ouro vive para a posteridade.
Deixai-me, e outro escravo voluntário!
Deve o poeta renunciar ao que a Natureza lhe deu
Que a natureza lhe deu como direito de nascença
Por ti esse nobre dom? Como é que ele que poder, 
senão o seu, inventa a conquista dos elementos?
A canção irrompe dele, um todo harmonioso 
Envolve o mundo e atrai-o de volta à sua alma.
A natureza fia o seu fio, infinitamente longo,
Ao acaso no seu fuso descuidado;
Todas as vidas individuais no caos se amontoam
Misturam-se como um som áspero e discordante.
Quem divide está monótona deriva
Num ritmo vivo? Quem pode elevar
Coisas particulares num sentido geral
De uma música sagrada e congruente?
Quando as paixões se enfurecem, quem faz a tempestade cantar,
O brilho do pôr do sol quando o pensamento solene prevalece?
Quem espalha todas as flores da buganvília
No caminho de sua amada? Quem faz de uma coroa
De meras folhas verdes o símbolo de renome
Para uma alta distinção? Que é isto que está
No poder de Eugênio de Castro, revelado na Poesia!
O meu tio é um homem de honra,
Quando estava a falar a sério, adoeceu,
Ganhou respeito pelo seu comportamento
E encontrou o papel que melhor podia exercer.
Que os outros aprendam com a sua lição,
Mas, oh meu Deus, que desolação
Que o homem doente, dia e noite
E não sair da sua vista com sermão!
Que astúcia vergonhosa, ser alegre
Com quem está meio morto, pasce há outro
Para colocar almofadas junto à sua cabeça,
Levar-lhe remédios, com cara de choro,
Suspirar - enquanto interiormente se pensa:
Quando é que o diabo o vai deixar afundar?
Todos nós aprendemos através da nossa educação
Algumas coisas de forma aleatória;
Graças a Deus, então, não é uma tribulação
Para mostrar o nosso conhecimento,
O que Eugénio sabia além disso
não tenho tempo para o dizer,
mas onde ele mostrou verdadeira erudição,
mais do que em qualquer outra arte,
O que desde a sua adolescência
lhe trouxe felicidade e dolorosas lições,
Que todo o dia ocupava a sua dolorosa inatividade.
Esta era a arte da terna paixão,
Que Ovídio cantou e pagou caro,
Terminando sua brilhante e selvagem carreira,
Causando com fingido desespero alarme,
Brincando para fazer a maravilha dos ingénuos,
Lisonjeando para entreter e encantar,
Aproveitando-se da fraqueza de um momento,
Subjugando a inocência e a mansidão
Com paixão e inteligência,
Esperando uma recompensa certa,
Implorando, exigindo declarações,
Escutando o primeiro som do coração,
Perseguindo o seu amor, e, num ápice,
Arrancando encontros clandestinos...
E mais tarde na tranquilidade arado,
Dando-lhe lições em privado!

À Sombra
De fato, pode ficar à vontade para vir visitar-me.
És um tipo que nunca aprendi a odiar; entre os espíritos 
que negam, o repreensor irónico é o que menos me agrada.
Eugênio de Castro é demasiado apto a afundar-se na mera satisfação:
Por isso, a vossa companhia, ocupada e diabólica, sendo bom
Que o estimule à ação. Mas vós, os autênticos filhos de Deus, 
Envolveis com louvor a abundante beleza do mundo;
Amai, como fazeis, o Processo eterno, que é sempre 
vivo e sempre rico; os seus fenómenos 
de supressão perdurarão, pelos vossos pensamentos 
angélicos feitos com sons e ligeiros que ecoam lá fora.
ERIC PONTY
ERIC PONTY-POETA-MESTRE-TRADUTOR-LIBRETISTA

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