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segunda-feira, novembro 25, 2024

BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. Tradução Éric Ponty.

 

Resenha
BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. Tradução Éric Ponty. São Paulo> Break Media Brasil, 2024.
A partir da primeira edição, de 1857, As flores do mal têm sido objeto de uma série de traduções por inúmeras línguas, dentre elas o Português. Optamos, aqui, pela mera citação da existência delas, em vez da apresentação de um panorama histórico, ainda que sintético, dessas traduções (versões) para a língua portuguesa. Todavia cada tradução evoca as edições anteriores, menos no sentido de tê-las como influência ou juízo de valor, antes pela referência ao exercício da nova tradução. Sem negligenciar o aspecto do mito ou fantasma que rondaria sempre toda tradução – “a traição do tradutor”. Ressaltando, assim, a criação, sobretudo quando se refere à poesia, em que se recorre à criatividade (criação) exigida do tradutor.
Éric Ponty é um poeta, com reconhecimento nacional de sua produção poética, bem como de suas traduções, com extensa publicação em ambas as atividades literárias. Constam de seu currículo traduções de Paul Verlaine, Jorge Luís Borges, Rimbaud, Virgínia Woolf, inclusive outro poema de Baudelaire. O que lhe credencia a essa tradução de As flores do mal, numa edição cuidadosa da Editora Ipê das Letras (Portugal/Brasil), corroborando o prazer e o exercício da leitura, especificamente dessa poética de Baudelaire em língua portuguesa.
Ao contrário de outras traduções, nesta se abre mão de uma reiteração do sistema de rima que imporia ao exercício da tradução a semelhança rítmica do sistema original, elegendo-se a fidelidade ao texto original, em vez da mera literalidade, sem comprometer a fluidez da linguagem, proporcionando ao leitor uma experimentação do texto de Baudelaire ao rigor de sua originalidade, porém, na fluidez peculiar da língua portuguesa. Essa opção garante, pois, ao leitor, mais do que um contato, o estado poético de As flores do mal, sobretudo quanto à abordagem poético-filosófica de temas recorrentes, como a morte, a beleza, a emoção mística e o ardor sensual que distinguem esse texto no âmbito das poéticas modernas. Não há um abandono, uma exclusão do rigor rítmico de Baudelaire, há uma ênfase preferencial pelo estado poético na língua portuguesa.
Entretanto, essa opção leva a nível arriscado a compreensão de algumas passagens, deixando o verso, o poema, por vezes, ilegíveis, podendo ter sido resolvido por uma aplicação mais rigorosa, da própria fluidez da língua portuguesa, que a tradução procura privilegiar, por meio, por exemplo, de maior coesão de certos versos, frases, sentenças, da flexão de alguns verbos à linguagem portuguesa, o que não prejudica a opção da tradução, minimizando as dificuldades de compreensão do potencialmente leitor.
A tradução de Éric Ponty, portanto, tem o mérito de procurar um equilíbrio entre a poética original e sua correspondência na língua portuguesa, numa demonstração de que a tradução de poesia pode ser realizada, até porque a propagada intraduzibilidade poética não se constitui numa inviabilidade das traduções que ocorrem em todas as línguas. E, ao mesmo tempo, sofre os efeitos dos riscos dessa persistência pelo equilíbrio, na medida em que esse rigor preferido põe em risco a compreensão por causa da fluidez na língua portuguesa.
Aliás, ressalta Ivan Junqueira que guardados os riscos, o tradutor, ao se contaminar pela linguagem original, contamina a língua para onde traduz, e da literalidade, que comprometeria o estado poético, é possível traduzir, uma vez que toda tradução implica exatamente nessa persistência pelo regate e equivalência (equilíbrio) criado pelo tradutor entre a língua original e a língua para onde se traduz, preservando-se o estado poético do texto original e a sua equivalência na língua traduzida. Ou seja, a tradição é um exercício que se pode entender , a partir de Silviano Santiago, que se faz entre a flexibilidade e o rigor.

Nilo Silva Lima 


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