(Releitura Poética do Livro Homo-Imagens de Eric Ponty)
Dissecação para o grito
Meus olhos novamente ungidos
Sim, meus olhos futuristas
cubistas
interseccionistas
Que não param de sorver toda a beleza
espectral
sucedânea
sem suporte
desconjuntada
sempre emersa
sempre variável
sempre livre
Sempre em contínuas mutações
Sempre em insondáveis divergências
I
E se ante o cotidiano
entre ruas, avenidas e transeuntes
inesperadamente abríssemos a boca
num ato brusco e sem melodia?
Será que aquele impensado gesto
faria sucumbir a crua realidade?
Que somos senão sombras
do que ontem sonhávamos?
Não somos mais que fátuos do vivido
Nossa memória do criado sempre se desfaz!
Nada mais nos resta que soluçar
após tão brusca passagem
e a revelação de não nos transcendermos
Sempre devemos desfazer o feito
Para depois, descer exaustos
num grito.
II
Nos desfiguramos ante o som
como se fôssemos íntegros
e nem percebêssemos
que tudo estava figurado
e que desfiguramos tudo
como se tudo fora a imagem
a mesma imagem vertida
na reflexão da mesma onda.
O cotidiano é um enfado
estranha selva de almas
onde nossos gestos se findam.
No final, talvez reste uma lembrança
que nos libere
da condição de animais enfarados
últimos deste universo
que se auto-destrói.
No Cosmo, somos apenas um eco
e de nada valerá nosso reflexo
ante a consciência do Ahânkara
III
Abatidos seguimos nossa via
portando réstias de memórias
que se decompõem
ante nossa inconsciência
ao sol.
Aquele homem sob a velha árvore
será apenas um reflexo
ou mera ilusão de ótica?
Será que ainda lhe pulsa o coração?
Solitários, sim, não passamos de ecos
ecos soluçantes do espetáculo
da vida.
Ecos áridos, degredados de quem
ainda que queira
não pode interferir.
IV
A noite se adensa em nossa alma
Embora sua existência pareça sólida
tudo não passa de conjecturas
onde vários eus se fixam
para que não nos dissipemos na aurora
Sob a lua se nos olharmos ao espelho
não veremos mais que fantasmas
O rosto refletido pelos argênteos raios
nada pode dizer-nos de novo.
Sob a nossa apaziguada pele
Sob a estrutura de tôscos crâneos
após a dissecação do tempo
Não restará mais que um vago riso.
V
Adentrar a consciência
lançar-se às interrogações
nos espaços dos eus
restam escadas
que não conduzem a nada
Embora as portas continuem abertas
e as paredes exibam os mesmos rebôcos
O eco do grito primal
que lançamos ao nascer
talvez ainda possa ser ouvido
por entre os esquecidos pássaros
dos esquecidos sonhos
É um grito vindo das estrelas.
VII
Onde abrigar esta dor
dos sonhos passados?
Aquele esperado mensageiro
não passava de uma ilusão
num diálogo sussurrado
É por isso, como se fora um sonho,
que esta dor sempre se renova a cada dia
Estações da alma, estações do tempo
Fenecemos nas mesmas angústias
apesar da réstia de esperança.
VII
Fugir! por quê e prá quê?
Pense a casualidade como sina
ou o nascimento de um herói ou covarde
Como será isto se toda sina é igual?
Não há fugir
embora a noite e sua escuridão
proporcione abrigo, esquecimento
Nosso eu se move na escuridão
num labirinto de sombras
desde nosso nascimento
VIII
Solidãoverdade a ser carregada na alma
na memória
Qual feixe de perspectivas relativas
olhemos em volta!
Não se vê mais que dissecados sonhos
Sonhos migrados da inconsciência
E da sua irrealidade nada nos advém
além das mesmas suposições.
ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA
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