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quarta-feira, abril 05, 2023

Garcilaso de La Vega - TRAD.ERIC PONTY

 Seu pai ocupava importante cargo na corte dos Reis Católicos. Esteve a serviço de Carlos V, como cortesão e militar, tendo tomado parte em várias guerras imperiais. Em sua vida fundiu os ideais do bom cortesão: armas e letras, a espada e a pena, o saber e o combate.

Garcilaso reúne diversas correntes: a poesia lírica tradicional de Teócrito, Virgílio, Horácio e Petrarca, a cultura humanística e a estética platonizante. Compôs sonetos, elegias, canções, epístolas.

É considerado o mais insigne, o príncipe dos poetas castelhanos. O tema central de seu lirismo é o amor, que ele exprime sob uma forma dolorida e dentro da mais aguda solidão.

Sua grande mestria técnica sente-se na suavidade dos versos, na harmonia e combinação das estrofes e na seleção de imagens e conceitos. O tom, a qualidade e medida de sua linguagem poética dão fisionomia especial à sua poesia, na qual não existem os exageros apaixonados, mas ao contrário, a ponderação, a pureza, a claridade, o decoro, a sobriedade. Coube ainda a Garcilaso introduzir, em língua espanhola, as formas poéticas italianas.

Sua morte vem cercada de uma série de circunstâncias trágicas: após acompanhar o imperador D. Pedro de Toledo numa expedição a Túnis, em 1535, tomou parte na invasão da Provença, sendo mortalmente ferido quando atacava um forte em Muy, próximo a Fréjus.

Seus poemas incluem três pastorais, 37 sonetos, cinco canções, duas elegias e uma epístola em versos brancos. Nesta antologia se incluem 16 sonetos.

Soneto I

Quando me paro comtemplar meu espaço,
E ao ver os passos pôr do que hão traído,
Falo, segundo pôr donde andar perdido,
Que o maior mal pudera haver chegado.

Mas quando do caminho isto olvidado,
A tanto mal que não sei por hei chegado,
Sei que me acabo e mais eu sentido,
Ver acabar comigo do meu cuidado.

Eu acabarei, que me entreguei sem arte,
A quem saberá perdesse e acabar-se,
Se quiser e há um saberá quere-lo.

Que, pois, minha vontade pode matar-me,
A sua, que não és tanto de minha parte,
Podendo, que fará, porém faze-lo.

Soneto II

Enfim as vossas mãos hei chegado,
Do sei que hei de morrer tão apertado
Que um aliviar com queixas meu cuidado
Como remédio me és já defendido.

Minha vida não sei em que há sustentado,
Si não és em haver sido eu guardado,
Para que só que em mim fosse provado
Quando corta uma espada em um rendido.

Minhas lágrimas hão sido derramadas,
Donde houve secura e da sua aspereza,
Deram meu fruto delas, e minha sorte.

Bastem as que por vós tenho choradas,
Não vingueis mais com minha fraqueza,
Ela os vingará, senhora, com minha morte.
Soneto III

Mar em meio as terras hei desejado,
De quando bem, cuidado eu que tinha,
E indo me aleijando de cada dia
Gentes, costumes, línguas do passado.

Já de desandar estou desconfiado,
Penso remédios em minha fantasia,
E que mais certo espero é aquele dia,
Que acabará a vida e deste cuidado.

De qualquer mal poderá socorrer-me,
Com veros eu, senhora, que o esperá-lo-ei  
Se esperá-lo pudera sem percebê-lo.

Mas de não veros já para valer-me,
Se não é morrer nenhum remédio falo,
Si, isto é, tampouco poderei fazê-lo.

Soneto IV

Um instante se levanta de esperança,
Mas cansado de haver-se levantado,
Torna a cair, mas deixa ao mal meu agrado,
Livre do lugar desta desconfiança.

Quem sofrerá tão áspera mudança,
Do Bem do Mal? Ô coração cansado,
Esforça em sua miséria de teu estado,
Que traz fortuna, só em haver bonança!

Eu mesmo empreenderei força dos braços,
Romper um monte que outro não rompera,
De mim inconveniente muito espesso.

Morte prisão não podem, nem embaraços,
Pagar-me de ir ao vero como queira,
Nu espírito o homem de carne e osso. 
Soneto V

Escrito está e minha alma vosso gesto,
E quando eu escrever de vosso desejo,
Vós só o escreveis; que eu não o leio 
Tão só que um de vós me guarda nisto.

Em nisto estou e estarei sempre posto,
Que ao que não cabe em meu quanto em vós vejo,
De tanto bem o que não entendo creio,
Tomando já essa fé por pressuposto.

Eu não nasci senão para quere-los,
Minha alma os há cortado a sua medida,
Por hábito, da alma mesma os quero.

Quando tenho confesso que eu devo
Por vós nasci, por vós tenho à vida,
Por vós hei de morrer, e por vós morro.

Soneto VI

Por ásperos caminhos hei chegado,
A parte que do medo não me movo,
E si mudar-me a dar um passo prova,
Ali pelos cabelos sou tornado.

Mas tal estou que com a morte ao lado,
Busco meu viver conselho novo,
E conosco o melhor e o pior aprovo,
O por costume mal o por mim dado.

Por outra parte, o breve tempo meu,
E o errado processo de meus anos,
Em seu primo princípio e seu meio.

Minha inclinação com quem já não porfio,
A certa da morte no fim de meus danos,
Me fazem descuidar de meu remédio.
Soneto VII

Não perda mais quem há tanto perdido,
Bastante amor o que há por mim pesado
Vaga-me ora jamais haver provado
A defender-me de o que há querido.

