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quarta-feira, agosto 06, 2025

Os presentes de Natal dos órfãos - Arthur Rimbaud - TRAD.Eric Ponty

I
O quarto está cheio de sombras.
Ouve-se indefinidamente
O triste e suave sussurro de duas crianças.
A testa dobrar, ainda pesada pelo sonho,
Sob a longa cortina cândida que treme e se ergue.
Lá fora, as aves aproximam-se, com frio;
As asas ficam inertes sob o tom cinzento do céu.
E o novo ano, com o seu rasto nebuloso,
Deixando arrastar as pregas do seu vestido alvo qual a neve,
Sorri com lamúrias nos olhos e canta enquanto tremem de frio.

II
Mas as crianças, debaixo da cortina esvoaçante,
Falem baixo, como se faz numa noite escura.
Eles ouvem, pensativos, qual um murmúrio distante.
Eles frequentem tremem com a clara voz de ouro
Do som matinal que bate e bate sem parar
O refrão metálico na sua esfera de vidro.
E o quarto está glacial. Vê-se minado pelo chão,
Expandir-se ao redor das camas, roupas de luto.
O vento frio do inverno, que lamenta à porta,
Sopra na casa o seu hálito sombrio.
Sente-se em tudo isto que falta alguma coisa...
Portanto, não há mãe para essas criancinhas,
Da mãe com o sorriso fresco e o olhar triunfante?
Então, ela olvidou, à noite, só e torta,
De acender uma chama a partir de cinzas partidas,
Cobri-los com lã e edredons?
Antes de deixá-los, gritando: «Perdoem-me!»
Ela não previu o frio da manhã,
A porta está bem fechada contra o vento frio do inverno?
— O sonho materno é o tapete morno,
É o ninho fofo onde as crianças, tapetes
belos pássaros sacudindo nos galhos,
Dormem o seu sono doce, cheio de visões cândidas
E aí, é como um ninho sem penas, sem calor,
Onde os pequenos têm frio, não dormem, têm medo;
Um ninho que deve ter sido gelado pelo vento frio...
III
O seu coração envolveu: estas crianças não têm mãe.
Não há mais mãe em casa! — e o pai está bem longe!
Então, uma velha criada cuidou deles.
Os pequenos estão sós na casa gelada...
Órfãos de quatro anos, eis que em seus pensamentos
Acorde, aos poucos, uma lembrança alegre.
É como um rosário que se reza:
Ah! Que manhã admirável é a manhã dos presentes!
Durante a noite, todos sonharam com as suas,
Num sonho estranho em que se viam brinquedos,
Doces revestidos de ouro, joias cintilantes
Rodopiar, dançar uma dança sonora,
Depois fugir por baixo das cortinas, para voltar a surgir.
Acordávamos de manhã, levantávamo-nos felizes,
Com os lábios sedutores, raspando os olhos;
Íamos, com cabelos entrelaçados na cabeça,
Os olhos acesos quais nos grandes dias de festa
E os pezinhos descalços roçando o chão,
Tocar amenamente à porta dos pais;
Entrávamos; depois, então, os votos... em camisa,
Beijos repetidos e alegria aceita!
IV
Ah! Era tão sedutor ouvir essas palavras tantas vezes...
— Como mudou a casa de outrora!
Uma grande fogueira crepitava, clara, na lareira.
Todo o velho quarto estava acendido;
E os reflexos rubros, saídos da grande lareira,
Nos móveis envernizados gostavam de girar.
O guarda-roupa não tinha chaves, o grande armário não tinha chaves!
Olhávamos amiúde para a sua porta castanha e preta:
Sem chaves, era estranho! Muitas vezes sonhávamos
Aos mistérios acalmados entre os flancos de madeira;
E parecia-se ouvir, no fundo da fechadura
Boca aberta, um ruído distante, vago e alegre murmúrio...
— O quarto dos pais está bem vazio hoje!
Não havia nenhum reflexo rubro sob a porta.
Não há pais, lar, chaves levadas;
Portanto, nada de beijos, nada de surpresas afáveis.
Oh! Que triste será o dia de Ano Novo para eles!
E, pensativos, enquanto os grandes olhos azuis
Silencioso rui uma fúcsia amarga,
Eles sussurram: «Quando é que a nossa mãe vai voltar?»
V
Agora, os pequenos dormem tristemente.
Ao vê-los, diria que choram enquanto dormem,
Tão briosos estão os olhos e tão difícil é a seu sopro:
As crianças pequenas têm um coração tão sensível!
Mas o anjo dos berços vem enxugar os seus olhos,
E nesse sono profundo, tem um sonho feliz,
Um sonho tão alegre que os lábios entreabertos,
Sorrindo, parece murmurar algo.
Eles sonham que, apoiados nos bracinhos redondos,
Com gesto suave ao acordar, eles avançam a cabeça;
E o seu olhar vago repousa sobretudo à sua volta.
Eles acham que estão dormindo num paraíso cor-de-rosa...
Na lareira cheia de faíscas, o fogo canta festivo;
Pela janela, vemos lá fora um lindo céu azul;
A natureza desperta e se embriaga com os raios;
A terra, seminua, feliz por reviver,
Com arrepios de alegria ao beijo do sol,
E, na velha moradia, tudo está morno e rubro,
As roupas abrumadas já não cobrem o chão,
A brisa sob a soleira por fim se acalmou:
Parece que uma fada passou por aqui!
As crianças, muito felizes, deram dois gritos... Lá,
Perto da cama materna, sob um belo raio rosa,
Ali, no grande tapete, brilhava algo.
São medalhões prateados, pretos e brancos,
De madrepérola e azeviche com reflexos coruscantes,
Pequenas molduras pretas, coroas de vidro,
Com três palavras gravadas em ouro: «À NOSSA MÃE!»

 Arthur Rimbaud - TRAD.Eric Ponty

 

 ERIC PONTY POETA-TRADUTOR-LIBRETTISTA

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