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domingo, outubro 01, 2017

A EFÍGIE DE JOB - ERIC PONTY




Errante palmilhasse vagamente
uma paisagem de Minas, espessa,
e na torre da tarde um sino louco

se misturasse ao som de meus palatos
sendo pausado e seco; margens pairassem
no céu de cinzas, e suas nuvens pretas

sutilmente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda sêus montes
e de meu próprio ser desentranhado,

A efigie do Job jaz se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter olhado se carpia.

Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um tom que fosse impuro
nem um brilho maior que o ponderável

Pelas pupilas vastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela visão exausta de mentar

toda uma realidade que transcende
a própria epifania sua debuxada
no verbo do mistério, nos abismos.

Abriu-se em palma pura, e convidando
quantos pedidos e intuições restavam
a quem de os ter olhado os já perdera

e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e versos sempre repetimos
os mesmos sem Lenheiros tristes périplos,

convocando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o fato inédito
da natura mítica das coisas mistas,

assim me disse, embora voz alguma
ou tinir ou eco ou simples percussão
atestasse ninguém, sobre a façanha,

A outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de

teu ser contrito e nunca demostrou,
mesmo afetando dar-se ou refazendo,
e a cada instante mais se retraindo,

veja, repara, ausculta: essa miudeza
sobrante a toda auréola, essa abnuência
sublime e formidável, mas hermética,

essa fatal explicação da vida,
do perplexo primeiro e singular,
nem conheces jamais, pois tão esquivo

se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
abre tua crença para agasalhá-la.”

As mais soturnas fontes e edifícios,
que nas oficinas se colabora,
o que ideado foi e logo atinge

distância superior ao pensamento,
recursos que se erra dominados,
e as ilusões e os impulsos e os tormentos

e tudo que definha o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber

nos sons rancorosos dos saltérios,
retorna ao fundo e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,

e o absurdo original e seus enigmas,
suas vaidades altas mais que todos
monumentos erguidos à vontade:

e a memória do Deus, fez e o solene
sentimento tez forte, que padece
no talhe da existência mais gloriosa,

tudo se apresentou nesse relance
e me clamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.

Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e o preceito,

a esperança mais mínima — nesse zelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre raios do Deus inda se filtra;

como defuntas sanhas convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face

que vou pelas paisagens demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante em mim há tantas tardes,

passasse a comandar minha verdade
que, já de si volúvel, encerrava
semelhante a essas dores reticentes

em si mesmas feridas e fechadas;
como se um tom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,

baixei olhares, incurioso, lasso,
desdenhando olhar a coisa ofertada
que se abria gratuita a meu empenho.

A relva mais estrita já pousara
sobre a paisagem de Minas, pedregosa,
e a efígie do Job jaz, repelida,

se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que vertera,
seguia vagaroso, nos chão densos.
Eric Ponty

Um comentário:

SILO LÍRICO - Poemas, Contos, Crônicas e outros textos literários. disse...

Éric, eu aqui aportei
E lendo teus lindos versos
Senti ímpetos diversos
De estar diante de um rei,

Não por ditar sua lei,
Mas se Senhor de universos
E de meandros dispersos
Que em poesia encontrei.

Eu, como versejador
Foi-me tão compensador
Aportar nesse teu mar

Onde sou teu seguidor
Voltarei com mais amor
Pra ler e essa esse espaço amar.

Grande abraço. Laerte.