Teu templo e suas paredes hei vestido,
De minhas molhadas roupas e adornado
Como acontece há quem há já escapado,
Livre desta tormenta em que ei visto.

Eu havia jurado nunca mais meter-me,
Ao poder meu e ao meu consentimento
Em outro tal perigo como vão.

Mas do que vem não poderei valer-me,
E nisto no vou contra o juramento,
Que nem é como outros nem minha mão.

Soneto VIII

Daquela vista pura e tão excelente,
Saem espíritos vivos incendiados,
E sendo meus olhos tão recebidos,
Que passam até onde o mal sente.

Entra-se no caminho facilmente,
Pelos meus, de tal calor tão movidos,
Saem fora de mim como perdidos,
Chamados daquele bem que está presente.

Ausente na memória eu o imagino,
Meus espíritos pensando que há viam
Se movem e se incendem sem medida.

Mas não falando fácil ao caminho,
Que os seus entrando derretiam
Reinventam por sair do não há saída.
Soneto IX

Senhora minha, si eu de vós ausente,
Nesta vida dura em que não me morro,
Parece-me que ofendo ao que os quero
E ao bem de que gozava em ser presente.

Traz este logo sento outro acidente,
Que és ver que si de vida desespero,
Eu perco quando bem de vós espero,
Assim ando no que sinto diferente.

Em esta diferença de meus sentidos,
Estão em vossa ausência em porfia,
Não sei já que falar-me em mal tamanho.

Nunca entre sem vê-los senão contrária,
De tal arte lutam noite e o dia
Que só se concertam neste meu dano.

Soneto X

Oh doces prendas por mim mal faladas,
Doces e alegres quando Deus queria,
Juntas estais em memória minha
E com ela em minha morte conjuradas!

Quem me dissera quando as passadas,
Horas que tanto bem por vós me via
Que me haveis de ser de algum dia,
Com tão grande dor representadas?

Pois em uma hora junto me levantais,
Tudo bem que por términos me dizes,
Leva-me junto ao mal que me desejais.

Si não suspeitarei de que me pões,
Em tanto bens porque desejais,
Ver-me morrer entre memórias tristes.
Soneto XI

Formosas ninfas, que ao rio metidas,
Contentas hábeis de suas moradas,
De reluzentes pedras fabricadas,
E em colunas de vidro suspendidas.

Agora estais lavrando embebecidas,
Tecendo de suas telas delicadas,
Agora umas com outras apartadas,
Contando-nos os amores e vidas.

Deixas um momento ao labor alçando,
Vossas rubras cabeças ao mirar-me,
E não desteteis muito segundo ando

Que não podeis de lástima escutar-me,
O convertido em água aqui chorando
Podeis até despacho consolar-me.

Soneto XII

Si para refrear este desejo,
Louco impossível vão temeroso,
e guarecer de um mal tão perigoso,
que és dar-me entender eu que não creio.

Não me aproveita verme qual me vejo,
O muito aventurado o muito medroso,
Em tanta confusão que nunca ouço,
Fiar ao mal de mim que lhe possuo.

Que me há de aproveitar ver a pintura,
Daquele que com as asas derretidas,
Caindo fama e nome ao mar há dado.

E a de que seu fogo e sua loucura,
Chora entre aquelas plantas conhecidas
Apenas em que n´água há resfriado.
Soneto XIII

A Dafne já aos braços lhe crescia,
Em longos ramos volto se mostravam
Em verdes folhas vi que se tornavam
Os cabelos que ouro escureciam.

De áspera casca eles que se cobriam,
Os ternos membros que um bulindo estavam,
Os brancos pés na terra se fincavam
E em torcidas das raízes se volviam.

Aquele que foi a causa de tal dano,
A força de chorar crescer havia,
Este cedro com lágrimas regava.

Oh miserável estado, oh mal tamanho,
Que com chorá-la cresça cada dia,
A causa e a razão por que chorava.

Soneto XIV

Como uma terna mãe, que é dolente,
Filho que está com lágrimas pedindo,
Alguma coisa qual está comendo
Sabe que há dobrar-se ao mal sente.

E aquele piedoso amor não lhe consente,
Que se considere ao dano que havendo
O que pedem houve vá já correndo
E aplaca o plano e dobra o acidente.

Assim mim enfermo e louco pensamento,
Que em seu dano os me pede eu queria,
Pagar-te este mortal suscentamento.

Mas pede-me e chora cada dia,
Tanto que quanto querer consentimento
Olvidando sua morte há uma minha.
Soneto XV

Se queixas e lamentos podem tanto,
Que se enfrentaram o curso dos rios,
Em diversos montes e já tão sombrios,
As árvores moveram com seu canto.

Se converteram escutar seu canto,
Os feros tigres e penhascos frios,
Se enfim com menos casos que dos meus
Baixaram aos reinos deste espanto.

Por quê dirá minha trabalhosa,
Vida em miséria e lágrimas passadas,
Um coração comigo endurecido?

Com mais pena devia ser escutada,
A voz do que se chora por perdido
Que há perdeu e chorando outra coisa.

Soneto XVI

Pensando que caminho ia direito,
Vim a parar em tanta desventura,
Que imaginar não posso há com loucura
Algo de que este instante satisfeito.

Ao largo campo me parece estreito,
A noite clara para mim é escura,
A doce companhia amarga e dura
E duro campo de batalha ao leito.

Do sonho se há alguma aquela parte,
Só que és ser imagem desta morte
Se avém com esta alma fatigada.

Enfim que, como queria estou de arte,
Que julgo já por hora menos forte
Ao que nela me vi, a que é pesada.

Garcilaso de La Vega - TRAD.ERIC PONTY


POETA-TRADUTOR-LIBRETISTA

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