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sábado, dezembro 30, 2017

Cantiga do mal-amado - Guillaume Apollinaire - Trad. Eric Ponty

à Paul Léautaud.


E eu canto esse romance
Em 1903 sem saber
Que meu amor ao semelhante
Da bela Fênix se ela morre à tardinha
De manhã faz que renasça

Uma tardinha meia bruma de Londres
Um desordeiro que se assemelha ao
Meu amor vindo ao meu reencontro
E observa que ela se atira
Me fazendo baixar aos olhos de vergonha

Eu sigo como lamentável rapaz
Que assovia com a mão no bolso
Nossos aparentes entre as mansões
Onda abrindo o mar vermelho
Ele é hebreu e meu faraó.

Que tomba estas vagas de tijolos
Se tu não fazes passar o bem-amado
Eu sou o soberano do Egito
Sua irmã desposa seu exercito
Se tu não passas de um amor único.

A curva de uma rua ardente
De todos os fogos de suas fachadas
As feridas do nevoeiro sanguinolento
Onde sua lamentável fachada
Uma mulher ele assemelha.

Havendo seu olhar desumano
A cicatriz ao seu pescoço nu
Saindo envenenado de uma taverna
Ao momento onde eu reconheço
Na falsidade de um amor mesmo.

Quando ela se faz retornar enfim
Em sua pátria sábia de Ulisses
São velhos cães dele recordarem-se
Após esconder-se sociedade polida
Sua mulher esperar seu retorno.

A época real de Shâkuntalâ
Fatigado vencer inimigo seu alegrar-se
Quando ela reencontra mais pálida
De esperar do amor nos olhos pálidos
Acariciando sua gazela macha.

Eu penso no reinado alegres
Quando falso amor dele
De onde sou ainda amoroso
Chocando suas sombras infiéis
Me restituo seus infelizes.

Saudade sobre que inferno se funda
Que um céu olvida lavrado meus desejos
Para seus beijos dos reis do mundo
Havendo pobres mortos célebres
Por ela ter traído sua sombra.

Eu me inverno em meus passos
Regressando ao sol pascal
Por aquecer um coração mais gelado
Que os quarenta de Sebastia  
Menos que minha vida martirizada.

Meu belo navio ô minha memória
Tendo nosso suficiente navegar
Em uma onda lamentável bebida
Tendo nossa suficiente divagação
Da bela alvorada à triste tardinha.

O Adeus fez amor confundido
Com uma mulher que se afasta
É com esta que eu me perco
com últimos anos dos alemães
E que eu nem revejo mais.

Via láctea ô irmã luminosa
De brancos riachos de Canaã
E dos corpos brancos dos amores
Nadador morto persegue nossa respiração
Tuas águas verso outro nebuloso.

Eu me recordo de um outro ano
Tem uma alvorada de dia de abril
Eu canto alegria bem-amada
Canto o amor a voz viril
Num momento de um amor do ano.



Trad. Eric Ponty

Ponte Mirabeau - Guillaume Apollinaire - Trad. Eric Ponty


Embaixo da Ponte Mirabeau flui o Sena
E nossos amores
Fazem dele o que dela recordam-se
O júbilo vem sempre após a pena.

Vem à noite soando na hora
Os dias seguem eu moro.

As mãos nas mãos ficam face a face
Enquanto que embaixo
Da nossa ponte abraça o canal
De eternos olhares a onda se exaure

 Vem à noite soando a hora
Os dias seguem eu moro.

O amor está fluindo como esta d´água
O amor vai-se
Como a vida é lenta
E como à esperança é violenta.

Vem à noite soando a hora
Os dias seguem eu moro.

Passam os dias custam passar semanas
Nem o tempo passa
Nem os amores retornam
Embaixo da Ponte Mirabeau flui o Sena.

Vem à noite soando a hora
Os dias seguem eu moro.





Eric Ponty

Romance sem Palavras - 3- Paul Verlaine - Trad. Eric Ponty


Chove suavemente sobre a cidade.
ARTHUR Rimbaud.


Lamenta ele no meu coração
Como derrama na sua cidade,

O que é isso que é languidez
Que penetra meu coração?


O som suavemente de chuva
Chão sobre todos os telhados!

Para um coração é refluído,

Ou à canção que é da chuva!


Ele chorando sem nenhum motivo
Neste coração, que é que adoece.
O quê! Se não é sua traição?


Este luto se não é sem razão.
É sua pior dor desse ardor
Não sei por que, não sei por que
Sem dum amor ou sem dum ódio,

Meu coração tem tantos problemas!



domingo, outubro 01, 2017

A EFÍGIE DE JOB - ERIC PONTY




Errante palmilhasse vagamente
uma paisagem de Minas, espessa,
e na torre da tarde um sino louco

se misturasse ao som de meus palatos
sendo pausado e seco; margens pairassem
no céu de cinzas, e suas nuvens pretas

sutilmente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda sêus montes
e de meu próprio ser desentranhado,

A efigie do Job jaz se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter olhado se carpia.

Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um tom que fosse impuro
nem um brilho maior que o ponderável

Pelas pupilas vastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela visão exausta de mentar

toda uma realidade que transcende
a própria epifania sua debuxada
no verbo do mistério, nos abismos.

