Pesquisar este blog

quinta-feira, janeiro 25, 2018

Manhã - Cem Sonetos de Amor - Pablo Neruda - Trad. Eric Ponty

I Matilde, nome de mármore e vinho

Matilde, nome de mármore e vinho,
do que apareceu desta terra e dura,
palavra cujo crescimento amanhece,
em cujo estio estala à luz dos limões.

Nesse nome correm navios madeireiros,
rodeados enxames fogo azul marinho,
e essas escritas são d´agua dum rio
desemboca em meu cerne calcinado.

Ô nome aberto embaixo uma trepadeira,
com à porta dum túnel desconhecido
comunica com fragrância do mundo!

Ô invada-me com tua boca abrasadora,
indaga-me, quer, teus olhos noturnos,
porém teu nome deixa-me cruzar-te dormida.

II - Amor, quantos caminhos até chegar há um beijo

Amor, quantos caminhos até chegar há um beijo,
que solidão errante até tua companhia!
Seguem os trens só rodeados com à chuva.
Em Taltal não amanhece algo primavera.

Porém tu e eu, amor meu, estarmos juntos,
juntos desde a roupa das raízes,
juntos de outono, d´agua, de cadeiras,
até ser só tu, só eu juntos.

Pensar que custaram tantas pedras que leva ao rio,
a desembocadura d´agua da Boroa,
pensar que separados por trens e nações.

Tu e eu tínhamos que simplesmente amarmos,
com todos confundidos com homens e mulheres,
com à terra que implanta e educam à rosas.  

III - Áspero amor, violeta coroada de espinhos

Áspero amor, violeta coroada de espinhos,
matagal entre tantas paixões irizadas,
lança às dores, corola da cólera,
por que caminhos e como te dirigiste à minha alma?

Por que precipitaste teu fogo doloroso,
de pronto, entre às folhas frias de meu caminho?
Quem ti ensinou os passos que até mim te levaram?
flor, que pedra, que humos mostraram minha morada.

Ao certo é que teme-o à noite pavorosa,
árvore levo todas às copas com seu vinho
e o sol estabeleceu sua presença celeste,

Contudo que cruel amor acercava sem trégua
até que lançando-me com espadas e espinhos,
abriu em meu coração um caminho ardente.

V - Não te toque à noite nem ar nem aurora

Não te toque à noite nem ar nem aurora,
só à terra, a virtude dos jacintos,
os ciprestes que crescem ouvindo água pura,
o barro e as resinas de teu país fragrante.

Desde Quinchamali donde fizeram teus olhos
até teus pés criados para mim na Fronteira
eras a greta escura que conheço:
Em tuas cadeiras toco de novo o trigo.

Talvez tu não sabias, araucana
que quando antes de amar-te me olvidei de teus beijos
meu coração ficou recordando tua boca.
e fui como ferido por estas ruas,

até que que compreendi que havia encontrado
amor, meu território de beijos e vulcões.

VI - Nos bosques perdidos, cortei um ramo escuro

Nos bosques perdidos, cortei um ramo escuro,
e os lábios, cedendo, levantei seu sussurro:
era talvez à voz da chuva chorando,
um companhia toca seu coração cortado.

Algo que desde tão distante me parecia
oculto gravemente coberto pela terra,
um grito ensurdecido por imensos outonos,
pela entreaberta e humildo nervos da folha.

Por ali, despertando dos sonhos do bosque,
o ramo de avelã cantou dentro minha boca
errante odor trepou por meu critério.

Como se me buscaram de pronto às raízes.
que abandonei, à terra perdida com minha infância,
e me detive ferido pelo aroma errante.  

VII – "Atarás comigo", disse, sim que nada supera

"Atarás comigo", disse, sim que nada supera
donde e como latia meu estado doloroso,
e para mim não havia planta nem barcarola,
nada senão uma ferida  por amor aberta.

Repeti: Vem comigo, como se eu morrera,
e nada via em minha boca à lua que sangrava
nada via aquele sangue que suba ao silêncio.
Oh amor, agora olvidemos à estrela com espinhos!

Por isso quando ouço que tua voz repetia,
"Atarás comigo", foi como se desataras
dor, amor, a fúria do vinho encarcerado.

que desde sua bodega submergida subiria
e outra vez em minha boca senti sabor de chama,
de sangue e de plantas, de pedra e queimadura.

VIII - Se não fora porque teus olhos têm cor de lua,

Se não fora porque teus olhos têm cor de lua,
de dia com argila, com trabalho, com fogo,
e aprisionada tens a agilidade do ar,
se não fora porque eres uma semana de âmbar.

