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quinta-feira, fevereiro 08, 2018

Miguel de Cervantes Saavedra - Sobre enamorar-se - TRAD. ERIC PONTY

A casa dos céus e selvas de Ousadia
Terceira jornada
REINALDOS:
Que não quer aparecer,
Ô bem, por mim mal perdido?
Havendo visto, pastor, acaso,
Por entre esta espessura,
Um milagre de formosura
Por quem eu mil mortes passo?
Haja visto uns olhos belos
Que duas estrelas assemelham,
E um dos cabelos que deixam,
Por serem ouro, serem cabelos?
Havendo visto, a dita, duma frente
Como de espaçoso ribeiro,
E uma fileira outra fileira
Das ricas perolas de Oriente?
Diz-me si haja visto uma boca
Que respira odor sabei-o,
E uns lábios por quem creio
Que o fino coral se apouca.
De si havendo visto uma garganta
Que seja coluna deste céu,
E dum branco peito de yelo,
Do seu fogo Amor se quebra;
E umas mãos que são fechas
Em torno do marfim branco,
Dum composto que é branco
Do Amor desponta suas flechas.

CORINTO:
Tendo, pelo dito, senhor,
Umbigo que se aqueça quimera,
Os pés de barro, como era
Á daquele rei Dom Senhor?
Porque, ao dizer-te verdade,
Não hei visto nestas montanhas
Coisas tão ricas e estranhas
E de tanta qualidade
E sendo mui fácil coisa,
Se elas por aqui vissem,
Por invisíveis fossem
Vê-las em minha vista curiosa.
Que dum espaçoso ribeiro,
Duas estrelas e um tesouro
De cabelos, que são doiro,
Onde esconder-se poderia?
E ao sabe-lo odor que falas,
Não me levará atrás de si?
Porque em minha vida senti
Catarro em meus narizes.
Mas, enfim, dizer-te quero
O que hei falado, não sendo terceiro.

REINALDOS:
Que são? Me diga.

CORINTO:
Três pés dum porco
E umas das mãos de carneiro.

REINALDOS:
Ô Que de puta, velhaco!;
Pois, com Reinaldos de enganas?

CORINTO:
Das minhas doações se enganas
Sempre de tais prêmios que retiro.
TRAD.ERIC PONTY

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