Abriu-se em palma pura, e convidando
quantos pedidos e intuições restavam
a quem de os ter olhado os já perdera

e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e versos sempre repetimos
os mesmos sem Lenheiros tristes périplos,

convocando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o fato inédito
da natura mítica das coisas mistas,

assim me disse, embora voz alguma
ou tinir ou eco ou simples percussão
atestasse ninguém, sobre a façanha,

A outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de

teu ser contrito e nunca demostrou,
mesmo afetando dar-se ou refazendo,
e a cada instante mais se retraindo,

veja, repara, ausculta: essa miudeza
sobrante a toda auréola, essa abnuência
sublime e formidável, mas hermética,

essa fatal explicação da vida,
do perplexo primeiro e singular,
nem conheces jamais, pois tão esquivo

se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
abre tua crença para agasalhá-la.”

As mais soturnas fontes e edifícios,
que nas oficinas se colabora,
o que ideado foi e logo atinge

distância superior ao pensamento,
recursos que se erra dominados,
e as ilusões e os impulsos e os tormentos

e tudo que definha o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber

nos sons rancorosos dos saltérios,
retorna ao fundo e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,

e o absurdo original e seus enigmas,
suas vaidades altas mais que todos
monumentos erguidos à vontade:

e a memória do Deus, fez e o solene
sentimento tez forte, que padece
no talhe da existência mais gloriosa,

tudo se apresentou nesse relance
e me clamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.

Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e o preceito,

a esperança mais mínima — nesse zelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre raios do Deus inda se filtra;

como defuntas sanhas convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face

que vou pelas paisagens demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante em mim há tantas tardes,

passasse a comandar minha verdade
que, já de si volúvel, encerrava
semelhante a essas dores reticentes

em si mesmas feridas e fechadas;
como se um tom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,

baixei olhares, incurioso, lasso,
desdenhando olhar a coisa ofertada
que se abria gratuita a meu empenho.

A relva mais estrita já pousara
sobre a paisagem de Minas, pedregosa,
e a efígie do Job jaz, repelida,

se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que vertera,
seguia vagaroso, nos chão densos.
Eric Ponty

quinta-feira, setembro 28, 2017

Eric Ponty - Sufrágio a Estátua Ressequida




 I – O axioma
Do mármore e memória.
Do silêncio e da sombra.
Do não haver e da pedra.
Do inteligível terna.

 II – matéria e esboço
É toda obra demanda inícios,
Meio mesmo do fim. Axioma.
Do mármore nasce da sombra
Da sensível ao silenciar-se
Da pedra na sua forma bruta.

Pode à pedra dizer-nos sobre
Esta ausência forma nos faz
Tangível dentro da fala árdua?

Pode a pedra dizer-nos sobre
Criada representação? Seu saber
Ocupação do espaço histórico.
Pode a pedra nos dizer sobre
Súbita falta? Corrosão? Erosão?
Desterro? Dor e arqueologia?

 III – matéria e a construção
Toda obra nasce muitos talhes,
Bastando-se contra foz mármore
A perpetuasse na dor sê-lo
Ao arrastar-se enquanto verdade.

Esta obra nasce muitos talhes,
Toda estética nutre mui ecos
Não estavam ali agora há pouco,
Gesto e mármore: movimento.

Toda obra nasce muitos talhes,
Própria ausência do preencher-se
Da interminável conjectura pueril
Saber palpável pele ser ao conceber.

Toda obra nasce muitos talhes,
Saber da identidade espaço
se houveram divisas silêncio
do ato gesto súbito do ar.

 IV – o mundo inteligível
Ausência ser obra feria
À consciência e da sombra
- Ruptura
Capaz partir do inteligível
Ser própria essência desta obra
Primogênita eterna infância
Era breve nascer, romper abrolhar
O mundo inteligível. Fazer-se
Presente do mundo sensível.

V – o mundo sensível
Uma obra não nasce à toa
Ao bel prazer do artesão
Ser corrompida vaidade.

Uma obra não nasce à toa
Ao bel prazer do artesão
Envolve-nos em seus fios
A primeira não lhe veja,
É para não lhe aperceba
De que não se tire nada
Nem mero cuspe do franco.
São noites, dias de vazio
Baques sem gozo perdão
Donde morte olha na porta
Toca suave melodia na horta.
Uma obra não nasce à toa
Ao bel prazer do artesão.

VI – a confecção da matéria
Não nasce à toa o detalhe.
A consciência, o ser pedra.

A consciência de silêncio.
De habitar a sombra frágil,
saber-se minério da fala.

Do não se saber ainda obra,
Desconhece-se o axioma.

A consciência se a edifica
Dando acaricia tez sem sombra.

Já não nasceu à toa do detalhe,
São matérias se configurou
É carpir grito arremete-se
Ao tempo
À construção desse silêncio.

VII – limite da aspiração
O artesão apenas propõe
Para deixa-la dela ser
Conjectura nata rija,
Fazendo presença una.

O artesão apenas propõe
Do esboço que se floresça
De que são seus golpes no ar
Da obra ainda de que em sonho.

O artesão apenas propõe
Daquilo visto na noite
Dos anjos e dos demônios
Lhes sussurram-lhes altivos.

VIII – Translação da memória
Eu trasladei a repercussão
Nos Matozinhos assentar
Revolta Tijuco admirar-se
Em Santa Cruz silenciar bairro
Seu dos Montes sussurrar casas
Da Colônia ser contrafeito
Altares igrejas marmóreas
É dos artesões das lojinhas
Feiras da aparência imperava
À marmórea consciência pedra.

Brancura horizontes
Nasciam ali novos
Eu que trasladava
Em minha leitura
São João del-Rei.

Mármore e memória.
Silêncio e da sombra.
Não haver e da pedra.
Terna inteligível.
Éric Ponty