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sábado, julho 16, 2022

O BUSTO DE UM CORVO - ERIC PONTY

Qual Corvo palmilhasse densamente,
Da passagem Minas, pedregosa, 
Qual no olhar tardio da cena rouca,

se misturasse ao tom de meus encantos 
era pausado e surdo; manhãs pairassem 
no céu de zimbro, e suas cores pretas,

lentamente se abrem diluindo
na escuridão maior, vinda das mentes
e de meu próprio ter desenganado,

A Miragem da Corvo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de a ter olhado me carpia. 

Abriu-se majestoso e circunspecto,
sem emitir luz que fosse tão impura
nem um clarão maior que o aceitável

pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do aspecto,
e pela mente exausto de mentar

toda uma realidade que transcende
da própria efígie sua debuxada
em rosto do mistério, nos abismos.

Abriu-se em alma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
Há quem de os ter olhado os já pudera,

e nem desejaria recobrá-los,
se desvão e para sempre repetimos
mesmos sem rotineiros ristes périplos

convidando-os a todos, numa sorte,
a se aplicarem sobre o rosto inédito,
da natureza mítica das coisas,

assim disse, que Senhor voz alguma,
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a façanha,

há outro alguém, diuturno e miserável,
dum colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de

teu ser restrito e nunca demonstrou,
mesmo afetando dar-se ou se adendo,
e cada momento mais se retraindo,

olha, ressalta, ausculta: essa pureza
sobrante a toda fábula, sapiência
altiva e formidável, mas hermética,

Graça fatal explicação da vida,
esse traço primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo,

se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
abre teu preceito a agasalhá-la.”

As mais soberbas mentes e edifícios,
que nas oficinas se colabora,
o que atestado foi e logo se atinge,

instância superior ao pensamento,
os recursos que erra tão dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos,

e tudo que define o ser campestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às santas bocas se embeber,

nesse tom rancoroso dos mistérios,
dá volta a Corvo e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,

e o absurdo original e seus enigmas,
suas vaidades altas mais que todos
monumentos erguidos à vaidade: 

memória dessas deusas, e o solene
sentimento de sorte, que floresce
na face da existência mais gloriosa,

tudo se apresentou apartar num busto,
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.

Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,

há esperança mais mínima — esse anseio
de ver desvanecida a relva espessa
que entre raios do sol ainda se filtra;

 quais de defuntas graças convocadas
presto e fremente não se produzissem
sendo novo tingir a neutra face,

que vou pelas passagens demonstrando,
e como se outro ter, não mais daquele
habitante de mim há tantos anos, 

passasse a comandar minha vontade
que, já de si solúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes,

em si mesmas repletas e fechadas;
tais quais um tom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,

baixei os olhos, incurioso, busto,
desdenhando solver a coisa oferta
que se abria gratuita a meu empenho.

O clarão mais estrito já pousara
sobre a passagem Minas, pedregosa,
e a Miragem da Corvo, repelida, 

se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que jazera,
passei vagaroso, de olhares densos.

ERIC PONTY
O POETA ERIC PONTY EM SUA BIBLIOTECA

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