Se não fora porque eres o momento amarelo
em que outono sobe pelas enredadeiras
e eres algum pão que lua fragrante
elabore passeando seu polvo pelo céu.

Ô, bem-amada, eu não te amaria!
Em teu abraço eu abraço o que existe,
a areia, o tempo, árvore da chuva,

e todo vive para que eu viva:
sem ir tão longe posso vê-lo todo:
vejo em tua vida todo vivente.  

IX - O golpe da onda contra pedra indócil

O golpe da onda contra pedra indócil
à claridade estala e estabelece sua rosa
no círculo do mar se reduz a um buquê,
a uma só gota de sal azul que cai.

Oh radiante magnólia desatada pela espuma,
magnética viajadora cuja morte floresce
e eternamente volve a ser e ao não ser nada:
sal, deslumbrante movimento marinho.

Juntos tu e eu, amor meu, selamos o silêncio
então destrói o mar suas constantes estátuas
e derruba suas torres de furor e brancura.

Porque na trama destes tecidos invisíveis,
d´agua desbocada, de incessante areia,
sustentamos a única e acossada ternura. 

X – Suave é bela como se música e madeira

Suave é bela como se música e madeira,
ágata, telas, trigo, durarmos transparentes,
houveram erigido a fugitiva estátua.
Para onda dirige sua contrária frescura.

O mar molha negros pés copiados
a forma recém trabalhada na areia
e és agora seu fogo feminino de rosa
uma bolha que o sol e o mar combatem.

Ai, que nada te toque fado ao sal do frio!
Que nem amor destrua à primavera intacta.
Formosa, reverbero de indelével espuma.

Deixar que tuas cadeiras imponham n´água,
uma medida nova de cisne o de nenúfar
e navegue tua estátua pelo cristal eterno.

XI – Tenho fome de tua boca, de tua voz de teu pelo

Tenho fome de tua boca, de tua voz de teu pelo,
e pelas ruas vou nutrindo-me, calado,
não me sustenta o pão, alva me decompõe,
busco o som líquido de teus pés no dia.

Estou abrindo de teu riso resvalado,
de tuas mãos cor de furioso granjeiro
tenho fome de pálida pedra de tuas unhas,
quero comer teu pé como uma intacta uva.

Quero comer o raio queimado em sua formosura,
o nariz soberano do arrogante rosto,
quero comer a sombra fugaz de teus semblantes.

e esfomeado venho e vou indagando ao crepúsculo
buscando-te, procurando teu coração carente
como uma pluma de solidão de Quitratúe.

XII - Plena mulher macieira carnal, lua cadente.

Plena mulher macieira carnal, lua cadente,
espesso aroma de algas, lodo e luz manchados,
que escura claridade se abre entre tuas colunas?
Que antiga noite homem toca com seus sentidos?

Aí, amar é uma viagem com água e com estrelas,
com ar afogado e bruscas tempestades de farinha:
amar é um combate de relâmpagos
e dois corpos por um só mel derrotados.

beijo ao beijo recorro teu pequeno infinito,
tuas margens, teus rios, teus povoadinhos,
e o fogo genital transformado em delícia.

corre para delgados caminhos do sangue
até precipitar-te como uma erva noturna,
até ser e não ser senão um raio na sombra.

XIII A luz que de teus pés sobe à tua cabeleira.

A luz que de teus pés sobe à tua cabeleira,
a turgência envolve tua forma delicada,
não é de nácar marinho, nunca de planta fria:
é de pão, de pão amado pelo fogo.

A farinha levantou seu celeiro contigo
cresceu incrementada pela idade venturosa,
quando os cereais multiplicaram seu peito
meu amor, era carvão trabalhando na terra.

Oh, pão tua frente, pão tuas pernas, pão tua boca,
pão devorado e nascente com luz cada manhã,
bem amada, bandeira das padarias,

Uma lição de sangue teu Deus o fogo,
da farinhas aprendeste a ser sagrada,
e do pão o idioma e o aroma. 
XIV Me falta tempo para celebrar teus cabelos

Me falta tempo para celebrar teus cabelos,
um por um devo cortá-los e elogiá-los:
Outros amantes querem viver com certos olhos,
e eu só quero se tua cabeleira.

Na Itália te batizaram Medusa
por a encrespada e alta luz de tua cabeleira.
Eu te chamo enredada minha emaranhada:
meu coração conhece as portas de teu pelo.

Quando tu te extravias em teus próprios cabelos,
não me olvide, acordar-te que te amo,
não me deixes perdido ir sem tua cabeleira.

por o mundo sombrio de todos caminhos,
que só tem sombras, transitórias dores,
até que o sol sobe a torre de teu pelo.

TRAD.ERIC PONTY

Nenhum comentário: