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sexta-feira, julho 24, 2020

Charles Baudelaire, As flores do mal, tradução de Eric Ponty e Thereza Christina Rocque da Motta

XLV. CONFISSÃO

Uma vez, uma só, amável e doce mulher,
Em meu braço teu braço gentil
Se apoiou (sobre o fundo tenebroso da minha alma
Esta lembrança que não se apagou);

É tarde; como uma medalha nova
A lua cheia fulgia,
E a solenidade da noite, como um rio,
Sobre Paris, silenciosa fluía.

E ao longo das casas, sob os porta-cocheiros,
Os gatos passavam furtivos,
De ouvidos alertas, ou melhor, como caros fantasmas,
Nos acompanhavam devagar.

De repente, em meio à livre intimidade
Sob a pálida claridade,
De ti, rico e sonoro instrumento que vibra
A radiante felicidade,

De ti, clara e feliz como uma fanfarra
Que soa dentro da manhã,
Uma nota triste, uma nota bizarra
Escapou, e tudo calou,

Como uma criança suja, horrível, sombria, imunda,
Que a família despreza,
E que, há muito, para escondê-la do mundo,
Esconderam-na em um porão.

Pobre anjo, ela cantava, um canto triste:
“Aqui embaixo nada é certo,
E, sempre, com um gesto qualquer,
Trai o egoísmo humano;

“É duro ser uma bela mulher,
E o trabalho é banal
Da dançarina louca e fria que agita 
Com um sorriso maquinal;

“Construir sobre os corações é tolice;
Pois tudo se perde, o amor e a beleza,
Até o Esquecimento colocá-los em seu capuz
E devolvê-los à Eternidade!”

Já evoquei muitas vezes essa lua encantada,
Esse silêncio e esse langor,
E essa horrível confiança sussurrada
No confessionário do amor.

 Eric Ponty e Thereza Christina Rocque da Motta

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