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segunda-feira, julho 09, 2018

A JOVEM PARCA - PAUL VALÈRY - TRAD. ERIC PONTY


Quem chora ali, sem não é simples vento, nesta hora
Só com diamante extremo? …  Com diamante extremo
Porém quem chora, tão próximo a mim momento de chorar?

Esta mão sobre meus traços que ela sonha rogar,
Distraidamente dócil, tem algum fim profundo,
Aguarda de meu marasmo uma lágrima que derrete,

E que de meus destinos, lentamente dividida,
No é mais puro silêncio limpar um coração certo.
A ondulação me murmura uma sombra me reprove,

O, aqui abaixo, oculta em suas gargantas de roca,
Como decepcionada e bebida amargamente
DUm rumor vago de canto e de constrição…

Que fazes, enrizada, e esta mão glacial,
E que gemido duma folha jaz manchada,
Persiste entre vossas, ilhas de meu senso nu? …

Cintilar, aliada por esse céu desconhecido…
DO imenso racimo brilha para mi sede de desastres.
Todo-poderosos estrangeiros, inevitáveis astros

Que se dignam alumbrar ao temporal distante,
Eu não sei que de puro e de sobrenatural;
Quem entre os mortais os submergis até as lágrimas,

Esses soberanos estalidos, essas invencíveis armas,
E os lances de vossa eternidade é própria eternidade,
Estou só com vocês, tenebrosa, atrás deixar,

Meu leito; e por cima do escolho mordido por a maravilha,
Interrogar ao meu coração a quem desperta a dor,
Que crime por mim ou sobre mim é consumado? …

… O se me persegue o mal dum sonho cativo,
Quando (o veludo dum sopro voou ao ouro das lâmpadas)
Com meus fortes braços apresentei meus sinais,

E, largamente, de minha alma contemplei os destelos?
Toda? Porém toda minha, amante de minha carne,
Endurecida por um escalafrio sua entranha extensão,

E em meus doces laços, com meu sangue ungido,
Me vejo verme, sinuosa, e adorei ver-me assim,
Dos meus olhares, minhas profundas florestas.

Perseguia uma serpente que acabava de morder-me.
PAUL VALÈRY
TRAD. ERIC PONTY
POETA, TRADUTOR,LIBRETISTA ERIC PONTY

sábado, julho 07, 2018

Relado à Academia (FRAGMENTO) - Franz Kafka TRAD. ERIC PONTY

Honoráveis soberanos da Academia!

A mim representa um grande honor seguir sua convocação a apresentar um malfeito à Academia sobre minha anterior vida siamesca.

Entretanto, por desgraça, não posso corresponder aos seus requerimentos nesse sentido. Já se hão cumprido quase cinco anos desde que me separei de minha condição de primata, um período de tempo que, talvez, considerado no calendário, possa resultar breve, porém que fui infinitamente largo de recorrer, sobre todo neste modo em que eu lhes falei, acompanhado cada trecho por homens exímios, conselhos, ovações, música orquestral, ao que no fundo sempre estive só, pois todo meu acompanhamento, para dizê-los com linguagem figurada, se mantida detrás da barreira. Toda essa atividade houvera sido impossível se eu, por obstinação, houvera desejado seguir prisioneiro as minhas origens e a minhas lembranças juvenis.

Precisamente renunciar a toda obstinação constituiu o mandamento supremo que eu mesmo me impus; eu, num modo livre, me submeti a essa situação. Por esta mesma razão, sem problemas, nas lembranças se desvanecem cada vez mais. Se em um princípio, neste caso de que os homens assim o houvesse desejado, havendo se houvera mantido aberto o caminho de regresso através da grande porta que o céu forma sobre a terra, meu desprendimento progressivo e violento se havia tornado mais estreito e asfixiante; me sentia muito melhor e mais adaptado no mundo humano, à tormenta que vinha fazia minha desde meu passado se havia suavizado; agora só é uma corrente de ar que me esfria na província, e a chuvarada na longínqua  por ele que sopra esse ar, e que eu também atravessasse, se há fronteira tão pequena que, se minhas forças e vontade bastarem para regressar, tinha que desprender-me ao pé para poder passar. Dito com toda sinceridade, por mais que me goste de empregar efígies a estas coisas, dito com toda franqueza: Sua condição simiesca, senhores, no caso de que tenham algo similar as suas espadas, não lhes pode ser mais estranha que a mim a minha! Porém a todo aquele que anda por a terra, lhe conquista a casa: tanto ao pequeno chimpanzé como ao grande Aquiles.

Franz Kafka
TRAD. ERIC PONTY

SONETOS - WILLIAM SHAKESPEARE - TRAD. ERIC PONTY


IV
Encanto derrotado, por que gastas
Tua herança de postural só em ti?
Natura não presenteia apenas nada:
Tão só prestando há quem dão sem fim.

Por que, então, beleza egoísta, abusas,
Da largueza com que te hão munido?
Efêmero usuário, por que apuras,
Tamanha suma e não obtêm respiro?

Sendo tu único cliente é tua pessoa,
Acabarás findando tu encanto;
Assim, quando por fim chegue tua hora,

Com que reserva farás guardar saldo?
Sem uso, tua beleza é coisa morta;
Ao usar, se converte em teu testamento.



V
As horas obsequiosas talharão,
O rosto que cativou os olhares,
Serão as mesmas que, como dos tiranos,
Desgracem o que agora irradia graça.

O tempo inexorável transfigura,
Ao agraciado estio em tenso inverno:
A seiva gelada, os ramos desnudos,
O belo embaixo neve, ao campo ermo;


Se à essência estival não permanece,
O Cativo em seu cárcere cristalino,
A beleza seu efeito, ambos dois morrem.

Há um tempo, sem deixar memória viva,
As flores, ao que hibernem, destiladas,
Não iluminam mas conservam sustância.

WILLIAM SHAKESPEARE
TRAD. ERIC PONTY